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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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da ostentação, um suserano dividi<strong>do</strong> entre a preservação de antigas leis e a<br />

acolhida de novos costumes.<br />

O Torto, por sua vez, não é somente o fidalgo amaneira<strong>do</strong> e oportunista, o<br />

amante voluptuoso, o mandrião cômico exposto a adversidades, o embusteiro<br />

egocêntrico com ares de nobreza, petulante, incorrigível e aliena<strong>do</strong>. Ele é também<br />

um indivíduo em franco processo de aculturação e abrasileiramento, um<br />

personagem que, ao despojar-se de suas vestimentas e de seu passa<strong>do</strong>, ganha<br />

novos traços de caráter, um sujeito à procura de uma nova identidade. Sua busca já<br />

não é exatamente cômica, é lírica, romântica, quixotesca. Ele representa o europeu<br />

transplanta<strong>do</strong>, desenraiza<strong>do</strong>, aquele tipo de homem que Stuart Hall chama de<br />

“homens traduzi<strong>do</strong>s” 50 , os que migraram ou foram transferi<strong>do</strong>s, os que pertencem a<br />

<strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s, duas culturas, convivem com duas linguagens, habitam duas<br />

identidades e precisam aprender a traduzi-las.<br />

Tampouco Muira-Ubi pode ser reduzida a uma criatura de uma só face. Esse<br />

personagem, que gravita com devoção ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Torto, executa um movimento<br />

antípoda ao <strong>do</strong> amante. Enquanto Jerónimo se despoja de seus antigos hábitos e<br />

vestimentas, enquanto se des-cobre, converten<strong>do</strong>-se num incondicional “enamora<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> sertão e de sua gente” 51 , Muira-Ubi, mulher exemplar e disciplinada que avista<br />

muito além de seus limites, assimila a crença, a língua e os costumes lusitanos e<br />

cobre-se com a indumentária <strong>do</strong>s conquista<strong>do</strong>res. Um pouco para fazer jus ao seu<br />

novo nome cristão, talvez para esconder a pele morena de índia tabajara, quem<br />

sabe, para melhor transparecer o orgulho de sua nova identidade ou tornar mais<br />

evidente seu sangue brasílico de princesa. Portanto, quan<strong>do</strong> se simplifica em<br />

demasia um personagem, corre-se também o risco de degradá-lo.<br />

Ao mesmo tempo em que os escritores satíricos falam de coisas miúdas,<br />

<strong>do</strong>s temas pequenos, <strong>do</strong>s assuntos mais baixos e anódinos, como se fossem<br />

ocorrências nobres e grandiosas, exageran<strong>do</strong>-as, alçan<strong>do</strong>-as à categoria das coisas<br />

mais elevadas, também executam o movimento reverso, tratam <strong>do</strong>s fenômenos mais<br />

complexos e perturba<strong>do</strong>res, <strong>do</strong>s temas mais densos e respeita<strong>do</strong>s, como se fossem<br />

objetos triviais ou irrisórios, como se falassem de coisas comuns ou insignificantes.<br />

Renunciar às explicações profundas, indigestas e tediosas, desrespeitar o sério e o<br />

circunspecto com brincadeiras, gracejos e ironias, generalizar ou simplificar<br />

50 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 89.<br />

51 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1988. p. 137.<br />

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