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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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a interpretação obsessiva que o faz não-livre, pois em todas as ocasiões só obedece<br />

à mesma paixão que o escraviza.” 49<br />

À primeira vista, pareceria bastante fácil reduzir os personagens de O<br />

tetraneto del-rei a tipos satíricos mais ou menos gerais e caricatos: Duarte Coelho<br />

encarnan<strong>do</strong> a figura <strong>do</strong> capitão demente; o Torto, representan<strong>do</strong> o fidalgo<br />

desventuroso, o malandro oportunista; o solda<strong>do</strong> Calafurna, como bode expiatório<br />

da guerra, o falso mártir português; Ayres Telo, o tagarela, fofoqueiro e adula<strong>do</strong>r;<br />

Nuno Cabreira, o moribun<strong>do</strong> ignoto; a Senhora Augusta, a amante i<strong>do</strong>latrada,<br />

provavelmente uma cortesã; Camões, o amigo imaginário <strong>do</strong> Torto; Aracy, o<br />

flecheiro indígena, hábil e traquinas; Vasco Guedes, o arcabuzeiro desertor, o<br />

brutamontes sarcasta e obsessivo; o cacique Arco Verde, chefe indígena despótico<br />

e interesseiro; Muira-Ubi, a indiazinha esperta e assanhada; Pio Palha Ribeiro, o<br />

solda<strong>do</strong> choramingão; Padre Sabugal, jesuíta dissimula<strong>do</strong> e astucioso; sem nos<br />

esquecermos <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r, um pseu<strong>do</strong>cronista zombeteiro e anacrônico, de estilo<br />

hiperbólico e grandiloqüente.<br />

Se, por um la<strong>do</strong>, essa generalização e redução extremas podem ser<br />

oportunas para análises preocupadas em capturar o projeto romanesco<br />

subconsciente <strong>do</strong> escritor, ou apreender a técnica que conduz o romance à<br />

comicidade, por outro, tentativas apressadas de classificação acabam deturpan<strong>do</strong>,<br />

falsean<strong>do</strong> e esconden<strong>do</strong> características e matizes vitais <strong>do</strong>s personagens. Harol<strong>do</strong><br />

Maranhão sem dúvida utiliza a caneta satírica para caricaturar, entretanto, ao<br />

contrário das sátiras protocolares, a sua empenha-se em exibir também a dimensão<br />

humana das figuras que retrata, seus gozos e tormentos, hesitações e<br />

transformações, erros e aprendizagens, enfim, suas idas e venidas, como bem<br />

anuncia antecipadamente o título <strong>do</strong> romance.<br />

Duarte Coelho não é apenas um capitão demente, ele é também o cunha<strong>do</strong><br />

que oferece conselhos sensatos ao Torto, o comandante astuto que açula os<br />

portugueses à guerra para melhor controlar a rebeldia <strong>do</strong>s indígenas, o <strong>do</strong>natário<br />

abasta<strong>do</strong>, avaro de terras e ouro, o escraviza<strong>do</strong>r de índios, o senhor feudal. O<br />

cacique Arco Verde é a versão aborígine <strong>do</strong> comandante português, seu contraponto<br />

e complemento, o estrategista que enxerga no matrimônio da filha um meio de<br />

aplacar a guerra e de se tornar um chefe tribal mais influente, um amigo da pompa e<br />

49 HANSEN, João A<strong>do</strong>lfo. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia <strong>do</strong> século XVII. São<br />

Paulo: Companhia das Letras: Secretaria de Esta<strong>do</strong> da Cultura, 1989. p. 308.<br />

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