Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
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embostela<strong>do</strong> [...] piolhento [...] enchamerdea<strong>do</strong> [...] defunto pustuloso [...] porco<br />
pulgoso” (p. 204).<br />
Quan<strong>do</strong> um ora<strong>do</strong>r recorre às palavras tabus e aos temas proibitivos de uma<br />
comunidade, com o intuito de provocar risos de transgressão e dessacralização em<br />
alguns auditórios, pode inclusive acabar granjean<strong>do</strong> certo prestígio social. Aquele<br />
que ousa enunciar (ou pior, expressar por escrito) palavrões em circunstâncias não<br />
autorizadas, aquele que desafia o efeito corrosivo <strong>do</strong>s termos proibi<strong>do</strong>s, que<br />
blasfema, que fala abertamente de sexo, que vence a repugnância, que degrada as<br />
funções nobres <strong>do</strong> corpo humano, pode ser visto como alguém mais corajoso, mais<br />
masculino ou superior ao restante de seus compatriotas. 48 O satirista se alimenta<br />
dessas vantagens proporcionadas por seu despu<strong>do</strong>r e descaramento para dar-nos<br />
certas lições, lições sobre estupidez, loucura e maldade humanas, lições sobre a<br />
mecânica <strong>do</strong>s instintos e principalmente lições de humildade, desespero e<br />
pessimismo.<br />
A sátira também tipifica de forma extrema os seres humanos, seja<br />
inventan<strong>do</strong> caricaturas grotescas, retratos difamatórios, coleções de espécimes<br />
facilmente reconhecíveis, de caracteres grosseiramente pinta<strong>do</strong>s, seja fornecen<strong>do</strong>-<br />
nos molduras nas quais podemos encaixar grande parte de homens e mulheres. A<br />
técnica básica <strong>do</strong> retrato satírico costuma ser guiada pelas seguintes motivações: há<br />
uma tentativa de destruir a unidade das pessoas, dissocian<strong>do</strong> seus corpos de suas<br />
atitudes, intenções e discursos; há um interesse por representar tu<strong>do</strong> o que é rígi<strong>do</strong><br />
e mecânico, bem como uma queda especial por personagens misantropos,<br />
distraí<strong>do</strong>s ou ansiosos; há uma tendência de centralizar nossa atenção na<br />
materialidade corporal <strong>do</strong>s indivíduos, exageran<strong>do</strong> idiossincrasias físicas ou<br />
proporcionan<strong>do</strong> a certos órgãos uma relativa independência; há uma aptidão para<br />
salientar cacoetes, vícios e desvios morais, rebaixan<strong>do</strong> a racionalidade ao nível <strong>do</strong>s<br />
instintos; há um desejo de subordinar o personagem aos aspectos degradantes de<br />
sua profissão, ofício ou emprego, tornan<strong>do</strong>-o incapaz de superá-los ou transcendê-<br />
los; finalmente, há um esforço por sempre retratar alguma forma de obsessão,<br />
perversão ou loucura: “Ao construir seu tipo como maníaco, a sátira constrói também<br />
48 POSSENTI, Sírio. Discurso, estilo e subjetividade. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 169.<br />
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