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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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símbolos, rituais, obras e objetos de referência, costumes, personagens ilustres,<br />

temas consagra<strong>do</strong>s, etc. Enquanto as técnicas de exagero e redução perturbam os<br />

contextos e arruínam a substância de certos elementos, transforman<strong>do</strong>-os em<br />

objetos inflexíveis, estranhos ou inúteis, a degradação age no senti<strong>do</strong> de torná-los<br />

acima de tu<strong>do</strong> infames. A obscenidade, a pornografia, o palavrea<strong>do</strong> tabu, as orgias<br />

excrementícias e escatológicas estão a serviço desse processo de aviltamento,<br />

dessa tentativa de desconcertar o leitor (ou o especta<strong>do</strong>r) através de uma atitude<br />

desrespeitosa, petulante e ofensiva <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e da vida.<br />

Em O tetraneto del-rei, o que deveria ser obscenidade se transforma em<br />

sensualidade, em erotismo, e não tem relação direta com o uso de vocabulário<br />

chulo. 42 Este será reserva<strong>do</strong> para expressar irritação, indignação, ódio ou aversão<br />

com propósitos degradantes e purgativos. Mesmo quan<strong>do</strong> os palavrões se<br />

incorporam aos jogos de palavras e adquirem escopo aparentemente lúdico, o<br />

tabuísmo nessa obra tem quase sempre um efeito purifica<strong>do</strong>r.<br />

Aliás, o próprio Harol<strong>do</strong> Maranhão, em seu habitual tom de burla, teoriza<br />

sobre a função medicamentosa <strong>do</strong> palavrea<strong>do</strong> obsceno num de seus trabalhos com<br />

características autobiográficas, insistin<strong>do</strong> ironicamente sobre os efeitos benéficos<br />

<strong>do</strong>s insultos no desafogo das depressões próprias e alheias:<br />

um filho da puta assesta<strong>do</strong> na hora certa causa alívios consideráveis e se<br />

eu tivesse tempo e competência escreveria tese de mestra<strong>do</strong> sob o<br />

provisório título de “Do Palavrão e de Sua Indicação Terapêutica no Alívio<br />

das Tensões”, tese mais que sustentável, um porra berra<strong>do</strong> na azada hora<br />

leva ao nirvana e corrige o nível <strong>do</strong> colesterol, acerta a química <strong>do</strong>s lipídios<br />

e faz descer à normalidade a tensão arterial, que um porra vale mais <strong>do</strong> que<br />

duas mã-ês, um merda opera maravilhas, um merda de hora em hora<br />

conserta a escoliose, médicos se tivessem intuição receitariam uma <strong>do</strong>se de<br />

porra de quinze em quinze minutos para casos leves de neurose, um vai-àputa-que-te-pariu<br />

dirigi<strong>do</strong> à papá antes <strong>do</strong> café da manhã e um vai-tomarno-olho-<strong>do</strong>-cu<br />

à mamã após as principais refeições, um foda-se três vezes<br />

ao dia ao colateral mais próximo, um caralho larga<strong>do</strong> entredentes faz arriar<br />

a taxa da transaminases das hepatites tipo B [...] 43<br />

Em seus escritos, este romancista, que tanto fez rir, chamou-nos a atenção<br />

para as propriedades curativa e rejuvenesce<strong>do</strong>ra de uma boa gargalhada, “Rir é<br />

melhor que infusões. O rir remoça-nos. O rir faz-nos mininos.” 44 , bem como para o<br />

caráter persuasivo <strong>do</strong> riso (ou melhor, <strong>do</strong> subrisus, o sorriso furtivo <strong>do</strong>s latinos):<br />

42 Ver a análise sobre as metáforas no quinto capítulo.<br />

43 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Senhoras & senhores. Rio de Janeiro: F. Alves, 1989. p. 34. (grifos <strong>do</strong><br />

autor)<br />

44 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1988. p. 177.<br />

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