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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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natureza atormentada <strong>do</strong>s homens. Não à toa, vários profissionais da arte de fazer<br />

rir ganharam a reputação de criaturas tristes ou profundamente melancólicas:<br />

Beaumarchais, Daumier, Gavarni, Molière, Shakespeare, Swift, entre outros. 20 Mas<br />

<strong>do</strong> que riem os pessimistas? Qual o motivo de seu desespero?<br />

Se o mun<strong>do</strong> for verdadeiramente trágico, pode ser que o riso sirva para<br />

fazer-nos escapar da <strong>do</strong>r e enfrentar os horrores cotidianos. Ou, ainda, como diria<br />

Umberto Eco, “se rimos, sorrimos, brincamos, arquitetamos sublimes estratégias <strong>do</strong><br />

risível” 21 é porque somos a única espécie que sabe que está sujeita à morte e isso<br />

nos torna capazes de ironizar. “O cômico e o humorístico são o mo<strong>do</strong> com o qual o<br />

homem tenta tornar aceitável a idéia insuportável da própria morte – ou arquitetar a<br />

única vingança que lhe é possível contra o destino ou os deuses que o querem<br />

mortal.” 22<br />

Mas talvez o riso não seja o oposto da tragédia. Talvez usemos o humor<br />

como forma de enfrentar nossa solidão existencial diante de um universo carente de<br />

senti<strong>do</strong>. Ou quem sabe o riso seja apenas uma ilusão, a descoberta de um engano,<br />

de que nada pode ser totalmente sério. Os homens de convicções irredutíveis,<br />

aqueles que defendem e aderem ferrenhamente a certos valores, costumam levar as<br />

coisas muito a sério, já os cômicos parecem ser os que põem à prova essas leis da<br />

seriedade. O riso pode ser, então, somente o sintoma de uma dúvida ou funcionar<br />

como resposta natural à violação de algumas expectativas convencionais, de certas<br />

normas de previsibilidade, certos princípios referentes ao discurso sóbrio, como a<br />

infração de algo análogo às máximas e implicaturas conversacionais propostas por<br />

Grice. 23<br />

Neste caso, para rir, será preciso des<strong>do</strong>brar-se, estabelecer um<br />

distanciamento em relação a si mesmo e ao real, pois quem ri “dissocia-se <strong>do</strong> objeto<br />

de seu riso, toma distância em relação à ordem <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, em lugar de integrar-se<br />

nela” 24 . Se assim for, o riso deve resultar de um certo tipo de estranhamento (rimos<br />

de algo que se tornou estranho para nós), de uma espécie de perda de familiaridade<br />

(rimos de contextos, objetos e seres que foram desfamiliariza<strong>do</strong>s) ou de um efeito de<br />

surpresa (rimos <strong>do</strong> imprevisto e <strong>do</strong> inespera<strong>do</strong>). Acontece que certos<br />

20<br />

Ibid., p. 543; 566.<br />

21<br />

ECO, Umberto. Entre a mentira e a ironia. Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 108.<br />

22<br />

Idem.<br />

23<br />

Ver GRICE, H. P. Lógica y conversación. In: VALDEZ VILLANUEVA, L. (Org.). La búsqueda del<br />

significa<strong>do</strong>. Madrid: Editorial Tecnos, 1991.<br />

24<br />

MINOIS, Georges. Op. cit., p. 70.<br />

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