Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
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em muitos aspectos, inapreensível, ele se furta às teorizações, ou seja, quan<strong>do</strong><br />
tentamos refletir, explicar, interpretar ou capturar seus mecanismos e engrenagens<br />
simplesmente acabamos por matá-lo. Segun<strong>do</strong>: embora existam pessoas incapazes<br />
de rir, é difícil contestar a universalidade <strong>do</strong> riso, pois to<strong>do</strong>s os povos riem. Parece<br />
não haver humor fora <strong>do</strong> homem. Somos criaturas risíveis que riem de tu<strong>do</strong> o que se<br />
assemelha, recorda ou diz respeito ao humano.<br />
Inimigos <strong>do</strong> riso de todas as épocas e culturas (em especial os partidários<br />
das correntes religiosas mais moralistas) sempre trataram de demonizá-lo, de<br />
deturpá-lo, de transformá-lo num “rival direto de Deus” 18 . Os motivos parecem<br />
claros: a extrema dificuldade de se conciliar prazer humorístico e virtude cristã, de se<br />
coadunar a noção de benevolência transmitida pela Igreja com os aspectos<br />
negativos <strong>do</strong> humor; certa aversão natural <strong>do</strong>s religiosos pela risada, que durante<br />
muitos séculos serviu de subterfúgio e arma para hostilizar e perseguir cristãos;<br />
juntamente com o poderoso argumento, quase sempre polêmico, de que Jesus,<br />
segun<strong>do</strong> a Bíblia, parece nunca ter ri<strong>do</strong> em vida. Nesta perspectiva <strong>do</strong> riso<br />
demoníaco, o exercício da comicidade encontra-se sempre sob suspeita, servin<strong>do</strong><br />
de alvo fácil para limitações e proibições.<br />
As teorias que se esforçam por enxergar no riso uma manifestação<br />
simplesmente humana, nem divina nem diabólica, são obrigadas a a<strong>do</strong>tar distintas<br />
concepções de homem e de mun<strong>do</strong> (concepções inevitavelmente imprecisas,<br />
provisórias e, na maioria das vezes, pessimistas) para, por meio delas, tentar<br />
explicar a existência <strong>do</strong> humor. Por exemplo: se o mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong> não passa de uma<br />
estron<strong>do</strong>sa loucura, então, é bem provável que os risos sejam apenas reflexos de<br />
nossa impotência diante <strong>do</strong>s desatinos humanos. Mas, neste caso, o riso não pode<br />
ser verdadeiramente alegre, pois a loucura em si não é divertida, ela só tem graça<br />
se for simulada. Por isso, o mun<strong>do</strong> também pode ser visto como palco de uma<br />
grande farsa, onde encenamos nossos atos tragicômicos, e a vida, “um jogo de<br />
enganos em que tentamos oferecer certa imagem de nós mesmos” 19 . É possível<br />
que usemos o humor para denunciar essa espécie de fingimento.<br />
Mas se tu<strong>do</strong> é uma questão <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como se olha, outros há que percebem<br />
o riso como um ríctus que disfarça muito mal a face sombria e tristonha da<br />
humanidade. O humor parece ser o contrapeso que equilibra ou estabiliza a<br />
18 Ibid., p. 503.<br />
19 Ibid., p. 188.<br />
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