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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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ealizar a miscigenação brasileira, travar alianças com os tabajaras e readquirir a<br />

liberdade.<br />

Enquanto Duarte Coelho, no litoral, continua avançan<strong>do</strong> terras, fundan<strong>do</strong><br />

vilarejos e usurpan<strong>do</strong> riquezas, o Torto, embrenha<strong>do</strong> nos matos, trata de executar<br />

aventuras de outra ordem: explora a paixão e o erotismo, vence o me<strong>do</strong> da morte,<br />

experimenta o la<strong>do</strong> humilhante da guerra, adquire novas feições, incorpora hábitos e<br />

assimila linguagens. Simultaneamente, na dimensão paródica e irônica da leitura, o<br />

autor implícito, toma<strong>do</strong> por um furor análogo ao <strong>do</strong>s conquista<strong>do</strong>res, explora e<br />

vasculha os mais íntimos segre<strong>do</strong>s da língua portuguesa, enquanto rouba e<br />

canibaliza os tesouros da literatura luso-brasileira.<br />

A to<strong>do</strong> momento nos deparamos com transmutações de natureza física<br />

dentro da narrativa, como se de certa forma essas transgressões assinalassem<br />

(imitassem ou parodiassem) as mutações, simbioses e metamorfoses que vão<br />

atingin<strong>do</strong> também os personagens: Camões é Camães, Comães e Comões; Muira-<br />

Ubi se converte em Maria <strong>do</strong> Espírito Santo; Vasco Guedes, em Visconde <strong>do</strong> Cu<br />

Re<strong>do</strong>n<strong>do</strong>; de um punha<strong>do</strong> de almôndegas de porco surge um Amaro Leitão; o<br />

solda<strong>do</strong> morto em combate, que deveria permanecer para sempre desconheci<strong>do</strong>, é<br />

rebatiza<strong>do</strong> de Nuno Cabreira; o flecheiro Aracy e o Torto se fundem num Aracy<br />

d’Albuquerque; Harol<strong>do</strong> Maranhão e Jerónimo acabam se encontran<strong>do</strong> num fictício<br />

Jerónimo d’Albuquerque Maranhão.<br />

A ironia fundamental da obra consiste em inverter e misturar de forma<br />

drástica os papéis e os acontecimentos, de sorte que já não possamos mais<br />

distinguir quem realmente ganhou e quem perdeu, o que foi preserva<strong>do</strong> e o que foi<br />

esqueci<strong>do</strong>, o que de fato herdamos, o que construímos e o que transformamos ou<br />

que elementos nos fizeram ser o que hoje somos. Seríamos to<strong>do</strong>s um pouco tortos?<br />

Meio antropófagos e meio bárbaros, meio incultos e meio civiliza<strong>do</strong>s, meio índios e<br />

meio portugueses? Se a história oficial <strong>do</strong> Brasil se parece a uma história de museu,<br />

um desfile monumental e interminável de pomposos heróis da pátria, por que é que<br />

a linguagem <strong>do</strong> texto não pode parodiar esse estilo? A língua que hoje nos une é a<br />

mesma que nos separa e, apesar de um tanto arrevesada, continua sen<strong>do</strong> o nosso<br />

maior patrimônio. Como constatou o poeta: “Salimos perdien<strong>do</strong>... Salimos ganan<strong>do</strong>...<br />

Se llevaron el oro y nos dejaron el oro... Se lo llevaron to<strong>do</strong> y nos dejaron to<strong>do</strong>... Nos<br />

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