14.04.2013 Views

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Em seguida, com a voz ambígua e irônica <strong>do</strong>s narra<strong>do</strong>res pouco dignos de<br />

confiança, fiéis apenas as suas próprias crenças, ouve-se nas entrelinhas o palpitar<br />

levemente colérico <strong>do</strong> autor implícito e vislumbra-se a artimanha satírica <strong>do</strong> discurso:<br />

169<br />

Acreditam-me? Não me acreditam? Riem de meus papéis? Meus papéis<br />

são tolos papéis? [...] É bom esclarecer-se que amante não sou da<br />

genética, da biologia de mo<strong>do</strong> geral e nem sei se seriam essas as vertentes<br />

dentro de cujas balizas se especularia sobre os protótipos. Abomino a<br />

ciência, ignoro conceitos havi<strong>do</strong>s até como elementares. Não sou um<br />

cientista, nunca o pretendi, definitivamente. O que sou é um passante nas<br />

ruas, quase sempre distraí<strong>do</strong>, mas que em da<strong>do</strong>s momentos pára, espantase<br />

e supõe concluir. [...] Morren<strong>do</strong> a matriz, em duplo transforma-se o<br />

protótipo. Essa é uma verdade a respeito da qual não tenho dúvida [...]<br />

Porque o protótipo nunca, absolutamente nunca sobrevive à matriz, o que é<br />

impossível acontecer, sob pena de desestruturar-se das mais coerentes e<br />

sentadas teorias desde a da relatividade. 38<br />

O satirista oculto, feliz com o xeque-mate desferi<strong>do</strong> contra o público leitor,<br />

capturou-nos em uma arapuca de cinismo e exagero. Seu jogo consiste em enredar-<br />

nos numa elucubração fantástica em busca de sonoras gargalhadas surreais.<br />

Segun<strong>do</strong> a lógica perversa da teoria haroldiana, que trata o riso como o único sinal<br />

possível de humanidade, esses nada tolos papéis <strong>do</strong> autor são capazes de<br />

identificar três tipos de pessoas: os que riem com franqueza, como matrizes<br />

autênticas, os que esboçam risos fraudulentos, como simples protótipos, e aqueles<br />

que permanecem imperturbáveis e frios, como míseros duplos.<br />

Estendida a’O tetraneto del-rei, a teoria <strong>do</strong>s duplos adquire tonalidades<br />

irônicas, paródicas e metafóricas. Como vimos, por toda a obra encontram-se<br />

coincidências, sincronismos e duplicidades totalmente propositais, algumas hilárias:<br />

Camões e Torto, Duarte Coelho e Arco Verde, Augusta e Muira-Ubi, Frei Anrique (o<br />

primeiro missionário) e Padre Sabugal, língua latina e tupi-guarani, Lisboa e Olinda,<br />

Cristandade e canibalismo, portugueses enjaula<strong>do</strong>s (e despi<strong>do</strong>s) e rebanhos de<br />

suínos, crendices lusitanas e folclorismo tabajara, mun<strong>do</strong> concreto e ambiente<br />

onírico, realidade empírica e ilusões ficcionais, descobrimentos e encobrimentos,<br />

narra<strong>do</strong>res encenan<strong>do</strong> e autores rouban<strong>do</strong> a cena, idas e vindas de tipos que<br />

pareciam cômicos, mas de repente se mostram sérios, e de personagens que<br />

realizam o caminho inverso.<br />

As historietas, as digressões, os contos e os causos que vez por outra<br />

irrompem na memória de uma figura dramática, sobretu<strong>do</strong> aqueles narra<strong>do</strong>s pelo<br />

38 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1981, p. 24-25; 32-33.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!