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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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Esse artifício de prender o leitor numa circularidade viciosa, de fazê-lo girar<br />

por uns instantes em torno da própria linguagem, de ro<strong>do</strong>piar num movimento<br />

inercial de elementos precedentes, que sempre voltam a se repetir, e a cada<br />

repetição se transformam, se propagam, se contaminam, acumulam mais e mais<br />

energia, significa<strong>do</strong>s e expectativas, até que o movimento cíclico seja interrompi<strong>do</strong><br />

de forma brusca para desembocar em tragédia, em comédia ou simplesmente em<br />

nada, é um procedimento típico da prosa de Harol<strong>do</strong> Maranhão:<br />

167<br />

Brigadeiro cospe na cabeça <strong>do</strong> coronel, coronel abre a braguilha e mija no<br />

major, major peida no nariz <strong>do</strong> capitão, capitão caga na cabeça <strong>do</strong> tenente,<br />

tenente manda o sargento rebolar num chão de urina e merda, sargento<br />

mete o de<strong>do</strong> no cu <strong>do</strong> cabo diante <strong>do</strong> pelotão, cabo manda solda<strong>do</strong> fazer<br />

croquetes de bosta, solda<strong>do</strong> ordena que o recruta vá à puta que o pariu, o<br />

qual não é besta de não ir, e vai. 28<br />

Enquanto o estilo vagaroso, demora<strong>do</strong>, que valoriza os detalhes e os<br />

silêncios, parece se prestar melhor ao desenvolvimento das emoções 29 , <strong>do</strong> páthos<br />

discursivo, o estilo breve, rápi<strong>do</strong>, que acelera o raciocínio, costuma favorecer o<br />

surgimento <strong>do</strong> humor. 30 Na retórica haroldiana, o aumento da pulsação <strong>do</strong> discurso<br />

é indicativo de presença <strong>do</strong> autor implícito, de intenção irônica e de desejo de<br />

expurgar raivas acumuladas. Os principais alvos dessas raivas, muitas delas<br />

totalmente gratuitas, costumam ser: os paraenses, os portugueses, as mulheres, as<br />

crianças, os velhos, os médicos, os políticos em geral e os indivíduos corruptos. Às<br />

vezes, nem o leitor consegue escapar <strong>do</strong>s impropérios desse autor iracun<strong>do</strong>: “Qual o<br />

pateta que me lê que não terá suspeita<strong>do</strong> que delazinha se tratava?” 31 É provável<br />

que por trás dessa terapia catártica haja uma intenção de parodiar o<br />

sentimentalismo burguês das ficções baratas, de satirizar a pieguice das emoções<br />

fraudulentas, de criar uma tensão entre franqueza e hipocrisia, de testar os limites<br />

afetivos <strong>do</strong> leitor, confrontan<strong>do</strong>-o com normas e valores com os quais não consegue,<br />

não pode ou não deve comungar, a não ser na mais profunda intimidade de uma<br />

deliberação consigo mesmo. Se a literatura séria valoriza a emoção e os<br />

sentimentos nobres, na literatura satírica há espaço de sobra para o desamor, as<br />

hostilidades e as raivas literárias:<br />

28 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1989, p. 111.<br />

29 PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Op. cit., p. 164.<br />

30 O “Cotejo das edições”, no Apêndice 2, evidencia diversos mecanismos utiliza<strong>do</strong>s pelo escritor<br />

para manter um rígi<strong>do</strong> controle sobre o ritmo e a prosódia <strong>do</strong> texto.<br />

31 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1989, p. 79. (grifo meu)

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