Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
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discurso mau-mau, longo e mal escrito, o discurso bom-mau, curto mas mal escrito,<br />
o discurso mau-bom, longo mas bem escrito, e o discurso bom-bom, curto e bem<br />
escrito. Aqui, a graça parece residir, ao mesmo tempo, na exagerada pretensão de<br />
tentar simplificar algo que é sabidamente complexo, de querer esgotar todas as<br />
possibilidades combinatórias das palavras, de usar a subjetividade como critério<br />
confiável (ser bem, ou mal, escrito), de propor uma hierarquia de valores, por demais<br />
arbitrária, como se fosse totalmente objetiva (ser breve e conciso é melhor <strong>do</strong> que<br />
compri<strong>do</strong> e prolixo) e de sugerir uma metáfora <strong>do</strong> discurso como guloseima.<br />
No conto intitula<strong>do</strong> “Breve anatomia <strong>do</strong> registro civil”, o satirista implícito já<br />
combinava a irreverência e excentricidade das classificações com o desejo de<br />
parodiar o cientificismo das análises biológicas:<br />
166<br />
Há nomes facionorosos, nomes páli<strong>do</strong>s, nomes rijos, nomes azuis, nomes<br />
frios, nomes calvos, nomes cítricos, nomes fron<strong>do</strong>sos, nomes duríssimos,<br />
nomes inequivocamente encabula<strong>do</strong>s. Cássio é um nome pentea<strong>do</strong>,<br />
corretíssimo. Le<strong>do</strong> (Lê<strong>do</strong> é outra coisa) é um nome bambo, páli<strong>do</strong> e gor<strong>do</strong>.<br />
Macha<strong>do</strong> é um nome córneo, infraturável. Áugias é um nome frio, visguento,<br />
e de certo mo<strong>do</strong> compri<strong>do</strong>. 22<br />
A tendência parodística da narrativa haroldiana caminha pari passu com o<br />
ímpeto de especular sobre quase tu<strong>do</strong> de forma pretensamente teórica e<br />
inconseqüente: “burrice pega, é uma teoria minha, burrice pega como gripe” 23 ; de<br />
argumentar por meio de analogias esdrúxulas e inusitadas: “Vontade de casar é<br />
como vontade de cagar, quan<strong>do</strong> vem, vem mesmo.” 24 ; de brincar com a<br />
materialidade da linguagem, desautomatizan<strong>do</strong> o funcionamento <strong>do</strong> discurso e <strong>do</strong><br />
raciocínio: “Puta que me, que te, que nos pariu!” 25 ; de arriscar comentários<br />
futurísticos e previsões agourentas: “Outras desgraças já houve, e a sífilis foi uma<br />
delas. Cardiopatias. O câncer. Agora é a AIDS. A próxima epidemia é a loucura.” 26 ;<br />
e realizar constantes ironias sobre gêneros, mulheres, preconceitos e identidades:<br />
O Autor dirige-se aos Paraenses e às Paraenças, aos Brasileiros e às<br />
Brasiléculas, aos Bruxelenses e às Bruxelosas, aos Lisboetas e às<br />
Lisboosas, aos Espanhóis e às Espanhozas, aos Homens e aos Não<br />
Homens e às Mulheres e às Não Mulheres <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>. 27<br />
22<br />
MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. A estranha xícara. Rio de Janeiro: Saga, 1968. p. 60.<br />
23<br />
MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Rio de raivas. Rio de Janeiro: F. Alves, 1987. p. 39.<br />
24<br />
Ibid., p. 62.<br />
25<br />
Ibid., p. 112.<br />
26<br />
MARANHÃO. Harol<strong>do</strong>. Senhoras & senhores. Rio de Janeiro: F. Alves, 1989. p. 9.<br />
27 MARANHÃO, Harol<strong>do</strong>. Op. cit., 1990, p. 138.