Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
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Temos curiosidade em relação a mil e um pormenores que se resolvem no<br />
decurso da obra. [...] Existe o prazer de ver aqueles de quem gostamos<br />
triunfarem das dificuldades; e existe o prazer de constatar que a vida é tão<br />
complexa que ninguém triunfa de mo<strong>do</strong> inequívoco. [...] Existe o prazer de<br />
descobrir a simples verdade e existe o prazer de descobrir que a verdade<br />
não é simples. 15<br />
Ainda segun<strong>do</strong> Booth, toda obra literária possui o seu próprio autor implícito,<br />
uma espécie de alter ego <strong>do</strong> escritor empírico, um tipo de imagem ideal <strong>do</strong> homem<br />
real, de imagem implícita que o artista da palavra, consciente ou inconscientemente,<br />
projeta na obra, alguém que acreditamos estar intimamente vincula<strong>do</strong> a sua criação,<br />
alguém que, para dar a conhecer ao público a matéria de seu discurso, precisou<br />
fazer escolhas, refletir, calcular, manipular informações, linguagens e técnicas,<br />
enfim, aquele eu, que não é necessariamente nem o narra<strong>do</strong>r nem o indivíduo de<br />
carne e osso, mas que imaginamos ser capaz de responder pelos valores, pela<br />
sinceridade e pela verdade da obra.<br />
Uma obra boa estabelece a “sinceridade” <strong>do</strong> seu autor implícito, por muito<br />
que o homem que criou o autor possa desmentir, através das suas outras<br />
formas de conduta, os valores conti<strong>do</strong>s na obra. [...] As emoções e juízos <strong>do</strong><br />
autor implícito são [...] precisamente a matéria de que é feita a grande<br />
ficção. [...] o autor implícito de cada romance é alguém com cujas crenças<br />
tenho que concordar, em grande medida, para apreciar a obra. 16<br />
Por trás de uma obra ficcional, por mais que reivindiquemos sua autonomia,<br />
existem vestígios de um autor implícito que soube manipular, com sua retórica, o<br />
esta<strong>do</strong> de espírito <strong>do</strong> leitor. Com voz forte e sincera, esse cria<strong>do</strong>r-manipula<strong>do</strong>r é fiel<br />
apenas ao seu ilusionismo, sabe dissimular a mecânica e a artificialidade das<br />
técnicas persuasivas, sabe provocar adesões, sabe transformar idéias, crenças e<br />
valores em experiências mais tangíveis e fazer com que os leitores acolham meras<br />
aparências, juízos e possibilidades como questões de fato.<br />
Leitores e aprecia<strong>do</strong>res <strong>do</strong> gênero satírico costumam ser cativa<strong>do</strong>s justo<br />
pela contundência dessa voz autoral implícita que não teme ser politicamente<br />
incorreta, imprudente e impudica. Auditórios abertos à sátira comungam, por um<br />
instante, com a energia transgressora desse autor implícito que sempre promete<br />
saciar nossas pulsões, instintos e apetites. Por isso, na sátira, expectativas de<br />
transgressão e de superação, bem como certas qualidades prometidas (humor,<br />
15 Ibid., p. 149;150;152.<br />
16 Ibid., p. 92-93; 103; 153. (grifo <strong>do</strong> autor)