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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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Somente a linguagem proverbial, eivada de moralidade e antivalores, parece poder<br />

irmaná-lo outra vez aos portugueses.<br />

Nas últimas páginas <strong>do</strong> romance, encontramos o protagonista finalmente<br />

eleva<strong>do</strong> à categoria de herói, não mais disposto a propagar invencionices em<br />

missivas fantasiosas, e sim comprometi<strong>do</strong> na construção da paz e da família<br />

brasileira. É a segunda vez que Jerónimo se despede de um defunto, a mo<strong>do</strong> de<br />

clímax final. Na primeira ocasião foi para dizer adeus ao seu passa<strong>do</strong>, agora, é para<br />

nos revelar o seu futuro. Com um nó na garganta e aos pés da cova onde<br />

simbolicamente repousa seu único e melhor amigo (amigo que nunca teve), o Torto<br />

confessa:<br />

162<br />

— Amo, Guedes, eu a amo, à minha Maria, à mininita a quem com tamanho<br />

amor fecundei. Ó, amigo, conquanto seja eu de crescida idade, hoje, neste<br />

momento mesmo, sinto que, agora sim, madurei. [...] E por mercê especial,<br />

amigo, a ninguém fales o que ora vais escutar: vou-me <strong>do</strong>s matos; torno ao<br />

litoral. [...] E em Olinda meu filho nascerá, vila que floresce, qual jardim em<br />

mimoso promontório. Olinda! Lá sou amigo <strong>do</strong> rei! Meu filho, quan<strong>do</strong><br />

crescer, olhará de chapa o mar. A Maria, boa filheira será; seus olhos o<br />

advertem. E quan<strong>do</strong> desgravidar, felice eu lhe levarei braçadas de flores e<br />

fatias de parida. Minha volta ao povoa<strong>do</strong> será a denúncia primeira da paz.<br />

Deste amor meu à terra, e à gente que a habita, fruitos os haverá, que um<br />

primeiro mameluco está por nascer. Adeus, amigo. [...] Daqui por diante,<br />

escutarás a voz só deste regato. A ele também não careces lhe falar. 11<br />

Por trás de uma grande emoção há sempre um engajamento intenso a um<br />

conjunto de valores harmoniosamente entrelaça<strong>do</strong>s. No caso <strong>do</strong> Torto, são estes os<br />

elementos que parecem ser capazes de arrebatá-lo: o amor, a paternidade, o<br />

amadurecimento, o retorno à casa, a acolhida <strong>do</strong>s seus, o nascimento <strong>do</strong> filho, a<br />

esperança de paz, o desejo de formar a primeira família de mestiços autenticamente<br />

brasileira e de ver seus descendentes situa<strong>do</strong>s no ponto mais alto.<br />

Neste episódio, é possível perceber como o envolvimento emocional foi<br />

utiliza<strong>do</strong> para satisfazer uma vasta gama de interesses. Numa única pincelada, e<br />

supon<strong>do</strong>-se que o leitor realmente soube comungar com os valores abraça<strong>do</strong>s pelo<br />

Torto, este adquire mais dignidade e poder, certas expectativas em relação ao seu<br />

futuro são por fim satisfeitas, confirmamos que algo em seu caráter foi<br />

definitivamente altera<strong>do</strong> e a revelação de sua liberdade nos atinge com agradável<br />

surpresa. Numa volta de mão, criam-se promessas de bonança, expectativas de<br />

novos tempos e mais histórias, e como se nós, leitores, fôssemos na verdade o<br />

11 Ibid., p. 248-249.

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