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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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mun<strong>do</strong> interior, entregue à contemplação de si mesmo, de seus pensamentos,<br />

sonhos e lembranças, totalmente alheio a acontecimentos relevantes, embora<br />

profun<strong>do</strong> conhece<strong>do</strong>r de inúmeras trivialidades. No litoral, após o desastre da<br />

primeira expedição, recusa-se a capitanear e, igualmente, a participar <strong>do</strong>s<br />

treinamentos militares; na aldeia tabajara, opta pelo isolamento e não participa da<br />

rotina da tribo. Durante boa parte <strong>do</strong> romance o narra<strong>do</strong>r mantém os leitores alheios<br />

a tu<strong>do</strong> o que acontece fora <strong>do</strong> campo visual <strong>do</strong> protagonista. Se este caminha pela<br />

praia, não se sabe realmente o que sucede nos matos, tampouco nas embarcações;<br />

quan<strong>do</strong> o herói se translada para os matos, já não se sabe exatamente o que se<br />

passa no litoral, muito menos nos acampamentos ou nas áreas de combate; quan<strong>do</strong><br />

Jerónimo caminha solitário pelos arre<strong>do</strong>res da maloca, ignora-se o que de fato<br />

ocorreu entre os índios durante sua ausência. É irônico constatar que quase nunca<br />

temos uma visão panorâmica <strong>do</strong>s acontecimentos, como se de propósito fôssemos<br />

manti<strong>do</strong>s cegos de uma vista.<br />

Há, portanto, um rígi<strong>do</strong> controle <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r sobre as ações que acontecem<br />

à revelia <strong>do</strong> Torto, inclusive sobre a forma como elas devem ser encobertas ou<br />

divulgadas. Essa técnica não chega a provocar um efeito de mistério, mas com<br />

certeza consegue atiçar a curiosidade <strong>do</strong>s leitores. Quan<strong>do</strong> por fim irrompem as<br />

notícias, somos toca<strong>do</strong>s por elas de um mo<strong>do</strong> mais intenso que o normal. Quan<strong>do</strong><br />

vemos o herói impacta<strong>do</strong> e surpreendi<strong>do</strong> pela verdade ou pela realidade, quase<br />

sempre infaustas ou exageradamente desastrosas, surge o ridículo e, com ele, os<br />

sorrisos autoderrisórios e surreais.<br />

Quan<strong>do</strong> nos deparamos com as acusações <strong>do</strong> solda<strong>do</strong>-relator Pio Palha<br />

Ribeiro, nosso esta<strong>do</strong> de espírito encontra-se suficientemente prepara<strong>do</strong> para<br />

recebê-las como uma verdade razoável. Em parte, porque esse discurso manuseia<br />

informações que já circulam no senso comum e, portanto, já contam com nossa<br />

adesão provisória, mas acima de tu<strong>do</strong> porque, ao invocar a defesa de valores<br />

fundamentais (o direito à vida, à liberdade e à justiça), esse discurso pretende ativar<br />

o entusiasmo militante em cada um de nós. Assim, por um espaço de tempo muito<br />

breve, o leitor é arremessa<strong>do</strong> ao ponto mais alto de suas emoções, onde comunga<br />

com aquelas certezas que parecem justificar a arte e dar senti<strong>do</strong> à existência<br />

humana.<br />

Muitas vezes é a luta <strong>do</strong> protagonista com sua própria consciência que nos<br />

oferece um espetáculo ao mesmo tempo comovente e grotesco, possibilitan<strong>do</strong>-nos<br />

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