Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
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civilidade, um desejo de viver em paz e concórdia com o próximo e de ver<br />
respeitadas as regras de cortesia e bem-estar; 3º) para uma sensação de<br />
hombridade, uma vez que o personagem moleque, corrigi<strong>do</strong> pelos reveses da vida,<br />
casa-se, torna-se pai e amadurece; 4º) para impulsos de ternura, pois um tipo<br />
humano como ele pode inspirar, numa certa classe de leitores, sentimentos de<br />
piedade, não há como não se compadecer de suas perdas, suas desventuras em<br />
série, seus tormentos, sua teima de não se entregar jamais; e 5º) para um anseio de<br />
aprimoramento humano, porque o Torto, a despeito de to<strong>do</strong> seu ceticismo, aposta<br />
em silêncio na capacidade de transformação de si mesmo e também <strong>do</strong>s homens.<br />
Valores assim tornam-se mais evidentes quan<strong>do</strong> o tetraneto põe-se a<br />
defender a paz em detrimento da guerra: “Odeio sangues, violências, mintiras,<br />
tibiezas, mortes. [...] as pazes são minha tenção única nestes ermos.” 5 ; sempre que<br />
advoga ardentemente a favor, não <strong>do</strong>s portugueses, mas <strong>do</strong>s indígenas; ou quan<strong>do</strong><br />
reconhece que os recentes vínculos cria<strong>do</strong>s com o Novo Mun<strong>do</strong> falam bem mais alto<br />
<strong>do</strong> que os que ainda mantém com Portugal:<br />
154<br />
Antiga, mui antiga suspeita renascia a toda a luz: que era mais de haver-se<br />
aos índios que aos patrícios. Entre um rústico e um português, haven<strong>do</strong> um<br />
que morrer e se dele pendesse, decretaria sobre o certo: “que morra o<br />
português!”. [...] Português era-o na cor e nos costumes; estes afeiçoavamse<br />
a pouco e pouco às leis <strong>do</strong>s naturais. Tu<strong>do</strong> o mais ficara embrulha<strong>do</strong> às<br />
roupetas e às rendas, quan<strong>do</strong> delas se desvencilhou. Nu, raízes deitara ao<br />
chão umbroso. E a pele, a pele mesmo, branca não era mais [...] Lisboa era<br />
um sítio mais remoto que o céu. 6<br />
Ler uma narrativa é, em grande medida, ser capaz de extrair, reconhecer ou<br />
assimilar os valores por ela veicula<strong>do</strong>s. Valores são elementos aos quais<br />
costumamos aderir sem que necessariamente precisem passar pelo crivo da razão.<br />
Por estarem arraiga<strong>do</strong>s às emoções humanas, atrela<strong>do</strong>s ao senso comum e<br />
dependerem da bagagem e da experiência cultural de cada indivíduo, os valores são<br />
objetos de acor<strong>do</strong> precários, que não possuem estatuto universal, e na maior parte<br />
das vezes se prendem a mo<strong>do</strong>s particulares de agir ou dizem respeito a certas<br />
condutas consideradas eficientes dentro de nossas comunidades discursivas.<br />
Alguns valores, tais como o verdadeiro, o bem, o justo e o belo, serão capazes de<br />
propiciar acor<strong>do</strong>s mais amplos e de persuadir um número maior de auditórios,<br />
contanto que não lhes especifiquemos o conteú<strong>do</strong>, ou seja, poderão ser ti<strong>do</strong>s como<br />
5 Ibid., p. 234.<br />
6 Ibid., p. 220.