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Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná

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Mas se grande é a apreensão de ser violenta<strong>do</strong>, muito maior é o me<strong>do</strong> de<br />

ser castra<strong>do</strong> ou de perder o vigor sexual: “os olhos me levem, furem-me o rabo, mas<br />

não me decepem meio palmo <strong>do</strong> chanfalho!” 2 . No topo de sua escala hierárquica,<br />

acima inclusive <strong>do</strong> instinto de preservação da vida, pairam ironicamente inabaláveis<br />

os valores que conformam o imaginário <strong>do</strong> autêntico varão: encontrar-se sempre<br />

apto a procriar, vangloriar-se <strong>do</strong> tamanho e da potência <strong>do</strong> pênis, usufruir e<br />

proporcionar prazer sexual, possuir pronta capacidade de ereção para não brochar<br />

jamais, manter incólume e inviolável o orifício anal, ser sempre o <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>r, nunca<br />

o <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>, defender, enfim, a masculinidade ou a virilidade a qualquer preço.<br />

Talvez a situação para<strong>do</strong>xal mais hilária (e humilhante) imposta ao Torto<br />

tenha si<strong>do</strong> a obrigação de escolher entre a morte e o matrimônio, entre ser<br />

inevitavelmente cozi<strong>do</strong> num ritual canibalesco ou casa<strong>do</strong> com uma índia<br />

apaixonada, entre sujeitar-se a comer a filha <strong>do</strong> tabajara (até que a morte os separe)<br />

ou a ser literalmente comi<strong>do</strong> por ela. Para um mulherengo invetera<strong>do</strong>, renunciar às<br />

vantagens <strong>do</strong> celibato representa um destino pior que a própria morte. Por isso, o<br />

Torto vacila e se desespera, tornan<strong>do</strong> sua indecisão ainda mais risível. Não há<br />

dúvidas de que o casamento, além de salvar-lhe a vida, pode render-lhe<br />

consideráveis proveitos: respeitabilidade, autoridade e até mesmo liberdade. No<br />

entanto, aferra-se uma vez mais a uma reflexão ardilosa que coloca em primeiro<br />

plano seu amor-próprio e seu senso de oportunismo machista: “conserto sempre há<br />

para o casa<strong>do</strong>. Casa<strong>do</strong>s descasam-se. O assa<strong>do</strong> é morto e o casa<strong>do</strong> estupora<strong>do</strong>.<br />

De morto, não se torna à vida; o estupor cura-se” 3 , insinuan<strong>do</strong>, assim, haver<br />

diversas maneiras para se evadir da escravidão ator<strong>do</strong>ante <strong>do</strong> matrimônio. No<br />

momento de selar o temi<strong>do</strong> pacto conjugal, ouve-se <strong>do</strong> noivo um sonoro Não!, mas<br />

enuncia<strong>do</strong> de forma tão risonha que o cacique e sua filha o tomam por um vibrante<br />

Sim! – ato falho <strong>do</strong> encalacra<strong>do</strong> português que, no fun<strong>do</strong>, apenas resmungava para<br />

si mesmo: “entre a panela e ela – a ela!”. 4<br />

Embora cômicas, e por vezes preconceituosas, as escolhas que o Torto se<br />

obriga a fazer tendem a torná-lo cada vez mais simpático aos olhos <strong>do</strong> público, isso<br />

porque muitas delas convergem: 1º) para um sentimento de brasilidade, um ímpeto<br />

de amor aos costumes, terras, coisas e gentes <strong>do</strong> Brasil; 2º) para uma ambição de<br />

2 Ibid., p. 150.<br />

3 Ibid., p. 217-218.<br />

4 Ibid., p. 219.<br />

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