Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
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O romance recria a trajetória <strong>do</strong> jovem fidalgo português, Jerónimo<br />
d’Albuquerque, descendente da realeza, que teria si<strong>do</strong> obriga<strong>do</strong> a aban<strong>do</strong>nar os<br />
prazeres da corte e imigrar para o Brasil por volta de 1531, viajan<strong>do</strong> a bor<strong>do</strong> de uma<br />
nau comandada por seu cunha<strong>do</strong> Duarte Coelho (<strong>do</strong>natário da capitania de<br />
Pernambuco), sob cujas ordens se encontrava. Após capitanear um desastroso<br />
enfrentamento entre índios e brancos, Jerónimo, numa andança pelos matos, é<br />
atingi<strong>do</strong> no olho por uma flecha e captura<strong>do</strong> pelos tabajaras. Passa por um longo<br />
perío<strong>do</strong> de restabelecimento antes de descobrir, perplexo, que seria condena<strong>do</strong> ao<br />
sacrifício: os aborígines eram antropófagos. Mas a filha <strong>do</strong> cacique, Muira-Ubi,<br />
apaixona-se perdidamente pelo português, que é obriga<strong>do</strong> então a escolher entre a<br />
morte e o casamento. Casam-se de acor<strong>do</strong> com os rituais da tribo e a esposa,<br />
batizada e convertida ao catolicismo, recebe o nome de Maria <strong>do</strong> Espírito Santo.<br />
Jerónimo reconquista a liberdade e retorna ao litoral, levan<strong>do</strong> consigo a mulher,<br />
grávida, e uma comitiva de portugueses, libertos <strong>do</strong> cativeiro.<br />
Essa obra, forjada num estilo que lembra o das narrativas <strong>do</strong> perío<strong>do</strong><br />
colonial, tenta reconstruir (e desconstruir) a linguagem barroca e gongórica <strong>do</strong>s<br />
escritores <strong>do</strong> século XVI, instigan<strong>do</strong>-nos a revisitar mitos, personagens e<br />
principalmente textos <strong>do</strong> nosso passa<strong>do</strong> histórico e literário. Minucioso trabalho de<br />
artesanato lingüístico, o romance funciona como um convite de viagem pela<br />
literatura e pelo universo da língua portuguesa, onde o leitor precisa desbravar as<br />
palavras como quem desbrava novas terras. Também pode ser li<strong>do</strong> como um mo<strong>do</strong><br />
de questionar os fundamentos da história oficial, de repensar o processo de reescrita<br />
<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, de buscar as raízes identitárias brasileiras, promoven<strong>do</strong> um encontro,<br />
mesmo que efêmero, entre o leitor e aqueles que o precederam no tempo.<br />
Talvez [...] nós nos empenhemos em descobrir um fugidio passa<strong>do</strong> que nos<br />
explique e justifique. Na busca da impossível descoberta, <strong>do</strong> resgate<br />
interdito, o passa<strong>do</strong> é molda<strong>do</strong>, ainda que também, e sempre,<br />
provisoriamente. Tzvetan To<strong>do</strong>rov diz que o europeu encontrou o eu na<br />
descoberta e no reconhecimento <strong>do</strong> outro, ou seja, <strong>do</strong> habitante da América.<br />
O nosso outro talvez seja o antepassa<strong>do</strong>. É preciso encontrá-lo, ainda que<br />
ficcionalmente. Enquanto, no caso europeu <strong>do</strong> tempo das descobertas, a<br />
busca apresentava um caráter espacial, a nossa pode agora ser temporal. 9<br />
9 WEINHARDT, Marilene. Ficção e história: retomada de antigo diálogo. Revista Letras, Curitiba, n.<br />
58, p. 105-120, jul./dez. 2002. p. 110.<br />
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