Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
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“Mas que é o senso comum? Não serão as primeiras noções que to<strong>do</strong>s os<br />
homens têm igualmente das mesmas coisas? Esse senso comum, que é<br />
sempre e em toda a parte o mesmo, que se antecipa a qualquer exame, que<br />
torna ridículo o próprio exame de certas questões, que faz que, sem querer,<br />
a pessoa ria em vez de examinar, que reduz o homem a não poder duvidar,<br />
seja qual for o esforço que faça para se pôr numa verdadeira dúvida; esse<br />
senso que é o de to<strong>do</strong> homem; esse senso que não espera ser consulta<strong>do</strong>,<br />
mas se mostra ao primeiro olhar, e que descobre de imediato a evidência ou<br />
o absur<strong>do</strong> da questão... Ei-las, pois, essas idéias ou noções gerais que não<br />
posso contradizer nem examinar, segun<strong>do</strong> as quais, ao contrário, eu<br />
examino e deci<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>, de sorte que rio em vez de responder todas as<br />
vezes que me propõem o que é claramente oposto ao que essas idéias<br />
imutáveis me representam.” 9<br />
Quan<strong>do</strong> constatamos um exagero, o fazemos com base numa idéia de<br />
normalidade. A noção de normal abrange tu<strong>do</strong> aquilo que é superior a um mínimo e<br />
inferior a um máximo e costuma ser muito instável, poden<strong>do</strong> variar conforme o grupo<br />
que a<strong>do</strong>tamos como referência. No geral, to<strong>do</strong> auditório possui um ou vários grupos<br />
de referência, que espelham os modelos ou padrões socialmente aceitos, a partir<br />
<strong>do</strong>s quais os indivíduos estabelecem não apenas a presunção de normalidade, mas<br />
também o critério para julgar aqueles elementos que se afastam <strong>do</strong> grupo de<br />
referência e recebem o rótulo de excepcional, notável ou monstruoso. 10<br />
A utilização de argumentos que apelam para a noção de normalidade,<br />
valorizan<strong>do</strong> o que é habitual e natural e levan<strong>do</strong>-nos a desconfiar das situações<br />
incomuns e <strong>do</strong>s elementos excepcionais, é uma forma de raciocínio bastante<br />
corrente que goza de grande poder de persuasão. No entanto, quan<strong>do</strong> um ora<strong>do</strong>r<br />
insiste em apresentar argumentos que ultrapassam a noção de normal, que nos<br />
instigam a transcender nossos pontos de referência, que nos estimulam a continuar<br />
indefinidamente num certo senti<strong>do</strong>, a ignorar os limites e ir além, estamos diante de<br />
outra técnica persuasiva, conhecida como argumento de superação. 11<br />
A superação apóia-se em concepções <strong>do</strong> senso comum para fazer com que<br />
o interlocutor extrapole o razoável, o evidente, o real e o concreto, atrain<strong>do</strong> seu<br />
raciocínio de encontro às referências mais exóticas e inopinadas, “para depois<br />
obrigá-lo a retroceder um pouco, ao limite extremo <strong>do</strong> que lhe parece compatível<br />
com a sua idéia <strong>do</strong> humano, <strong>do</strong> possível, <strong>do</strong> verossímil, com tu<strong>do</strong> o que ele admite<br />
de outro ponto de vista” 12 .<br />
9 Apud PERELMAN, Chaïm. Op. cit., 1996. p. 238.<br />
10 PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Op. cit., p. 79-83.<br />
11 Ibid., p. 327-333.<br />
12 Ibid., p. 331.