Tese Delson Biondo.pdf - Universidade Federal do Paraná
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coisas nativas que o Torto não podia e não queria enxergar, por outro, faz alusão às<br />
intertextualidades que o leitor, num primeiro momento, não pôde ou não foi capaz de<br />
reconhecer.<br />
Vozes alheias ecoam também pela voz <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r, muitas vezes de forma<br />
discreta e quase invisível, como em: “Não mais que de repente, destas alturas de<br />
nuvens cai o desenvolto gentil-homem à concha de um bergantim” 36 . É bem<br />
possível que o leitor avisa<strong>do</strong> reconheça aí a intenção irônica de arremedar um verso<br />
de Vinícius de Morais.<br />
A visibilidade <strong>do</strong> processo pode se tornar mais flagrante quan<strong>do</strong> o<br />
romancista evoca nomes concretos, como no trecho abaixo:<br />
Na selva cor da vida atalhos vibram. Mário: que tão ce<strong>do</strong> te partiste! Fausto<br />
Mário; Mário faustino! Na selva cor da vida atalhos vibram. Vibram. Vibra o<br />
ar, o verde vibra, vibram as águas, descubro caminhos, de vibração em<br />
vibração, de riso em riso, de pássaro em pássaro, de rio em rio. Sou alto e<br />
le<strong>do</strong>; le<strong>do</strong> sou: aonde quer que eu vá encontro sempre os rios e suas águas<br />
lavadeiras vão limpan<strong>do</strong> as paisagens. De qual João escutei esta voz?, de<br />
um Cabral amantíssimo amante de rios!: em qualquer viagem o rio é o<br />
companheiro melhor. A um rio sempre espera um mais vasto e ancho mar. 37<br />
Embora essas palavras (vibrantes) sejam atribuídas ao Torto, que segue<br />
jubiloso na descoberta de um novo eu, quem efetivamente nos fala através delas é<br />
Harol<strong>do</strong> Maranhão. Além de fazer referência a <strong>do</strong>is poetas (e amigos), João Cabral<br />
de Melo Neto e Mário Faustino – morto em acidente aéreo aos 32 anos de idade –,<br />
o ficcionista também recupera, rearranja e parafraseia os seguintes versos:<br />
“Sempre em qualquer viagem / o rio é o companheiro melhor [...] A um rio sempre<br />
espera / um mais vasto e ancho mar” 38 , <strong>do</strong> primeiro; “Na selva cor de vida atalhos<br />
vibram” 39 , <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>; e “Alma minha gentil, que te partiste / Tão ce<strong>do</strong> desta vida,<br />
descontente,” 40 de Camões.<br />
Não deixa de ser cômica a tentativa de colocar nomes extemporâneos na<br />
boca <strong>do</strong> Torto e de forçar os leitores a estabelecer relações analógicas inesperadas<br />
para contrabalançar a inverossimilhança <strong>do</strong> discurso e manter o enuncia<strong>do</strong><br />
36<br />
Ibid., p. 38. (grifo meu)<br />
37<br />
Ibid., p. 135.<br />
38<br />
MELO NETO, João Cabral de. O rio: ou relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente<br />
à cidade <strong>do</strong> Recife. São Paulo: Edição da Comissão <strong>do</strong> IV Centenário de São Paulo, 1954.<br />
39<br />
Do poema “O homem e sua hora”. In: CADERNOS DE TERESINA – Revista informativa da<br />
Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Teresina: F.C.M.C., ano I, n. 1, abr. 1987. p. 17. Edição<br />
comemorativa da Semana Mário Faustino.<br />
40<br />
GOTLIB, Nádia Batella. (Comp.). Luís Vaz de Camões: literatura comentada. São Paulo: Abril<br />
Educação, 1980. p. 31.<br />
99