FORMA URBANA E SUSTENTABILIDADE Algumas Notas sobre o ...
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Graça Ponte da Silva 1 PROSPECTIVA E PLANEAMENTO, Vol. 15−2008 FORMA URBANA E SUSTENTABILIDADE Algumas Notas sobre o Modelo de Cidade Compacta Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais 1. URBANIZAÇÃO E SUSTENTABILIDADE 1.1. As Cidades no Centro dos Desafios da Sustentabilidade Ao longo dos tempos, a evolução da humanidade e o seu progresso têm sido largamente condicionados pelo desenvolvimento urbano. Contudo, a situação actual não tem paralelo noutra época na História. Pela primeira vez, face ao rápido crescimento da urbanização registado globalmente, as cidades e seus subúrbios tornaram-se o principal habitat da humanidade, sendo a principal fonte de empregos e progresso económico e social. Segundo as Nações Unidas, entre 1950 e 2005 a população urbana mais do que quadruplicou. Em 2005, uma parcela de cerca de 49% da população mundial vivia em zonas urbanas, ultrapassando os 50% no decurso de 2008. A urbanização, um processo que tinha particular expressão no mundo mais desenvolvido, estendeu-se à escala global. Nos últimos anos, tem sido na Ásia (particularmente na China) e em África que as cidades têm crescido mais rapidamente, esperando-se que a população urbana nestas zonas duplique até 2030 2 . Simultaneamente, a urbanização abrandou nas zonas do mundo como a Europa e América do Norte onde em meados do 1 graca@dpp.pt. 2 Worldwatch Institute, Vital Signs 2007-2008, Washington, 2007. Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais
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Graça Ponte da Silva 1<br />
PROSPECTIVA E PLANEAMENTO, Vol. 15−2008<br />
<strong>FORMA</strong> <strong>URBANA</strong> E <strong>SUSTENTABILIDADE</strong><br />
<strong>Algumas</strong> <strong>Notas</strong> <strong>sobre</strong> o Modelo de Cidade Compacta<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
1. URBANIZAÇÃO E <strong>SUSTENTABILIDADE</strong><br />
1.1. As Cidades no Centro dos Desafios da Sustentabilidade<br />
Ao longo dos tempos, a evolução da humanidade e o seu progresso têm sido largamente<br />
condicionados pelo desenvolvimento urbano. Contudo, a situação actual não tem paralelo<br />
noutra época na História.<br />
Pela primeira vez, face ao rápido crescimento da urbanização registado globalmente, as<br />
cidades e seus subúrbios tornaram-se o principal habitat da humanidade, sendo<br />
a principal fonte de empregos e progresso económico e social. Segundo as Nações<br />
Unidas, entre 1950 e 2005 a população urbana mais do que quadruplicou. Em 2005, uma<br />
parcela de cerca de 49% da população mundial vivia em zonas urbanas, ultrapassando<br />
os 50% no decurso de 2008.<br />
A urbanização, um processo que tinha particular expressão no mundo mais desenvolvido,<br />
estendeu-se à escala global. Nos últimos anos, tem sido na Ásia (particularmente na<br />
China) e em África que as cidades têm crescido mais rapidamente, esperando-se que a<br />
população urbana nestas zonas duplique até 2030 2 . Simultaneamente, a urbanização<br />
abrandou nas zonas do mundo como a Europa e América do Norte onde em meados do<br />
1 graca@dpp.pt.<br />
2 Worldwatch Institute, Vital Signs 2007-2008, Washington, 2007.<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais
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Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
Graça Ponte da Silva<br />
século passado uma parcela significativa da população vivia já em aglomerados<br />
urbanos 3 .<br />
Estando inexoravelmente ligadas ao crescimento económico e progresso social,<br />
paradoxalmente, dada a sua recente evolução, as cidades tornaram-se a principal<br />
fonte de degradação ambiental.<br />
A dimensão das cidades, em termos do espaço físico por elas ocupado e da população<br />
que concentram, atingiu uma escala inédita: não só se verificou uma explosão da<br />
população urbana, como se multiplicou o número de cidades com mais de um milhão de<br />
habitantes e de megacidades 4 .<br />
No mundo em desenvolvimento, em três décadas (1975-2005), mais de 200<br />
aglomerações ultrapassaram o milhão de habitantes das quais, em 2005, quinze eram<br />
megacidades (com mais de 10 milhões de habitantes) e representavam cerca de 9% da<br />
população urbana 5 .<br />
Contudo, a evolução verificada ultrapassa largamente o aumento da taxa de<br />
urbanização, tendo-se verificado alterações radicais ao nível do modo de<br />
funcionamento e do próprio conceito de cidade. O impacto das cidades no equilíbrio<br />
global do planeta é o resultado do seu peso demográfico, dos padrões de consumo e de<br />
mobilidade que lhe estão associados (e que cada vez mais tendem a estender-se às<br />
populações não urbanas) assim como das profundas transformações que introduz nos<br />
espaços circundantes.<br />
As cidades contemporâneas sofrem as consequências de um conjunto de evoluções nos<br />
domínios económico, social e ambiental para as quais, simultaneamente, têm contribuído<br />
em larga escala. Paradoxalmente, muitos dos problemas associados à expansão da<br />
população urbana, resultam do sucesso das cidades como habitat para a espécie humana<br />
e, consequentemente, do progresso e da melhoria de condições de vida das populações.<br />
Embora os padrões de vida das populações sejam condicionados pelo espaço em que<br />
habitam e diferentes comunidades tenham diferentes necessidades e aspirações, os<br />
grandes objectivos perseguidos são sempre os mesmos: basicamente o acesso a<br />
3<br />
Na América Latina, com taxas de urbanização já muito elevadas (77%), verificou-se um<br />
abrandamento do crescimento das megacidades, contudo, face aos elevados níveis de desigualdade<br />
económica e social, continuou a registar-se o crescimento de largas faixas da população em<br />
subúrbios degradados, “bairros de lata” ou favelas.<br />
4<br />
No início do século XIX, Londres era a única cidade que atingia a população de um milhão de<br />
habitantes.<br />
5<br />
Worldwatch Institute, Vital Signs 2007-2008, Washington, 2007.
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
emprego, habitação, serviços e equipamentos públicos, em última instância um elevado<br />
grau de bem-estar económico e social.<br />
Ao mesmo tempo que a humanidade enfrenta o desafio de um mundo em mutação<br />
acelerada − em termos demográficos, sociais, económicos, tecnológicos e ambientais −<br />
a migração para as cidades cria um processo que se auto-alimenta: à medida que<br />
expande a sua dimensão, criam-se novas oportunidades de emprego que, por sua vez,<br />
atraem novas populações, num processo potenciado pela expansão dos sistemas de<br />
transportes e de comunicações.<br />
As cidades crescem e prosperam se tiverem capacidade para atrair e reter pessoas e<br />
actividades, mas a sua influência ultrapassa largamente os seus limites físicos e das<br />
áreas circunvizinhas, estendendo-se à larga maioria das populações (urbanas e rurais) a<br />
aspiração a padrões de vida e níveis de consumo comuns.<br />
Esta evolução à escala mundial está intimamente associada ao crescente consumo de<br />
recursos, visto que, comparativamente às populações rurais, os padrões de consumo<br />
urbano são significativamente mais elevados. Os estilos de vida urbana<br />
correspondem a aumentos drásticos do consumo per capita de combustíveis<br />
fósseis, metais, madeira, alimentos, produtos industriais.<br />
Se as cidades e o seu modo de vida ocupam a maioria da terra, então elas terão que ser<br />
fulcrais no debate <strong>sobre</strong> o futuro do planeta, que o Relatório Brundtland centrou no<br />
conceito de desenvolvimento sustentável.<br />
Coloca-se então a questão de saber em que medida as cidades podem contribuir para a<br />
construção de um novo paradigma de desenvolvimento económico e social que cumpra<br />
os requisitos da sustentabilidade.<br />
A matéria não é simples, começando por se questionar a própria definição do que é uma<br />
cidade, em que medida se identifica ou distingue do conceito mais lato de aglomeração<br />
urbana 6 . Mesmo não aprofundando este aspecto, e usando os dois conceitos como<br />
sinónimos, a resposta à questão da sustentabilidade é complexa e exige um conjunto de<br />
respostas que, muito simplificadamente, se pode sintetizar:<br />
◆ Qual o contributo das cidades para a insustentabilidade do actual modelo de<br />
crescimento e como deverão elas contribuir para o desiderato da sustentabilidade?<br />
6 “No extremo, as “áreas urbanas” negam o próprio conceito de cidade: elas tornam-se fenómenos<br />
pós-urbanos, muito distantes da tradicional imagem da cidade pré-industrial e mesmo da do século<br />
XIX.” “... a cidade oferece densidade e variedade; a combinação eficiente de funções económicas e<br />
sociais, economizadora de energia e tempo; a oportunidade de restaurar a rica arquitectura herdada<br />
do passado. As áreas urbanas são um conceito estatístico. As cidades são projectos para um novo<br />
estilo de vida e trabalho.” (Comissão das Comunidades Europeias, Green Paper on the Urban<br />
Environment, COM (90) 218.<br />
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104<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
Graça Ponte da Silva<br />
◆ Como definir a ”cidade sustentável”? Será a forma determinante? Isto é, existe<br />
um modelo único e generalizadamente aplicável de cidade sustentável ou uma<br />
multiplicidade de caminhos possíveis para um mesmo objectivo?<br />
◆ Admitindo que é possível responder às questões anteriores, como passar dos<br />
termos conceptuais para o nível da concretização? Qual o papel dos poderes<br />
públicos e, em particular, do planeamento urbano?<br />
1.2. O Modelo Extensivo de Urbanização e a Sustentabilidade<br />
Como definir a “cidade sustentável”? Como traduzir para o contexto do desenvolvimento<br />
urbano, os princípios gerais de equidade inter-geracional, nos planos social económico e<br />
ambiental, que estão associados ao conceito de desenvolvimento sustentável?<br />
Para alguns autores, este conceito encerra uma contradição insanável, considerando que,<br />
por definição, uma cidade nunca foi nem pode ser sustentável. Contudo, o conceito pode<br />
ser encarado num sentido mais lato, referido ao contributo das cidades para o<br />
desenvolvimento sustentável. Nesse sentido (e em termos gerais, que não especifiquem<br />
características que poderão à partida indicar a opção por um dado modelo), uma<br />
resposta a esta interrogação poderá ser:<br />
“Uma cidade sustentável está organizada de modo a que todos os seus<br />
habitantes possam satisfazer as necessidades básicas e aumentar o seu<br />
bem-estar sem danificar o mundo natural ou pôr em risco as condições de<br />
vida de outros, agora e no futuro 7 .”<br />
Uma forma alternativa de apresentar a relação desenvolvimento<br />
sustentável/desenvolvimento urbano, será:<br />
“Para que o desenvolvimento do uso do solo, dos padrões do solo<br />
artificializado e das infra-estruturas numa área sejam considerados<br />
sustentáveis, ele tem de satisfazer as necessidades vitais dos habitantes<br />
dessa área de uma forma sustentada para o futuro, e não pode estar em<br />
conflito com o desenvolvimento sustentável a um nível global” 8 .<br />
Actualmente, os modelos de estruturação e de funcionamento das cidades e, por<br />
extensão o modelo de funcionamento da sociedade tomada globalmente, estão longe de<br />
se enquadrar nestes princípios.<br />
7 Girardet, H., Creating Sustainable Cities, Schumacher Briefings, Green Books, 1999.<br />
8<br />
Naess, P., 'Urban planning and sustainable development', European Planning Studies, vol. 9, no. 4,<br />
2001.
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
A procura de energia é um dos elementos definidores das cidades modernas<br />
cujo funcionamento assenta fortemente no consumo de combustíveis fósseis 9 .<br />
De facto, as cidades actuais só puderam desenvolver-se à custa das novas tecnologias<br />
de transportes que emergiram nos fins do século XIX e princípios do século XX, na base<br />
das quais, para os mesmos tempos de viagem, aumentaram consideravelmente as<br />
distâncias percorridas. Ao mesmo tempo que se consomem recursos em larga escala,<br />
são gerados enormes montantes de desperdícios e emissões de gases, nomeadamente<br />
com efeito de estufa e de outros poluentes.<br />
Nas últimas décadas, designadamente depois da Segunda Guerra Mundial, prevaleceu<br />
um modelo de urbanização fundamentado nos princípios da “Carta de Atenas” (1933) 10 :<br />
separação de funções em zonas distintas; economias de escala em zonas ultra-densas;<br />
amplas praças; complexos urbanísticos uniformes. Estes conceitos estão na base de um<br />
modelo urbanístico desintegrado, com componentes que não interagem ou que o fazem<br />
com custos muito elevados.<br />
Assim, o planeamento urbano fomentou o desenvolvimento de estruturas amorfas,<br />
extremamente consumidoras de tempo e energia, onde as estradas determinam a<br />
geometria urbana: um crescimento dendrítico, com os edifícios ligados à estrada mas<br />
não interligados. Esta urbanização dispersa afecta muitos dos aglomerados urbanos de<br />
média e grande dimensão.<br />
Desenvolvendo-se radialmente, em torno do perímetro das cidades, e linearmente, ao<br />
longo das grandes vias de comunicação, o seu espaço físico estendeu-se de forma<br />
significativa com base no transporte motorizado.<br />
O transporte motorizado rodoviário e ferroviário e a generalização do transporte<br />
individual, permitiram as deslocações diárias de grandes massas de população, e o<br />
fornecimento dos recursos necessários a partir de localizações cada vez mais distantes.<br />
A maior facilidade das deslocações e de comunicação à distância estão na base da<br />
alteração do conceito de cidade e do uso do solo que lhe está associado, aumentando o<br />
seu hinterland e, simultaneamente, reduzindo a sua dependência relativamente ao<br />
9<br />
O seu consumo aumentou cerca de cinco vezes desde meados do século XX, em boa parte devido<br />
ao uso generalizado e sistemático de automóveis particulares.<br />
10<br />
A Carta de Atenas resultou do Congresso Internacional de Arquitectura Moderna que teve lugar em<br />
1933. A Conferência e o documento dela resultante, publicado por Le Corbusier em 1942,<br />
concentravam-se no conceito de “cidade funcional”, fundamentado na criação de zonas<br />
independentes para as quatro funções: habitação, trabalho, lazer e circulação. Estes conceitos foram<br />
aplicados à reconstrução de cidades europeias após a Segunda Guerra Mundial. O exemplo mais<br />
paradigmático da aplicação estrita do conceito é a construção de Brasília.<br />
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Graça Ponte da Silva<br />
espaço rural circundante, convertido em vastas áreas de dormitórios a partir das quais<br />
as populações se deslocam diariamente.<br />
A persistência desta urbanização extensiva depende da utilização do automóvel<br />
particular e, simultaneamente, perpetua-a. Face aos elevados consumos energéticos que<br />
geram, os ambientes urbanos baseados em núcleos ultra-densos (desenvolvidos<br />
em altura) e na dispersão suburbana não são sustentáveis.<br />
As críticas ao tipo de urbanização extensiva assentam no facto de ser um modelo que<br />
gera:<br />
◆ Consumo excessivo do solo e consequente perca de solo produtivo;<br />
◆ Congestionamento de tráfego;<br />
◆ Elevados consumos energéticos;<br />
◆ Aumento da poluição atmosférica;<br />
◆ Elevados custos em infra-estruturas e ineficiência no fornecimento de serviços e<br />
infra-estruturas pelas autoridades locais;<br />
◆ Custos para a actividade económica associados ao esvaziamento dos centros<br />
urbanos;<br />
◆ Segregação socioeconómica, perca de sentido de comunidade, exclusão social.<br />
Contudo, a nível individual, o modelo extensivo, caracterizado pela habitação longe de<br />
centros superpovoados, pouco seguros e poluídos, é atractivo e frequentemente<br />
suportado pelas políticas públicas de ordenamento de território (regulamentações e<br />
oferta de infra-estruturas, por exemplo), pela actuação das autoridades locais e pelo<br />
acesso facilitado a crédito para compra de habitação.<br />
Para os construtores e promotores imobiliários, este tipo de desenvolvimento urbano<br />
também apresenta vantagens pois, de um modo geral, é mais lucrativo do que a<br />
utilização e requalificação de espaços no centro da cidade.<br />
Um modelo oposto baseia-se na concentração, conectividade e<br />
multifuncionalidade, caracterizado por uma geometria focada nas conexões humanas<br />
dentro do núcleo urbano: cidades compactas com uma menor dimensão e densidade<br />
intermédia, geometricamente integrada.<br />
Esta alternativa enfrenta o obstáculo da atractividade individual do modelo extensivo e,<br />
por outro lado, revela-se um conceito complexo e difícil de definir com precisão,<br />
envolvendo uma ampla variedade de soluções.
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
Contudo, em certos estratos populacionais, tem-se vindo a verificar o crescimento de<br />
uma tendência contrária à procura de residência em localizações periféricas, de retorno a<br />
lugares mais centrais, característicos ou históricos, por exemplo, o que coloca a questão<br />
da sua requalificação e renovação.<br />
No modelo de cidade dispersa, nas áreas centrais e periféricas, encontram-se zonas<br />
valorizadas e atractivas a par com outras desvalorizadas e degradadas. Mas, em<br />
qualquer destas zonas, a tendência é para a homogeneidade. Mesmo o retorno de parte<br />
da população aos centros urbanos está frequentemente associado a uma classe média<br />
com padrões culturais e de rendimento relativamente altos e à “expulsão” das anteriores<br />
populações para zonas menos apetecíveis.<br />
Como se disse, a evolução para o modelo que actualmente predomina resulta de um<br />
processo histórico estreitamente associado ao desenvolvimento das tecnologias,<br />
podendo, simplificadamente, distinguir-se três grandes períodos de desenvolvimento<br />
urbano, de acordo com a tecnologia de transporte disponível.<br />
Uma primeira fase, que está na base de muitas cidades europeias e dos centros<br />
históricos de cidades mais antigas, a dimensão é relativamente pequena, o ambiente<br />
urbano é denso e a maioria dos destinos encontra-se a uma distância razoável para<br />
serem percorridos a pé.<br />
A partir dos finais do século XIX, com a difusão dos caminhos-de-ferro e da<br />
electrificação, seguiu-se um período de urbanização em massa em que as cidades<br />
começaram a crescer para o exterior, num desenho urbano fortemente marcado pela<br />
oferta de transporte público, que condicionou o nascimento de subcentros de<br />
características similares aos anteriores núcleos urbanos.<br />
Após os anos 50 do século XX, com a difusão do automóvel particular, passou a ser<br />
menos importante a proximidade entre local de trabalho e residência e foi fortemente<br />
reduzida a dependência do transporte público. Este facto permitiu a proliferação de<br />
modelos urbanísticos de baixa densidade, com expansão dos núcleos habitacionais,<br />
centros de comércio e outras actividades para distâncias cada vez maiores, com uma<br />
separação muito marcada das zonas funcionais.<br />
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Fase I<br />
Desenvolvimento Urbano e Tecnologia de Transportes<br />
•Ambiente denso de relativamente pequena dimensão<br />
•Todos os destinos a uma distância razoável para serem percorridos<br />
apé<br />
Desenvolvimento de caminhode-ferro<br />
e eléctricos<br />
( a partir de fins do séc.XIX)<br />
•Expansão para fora (20/30 km)<br />
Fase II •Desenho urbano fortemente marcado pela oferta de transporte<br />
público<br />
•Subcentros em torno das estações ferroviárias, com características<br />
semelhantes aos anteriores núcleos urbanos<br />
Fase III<br />
Difusão do automóvel<br />
(dominante após II Guerra )<br />
•Expansão para maiores distâncias com fim da necessidade de<br />
proximidade do local de trabalho e/ou transporte público<br />
•Transporte público mais flexível (autocarro)<br />
•Possibilidade de divisão das cidades em zonas funcionais<br />
•Desenvolvimento de formas dispersas de urbanização<br />
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Graça Ponte da Silva<br />
Muitas<br />
cidades<br />
europeias e<br />
centros de<br />
cidades<br />
antigas<br />
Período de<br />
urbanização<br />
em massa<br />
Novas cidades<br />
de baixa<br />
densidade;<br />
expansão de<br />
cidades<br />
antigas<br />
segundo novo<br />
modelo com<br />
esvaziamento<br />
dos centros<br />
Nesta última fase, o paradigma é muito distinto da anterior na qual, não obstante se<br />
tivesse verificado uma expansão urbana para distâncias consideráveis, o padrão<br />
predominante se caracterizava por uma densidade relativamente elevada e pela<br />
multifuncionalidade.<br />
A separação do solo em zonas distintas, de acordo com funções específicas, está na<br />
origem do aumento do número e extensão de deslocações associadas ao trabalho,<br />
acesso ao comércio, serviços e lazer. Este movimento, registado no mundo desenvolvido<br />
a partir da Segunda Guerra Mundial, esvaziou grande parte dos centros residenciais das<br />
cidades e contribuiu para o declínio das zonas tradicionais de comércio, estando na base<br />
de inúmeros custos económicos, ambientais e sociais. Simultaneamente à fuga de uma<br />
parte da classe média para zonas suburbanas, em busca de espaço e maiores níveis de<br />
qualidade de vida e proximidade da natureza, a preços relativamente acessíveis,<br />
registou-se o incremento de habitação de massa de qualidade relativamente baixa em<br />
zonas suburbanas com fracos padrões urbanísticos.<br />
Além do desenvolvimento do transporte automóvel (particular e colectivo), outros<br />
factores estiveram na origem do crescimento da urbanização extensiva, nomeadamente:<br />
políticas de generalização do acesso ao crédito para compra de habitação que
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
implicitamente desencorajaram a renovação do parque habitacional existente;<br />
investimento público em estradas e auto-estradas; prevalência de abordagens<br />
“funcionais” do desenvolvimento urbano, com consequências a nível da legislação e<br />
regulamentação, promotoras da separação entre zonas residenciais e restantes usos dos<br />
solos.<br />
2. A CIDADE COMPACTA<br />
2.1. Um Caminho para a Sustentabilidade?<br />
O processo de urbanização da população, o crescimento das cidades – simultaneamente<br />
os principais espaços para a actividade humana e os principais consumidores de recursos<br />
– envolve em si consequências paradoxais. As cidades estão na origem de progresso<br />
e crescimento económico, gerando economias de aglomeração para<br />
consumidores e produtores mas, simultaneamente, são geradoras de grandes<br />
externalidades negativas.<br />
Ao desenvolvimento das aglomerações urbanas e respectivos modos de ocupação do solo<br />
são apontados importantes tipos de impactos negativos, económicos, sociais e<br />
ambientais: congestionamento de tráfego, elevados consumos energéticos, degradação<br />
da qualidade do ar, ruído, impermeabilização dos solos, custos elevados em infraestruturas,<br />
ineficiência no fornecimento de serviços, custos económicos associados ao<br />
esvaziamento dos centros urbanos, perca de solo produtivo, segregação socioeconómica,<br />
perca de sentido de comunidade e exclusão social.<br />
Em particular, pela sua relação com a mobilidade das populações, as cidades estão na<br />
origem de crescente concentração de gases, nomeadamente com efeito de estufa.<br />
Contudo, todo o estilo de vida urbano actual (e não apenas a mobilidade) é muito<br />
consumidor de energia: directamente, na construção e manutenção das diversas infraestruturas<br />
e edifícios, na preparação e conservação de alimentos, iluminação,<br />
climatização, transportes, produção de bens, e indirectamente nos alimentos e outras<br />
mercadorias importadas. À extensão indefinida e sem coerência dos seus limites físicos<br />
associam-se fenómenos de ruptura social e o declínio de vastas zonas urbanas, a falta de<br />
coordenação com o espaço envolvente, e graves problemas ambientais decorrentes.<br />
Coloca-se pois com especial premência as questões da sustentabilidade das diferentes<br />
formas de aglomeração urbana e da identificação dos principais elementos que para ela<br />
concorrem.<br />
Face às preocupações de sustentabilidade, tem vindo a ganhar predominância o conceito<br />
de “cidade compacta” como novo paradigma de desenvolvimento urbano que pretende<br />
responder a um conjunto de problemas associados ao modelo “extensivo” de cidade, de<br />
urbanização dispersa, mas também ao modelo de cidades de densidade excessiva.<br />
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A cidade sustentável<br />
Uma cidade sustentável é:<br />
▪ Uma Cidade Justa<br />
▪ Uma Cidade Bela<br />
▪ Uma Cidade Criativa<br />
▪ Uma Cidade Ecológica<br />
▪ Uma Cidade de Fácil Contacto e Mobilidade<br />
▪ Uma Cidade Compacta e Policêntrica<br />
▪ Uma Cidade Diversificada<br />
Adaptado de Rogers, Richard, Cities for a Small Planet, Faber and Faber, 1998<br />
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Graça Ponte da Silva<br />
Frequentemente, as definições do conceito “cidade compacta” centram-se numa<br />
característica fundamental: a densidade. Contudo, não se pode confundir compacidade<br />
com densidade: a densidade é apenas um indicador, um dos elementos caracterizadores<br />
do modelo de cidade compacta.<br />
As principais características da cidade compacta são:<br />
◆ Densidade que garanta a viabilidade de transportes públicos frequentes e<br />
acessíveis e de serviços e comércio de proximidade;<br />
◆ Continuidade, com uma estrutura monocêntrica ou policêntrica em função da<br />
dimensão da população;<br />
◆ Multifuncionalidade no uso dos solos e diversidade.<br />
A continuidade e multifuncionalidade permitem compreender melhor porque não se deve<br />
confundir compacidade com densidade:<br />
◆ uma mesma densidade pode ser atingida com diferentes repartições das<br />
densidades no espaço urbano, isto é, com diferentes graus de continuidade;<br />
◆ a multifuncionalidade no uso dos solos (em oposição à definição de zonas para<br />
cada função específica, residencial, comercial…) tem consequências importantes<br />
na mobilidade, permitindo minimizar as distâncias a percorrer e a frequência das<br />
comutações, contribuindo ainda para a revitalização do conceito de espaço público<br />
e para a coesão social.<br />
O processo de compactação do espaço urbano supõe a actuação a vários níveis:<br />
contenção; renovação e revitalização; transformação da mobilidade urbana.
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
Estas linhas de acção traduzem-se num uso mais eficiente do solo, pela limitação da<br />
extensão do espaço físico ocupado, pela valorização e dinamização do património e maior<br />
atractividade das zonas construídas.<br />
Simultaneamente, supõem um modelo de mobilidade alternativo ao transporte<br />
particular, exigindo uma oferta de transportes públicos coerente com a estrutura urbana,<br />
conjugado com políticas adequadas de controle de velocidade, volume de tráfego e<br />
estacionamento. Numa área metropolitana mais alargada, a viabilização de comunidades<br />
urbanas sustentáveis passa pela rede ferroviária, numa lógica intermodal.<br />
Contenção<br />
Renovação e<br />
revitalização<br />
Transformação<br />
da mobilidade<br />
Compactação: Níveis de Actuação<br />
Limitação do processo de expansão<br />
Preenchimento dos espaços vazios, renovação e<br />
requalificação dos espaços degradados<br />
Maior atractividade das zonas construídas<br />
Valorizaçãoedinamizaçãodopatrimónio<br />
Modelo de mobilidade alternativo ao automóvel<br />
particular<br />
Controle de velocidade, volume de tráfego e<br />
estacionamento<br />
Congruência entre<br />
transportes públicos<br />
estrutura urbana e rede de<br />
Nas áreas metropolitanas, redes de transportes<br />
públicos, com base no caminho de ferro mas numa<br />
lógica intermodal<br />
2.2. Cidade Compacta: Principais Argumentos e Críticas<br />
Para a definição de um modelo urbano sustentável, a minimização dos impactos<br />
negativos <strong>sobre</strong> o ambiente é um aspecto fulcral. Como tal, assume especial relevo a<br />
relação modelo urbano/consumo energético. Actualmente, predomina a ideia de que o<br />
modelo extensivo, de cidade dispersa, é insustentável.<br />
Como alternativa, o conceito de cidade compacta tem vindo a ganhar força, reflectindose<br />
nas actuações dos governos e na definição de políticas espaciais, designadamente na<br />
Europa, o “Livro Verde <strong>sobre</strong> o Ambiente Urbano”, publicado pela Comissão<br />
Europeia em 1990, representou um primeiro passo numa abordagem integrada das<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
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Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
Graça Ponte da Silva<br />
matérias relativas ao ambiente urbano, e da sua relação com a<br />
sustentabilidade 11 . Neste documento, são identificados dois elementos de base para<br />
uma abordagem especificamente europeia desta matéria.<br />
A partir da identificação das fontes de pressão e principais causas de degradação do<br />
ambiente urbano, é apresentado um conjunto de orientações inspiradas nos princípios<br />
caracterizadores dos modelos de cidade compacta 12 .<br />
Os argumentos são vários, embora a principal justificação seja a promoção de um<br />
modelo menos intensivo em energia, radicado na alteração do padrão de mobilidade.<br />
De facto, a redução do consumo de combustíveis fósseis é uma questão chave no<br />
processo de promoção do desenvolvimento sustentável: o transporte motorizado é, na<br />
sua quase totalidade, directa ou indirectamente alimentado por combustíveis fósseis,<br />
contribuindo directamente para a poluição do ar e para as alterações climáticas (e<br />
indirectamente para a poluição do solo e água). A emissão de gases com efeito de estufa<br />
(nomeadamente CO 2 ) é, em larga medida, resultado da combustão de derivados de<br />
petróleo, gás e carvão. Contudo, não são os aspectos ambientais, elevados níveis de<br />
poluição e perspectivas de alterações climáticas, mais ou menos abruptas e<br />
imprevisíveis, os únicos a determinar a insustentabilidade do modelo actual, fundado no<br />
consumo em larga escala de recursos não renováveis.<br />
Não parece possível nem defensável parar o processo de evolução económica que,<br />
associada ao processo de globalização e à integração de novas economias no sistema<br />
mundial de comércio, tem vindo a elevar o nível de vida em vastas áreas do globo,<br />
gerando aumentos substanciais do consumo de energia.<br />
Coloca-se, então, a questão de compatibilizar o crescimento económico e o<br />
desenvolvimento equitativo em termos mundiais com a defesa da sustentabilidade<br />
ambiental.<br />
11<br />
Neste contexto, dois outros documentos de referência são a Carta de Aalborg, Carta das<br />
Comunidades Europeias para a Sustentabilidade (aprovada pelos participantes na Conferência<br />
Europeia <strong>sobre</strong> Cidades Sustentáveis, realizada em Aalborg, Dinamarca, em 1994) e a Carta de<br />
Leipzig <strong>sobre</strong> Cidades Europeias Sustentáveis (assinada em Leipzig, em 2007 pelos ministros<br />
europeus responsáveis pelo ordenamento do território e urbanismo, numa reunião informal <strong>sobre</strong><br />
desenvolvimento urbano e coesão territorial organizada pela presidência alemã da UE).<br />
12<br />
Muitos destes princípos encontram-se no movimento “New Urbanism”, surgido nos Estados Unidos<br />
no princípio dos anos 80, com tradução europeia no movimento de Renascimento Urbano, Os<br />
princípios globais encontram-se na carta do movimento, ratificada em 1996: “We advocate the<br />
restructuring of public policy and development practices to support the following principles:<br />
neighborhoods should be diverse in use and population; communities should be designed for the<br />
pedestrian and transit as well as the car; cities and towns should be shaped by physically defined and<br />
universally accessible public spaces and community institutions; urban places should be framed by<br />
architecture and landscape design that celebrate local history, climate, ecology, and building<br />
practice”.
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
O Movimento Urban Renaissance<br />
A Experiência Inglesa<br />
Em 1999, foi publicado o relatório, onde era apresentado um conjunto de recomendações (105) visando<br />
a definição de uma nova política urbana para o Reino Unido. Esse relatório resultou do trabalho de um<br />
grupo criado em 1998 pelo Governo britânico (Urban Task Force) e presidido pelo arquitecto Sir Richard<br />
Rogers, com o objectivo de identificar as causas do declínio urbano e, simultaneamente, definir uma<br />
nova visão para as cidades, assim como o quadro para a sua implementação.<br />
A visão definida no relatório resume-se em:<br />
“… a vision of well designed, compact and connected cities supporting a diverse range of uses – where<br />
people live, work and enjoy leisure time at close quarters – in a sustainable urban environment well<br />
integrated with public transport and adaptable to change.”<br />
Uma das mensagens centrais foi de que os ambientes urbanos deveriam ser locais atractivos para as<br />
populações, com base em critérios de qualidade estética, vitalidade e segurança. Para tal, a qualidade<br />
dos espaços públicos era considerada essencial, constituindo o fundamento da interacção e integração<br />
sociais e permitindo o desenvolvimento de um espírito de comunidade.<br />
Um segundo relatório, “Towards a Strong Urban Renaissance”, foi publicado em 2005. Neste relatório é<br />
apresentada uma avaliação dos progressos realizados, tendo em conta que muitas das recomendações<br />
tinham sido entretanto consideradas. Essas medidas, associadas a um período de forte crescimento<br />
económico e estabilidade, tiveram um forte impacto nas cidades inglesas, sendo identificado um<br />
conjunto de sucessos, dos quais se destacam:<br />
▪ uma mudança de atitude relativamente às cidades e um empenhamento nacional no renascimento<br />
urbano;<br />
▪ início de um movimento de retorno às cidades ∗ ;<br />
▪ uma crescente reutilização dos solos na construção de habitação, passando a representar 70% dos<br />
novos empreendimentos, em comparação com 56% em 1997;<br />
▪ mais eficiente aproveitamento do solo e recursos, através do aumento das densidades de<br />
construção, passando de uma média de 25 para 40 habitações por ha entre 1997 e 2005;<br />
▪ no que se refere aos aspectos de concepção e execução, verificou-se um aumento da qualidade e<br />
qualificações;<br />
▪ alguma redução dos impactos ambientais dos novos edifícios, com base numa nova<br />
regulamentação <strong>sobre</strong> construção sustentável;<br />
▪ aumento significativo do investimento em transportes públicos, tendo em conta critérios de<br />
sustentabilidade e as necessidades dos peões;<br />
▪ aumento do investimento privado nas cidades;<br />
▪ maior intervenção e capacidade de decisão das cidades e comunidades e um volume significativo<br />
de fundos dedicados à implementação do plano.<br />
O mesmo relatório identifica ainda os desafios que se colocam para o futuro. A principal conclusão é de<br />
que, não obstante os significativos progressos verificados, persistem muitas áreas em que eles se<br />
revelaram manifestamente insuficientes.<br />
Destaca-se a necessidade de melhores resultados no domínio dos impactos ambientais, nomeadamente<br />
no que se refere às alterações climáticas, e no acesso das populações à habitação nas cidades.<br />
Ao mesmo tempo que uma parte significativa da classe média continua a procurar residências fora dos<br />
centros urbanos, fortes desigualdades sociais são potenciadas pelos elevados preços da habitação nas<br />
cidades e pela reduzida oferta de habitação social, factos que restringem o acesso a população de<br />
menores rendimentos.<br />
Apesar dos progressos registados, é necessária uma maior integração da oferta de transportes públicos<br />
no processo global de planeamento, assim como uma maior coerência de acção dos diversos organismos<br />
intervenientes. Por outro lado, a qualidade do desenho urbano ainda não é suficientemente valorizada<br />
como elemento central para o sucesso da estratégia.<br />
Finalmente, mantém-se como grande desafio, a necessidade de compatibilização da procura de<br />
habitação com a preservação e revitalização das áreas urbanas existentes e o desenvolvimento de novas<br />
comunidades que façam o melhor uso do reaproveitamento dos solos e ofereçam habitação e espaços<br />
públicos e serviços de qualidade, bem como uma rede de transportes públicos eficientes, num quadro de<br />
sustentabilidade.<br />
∗ Particularmente evidente no caso de Manchester em cujo centro, em 1990, havia 90 moradores<br />
tendo passado a 25000 em 2005; no mesmo período a população de Liverpool quadruplicou.<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
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114<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
Graça Ponte da Silva<br />
Os transportes serão provavelmente o sector onde se revelará mais problemático<br />
alcançar uma redução significativa, requerendo para tal uma forte intervenção das<br />
políticas públicas.<br />
Os problemas colocados pelo presente modelo de transportes, nomeadamente no que<br />
concerne à mobilidade urbana, ultrapassam largamente os já significativos efeitos a nível<br />
de gases com efeito de estufa. A poluição do ar, o ruído, a substituição de área edificada<br />
e do espaço público por estradas e estacionamentos, a impermeabilização dos solos, o<br />
congestionamento de tráfego têm sérias consequências económicas, sociais e sanitárias.<br />
A definição de medidas que alterem este padrão é um problema delicado em termos<br />
políticos, porque interfere com os próprios fundamentos da sociedade actual: vivemos<br />
numa sociedade cujos elevados níveis de mobilidade se tornaram não apenas uma<br />
característica mas uma condição para o seu funcionamento, baseado na deslocação<br />
diária de grandes volumes de população e mercadorias.<br />
Foi a crescente facilidade em viajar regularmente entre distâncias cada vez maiores que<br />
possibilitou o padrão de localização das áreas habitacionais e actividades económicas<br />
construído a partir de meados do século passado. Por outro lado, a escolha segundo as<br />
preferências individuais, nomeadamente da localização da residência, está implícita no<br />
funcionamento das sociedades democráticas, onde a própria mobilidade (e por extensão<br />
o automóvel particular) assumiu a natureza de um direito cuja limitação coloca sérios<br />
problemas.<br />
Face à interacção uso do solo/transportes 13 , estes assumem papel fulcral no<br />
desenvolvimento das cidades, sendo determinante a repartição modal, a qual,<br />
actualmente, privilegia os modos motorizados, e em particular o automóvel, num modelo<br />
que se auto alimenta. A relevância da relação entre estrutura espacial e mobilidade é<br />
ainda mais evidente quando se consideram os seus efeitos a outros níveis,<br />
designadamente no bem-estar da população, pelo tempo e rendimento absorvidos em<br />
viagens diárias e pelos recursos públicos destinados à construção manutenção de uma<br />
rede rodoviária dedicada ao escoamento de grandes volumes de tráfego.<br />
A ruptura não é fácil: além do problema técnico de definição de políticas públicas<br />
coordenadas nas áreas dos transportes e da ocupação dos solos e das dificuldades<br />
políticas e sociais na sua implementação, há que ter em conta que a relação entre as<br />
duas variáveis é desigual. De facto, uma alteração da política de transportes pode<br />
repercutir-se de modo relativamente rápido nas escolhas individuais de habitação e na<br />
13 Destacam-se os estudos dos australianos Peter Newman e Jeffrey Kenworthy que, a partir de<br />
vários estudos empíricos estabelecem uma relação inversa entre consumo de energia e densidade<br />
urbana.
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
localização das actividades, deste modo influenciando a evolução da forma urbana;<br />
contudo a alteração da estrutura urbana, no seu conjunto, é um processo demorado e,<br />
em grande parte, os seus efeitos a nível dos transportes só serão visíveis no longo prazo.<br />
Se é difícil e demorado alterar a cidade já edificada, é possível e desejável promover<br />
uma evolução menos dependente em termos energéticos, o que requer a combinação de<br />
medidas diversas, nomeadamente, portagens, impostos <strong>sobre</strong> combustível, incentivos à<br />
utilização de veículos mais eficientes, melhoria do sistema de transportes públicos,<br />
regulamentação de tráfego, planeamento espacial.<br />
Apesar de se manter dominante como paradigma da cidade sustentável, o modelo de<br />
cidade compacta está sujeito a críticas crescentes numa dupla perspectiva:<br />
validade/exequibilidade. De facto, para além das objecções conceptuais ao modelo,<br />
vários estudos empíricos têm questionado os resultados das políticas de compactação<br />
urbana onde ela tem sido aplicada.<br />
A vida diária implica a realização de deslocações. Em cada dia, os indivíduos realizam<br />
uma série de actividades com diferentes localizações. Estas actividades destinam-se a<br />
satisfazer necessidades físicas (comer, dormir), institucionais (trabalho, educação),<br />
obrigações e preferências pessoais (compras, cuidado dos filhos, lazer). Na sociedade<br />
moderna, há cada vez mais a promover a separação espacial destas actividades, entre<br />
eles os modos como as cidades crescem, obrigando a uma mobilidade individual<br />
crescente.<br />
Para alguns autores, não estão provadas as vantagens da cidade compacta, dado que<br />
nenhum estudo decisivo terá avaliado os seus custos (directos e indirectos). De um<br />
modo geral, pode dizer-se que o processo de compactação urbana contém em si<br />
aspectos contraditórios.<br />
Alguns põem mesmo em causa a relação entre densificação e redução das deslocações 14 .<br />
Outros factores terão que ser tidos em conta, como por exemplo a relação entre<br />
habitação e oportunidades de trabalho, sendo necessário associar a densificação à<br />
redefinição global da repartição de actividades, habitação e oferta de serviços públicos.<br />
Assim, os comportamentos da população resultam das suas características (idade, sexo,<br />
rendimento, estatuto profissional, estilo de vida, estrutura familiar...) dadas as restrições<br />
e oportunidades associadas às condições estruturais da sociedade, entre as quais se<br />
encontram (e assumem papel de relevo) as que se relacionam com as estruturas<br />
urbanas. Nas cidades desenvolvidas, qualquer política de actuação a nível da organização<br />
14 Por exemplo, segundo Simmonds e Coombe D. (“The transport implications of alternative urban<br />
forms”, em Jenks M. et al. Achieving a sustainable urban form , Spon, 2000), na cidade de Bristol, a<br />
estratégia de densificação não teve os resultados esperados ao nível do tráfego.<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
115
116<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
Graça Ponte da Silva<br />
do espaço urbano tem que responder a uma procura de habitação que resulta, não do<br />
crescimento demográfico, mas de profundas alterações que se têm verificado nas<br />
preferências individuais, organização social e familiar, dimensão das famílias, condições<br />
económicas e de acesso ao financiamento.<br />
Pressupõe-se que as escolhas individuais são feitas com base no princípio da<br />
maximização do nível de satisfação, pelo que as variáveis relevantes nesta escolha são<br />
relacionadas com características individuais e do contexto socioeconómico e com<br />
características da viagem (tempo, distância, qualidade, custo...), dadas as alternativas<br />
de transportes existentes.<br />
Independentemente dos argumentos a favor da cidade compacta, um conjunto de<br />
críticas dirige-se à exequibilidade das políticas de compactação.<br />
Os modos de vida e modelos familiares (com maior ou menor participação feminina no<br />
mercado de trabalho), muitas vezes na origem da multiplicação de percursos<br />
multidestinos, também terão que ser considerados.<br />
Dado que o modelo disperso tem sido o dominante, poderá ser difícil passar para uma<br />
lógica de compactação que exigiria profundas alterações na implantação das actividades<br />
económicas e na distribuição das populações. Provavelmente, será difícil promover o<br />
retorno a áreas degradadas (cuja requalificação envolve elevados custos) e tornar<br />
aceitável para as populações a implementação de uma lógica de compactação<br />
normalmente associada a menores áreas das habitações, menos espaços verdes e<br />
carácter mais impessoal.<br />
Embora a distância das residências aos serviços e outros equipamentos tenda a ser<br />
muito menor nas áreas centrais da cidade, traduzindo-se em menores percursos médios,<br />
poderão surgir mecanismos compensatórios, em sentido oposto. Segundo alguns<br />
estudos, quando as distâncias são curtas, tem-se verificado uma tendência para<br />
aumentar o número de viagens (lazer, compras, múltiplos empregos, etc.), explicada<br />
pela maior disponibilidade de tempo. Alguns autores apontam a possibilidade de, numa<br />
perspectiva ambiental e de emissões de GEE, o facto de as actividades diárias exigirem a<br />
realização de percursos curtos poder gerar efeitos perversos pelo incentivo a uma maior<br />
frequência de alguns tipos de viagens.<br />
Contudo, a maioria dos estudos empíricos aponta para uma correlação entre a<br />
localização do emprego, da residência e das diversas actividades necessárias à vida<br />
diária e as escolhas em termos de transportes. Mas, por muito determinantes que sejam,<br />
o tipo e frequência das viagens não dependem apenas destes factores, sendo, em larga<br />
medida, afectados por factores económico-sociais e individuais, resumidos no que<br />
podemos designar por “estilo de vida”.
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
Por exemplo, a escolha de um local de residência e de um modo de transporte pode<br />
resultar de factores associados ao estatuto social ou a opções ideológicas. Neste<br />
contexto, a expressão “estilo de vida” inclui factores socioeconómicos e demográficos,<br />
bem como certas variáveis que traduzem preferências e atitudes (relativas a questões<br />
ambientais e transportes). Nomeadamente, à medida que se eleva o padrão económico e<br />
educacional da população, a proximidade tende a perder importância face à valorização<br />
do exercício do direito de escolha. Por exemplo, a escolha da escola para os filhos ou do<br />
local onde se fazem as compras pode ser mais condicionada pela qualidade e variedade<br />
da oferta do que pela distância.<br />
Muitas das críticas aos primeiros estudos empíricos nesta matéria resultam do facto de<br />
não terem em conta factores socioeconómicos ou de natureza individual como atitudes<br />
ou estilos de vida. Eventualmente, alguns padrões de mobilidade que são apontados<br />
como resultantes de factores de localização poderão ser em parte justificados por<br />
factores de outra natureza (níveis de rendimento, padrões familiares, nível cultural, etc.).<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
117
118<br />
QUADRO SÍNTESE<br />
Principais argumentos a favor e contra a cidade compacta<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
Graça Ponte da Silva<br />
1. Preservação de espaços não urbanizados e economias nos custos de<br />
urbanização<br />
JUSTIFICAÇÃO CONTRA-ARGUMENTOS<br />
▪ Consumo de menos espaço para<br />
a mesma população<br />
▪ Protecção dos meios naturais<br />
▪ Preservação dos solos cultiváveis<br />
▪ Maior economia nas redes de gás,<br />
electricidade, água, saneamento<br />
▪ Economias de energia nas<br />
habitações (as habitações<br />
unifamiliares<br />
energívoras<br />
são mais<br />
▪ O mercado promove a repartição óptima<br />
dos solos<br />
▪ Quanto maior a densidade maiores são os<br />
custos de construção<br />
▪ Não está provada de forma inequívoca a<br />
existência de economias na oferta de<br />
serviços públicos associadas à<br />
compactação<br />
▪ Face a novas tecnologias, com<br />
regulamentação adequada é possível<br />
equiparar as habitações unifamiliares às<br />
colectivas,<br />
energética<br />
em termos de eficiência<br />
2. Relação inversa entre consumo de energia per capita e densidade urbana 15<br />
JUSTIFICAÇÃO CONTRA-ARGUMENTOS<br />
▪ Redução das distâncias a<br />
percorrer, número e frequência<br />
das viagens justificada pela<br />
proximidade domicílio/trabalho e<br />
acesso a maior número de bens e<br />
serviços num menor perímetro<br />
▪ Maior eficácia dos transportes<br />
colectivos<br />
▪ Modelo urbano desincentivador<br />
do uso do automóvel e<br />
propiciador de soluções de<br />
mobilidade<br />
ambiente)<br />
mais amigas do<br />
▪ A utilização do automóvel depende de<br />
múltiplos factores<br />
▪ Menor recurso a automóvel apenas para<br />
deslocações regulares om unicidade de<br />
origem e destino<br />
▪ As escolhas fazem-se na base das<br />
preferências, sendo a proximidade apenas<br />
um dos factores.<br />
▪ Maior risco de congestionamento, logo de<br />
maior consumo de energia e poluição<br />
▪ A localização relativa residência/local de<br />
trabalho depende de muitos factores como<br />
a estrutura etária, modelos e<br />
comportamentos familiares, etc.<br />
15<br />
Curva de Newman e Kenworthy, obtida a partir do estudo empírico de 32 grandes cidades em todo<br />
o mundo e confirmada por estudos posteriores.
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
Dado que o padrão da densidade dentro da cidade é considerado um dos aspectos<br />
fundamentais para a sua sustentabilidade, coloca-se a questão de saber como<br />
aumentar a densidade e ao mesmo tempo evitar excessiva aglomeração e<br />
construção em altura.<br />
A compactação e a identificação de alternativas sustentáveis ao modelo difuso, de cidade<br />
extensiva exigem a clarificação de conceitos numa dupla perspectiva:<br />
◆ o padrão de distribuição da população no contexto nacional (centralização versus<br />
descentralização);<br />
◆ o padrão caracterizador das áreas urbanas (concentração versus dispersão).<br />
Uma resposta para esta questão é o que alguns autores consideram o modelo urbano<br />
óptimo de concentração descentralizada:<br />
”...alta densidade ao longo de corredores de transporte público, com a<br />
criação de nós ou subcentros, os quais concentram fluxos de tráfego com<br />
dimensão suficiente para encorajar a oferta de transportes públicos” 16 .<br />
16<br />
Burton, E. “Measuring urban compactness in UK towns and cities ”Environment and Planning B:<br />
Planning and Design, 29(2002).<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
119
120<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
Graça Ponte da Silva<br />
Num modelo de cidade polinucleada, as funções que habitualmente se concentram no<br />
centro principal dispersam-se por diversos subcentros, dessa forma criando núcleos<br />
ligados por boas infra-estruturas de transportes públicos. De acordo com os<br />
defensores deste modelo, as cidades funcionarão melhor se oferecerem transportes<br />
públicos que as liguem a subúrbios, caracterizados por uma densidade relativamente<br />
elevada e com ocupação mista dos solos.<br />
O desenvolvimento urbano no sentido da compactação de acordo com os princípios<br />
referidos, supõe a adopção de medidas de política que promovam uma mais intensa<br />
ocupação de áreas já edificadas, em particular nos centros das cidades. De um modo<br />
geral, essas edificações não obedecem aos padrões actuais de exigência, nomeadamente<br />
no que se refere â acessibilidade, conforto térmico, isolamento sonoro, estacionamento,<br />
etc.. Excluindo certos grupos específicos (determinados escalões etários ou grupos<br />
restritos que valorizam particularmente a herança cultural e o património assim como<br />
um determinado estilo de vida urbano), para a maioria da população esses são factores<br />
determinantes na escolha da residência. A solução passa por acções profundas de<br />
reabilitação, normalmente bastante mais dispendiosas e que oneram significativamente o<br />
preço das habitações.<br />
Os benefícios em termos de equilíbrio social, frequentemente associados à compactação,<br />
também têm sido questionados, sendo salientado o risco de nobilitação 17 : a subida de<br />
preço fundiário associada à escassez de espaço disponível no centro e à necessidade de<br />
renovação e requalificação conduz à exclusão do centro urbano das famílias com<br />
menores níveis de rendimento. Uma fonte de desequilíbrios sociais é a crescente<br />
tendência para a formação de núcleos residenciais urbanos fechados e homogéneos<br />
(condomínios fechados, guetos, etc.), assim como a expulsão do comércio e serviços de<br />
proximidade, substituídos por sucursais de grandes cadeias e estabelecimentos de<br />
franchising, normalmente incapazes de satisfazer as necessidades associadas à vida<br />
quotidiana da comunidade residente. Por isso, muitos autores alertam para o facto de as<br />
políticas de revitalização dos centros urbanos, em termos populacionais e comerciais,<br />
deverem integrar medidas que contrariem a intensificação desta tendência,<br />
frequentemente resultantes de interesses imobiliários e comerciais, conjugadas com<br />
outras que preservem o espaço público e as zonas verdes.<br />
Um outro tipo de críticas à viabilidade do modelo de cidade compacta radica em factores<br />
de ordem económica e de funcionamento das sociedades democráticas.<br />
17 Processo de renovação e requalificação urbana, associada ao influxo de residentes de classe média<br />
ou de altos rendimentos, excluindo os habitantes com menores rendimentos, também denominado<br />
gentrificação, numa tradução directa do termo inglês gentrification.
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
As actividades têm-se deslocado para fora dos centros urbanos com base em motivações<br />
diversas, tais como a fuga ao congestionamento, facilidade de distribuição, redução de<br />
custos, necessidade de mais espaço, qualidade do ambiente envolvente. Também são<br />
determinantes a oferta de espaços para habitação acessível e atractiva, bem como a<br />
aparição e consolidação de grandes superfícies comerciais afastadas dos centros das<br />
cidades, na medida em que afectam as condições de oferta de força de trabalho. Por<br />
outro lado, as tecnologias de informação e comunicação e a melhoria dos meios de<br />
transporte e vias de comunicação alteram o conceito de distância, reduzindo a<br />
necessidade de concentração e centralização das actividades.<br />
Face às considerações anteriores poderá ser questionada a adequação da cidade<br />
compacta às necessidades e preferências dos agentes económicos, na base das quais são<br />
tomadas as decisões de localização.<br />
3. CONCLUSÃO<br />
Não é de agora a preocupação com a organização das cidades, as diversas pressões a<br />
que estão sujeitas e os seus reflexos na qualidade de vida dos seus habitantes. Contudo,<br />
actualmente, o problema ganhou uma dimensão inédita e à escala global. A explosão da<br />
população urbana em termos mundiais, o alastramento do espaço físico das cidades para<br />
solos rurais, o esvaziamento e declínio de uma parte dos centros das cidades, a explosão<br />
da motorização, as alterações dos modos de vida e padrões de consumo, tornados<br />
modelo e aspiração para populações urbanas e rurais e potenciados pelo crescimento<br />
económico e pela rápida difusão da informação, estão na base de desequilíbrios que não<br />
se limitam ao aumento de emissões de gases com efeito de estufa e outras pressões<br />
ambientais, mas se estendem a outras esferas, nomeadamente no domínio social.<br />
Embora pareça evidente que a actuação a nível da gestão do espaço, e do planeamento<br />
urbano em particular, será uma das vias a seguir em direcção à sustentabilidade, não<br />
emerge do debate actual uma forma urbana inequivocamente preferível.<br />
<strong>Algumas</strong> formas urbanas parecem ser mais sustentáveis em relação a determinados<br />
aspectos, mas não relativamente a outros.<br />
A criação de meios urbanos densos e simultaneamente atractivos terá que<br />
contribuir para a redução do preconceito relativamente generalizado contra a<br />
densificação. As cidades caracterizadas por uma urbanização difusa são muito<br />
ineficientes em termos energéticos e de uso das redes. Contudo, as cidades em altura,<br />
caracterizadas pela sua elevada densidade, também são geradoras de ineficiências,<br />
nomeadamente energéticas, e de degradação da qualidade de vida, principalmente<br />
devido ao congestionamento e à poluição nas suas diversas formas.<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
121
122<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
Graça Ponte da Silva<br />
Coloca-se assim a questão de encontrar uma solução de equilíbrio entre estes dois<br />
extremos que compatibilize critérios de sustentabilidade nas suas diversas vertentes,<br />
económica, social e ambiental.<br />
É a esta questão que os defensores do modelo de cidade compacta pretendem<br />
responder, pondo em evidência o papel das autoridades públicas na definição de políticas<br />
adequadas: políticas de contenção do alastramento físico das cidades associada à criação<br />
de cinturas verdes (buffers), promoção de empreendimentos imobiliários com densidade<br />
suficiente para justificar uma rede de transportes públicos que minimize o recurso a<br />
viatura particular, medidas de valorização da vida urbana como contraponto às<br />
características dos subúrbios (comércio de vizinhança, oferta cultural, empregos, lazer,<br />
sentido de comunidade...), o que em muitos casos significa uma estrutura viária menos<br />
“amigável” para os automóveis para que as ruas e pracetas recuperem o seu papel<br />
fundamental na dinamização da vida pública nas cidades.<br />
Como aplicar estes conceitos em cidades já existentes? Promovendo a reconstrução e<br />
recuperação de edifícios em zonas centrais, muitas vezes em decadência em termos<br />
habitacionais, aproveitando terrenos devolutos em resultado de processos de<br />
desindustrialização, impondo critérios de construção que estimulem os percursos<br />
pedonais e a multifuncionalidade, estimulando o comércio de proximidade, impondo<br />
restrições de vária ordem (tarifárias, físicas) aos automóveis particulares, desenvolvendo<br />
uma rede de transportes públicos adequada, por exemplo.<br />
Embora se possam tomar medidas para estancar a proliferação de megacidades e o<br />
declínio do conceito tradicional da cidade e inerente predomínio de uma civilização<br />
suburbana, a verdade é que elas já existem.<br />
Como fazer para que elas se aproximem do conceito de cidade sustentável, caracterizada<br />
por atributos como a dimensão, forma, densidade e compactação, tipologia das<br />
habitações, espaços verdes, distribuição das funções, articulação de diferentes<br />
aglomerados urbanos e coerência da sua distribuição no espaço? Será que existe uma<br />
resposta única e inquestionável para esta questão?<br />
Durante um largo período, o modelo de cidade compacta dominou o debate da<br />
sustentabilidade e como tal foi introduzido nas políticas públicas. Os benefícios apontados<br />
são de diversa ordem, nomeadamente: utilização mais racional do solo, redução do<br />
número e extensão das deslocações motorizadas, benefícios económicos em termos de<br />
concentração de negócios e infra-estruturas (economias de aglomeração), benefícios<br />
sociais resultantes de um espaço público urbano mais agradável, maior e melhor vida em<br />
comunidade.<br />
Contudo, o debate teórico e a experiência revelam que estas vantagens estão longe de<br />
ser unanimemente aceites. No mínimo, os benefícios não serão tão evidentes e<br />
marcados como se previa. Designadamente, verificam-se custos que não foram
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
devidamente antecipados, particularmente no que se refere à qualidade ambiental e<br />
aceitabilidade.<br />
Serão assim de considerar e analisar os méritos relativos de formas urbanas alternativas.<br />
Muitos autores defendem que, em vez de se procurar uma forma urbana sustentável<br />
“definitiva”, a ênfase deveria ser colocada na busca de soluções adequadas a cada<br />
situação específicas.<br />
Assim, terão que ser considerados múltiplos aspectos além da compactação e o debate<br />
da sustentabilidade terá que ser alargado ao amplo espectro de questões associadas.<br />
Não deixando de ser central para a sustentabilidade das cidades e do planeta, a<br />
problemática dos padrões de mobilidade e consequente consumo energético, não pode<br />
ser exclusiva, devendo ser integrados aspectos como a conservação dos recursos e<br />
paisagens naturais, as condições sociais, bem-estar económico e de estilos de vida.<br />
A compactação urbana acarreta custos e benefícios. Os principais benefícios estão<br />
associados à mobilidade e ao uso do solo; os principais custos apontados situam-se a<br />
nível da qualidade ambiental e qualidade de vida das populações.<br />
Actualmente, estudam-se os efeitos da compactação mas também da centralização e<br />
concentração, ao mesmo tempo que se analisam os diferentes caminhos para a<br />
compactação (intensificação, novas urbanizações de elevada densidade, bairros<br />
tradicionais, eco-bairros ...)<br />
Globalmente, as conclusões relativas ao uso misto dos solos são positivas, traduzindo-se<br />
em benefícios a nível de equidade social, mobilidade, acessibilidade aos serviços e<br />
equipamentos.<br />
Os principais problemas têm a ver com a resistência da população, que de um modo<br />
geral associa a multifuncionalidade à degradação das condições ambientais, embora de<br />
facto, esta questão tenha perdido alguma da sua relevância no quadro de um processo<br />
de desindustrialização no mundo desenvolvido.<br />
Estas constatações não põem em causa a importância da forma urbana para a<br />
sustentabilidade, antes chamam a atenção para a complexidade de interacções e para os<br />
perigos da adopção de políticas baseadas em visões demasiado simplistas e enviesadas<br />
desta realidade.<br />
De facto, provavelmente, não existirá uma solução definitiva, com benefícios universais,<br />
mas antes uma multiplicidade de potenciais formas urbanas sustentáveis (que podem<br />
evoluir ao longo do tempo e, eventualmente, coexistir numa mesma cidade). Ganha<br />
força a ideia de que, mais do que um estado, a sustentabilidade é um processo<br />
que implica adaptação ao longo do tempo, à medida que as condições sociais,<br />
económicas e ambientais se alteram.<br />
Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
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Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais<br />
Graça Ponte da Silva<br />
A análise da relação sustentabilidade/sistema urbano tem conduzido a um vasto leque de<br />
soluções distintas, podendo-se encontrar um núcleo de características comuns à maioria:<br />
compacidade, nas suas diversas formas; multifuncionalidade; rede viária urbana<br />
interligada; bom sistema de transportes públicos; controles ambientais; elevados<br />
padrões de gestão urbana.<br />
Por outro lado, além do debate, mais ou menos teórico, em termos da sustentabilidade<br />
dos diversos modelos urbanos, coloca-se a questão da sua praticabilidade. Um dado<br />
modelo urbano só poderá ser considerado sustentável se puder ser implementado de<br />
facto, o que implica analisar as implicações em termos de parque edificado, custos<br />
económicos, políticos e grau de aceitação social. A escolha das soluções adequadas a<br />
cada caso depende das características específicas, designadamente do edificado<br />
residencial e não residencial, da oferta de infra-estruturas e serviços pré-existentes. De<br />
facto, por mais apelativo que seja um modelo urbano, de um modo geral, ele não poderá<br />
ser construído a partir do nada. Por outro lado, as decisões tomadas vão ter impactos<br />
significativos nos padrões de emprego, mobilidade, condições sociais e ambientais,<br />
qualidade de vida, cujo sentido e dimensão nem sempre é inequívoco. Há que fazer uma<br />
abordagem complexa e integrada que conjugue as restrições físicas pré-existentes com<br />
as condições ambientais, económicas, sociais e culturais, na busca de uma solução<br />
adequada a cada situação específica.<br />
Tendo em conta que, por mais adaptável que seja a solução, é impossível eliminar um<br />
certo grau de rigidez, exige-se um grande rigor na análise das variáveis e determinação<br />
de impactos previsíveis.<br />
De qualquer modo, por muito determinante que a forma seja para a sustentabilidade das<br />
cidades, ela é insuficiente: terá que ser conjugada com políticas de transportes,<br />
económicas, sociais e ambientais e apoiada em mudanças de atitudes e estilos de vida.<br />
Finalmente, esta matéria está na origem do ressurgir do debate <strong>sobre</strong> as eficácias<br />
comparadas do planeamento e do recurso aos mecanismos de mercado e tem tradução<br />
em duas correntes opostas: uma corrente neo-reformista que defende a necessidade de<br />
um elevado grau de intervencionismo que contrarie a tendência espontânea para o<br />
desenvolvimento extensivo; uma corrente de cariz neo-liberal, oposta a qualquer forma<br />
de intervenção directa, que defende o recurso aos mecanismos de mercado.<br />
Num quadro democrático e de liberdade individual, como influenciar a tomada de<br />
decisões? Essas actuações, mais ou menos directas e normativas, mais ou menos<br />
apoiadas nos mecanismos de mercado, permitirão atingir os resultados pretendidos? Ou<br />
a cidade compacta não passará de uma utopia, onde se pretendem replicar<br />
artificialmente as características de formas urbanas tradicionais, particularmente na<br />
Europa, que cresceram organicamente ao longo dos séculos pela interacção dos diversos<br />
factores económicos, políticos, sociais?
Forma Urbana e Sustentabilidade<br />
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