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FRANCISCO DE ASSIS NA VISÃO DE GIOTTO - UTP

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<strong>FRANCISCO</strong> <strong>DE</strong> <strong>ASSIS</strong> <strong>NA</strong> <strong>VISÃO</strong> <strong>DE</strong> <strong>GIOTTO</strong><br />

INTRODUÇÃO<br />

Imagens são ao mesmo tempo essenciais e traiçoeiras para os<br />

historiadores de mentalidades que se preocupam com pressuposições<br />

implícitas bem como com atitudes conscientes. Imagens são traiçoeiras<br />

porque a arte tem suas próprias convenções, segue uma curva de<br />

desenvolvimento interno bem como de reação ao mundo exterior. Por<br />

outro lado, o testemunho de imagens é essencial para historiadores<br />

de mentalidades, porque uma imagem é necessariamente explícita em<br />

questões que podem ser mais facilmente evitadas em textos. Imagens<br />

podem testemunhar o que não pode ser colocada em palavras.<br />

(Peter Burke)<br />

No século XIII, na cidade de Assis, Itália, surgiu o homem que iria<br />

propiciar a ruptura do pensamento, não apenas religioso, mas de toda<br />

uma estrutura social regida pelos preceitos e dogmas de uma igreja<br />

que corrompia o homem e a si mesma. Adicionalmente às questões<br />

religiosas, o período foi de intensa reflexão quanto às relações políticas,<br />

sociais e econômicas, as quais não correspondiam às expectativas da<br />

sociedade. Este homem era Francisco de Bernardone, que passou para<br />

a história como Francisco de Assis.<br />

No século XIV, ainda na Itália, surgia Giotto di Bondone, o artista<br />

que inaugurou uma nova forma de representação nas artes, trazendo<br />

realismo, teatralidade e, principalmente, humanidade para o homem de<br />

seu tempo, quando rompeu com a arte bizantina e com a arte medieval<br />

agregando uma nova perspectiva à arte, lançando as primeiras bases<br />

para o que mais tarde seria o Renascimento.<br />

Autora: Jackeline Nobre de Almeida Silverio<br />

Orientadora: Wilma Bueno<br />

O legado da arte de Giotto, para a representação da vida e obra<br />

de Francisco de Assis, propicia-nos a compreensão do pensamento<br />

humanista que surgiu no período em questão. Neste contexto, o estudo<br />

das obras de arte, especificamente os afrescos de Giotto na Igreja<br />

de São Francisco, na cidade de Assis, servirá de instrumento para a<br />

análise e busca de indícios sobre os dois personagens. Destacam-se as<br />

técnicas na pintura de afrescos de Giotto, até então inovadoras para<br />

a época, e a canonização de Francisco que, sagrado, foi representado<br />

humano e não sobre-humano como era de costume representar<br />

as figuras sacras de seu tempo. Entender Francisco através da<br />

representação de Giotto é entender Giotto e sua época.<br />

A arte do século XIII era voltada para a religião. Sorvia da fonte do<br />

conservadorismo da arte bizantina que, durante séculos, foi retrato de<br />

uma sociedade regida pela mentalidade da igreja, a qual começava a dar<br />

os primeiros sinais de incompatibilidade com os novos interesses que<br />

surgiam com o crescimento e desenvolvimento dos centros urbanos.<br />

Assim, no decorrer do século XIV, a arte mudou fundamentalmente,<br />

influenciada pela nova visão que o homem criou sobre si e sua natureza<br />

humana. De fato, este novo relacionamento entre o homem e sua<br />

natureza humana serviu de base para escritores como Dante Alighieri,<br />

Petrarca, Vassari e Bocaccio que imortalizaram este período em suas<br />

obras literárias e que reconheceram, na figura de Giotto, seu grande<br />

protagonista.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 144<br />

| História | 2010


Assim, o objetivo central desta monografia é buscar, através da<br />

representação das obras de arte de Giotto, compreender tanto a época<br />

de Francisco de Assis como a do próprio artista, uma vez que a arte<br />

foi, durante toda a Idade Média, utilizada como meio de comunicação<br />

entre o mundo terreno e o espiritual. A consolidação deste objetivo é<br />

calcada no entendimento da iconografia como análise histórica e na<br />

relação desta com os escritos biográficos que nos reportam à figura de<br />

Francisco de Assis como um crítico do seu tempo, enquanto Giotto como<br />

um artista que trouxe o mundo real e terreno para a sua arte. Sobre a<br />

primeira, destacam-se os trabalhos de teóricos como Erwin Panofsky e<br />

Peter Burke, que fundamentaram a possibilidade da utilização da arte<br />

enquanto elemento histórico. Sobre os escritos biográficos, destacamse<br />

os estudos de Sabina Loriga e o entendimento das possibilidades<br />

do relacionamento entre os escritos biográficos e sua aplicabilidade<br />

no estudo da história. De forma complementar, fontes como Jacques<br />

Le Goff, Jacques Rossiaud, Jérôme Baschet e Jacques Berlioz, entre<br />

outros, forneceram informações sobre o contexto político, social,<br />

econômico e cultural nos séculos XIII e XIV.<br />

A metodologia utilizada para alcançar o objetivo proposto consistiu,<br />

primeiramente, numa análise detalhada das fontes primárias, ou seja, as<br />

biografias escritas sobre Francisco de Assis, principalmente as de São<br />

Boaventura e aquelas escritas sobre Giotto, além das obras do artista.<br />

Desta forma, conseguimos analisar o contexto de cada personagem,<br />

identificando as linhas gerais que podem resgatar a memória histórica<br />

das obras de Giotto e proferir sua análise iconográfica.<br />

Quanto à estrutura dos capítulos, buscou-se uma divisão que<br />

permitisse um panorama geral sobre os períodos abordados, a saber,<br />

séculos XIII e XIV. Desta forma, o capítulo 1 foi dedicado a Francisco<br />

de Assis, sua vida e obra, recuperada através da biografia de São<br />

Boaventura, bem como o seu tempo - o século XIII. O capítulo 2 foi<br />

direcionado para a vida e obra de Giotto, um homem do século XIV<br />

que viveu as mudanças do humanismo e as transferiu para a sua arte,<br />

deixando um legado frutífero para as gerações futuras que encontrariam<br />

nele o gérmen para o renascimento.<br />

O capítulo 3 analisa a iconografia enquanto forma de compreensão<br />

para apreender um momento histórico através do estudo de imagens,<br />

alegorias, personagens e signos, além de um amplo conhecimento<br />

do período abordado pela obra iconográfica. Neste capítulo, foram<br />

selecionadas algumas obras de Giotto que ilustraram a vida de Francisco<br />

de Assis, buscando compor uma relação coerente com as biografias<br />

estudadas e análise iconográfica sugerida por estas passagens<br />

biográficas. O capítulo busca levar o leitor a uma contemplação da<br />

vida de Francisco de Assis através da criação da obra de Giotto que, a<br />

cada pincelada, desvelava a vida deste personagem que revolucionou<br />

o seu tempo.<br />

1 <strong>FRANCISCO</strong> <strong>DE</strong> <strong>ASSIS</strong><br />

Uma nscrição celebra São Francisco como o renovador<br />

da norma evangélica, que reinstalou a Pobreza como<br />

virtude suprema e combinou-a com a Castidade<br />

angelical e a Obediência numa Trindade divina.<br />

(Norbert Wolf)<br />

1.1 O tempo de Francisco de Assis<br />

Na abordagem dos estudos historiográficos, observou-se, nos<br />

últimos anos, um despertar para a vida dos santos, a partir do lugar<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 145<br />

| História | 2010


que estes ocuparam na vida em sociedade e o tipo de ação ou trabalho<br />

que lhes foram inerentes.<br />

Ocorreu a recuperação dos estudos biográficos, no sentido de<br />

se discutir a relação que a biografia estabelece com a história. Para<br />

alguns estudiosos, há que se pensar o estudo dos indivíduos, à medida<br />

que eles estabelecem um perfil próprio que nem sempre incorpora os<br />

contornos de um contexto ou de uma época.<br />

Segundo Sabina Loriga, em seu artigo “A biografia como problema”,<br />

é fundamental repensar os elementos teóricos que levem a discutir o<br />

lugar que a biografia ocupa nos estudos históricos. Ela retoma autores<br />

que centraram seus estudos no indivíduo e se o projeto de vida destes<br />

se articula ou não com o contexto político, social, econômico e cultural<br />

do tempo em que viveram. Como crítica à história das mentalidades,<br />

em que o estudo da coletividade acabou submergindo o indivíduo, ela<br />

mostra a importância de trabalhos como “O queijo e os vermes - O<br />

cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição” de<br />

Carlo Ginzburg1 .<br />

Assim, conhecer Francisco, a partir de seus biógrafos significa<br />

pensar ou construir seu perfil, recuperando em que medida, enquanto<br />

ser humano, ele rejeitou o saber dos livros no momento em que nasciam<br />

as universidades; desprezou os bens, a fama e o dinheiro enquanto as<br />

cidades e as operações financeiras se voltavam para o lucro. E ainda<br />

rejeitou a postura institucional da Igreja, bem como a erudição e a<br />

vivência monástica isolada e fora dos circuitos urbanos.<br />

Por essas discordâncias, a vida de Francisco pode ser lida como a de<br />

um indivíduo que rejeitou as influências do seu meio e de seu contexto,<br />

e, nesse sentido fundou uma ordem com um olhar diferenciado em<br />

relação às questões de fé e de prática religiosa do seu tempo.<br />

A vida de Francisco de Assis já foi largamente estudada em<br />

perspectivas diversas que consolidaram, na sua maior parte, a imagem<br />

exemplar de um santo ou de um homem piedoso e que passou a<br />

representar um ícone na história do cristianismo.<br />

Assim, retomar Francisco de Assis a partir de seus biógrafos, por<br />

exemplo, São Boa ventura, se apresentou como uma possibilidade<br />

de estabelecer um diálogo entre o autor, as informações históricas<br />

do contexto da época, acrescidas das contribuições iconográficas<br />

de Giotto. Tais contribuições foram intensamente utilizadas como<br />

instrumento de ensinamento, pela igreja, a qual recorria a artistas cujas<br />

obras ilustraram e aproximaram a vida e obra de santos, da realidade<br />

quotidiana do homem do século XIII.<br />

O tempo de Francisco de Assis, cujo nome de nascimento era<br />

Francisco di Bernardone, foi o século XIII, na cidade de Assis na Itália.<br />

Filho de um mercador de tecidos nasceu (1181 ou 82) em um momento<br />

onde as cidades se tornaram centros de poder e de urbanização. O<br />

crescimento demográfico, associado a uma maior dinâmica comercial<br />

(visível na fundação de mercados e feiras, por exemplo), conduziu à<br />

afluência e concentração populacionais junto às muralhas das antigas<br />

cidades, sobretudo nas estrategicamente localizadas. Surgiram, assim,<br />

os burgos de fora ou arrebaldes, bairros novos onde se concentrava<br />

uma significativa parcela da população oriunda dos campos, e que mais<br />

tarde seriam também rodeados de muros defensivos. A muralha era<br />

o elemento que identificava a cidade e definia o seu perímetro. No<br />

século XIII, dizia-se que “o ar da cidade liberta”, ou seja, em geral<br />

as populações urbanas não estavam sujeitas ao poder arbitrário dos<br />

grandes senhores. No período de maior centralização do poder dos<br />

reis, estes concediam liberdade, privilégios e autonomia aos burgueses,<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 146<br />

| História | 2010


dando-lhes condições para prosperarem nos seus negócios. Surgiam<br />

assim novas instituições ligadas à cidade: as comunas e os concelhos,<br />

com funções políticas e administrativas; as confrarias, associações de<br />

caráter religioso que tinham objetivos assistenciais; e as corporações<br />

de ofícios, de caráter profissional, que agrupavam os elementos de uma<br />

mesma profissão, em geral distribuídos por ruas específicas. A cidade<br />

de Assis vivia esse crescimento, assim como a família de Francisco.<br />

Esse novo mundo urbano se afirmava através de valores e<br />

comportamentos inusitados, como o gosto pelo intercâmbio comercial<br />

e intelectual, o trabalho, o dinheiro, a busca pela segurança e pelo<br />

conforto dentro dos novos padrões de habitação, de alimentação, de<br />

vestuário e de sociabilidade. 2<br />

Esta cidade não me agrada. Há pessoas de todos os gêneros, vindas<br />

de todos os países possíveis; cada raça traz consigo os seus vícios<br />

e os seus costumes. Ninguém pode viver aqui sem se manchar com<br />

um qualquer delito. Os bairros estão repletos de obscenidades<br />

revoltantes.[...] Não se misturem com a gentalha das hospedarias<br />

[...]. Aí, os parasitas são infinitos. Atores, bobos, jovens efeminados,<br />

mouros, aduladores, efebos, pederastas, bailarinas especializadas<br />

na dança do ventre, feiticeiros, charlatães, raparigas que cantam e<br />

dançam, extorsionários, noctívagos, magos, mimos, mendigos: eis<br />

o género de pessoas que enchem as casa[...]. 3<br />

As cidades se urbanizavam, mas não melhoravam, “pecados” que<br />

antes eram entendidos dentro de um mundo rural e senhorial passaram<br />

a ter novas dimensões. Apareceram os “pecados” das cidades: a cobiça,<br />

a gula e a luxúria. A cidade tornou-se pagã, herética, necessitando de<br />

conversão.<br />

O problema do pecado na cultura medieval não é compreensível<br />

fora do vínculo que mantém com a prática da penitência. O caráter<br />

remissível dos erros e o monopólio que a Igreja exerce sobre o poder de<br />

perdoar os pecados e de prescrever punições situam o binômio errocastigo<br />

no interior de um sistema de trocas entre o mundo terreno<br />

e o Além (preces, penitências, indulgências), que constitui um dos<br />

elementos específicos da religião cristã. [...]. O penitente deve ser,<br />

antes de tudo, convencido da utilidade da confissão e habituado à<br />

prática de introspecção e enunciação dos pecados: a intensa atividade<br />

sermocinal que se desenvolve durante o século XIII, especialmente<br />

nas Ordens Mendicantes, pode ser vista, em grande parte, como uma<br />

espécie de ampla catequese da penitência. 4<br />

O clero era insuficiente tanto em número como em instrução, o<br />

que comprometia diretamente o processo de conversão. O segmento<br />

monaquista apresentava-se pouco atuante, uma vez que desprezava<br />

o “mundo” com sua ideologia da solidão e se afastava dos grandes<br />

centros em formação e crescimento. Diante dessa nova realidade,<br />

fazia-se necessário um novo apostolado: os frades mendicantes 5 ,<br />

que iam, justamente, de encontro a esse ambiente em expansão.<br />

O ideal de pobreza, aliado à humildade e à penitência, eram as<br />

características básicas das ordens mendicantes. Enquanto as outras<br />

ordens tradicionais impunham a seus monges a não aceitação de bens<br />

materiais individuais e aceitavam doações feitas às instituições, as<br />

ordens mendicantes, preocupadas em reafirmar o sentido de pobreza,<br />

recusavam essa possibilidade. Todavia, à medida que essas ordens<br />

foram se afirmando, acabaram forjando o princípio da pobreza e os<br />

bens recebidos foram entendidos como propriedades do papa. Desta<br />

feita, as ordens apenas usufruíam de seu uso. Os franciscanos se<br />

distanciavam dessa prática, e a julgavam uma atitude hipócrita.<br />

A maior contribuição das ordens mendicantes foi a de buscar a<br />

proximidade do mundo real do século XIII, assumido, na prática, viver<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 147<br />

| História | 2010


em meio aos fiéis para pregar pela palavra e pelo exemplo. Foram<br />

chamados de frades 6 e não de monges 7 . Os mendicantes cresceram<br />

de forma intensa, os frades dominicanos, em 1250, eram cerca de<br />

sete mil e dispunham de setecentos conventos no final do século XIII;<br />

os franciscanos eram em número de dois mil e quinhentos frades,<br />

em 1250, e meio século depois eram divididos em mil e seiscentos<br />

estabelecimentos. Surgiram outras ordens mendicantes, mas o Concílio<br />

de Lyon II, em 1274, limitou o número a apenas quatro: os franciscanos,<br />

os dominicanos, os carmelitas, fundada em 1247, e a os eremitas de<br />

Santo Agostinho, ordem criada em 1256 8 . Diante desse crescimento,<br />

conflitos com as ordens seculares foram intensos na medida em que<br />

os sermões, praticados nas cidades, eram extremamente coloquiais<br />

e chegavam de forma mais direta à população, ao contrário do que<br />

ocorria com os seculares.<br />

O laço entre ordens mendicantes e o fenômeno urbano é, de<br />

resto, tão claro que se pôde estabelecer uma correlação entre<br />

a importância das cidades medievais e o número de conventos<br />

mendicantes que elas abrigam. 9<br />

Desta forma, em 1209, juntamente com alguns companheiros, após<br />

ter rompido todos os laços familiares e de seu meio, Francisco fundou<br />

uma ordem mendicante, totalmente diferente das ordens existentes e da<br />

atuação dos monges de então. Vai-se mais rapidamente ao céu de uma<br />

cabana do que de um palácio, dizia ele 10 . Ao contrário dos monges, ele<br />

preferia as ruas, as praças, as pequenas habitações. Criou a chamada<br />

Ordem Terceira, uma forma de adaptar a vida religiosa do século XIII<br />

à cidade. A Ordem Terceira acolheu as pessoas que desejavam seguir<br />

a espiritualidade franciscana, sem para isso viver em comunidade,<br />

sem romper com suas famílias ou profissão, ele popularizou uma vida<br />

religiosa não clerical, leiga. 11 Francisco escolheu a pobreza, mas não<br />

a impôs como princípio a todos, somente para si e seus seguidores.<br />

Com isso, adquiriu popularidade entre as ordens mendicantes. Sua<br />

pregação foi além da palavra, pelo exemplo. Sua mensagem: viver com<br />

o Evangelho por única regra e fazer penitência.<br />

Uma característica marcante em Francisco foi a sua aversão ao<br />

poder, que o levou a hesitar na fundação de sua ordem. A base de sua<br />

pregação foi a boa-venturança da pobreza, louvor e admiração diante<br />

da Criação. Para Francisco, os franciscanos não tinham vocação para<br />

governar. Deviam renunciar ao dinheiro, bem como ao mundo erudito.<br />

Para ele, a ciência era uma forma de propriedade, uma vez que os livros<br />

eram caros e atendiam a muito poucos. Nesse contexto, tornar-se um<br />

erudito poderia representar a ascensão ao poder, ou de participar do<br />

exercício do poder. Sabe-se que Francisco nunca teve boas relações<br />

com os príncipes da Igreja e com os mestres da Universidade, mas<br />

entendeu que o saber pode ajudar na luta pela conversão. Nesse caso,<br />

autorizou alguns de seus companheiros, como Antônio de Pádua 12 ,<br />

a seguir os estudos universitários e logo, surgirão grandes nomes<br />

eruditos no meio dos franciscanos. Esta uma das muitas contradições<br />

que se seguirão à vida e ordem de Francisco de Assis.<br />

Desta forma, o século XIII, caracterizado pelo progresso em<br />

vários aspectos da vida humana, marcou a transformação da igreja,<br />

não somente enquanto instituição, mas também no seu espaço físico<br />

e arquitetônico, do românico 13 para o gótico 14 . Cabe ressaltar as<br />

mudanças sociais, políticas e econômicas que, como já vimos, em<br />

muito despertaram as necessidades de uma expressão artística mais<br />

adequada às novas realidades sociais. Ao contrário da construção<br />

humilde e empírica do românico, a construção religiosa gótica abriu<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 148<br />

| História | 2010


portas a um espaço público de ensinamento da história bíblica, de<br />

grandiosidade, símbolo da glória de Deus e da igreja, símbolo do poder<br />

econômico da burguesia do estado e de todos os que financiaram a<br />

elevação da vida nas cidades. A formação das ordens mendicantes<br />

significou o retorno à simplicidade e a humildade do tempo românico e<br />

foi, sem dúvida, aspecto marcante nessa transformação, no tempo de<br />

Francisco de Assis.<br />

1.2 A experiência mística e a vida de<br />

Francisco de Assis<br />

Discorrer sobre a vida e obra de Francisco de Assis, é saber que<br />

estamos diante de escritos e de documentos, os quais, em sua maioria,<br />

encontram-se permeados de sensações e crenças de seus seguidores.<br />

Francisco, ele mesmo, não deixou nenhum texto “legislativo”. A maior<br />

parte da sua correspondência não foi conservada e as únicas obras<br />

autênticas que se conhecem são algumas dúzias de cartas ou bilhetes,<br />

algumas orações, fórmulas de louvor e bênçãos: Cântico do Irmão Sol ou<br />

Das Criaturas e, sobretudo o Testamento, que ditou antes de morrer.<br />

Muitas foram as biografias escritas, mas todas foram redigidas<br />

posteriormente à canonização de Francisco, em 1228. Sabe-se que<br />

o texto hagiográfico, na Idade Média, foi um gênero literário, regido<br />

por convenções, visando sempre a edificação do santo. Diante disso,<br />

muitas passagens da vida de Francisco devem ser tratadas com<br />

atenção. Algumas biografias se perderam, outras foram substituídas<br />

pela biografia oficial, escrita por São Boa ventura, em 1266, conhecida<br />

por Legenda Major.<br />

Francisco, como vimos, era filho de um rico mercador de tecidos.<br />

Pelas suas origens familiares e a sua profissão, pertencia ao popolo,<br />

grupo social submetido à nobreza e excluído do poder. Pela fortuna<br />

de seu pai, Francisco viveu à maneira dos nobres, tendo sido<br />

profundamente marcado pela influência do ideal cortês, pelas obras<br />

literárias, canções e poemas de amor. Por volta dos vinte anos, seguiu<br />

a carreira das armas e, em 1204 quis ser cavaleiro, mas uma doença o<br />

abateu e acabou levando-o a renunciar a esse projeto.<br />

A partir desse período, começa para Francisco uma fase de<br />

inquietação que durou, segundo seus biógrafos, dois anos, quando<br />

ocorreu sua primeira experiência mística. 15 Uma visão sobrenatural,<br />

enquanto orava na igreja de San Damiano, diante da imagem de<br />

Cristo na cruz. Este se dirigiu a ele e o convidou a reconstruir a sua<br />

igreja. Sem entender o verdadeiro significado do chamado, Francisco<br />

acreditou se tratar da reconstrução da igreja que se encontrava em<br />

ruínas. Na verdade, a obra era muito maior, e pouco a pouco ele tomou<br />

consciência da verdadeira missão.<br />

Ao abraçar a nova causa, Francisco recusou a herança paterna e,<br />

em um ato definitivo de conversão ele se desnudou e restituiu ao pai<br />

suas vestes, colocando-se nu, sob a proteção do bispo da cidade de<br />

Assis. 16<br />

Não demorou muito e Francisco encontrou-se à frente de uma<br />

pequena comunidade que, a princípio, a instituição eclesial julgou<br />

perigosa e incontrolável. O primeiro encontro foi hostil e o papa não<br />

aprovou a “regra” apresentada por Francisco julgando-a severa e<br />

impraticável, uma vez que traduzia o Evangelho. Somente em 1209,<br />

o papa foi convencido e, embora com reservas, aprovou o modo de<br />

vida franciscano (FIGURA 1). A Igreja exigiu a redação de uma regra<br />

formal para a nova ordem. A primeira, de 1221, foi recusada até que,<br />

novas modificações atenuaram o “radicalismo” inicial do projeto de<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 149<br />

| História | 2010


Durante sua vida, Francisco não cessou<br />

de criticar as instituições e os costumes<br />

de seu tempo, absorvendo as questões<br />

que lhe eram colocadas tanto na dimensão<br />

espiritual, como na carnal. Viveu as<br />

dualidades e as incertezas de sua época e<br />

buscou na fé a razão de ser do homem do<br />

século XIII, o homem da cidade, das trocas<br />

econômicas que recorre sempre mais a um<br />

meio de troca essencial: a moeda. 18<br />

Francisco através da Regula bullata<br />

Fundou uma ordem, mantendo-se laico<br />

(um dos raros que a autoridade eclesial<br />

autorizou a pregar), permaneceu próximo<br />

aos pobres, tornando-se um deles, sempre<br />

opôs o dever da penitência às necessidades<br />

institucionais, evitou atacar frontalmente<br />

a hierarquia da Igreja. Nesse sentido,<br />

Francisco apareceu como um rebelde<br />

integrado, portador de uma mensagem<br />

de seu tempo (imitação do Cristo), mas<br />

seu radicalismo quase “angelical” foi, em<br />

parte, assimilado pela Igreja. Diante dessa<br />

dualidade, a história da Ordem Franciscana<br />

foi marcada, em quase um século, por conflitos entre a corrente<br />

espiritual partidária de uma fidelidade rigorosa ao seu fundador, e<br />

os conventuais, defensores de uma acomodação com as regras da<br />

instituição eclesial. No decorrer do tempo, os conventuais acabaram<br />

se sobrepondo à corrente espiritual e, já no século XIV, foi adotada<br />

17 , de FIGURA 1 - BONDONI, Giotto. Inocêncio III aprova a<br />

1223 e aceita pelo Papa Honório III. Mas, Regula bullata - 1297-1300.<br />

à medida que a comunidade cresceu,<br />

Francisco afastou-se das necessidades<br />

impostas pela direção espiritual e material<br />

de uma ordem. Renunciou a ser seu chefe,<br />

e escolheu viver como um eremita, no<br />

monte La Verna. Através de penitências<br />

e privações buscou se aproximar mais<br />

de Deus, até que, em 1224, teve nova<br />

experiência mística, que a tradição situou<br />

como o milagre da estigmatização, cuja<br />

descrição tomou forma em várias biografias<br />

do santo. Segundo Boa ventura, superiorgeral<br />

da ordem franciscana, em 1263,<br />

Francisco teria tido uma visão divina, sob<br />

a forma híbrida de um serafim e de Cristo<br />

na cruz, cujas cinco chagas da Paixão<br />

teriam sido impressas em seu corpo, e que<br />

permaneceram visíveis ainda quando da<br />

Acervo: Igreja de São Francisco – Assis, Itália (Superior)<br />

- 1297-80.<br />

sua morte. Tal “milagre” foi reconhecido Fonte: www.auladearte.com.br<br />

pelo papado em 1237 e causou grandes Acesso em: 18Out2008.<br />

polêmicas em alguns contemporâneos.<br />

Para Boa ventura, Francisco era um santo perfeito, diante de uma vida<br />

devotada exclusivamente ao sacrifício divino. Francisco foi identificado<br />

em sua própria carne como o Salvador. Ele se tornou um segundo<br />

Cristo, vivendo entre os homens. Após dois anos, considerado um<br />

tempo curto, Francisco de Assis foi canonizado santo.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 150<br />

| História | 2010


certa moderação para que a ordem se mantivesse, e não corresse o<br />

risco de se derivar para a heresia. 19 Cabe ressaltar que tal período,<br />

foi observado de forma atenta e com rigorosa cautela peIa Igreja,<br />

tendo em vista que as questões referentes à heresia, povoavam o<br />

imaginário medieval. Francisco buscou um repensar profundo na<br />

institucionalização da Igreja, do Evangelho e os ensinamentos primeiros<br />

de Cristo para o seio da religião que, para ele, há muito vinham se<br />

distanciando da verdadeira pregação cristã, uma igreja em crise, onde<br />

Cristo crucificado lhe diz: “Francisco, não vês que a minha casa está<br />

em ruínas? Restaura-a para mim!”. 20<br />

O problema da heresia nasce no cristianismo. Foi necessário mais<br />

de um século para se constituir o corpo canônico do Novo Testamento,<br />

ou a coleção dos escritos progressivamente definidos como ortodoxos,<br />

isto é, descendente em linha direta do ensinamento de Cristo fixado<br />

definitivamente, o que permitiu formular um credo único e intangível e<br />

fundar a Igreja universal (católica, em grego). 21<br />

Com a morte de Francisco de Assis, em 3 de outubro de 1226, a<br />

igreja buscou “domesticar” seus seguidores e trazê-los de volta para a<br />

Cúria e para isso usou meios incisivos para alcançar seus objetivos: o<br />

Papa Gregório IX canonizou Francisco dois anos após a sua morte, em<br />

16 de julho de 1228, e imediatamente, um dia após sua canonização,<br />

a pedra inaugural da igreja-mãe da ordem franciscana foi colocada na<br />

cidade de Assis. Como forma de validar a construção de uma igreja<br />

imponente em honra ao santo, o Papa Gregório IX declarou nulo o<br />

Testamento deixado por Francisco que reafirmava e insistia a questão<br />

da pobreza; colocando, dessa forma, a igreja de São Francisco sob a<br />

autoridade da Santa Sé. Assim, o culto de Francisco, o frade mendigo,<br />

encontrou um cenário monumental, comparável às grandes basílicas<br />

erguidas aos apóstolos em Roma, ricas em tamanho, em arquitetura e<br />

em obras de arte.<br />

Nesta perspectiva, a vida de Francisco foi objeto de estudo de<br />

artistas como Giotto que interpretou a vida deste homem e a expressou<br />

a partir da arte em afrescos que cobrem a igreja de São Francisco, em<br />

Assis, tornando a vida de Francisco não apenas visível como inteligível<br />

aos olhos dos homens.<br />

Assim, a questão biográfica será retomada, mais uma vez,<br />

contextualizando como a vida e obra de Giotto se integrou, influenciando<br />

ou sendo influenciado, ao contexto político, social, econômico e cultural<br />

do período em que viveu.<br />

Ao mesmo tempo, impõe-se pensar, igualmente, as possibilidades<br />

que a obra de arte, enquanto um campo de representação simbólica,<br />

contribui para refletir sobre as visões de mundo que permearam<br />

a formação de uma sociedade em um tempo determinado. Neste<br />

sentido, estudar as obras de Giotto permite dialogar com os dados<br />

biográficos obtidos sobre Francisco de Assis e, assim, traçar um perfil<br />

deste personagem em seu meio de vivência e atuação.<br />

2 <strong>GIOTTO</strong><br />

Com Petrarca, a literatura desabrochou; com Giotto,<br />

as mãos dos pintores elevaram-se, e já vemos<br />

que ambas as artes atingiram seu maior feito.<br />

(Papa Pio II)<br />

2.1 Vida de Giotto<br />

A vida de Giotto foi contada através de histórias e mitos. Muitas<br />

foram as lendas que ilustraram a vida deste que foi notavelmente<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 151<br />

| História | 2010


econhecido como o grande artista que rompeu os laços da antiga<br />

arte bizantina, uma forma de expressão artística intimamente ligada à<br />

religiosidade que representa figuras altas e delgadas sem movimento<br />

e perspectiva, onde o hemisfério sagrado compõe o ambiente na sua<br />

totalidade. Seu rompimento não se deu única e exclusivamente com<br />

a arte bizantina, mas com a expressão artística medieval como um<br />

todo. Neste contexto, a obra de Giotto se afirmou, proporcionando<br />

perspectiva e profundidade à nova pintura que se instalaria na Itália e,<br />

de lá, se difundiria e chegaria às bases do renascimento 22 .<br />

FIGURA 2 - VASSARI, Giorgio. Capa do livro<br />

A Itália no século XIV<br />

“Vida dos mais Eminentes Pintores, Escultores vivia o tempo do mecenato,<br />

e Arquitectos”.<br />

onde artistas e literatos<br />

eram patrocinados por<br />

representantes de uma nova<br />

classe econômica, tornandose<br />

uma prática comum no<br />

período renascentista. Período<br />

este que buscava inspiração<br />

na antiguidade greco-romana<br />

e vivenciava um momento de<br />

desenvolvimento econômico<br />

com o surgimento da<br />

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Giorgio_<br />

burguesia.<br />

Giotto di Bondone, filho<br />

de camponeses, nasceu em<br />

Vespignano em 1267 e faleceu<br />

Vasari<br />

em Florença em 8 de janeiro de<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

1337. Dentre as narrativas a<br />

respeito dos feitos deste artista, Vassari 23 (FIGURA 2) descreveu<br />

que com a idade de dez anos, Giotto pastoreava as ovelhas do<br />

pai e desenhava impressionantes figuras sobre a terra quando foi<br />

surpreendido por Cimabue 24 que logo percebeu estar diante de um<br />

artista. Estupefato, pediu ao pai de Giotto que o deixasse levar para<br />

sua oficina na cidade de Florença onde se aperfeiçoaria na arte da<br />

pintura. Mitos e lendas como estas, certamente fizeram parte da<br />

biografia desse artista e tantas outras que povoaram o imaginário<br />

daqueles que escreveram as biografias de famosos pintores do<br />

século XIV.<br />

Muitos foram os contemporâneos de Giotto que se<br />

impressionaram com sua “genialidade” e perceberam a importância<br />

da sua pintura. Dante Alighieri 25 , em sua Divina Comédia, celebra<br />

o artista na passagem do livro Purgatório, XI, 94-96. Boccaccio 26 ,<br />

em sua obra Decameron 27 , descreveu Giotto como “um monumento<br />

brilhante à glória de Florença”, “fez renascer uma arte que estava<br />

enterrada há séculos, sob as trevas da Idade Média” 28 . Com<br />

Boccaccio, os historiadores da arte, e outros admiradores de Giotto<br />

nomearam a primeira metade do “Trecento” 29 com outro nome: “A<br />

Era de Giotto”, em honra a arte que ele protagonizou.<br />

Mas qual a contribuição das obras “geniais” de Giotto no<br />

contexto da época e na formação do pensamento com a visão do<br />

mundo comum? Será que o legado da obra de Giotto contribuiu para<br />

o rompimento do pensamento medieval e teve a sua abrangência<br />

na história, pintura, escultura e literatura? O entendimento destas<br />

e outras questões passam pelas transformações na sociedade em<br />

que viveu Giotto e a influência da igreja na ruptura da arte bizantina<br />

para o embrião do renascimento.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 152<br />

| História | 2010


2.2 O tempo de Giotto<br />

Giotto tinha uma mente tão excelente que, entre todas as coisas<br />

que a Mãe Natureza criou sob o reino dos céus, não havia uma que<br />

ele não tivesse tão fielmente reproduzido com a sua pena e estilete.<br />

(Giovanni Boccaccio)<br />

Giotto viveu o século XIV com as mudanças que lhe foram<br />

intrínsecas. Mudanças que afloraram com o que se chamou de<br />

Renascimento, que a linguagem “medieval” designou por via moderna<br />

(caminho moderno) em contrapartida à via antiqua (caminho antigo),<br />

que traria transformações sociais, intelectuais e, sobretudo, artísticas.<br />

Como toda mudança, foi bem recebida por uns, mas para outros<br />

representou uma ameaça às hierarquias estabelecidas 30 .<br />

Em 1309, o Papa Clemente V foi transferido para a sede da Cúria de<br />

Roma para Avignon, uma vez que Roma vivia um momento de conflito<br />

entre as famílias nobres e não representava segurança ao papa. Era<br />

um período de tensões políticas e religiosas somadas aos interesses<br />

privados de uma classe que vinha se afirmando enquanto se legitimava<br />

economicamente. A sede papal só regressou para Roma em 1376 31 .<br />

Durante este cisma, uma profunda insegurança e inquietude tomou<br />

conta da cristandade ocidental, em especial na Itália que se viu sem a<br />

Cúria papal e, por conseguinte, testemunhou o seu desenvolvimento<br />

econômico ser ultrapassado pelas prósperas cidades da região de<br />

Toscana e da Planície do Pó. Vários cronistas da época relataram e<br />

ilustraram que, nesse tempo, ovelhas e vacas andavam desgovernadas<br />

junto às margens do Tibre, caracterizando cidades entregues ao caos<br />

e ao abandono 32 .<br />

Desde o século XIII, a Itália sofria conflitos entre duas facções: os<br />

que apoiavam o Império, os chamados Gibelinos; e os que apoiavam o<br />

Papa, os chamados Guelfos 33 . Tais lutas, muitas vezes, eram travadas<br />

dentro dos muros de uma mesma cidade e acabavam sendo disputadas<br />

entre facções da mesma população, pelo domínio político e econômico<br />

local, deixando de ter o teor original e confirmando, desta forma, as<br />

amargas rivalidades entre as cidades e suas elites governamentais.<br />

Dentre as cidades da Itália, as do norte e do centro foram as que mais<br />

evoluíram como centros financeiros e das artes, ricas em igrejas, palácios,<br />

fortificações e simbolismos políticos. Como exemplo maior, Florença,<br />

cidade referência em civismo e desenvolvimento econômico desde o<br />

século XIII, permaneceu em próspera expansão, devido a seus bancos,<br />

têxteis, bens de luxo, peles e comércio de longa distância. Em 1300, ano<br />

que foi declarado o Jubileu Cristão 34 , o Papa Bonifácio VIII fez a famosa<br />

descrição sobre Florença como: “o quinto elemento do cosmo”.<br />

Neste ambiente conturbado e efervescente, surgiu a arte que<br />

serviu como a forma de propaganda e que conferiu um rosto e uma<br />

alma a estas rivalidades. Somente desta forma podemos compreender<br />

como que na sociedade caótica da época, artistas como Giotto e<br />

tantos outros, nas suas mais variadas expressões artísticas, puderam<br />

se desenvolver.<br />

Adicionalmente ao crescimento econômico, às disputas políticas e<br />

à crise na igreja, as ordens dos mendicantes, como os Franciscanos,<br />

desempenharam um papel particularmente importante através de suas<br />

obras assistenciais. Destacou-se ainda, a ordem dos Dominicanos<br />

que com suas atividades ligadas à educação para as baixas camadas<br />

populacionais, acabaram levando a Itália a desenvolver a primeira e<br />

mais frequentada rede de universidades, as quais iam desde Salerno até<br />

Pádua. Destacamos, também, o papel fundamental dos Dominicanos na<br />

formação de um novo pensamento mais próximo à realidade do homem<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 153<br />

| História | 2010


do séc. XIII, mais humanista, versando sobre uma vida envolta aos<br />

problemas do quotidiano, mais próxima à realidade, mais secular.<br />

Diante deste quadro de transformações, aconteceu o Trecento,<br />

onde intelectuais italianos, poetas e artistas, criaram fundações para<br />

uma melhor compreensão do mundo e das artes. Francesco Petrarca 35 ,<br />

que buscou na antiguidade clássica a inspiração e a forma para sua<br />

escrita, conheceu Giotto e dizia ser este, “o maior pintor de nossos<br />

dias”, ele afirmava que as obras de Giotto eram mais compreendidas<br />

pelo intelecto do que pelos olhos; Dante Alighieri, na poesia e na<br />

literatura, soube tão bem expressar o pensamento religioso medieval<br />

dando um salto para o entendimento daquilo que seria chamado de<br />

modernidade; Boccaccio que buscou na mitologia clássica, a inspiração<br />

para suas obras.<br />

Outrossim, entende-se que este período foi marcado pela<br />

construção de concepções ideológicas que serviram para introduzir o<br />

homem no contexto social e filosófico da humanidade. Praticamente<br />

todo pensamento científico do medievo estava subordinado aos<br />

interesses da religião. Para solidificar sua ideologia religiosa a<br />

Igreja difundia a teoria teocêntrica, onde defendia que Deus seria a<br />

explicação para a origem e o destino dos seres humanos. O homem<br />

estava submetido ao poder de Deus, enquanto este guiava o rumo de<br />

sua vida. Sempre colocado pela religião em segundo plano, o homem<br />

era um agente passivo mediante o poder divino. E neste cenário de<br />

transformações, qual seria o pensamento deste homem? Começariam<br />

a surgir questionamentos sobre o teocentrismo e o homem passava<br />

então a pensar o mundo sob o ponto de vista humanista.<br />

Assim como Francesco Petrarca, outros humanistas escreveram<br />

sobre as obras de Giotto e, reconhecidamente, perceberam em seu<br />

legado, os subsídios para a ruptura do teocentrismo, transformando o<br />

homem no centro de toda ação e como agente principal no processo<br />

de mudanças da época. O pensamento humanista baseou-se no<br />

antropocentrismo. Se antes Deus e a Igreja guiavam o homem e<br />

seus passos, agora o homem, por si só, obedecia à reflexão mais<br />

aprofundada para discernir seus caminhos.<br />

Nesta perspectiva, percebemos a clara mudança de uma nova<br />

abordagem, tanto nas artes, como na literatura, na filosofia e na forma que<br />

o homem encontrou para entender o mundo a sua volta. Tal abordagem<br />

significou o rompimento com a expressão da arte bizantina, toda envolta<br />

em luz dourada que fascinava mais aos olhos do que a razão. Giotto<br />

desprezou a rigidez de expressão desta arte e seu conservadorismo.<br />

Ele buscou traduzir na pintura, figuras mais próximas da realidade, sem,<br />

no entanto, renegar a influência dos métodos dos grandes mestres<br />

bizantinos 36 . Giotto fez a distinção exata entre o natural e o sobrenatural,<br />

entre a realidade visível que pôde ser sentida e percebida. Ele apreendeu<br />

o momento a ser eternizado através da pintura, onde o realismo de cores e<br />

formas se destacou. Um grande exemplo foi a Flagelação de Cristo, onde<br />

a representação da figura de um homem negro demonstrou cuidadoso<br />

estudo da anatomia humana e suas diferenças (FIGURA 4). Também<br />

podemos observar na Adoração dos Reis Magos, onde um cometa<br />

representado como uma estrela de oito pontas surge como uma bola<br />

vermelha com lampejos amarelos, deixando atrás de si um feixe de raio<br />

luminoso. Giotto foi o primeiro artista a figurar a Estrela de Belém como<br />

um cometa, entendendo que a passagem deste anunciava a queda de<br />

velhos regimes e o início de uma nova era. Não poderia encontrar, no<br />

cometa, símbolo maior para identificar a figura do Menino Jesus e o seu<br />

nascimento 37 que marcaria uma nova era (FIGURA 3).<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 154<br />

| História | 2010


FIGURA 3 – BONDONI, Giotto. Adoração dos Reis A consolidação deste<br />

Magos. Fresco – 1304-06.<br />

cenário acarretou inúmeras<br />

Acervo: Capela Scrovegni – Pádua. Itália<br />

mudanças no modo de ser<br />

do homem medieval. Este<br />

homem começou a dar<br />

seus primeiros passos ao<br />

encontro do humanismo<br />

e do renascimento, tanto<br />

nas artes como na visão de<br />

mundo que se abre diante<br />

de novas perspectivas<br />

e sensações. Buscou<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

romper a frieza e a falta de<br />

dimensionalidade da arte<br />

bizantina, procurando a tridimensionalidade<br />

no sentido<br />

ilusório. Esta busca, com<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

certeza foi o grande salto<br />

para o que foi a mudança<br />

na representação das artes e que dirigiu a história da pintura para<br />

uma nova direção, aquela voltada ao mundo da percepção visual. O<br />

novo artista buscou reproduzir através do ilusionismo, utilizando-se de<br />

dispositivos que confundiam e surpreendiam, geralmente por darem<br />

a impressão de que algo impossível acontecia naquilo que via à sua<br />

volta. Ou seja, a arte se aproximando da realidade. A pintura passou<br />

a ser um mecanismo através do qual o mundo das realidades ilusórias<br />

seria traduzido o mais próximo de uma realidade possível e atingível,<br />

mas principalmente inteligível ao homem.<br />

FIGURA 4 - BONDONI, Giotto. Flagelação de<br />

Cristo. Fresco – 1304-06.<br />

Acervo: Capela Scrovegni – Pádua. Itália<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

2.3 Algumas das principais<br />

encomendas feitas a Giotto<br />

Por ocasião do Jubileu Cristão (1300), Giotto foi chamado a<br />

Roma pelo Papa Bonifácio VIII, o qual lhe encomendou um afresco<br />

para a basílica de São João em Latrão, com a cena do papa<br />

indicando o ano jubilar, bem como a fachada da igreja de São Pedro<br />

em mosaico. Cabe destacar que estas obras se encontram em<br />

péssimo estado de conservação e de forma fragmentada, tendo em<br />

vista o grande número de mudanças que as duas igrejas sofreram<br />

ao longo dos séculos.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 155<br />

| História | 2010


Findas estas encomendas, em meados dos anos de 1303 a 1310,<br />

Giotto foi chamado por Enrico Degli Scrovegni a Pádua, a fim de pintar<br />

as paredes de uma capela construída sobre ruínas de uma antiga<br />

arena romana, em homenagem a Nossa Senhora da Caridade como<br />

expiação aos pecados do seu pai, Reginaldo degli Scrovegni, que foi<br />

citado por Dante Alighieri no Livro do Inferno, XVII. Nesta passagem,<br />

Dante identificou Reginaldo como um homem que acumulou posses e<br />

fortunas de modo indigno.<br />

A Capela Scrovegni, conhecida como Capela da Arena devido<br />

a sua localização, serviu como mausoléu e ilustrou perfeitamente<br />

a visão do homem no início do século XIV. Um homem imbuído<br />

pelas representações tão bem ilustradas por Dante Alighieri nos<br />

livros Inferno, Paraíso e Purgatório, onde viviam as tentações, as<br />

incertezas e as santidades sendo refém do seu próprio tempo.<br />

Esta capela não possuía janelas laterais e teve suas paredes<br />

inteiramente recobertas pelas pinturas de Giotto (FIGURAS 6 e<br />

7). A temática usada foram, primeiramente, as histórias da Virgem<br />

Maria e de Jesus Cristo segundo as passagens dos Evangelhos.<br />

As pinturas tomaram grande parte das paredes laterais, tendo sido<br />

rodeadas por molduras e medalhões pintados, ilustrando santos e<br />

profetas, além de intercalar composições sobre virtudes e vícios.<br />

As sete virtudes e os sete vícios foram pintados em cor cinza, e<br />

colocados de tal forma que para cada virtude existisse o seu vício:<br />

Prudência – Loucura, Constância – Inconstância, Temperança – Ira,<br />

Justiça – Injustiça, Fé – Infidelidade, Caridade – Inveja, Esperança<br />

– Desespero. As virtudes foram pintadas nas paredes do lado<br />

esquerdo, espaço reservado àqueles salvos no dia do Juízo Final<br />

(FIGURA 5).<br />

FIGURA 5 - BONDONI, Giotto. Virtudes e Vícios. Fresco – 1304-06.<br />

Acervo: Capela Scrovegni – Pádua. Itália<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

O teto da capela foi pintado de um azul profundo com estrelas<br />

douradas. Na contra fachada, o tema foi o Juízo Final com o retrato de<br />

Enrico Scrovegni oferecendo o modelo da capela para a Nossa Senhora<br />

da Caridade. Na passagem do Juízo Final, Giotto demonstrou toda sua<br />

imaginação ilustrativa sobre o inferno, através de cenas de pandemônio<br />

de punições sádicas e pecadores que receberam punições bestiais.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 156<br />

| História | 2010


Na capela Scrovegni, Giotto pôde aplicar grande parte de sua<br />

pesquisa relacionada a questões de profundidade, perspectiva e<br />

plasticidade. As imagens, mesmo pintadas em superfície plana,<br />

sugeriram esculturas góticas, onde ele criou com cores graduais de<br />

luz, uma ilusão de profundidade. As várias cenas deram a impressão<br />

de realidade, onde os personagens revelam intensidade dramática. As<br />

figuras planas da pintura bizantina deram espaço a figuras de realismo<br />

físico, mais humano.<br />

FIGURA 6 - BONDONI, Giotto. Vista do altar da capela.<br />

Acervo: Capela Scrovegni – Pádua. Itália<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

Sem dúvida, Giotto foi o grande divisor de águas na pintura do<br />

século XIV, não somente em questões de estilo, formas e técnica,<br />

mas na forma de apresentar a pintura, criando “espaços narrativos” e<br />

“espaços cronológicos”, compondo cenas teatrais não somente bíblicas<br />

e da vida de santos, mas, também, o imaginário medieval, refletindo o<br />

mundo religioso no mundo terreno (FIGURAS 8, 9 e 10).<br />

FIGURA 7 - BONDONI, Giotto. Vista da entrada<br />

da capela.<br />

Acervo: Capela Scrovegni – Pádua. Itália<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 157<br />

| História | 2010


FIGURA 8 - BONDONI, Giotto. A visitação – 1304-06.<br />

Acervo: Capela Scrovegni – Pádua. Itália<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

Acesso em: 18Out2008<br />

FIGURA 9 - BONDONI, Giotto. A anunciação – 1304-06.<br />

Acervo: Capela Scrovegni – Pádua. Itália<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 158<br />

| História | 2010


FIGURA 10 - BONDONI, Giotto. A crucificação - 1304-06.<br />

Acervo: Capela Scrovegni – Pádua, Itália.<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

3 A ICONOGRAFIA<br />

As imagens têm sido utilizadas com freqüência como um meio de<br />

doutrinação, como objetos de cultos, como estímulos à meditação e<br />

como armas em controvérsias. Portanto, elas também são um meio<br />

através do qual historiadores podem recuperar experiências religiosas<br />

passadas, contanto que eles estejam aptos a interpretar a iconografia.<br />

(Peter Burke).<br />

3.1 A iconografia e a iconologia<br />

no estudo da história<br />

O entendimento do lugar que as imagens ocupam no registro de<br />

evidências históricas passa pelo estudo iconográfico. Desta forma,<br />

Peter Burke afirma a necessidade da obtenção de certos tipos de<br />

conhecimento como pré-condição para a compreensão do significado<br />

de imagens religiosas 38 , ressaltando que decifrar os significados e os<br />

signos que se encontram por trás de uma representação iconográfica,<br />

sem dúvida, é um exercício de observação, análise, estudo e<br />

compreensão do momento histórico e dos atores representados.<br />

Outrossim, segundo Panofsky, toda obra de arte bem como seus<br />

documentos individuais (entenda-se como documento individual o<br />

“contrato” firmado entre o artista e quem o encomendou), só podem<br />

ser examinados, interpretados e classificados à luz de um conceito<br />

histórico geral, se baseados nas categorias de espaço e de tempo. Os<br />

registros e tudo o que implicam, devem ser localizados e datados 39 .<br />

Uma obra de arte nem sempre foi criada com o propósito<br />

exclusivo de ser apreciada esteticamente, mas como uma fonte<br />

maior de utilidade. Já na Idade Média a utilização das imagens como<br />

“doutrinação” foi amplamente utilizada e a iconografia passou a ter<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 159<br />

| História | 2010


um papel importante neste aspecto de comunicação de doutrina<br />

religiosa. Segundo o Papa Gregório, o Grande (540-604) 40 “Pinturas<br />

são colocadas nas igrejas para que os que não lêem livros possam<br />

‘ler’ olhando as paredes” 41 . Apesar das críticas de que as pinturas<br />

seriam a Bíblia para os analfabetos, uma vez que muitas imagens<br />

aparecem excessivamente complexas para serem compreendidas por<br />

pessoas comuns, sabemos que a iconografia bem como a doutrina<br />

que elas representavam, eram amplamente explicadas oralmente ao<br />

longo dos sermões nas práticas religiosas. A imagem desta forma<br />

agia como um lembrete e um reforço da mensagem falada 42 . Giotto<br />

soube usar com perfeição deste artifício, em vez de usar os métodos<br />

de escrita pictórica, ele criou a ilusão de que a história sagrada estava<br />

acontecendo diante dos olhos do observador. Seguiu os conselhos dos<br />

frades pregadores que exortavam os fiéis a visualizar mentalmente,<br />

quando liam a Bíblia e as lendas dos santos, como teriam sido as várias<br />

passagens destes personagens. Assim, Giotto reformulou a maneira<br />

de expressar a pintura resgatando situações comuns: como se portaria<br />

um homem, como agiria, como se impressionaria se participasse, ele<br />

mesmo de tais eventos? 43<br />

Para uma análise mais sensível da obra de arte é importante<br />

mencionar a distinção que Panofsky fez entre iconografia e iconologia.<br />

Em seu Estudos em Iconologia (1939) 44 ele definiu iconografia como<br />

o estudo do tema ou mensagens das obras de arte. É uma descrição,<br />

uma classificação das imagens que nos informa quando e onde os<br />

temas foram visualizados e por quais motivos específicos. Informanos<br />

a datação e a origem da obra de arte, fornecendo desta forma,<br />

meios necessários para que possam ser estudadas e analisadas e,<br />

muitas vezes, revelando sua autenticidade. Todavia, somente estes<br />

insumos, não permitem uma análise completa, sendo necessário o<br />

seu complemento através da iconologia, a qual estuda o significado<br />

do objeto, um método de interpretação que advém da síntese mais<br />

do que da análise. Uma correta análise das imagens, suas estórias<br />

e histórias, suas alegorias, signos, são requisitos essenciais para<br />

uma correta interpretação iconológica. Desta forma, o entendimento<br />

iconográfico pressupõe uma familiaridade com os temas abordados<br />

pela obra de arte e seus conceitos, assim como as fontes literárias nos<br />

trazem o entendimento através dos livros. Panofsky usa exemplificar<br />

um aborígene que não tenha tido contato com a civilização ocidental,<br />

dificilmente reconheceria o tema “A Última Ceia”, para ele a imagem<br />

da última ceia possivelmente representaria um mero jantar animado.<br />

Para compreender o significado iconográfico da pintura em questão,<br />

teria que se familiarizar com o conteúdo dos Evangelhos 45 .<br />

Neste sentido, ao se analisar uma obra de arte temos que<br />

nos familiarizar com o ambiente, com os códigos culturais das<br />

representações, com o saber intelectual do artista, o que liam e sabiam,<br />

e entender a complexidade de se chegar a uma análise correta e exata<br />

da obra. Desta forma, uma pintura não deve ser apenas observada e<br />

admirada, mas também “lida” e compreendida.<br />

Assim observado, o estudo de uma obra de arte, hoje, não é assunto<br />

único para historiadores da arte, mas para historiadores que buscam<br />

na arte a diversidade de questões históricas, onde as imagens podem<br />

“ilustrar” e auxiliar a encontrar as respostas nos vários campos do<br />

conhecimento como: religião, poder, estruturas sociais. Sendo assim,<br />

o historiador necessita da iconografia bem como da sistematização<br />

da iconologia, buscando não somente no conhecimento histórico,<br />

propriamente dito, o seu saber.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 160<br />

| História | 2010


Na busca deste entendimento, começamos o estudo de Francisco<br />

de Assis e de Giotto através da análise das fontes biográficas que<br />

lhe faziam referência. Buscou-se compreender e apreender o momento<br />

histórico referente a cada um dos personagens em questão para,<br />

assim, podermos buscar nas fontes iconográficas das obras de Giotto,<br />

o significado maior de sua representação e da sua arte relacionadas a<br />

Francisco de Assis.<br />

3.2 Giotto Pinta Francisco de Assis<br />

Em 16 de julho de 1228, Francisco de Assis foi proclamado santo<br />

pelo Papa Gregório IX e em 17 de julho, deste mesmo ano, foi colocada<br />

a pedra fundamental para a construção da igreja em sua homenagem.<br />

O local estava em uma colina a oeste da cidade de Assis, conhecida<br />

por Colina do Inferno por ser o local onde os criminosos eram mortos.<br />

A edificação era composta pela Igreja Inferior, em forma de cripta, e<br />

pela luminosa Igreja Superior. A Igreja Inferior foi terminada em 1230<br />

e para onde o corpo de São Francisco foi levado. A Igreja Superior foi<br />

finalizada em 1253, concebida para ser conventual e centro de adoração<br />

ao santo. Sua arquitetura em estilo gótico refletia a tendência da época.<br />

A Igreja Inferior se apresentava com uma série de capelas pintadas<br />

por diversos artistas, principalmente por Cimabue e seus discípulos,<br />

enquanto que a Igreja Superior apresentava um projeto iconográfico<br />

unitário e claramente perceptível e legível: as histórias do Antigo e<br />

Novo Testamento estão intimamente ligadas às passagens da vida de<br />

Francisco de Assis, segundo a Legenda Maior de Boa ventura.<br />

Entre os anos de 1277 a 1280, Cimabue começou a decoração<br />

do transepto 46 esquerdo da Igreja Superior nos espaços entre as<br />

janelas com as histórias do Antigo e Novo Testamento; alguns destes<br />

episódios foram atribuídos às mãos de Giotto, sobretudo na passagem<br />

bíblica da vida de Isaac. Na decoração abaixo das janelas, ao longo da<br />

parede na nave principal da Igreja Superior, Giotto é o protagonista<br />

absoluto das obras.<br />

O ciclo decorativo se compõe de 28 afrescos 47 retangulares de<br />

tamanho 270X230 cm 48 , e ilustram a vida de São Francisco de Assis,<br />

dos quais serão analisados aqueles que melhor representam o escopo<br />

desta monografia: “Renúncia dos bens terrenos”, “O sonho de Inocêncio<br />

III”, “O sermão dos pássaros” e “Estigmatização de São Francisco”.<br />

O ciclo das pinturas iniciou-se com a conversão de Francisco, filho<br />

de um rico mercador de Assis, em um homem de Deus. A pintura da<br />

vida de Francisco vai obedecendo a um crescente gradual, culminando<br />

na sua estigmatização 49 . Neste momento, Francisco se aproxima do<br />

Cristo, uma vez que recebe suas chagas, igualando-se assim as dores<br />

e sofrimento que este sofreu na cruz. O ciclo continua até a morte de<br />

Francisco e sua canonização, além dos quatro milagres ocorridos após<br />

sua morte e que lhe foram atribuídos oficialmente pela Igreja.<br />

Pela primeira vez, um artista representou um santo como um<br />

homem comum, colocado entre as pessoas do quotidiano da cidade de<br />

Assis, entre paisagens naturais, em locais reconhecidos da cidade. Na<br />

passagem ilustrada na Figura 11, Francisco renunciou aos seus bens em<br />

praça pública e ficou quase desnudo. Neste afresco, podemos observar<br />

a representação dos cidadãos, suas vestimentas, a arquitetura dos<br />

edifícios da época, a representação da figura eclesial que se faz notar<br />

pelo hábito particular, e a forma como Giotto trabalha a perspectiva<br />

ainda de forma primária. Ainda nele, Francisco foi representado como<br />

homem comum, apesar de santo, e colocado de forma humana e<br />

não sobre-humana, distinguindo-se apenas por uma auréola que lhe<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 161<br />

| História | 2010


confere a santidade. Esta passagem também representa a renúncia ao uma nova linguagem em sua expressão, uma “teatralidade” que,<br />

pai terreno e a sua entrega ao pai celeste, a qual se evidencia na parte definitivamente, marcou o distanciamento da arte bizantina para uma<br />

superior do afresco, na forma de uma mão estendida em sua direção. arte mais humana, onde o espaço do sagrado é real e também terreno.<br />

Indubitavelmente, trata-se de uma das passagens mais dramáticas Depois de restituir suas vestes ao seu pai terreno, Francisco passou a<br />

da vida de Francisco de Assis: seu gesto imprevisível em praça pública vestir-se com trajes simples e pobres, com uma corda cingindo a cintura e<br />

diante não apenas da figura paterna<br />

capuz à cabeça, dando início a sua vida de<br />

e do bispo da cidade, mas de toda a<br />

pregação evangélica na cidade de Assis.<br />

comunidade de Assis. Foi justamente<br />

Francisco se aproximava das<br />

este momento que Giotto imortalizou a<br />

pessoas com uma saudação “paz e<br />

passagem da vida de Francisco através<br />

bem”, que se tornaria a saudação do<br />

de sua pintura. Francisco colocado de<br />

movimento franciscano. A partir de<br />

braços estendidos aos céus, enquanto<br />

então, um número sempre crescente<br />

seu pai encontra-se em primeiro plano,<br />

de seguidores passou a compor aquilo<br />

com fúria e ira, envolto em vestes<br />

que viria a ser a Ordem Franciscana.<br />

amarelas Mas diante do crescimento de adeptos<br />

e seguidores, a Igreja exigiu que fosse<br />

criada uma regra para legitimar a nova<br />

ordem que se formava. Foi então que em<br />

maio de 1209, ele partiu ao encontro do<br />

Papa Inocêncio III e, ao contrário do que<br />

muitos membros da Igreja esperavam,<br />

o Papa acolheu Francisco entendendo<br />

ser ele o homem que permeava seus<br />

sonhos. O homem que sustentaria sobre<br />

os ombros as ruínas de uma Igreja falida<br />

e corrupta, e lhe restituiria, através de<br />

suas obras e pregações, as bases de<br />

sustentação perdidas (FIGURA 12).<br />

50 FIGURA 11 - BONDONI, Giotto. Renúncia dos Bens Terrenos -<br />

1297-1299.<br />

. Através do simbolismo das<br />

cores, Giotto buscou representar a<br />

intensidade do estado psicológico do pai<br />

de Francisco. A figura do bispo imponente<br />

e firme aparece como testemunha de um<br />

evento de grande ressonância, além dos<br />

vários vultos atônitos e incrédulos dos<br />

habitantes da cidade de Assis. Todos<br />

parecem participar de uma passagem<br />

dramática, inclusive a paisagem e os<br />

edifícios que compõem a cena desta<br />

passagem da vida de Francisco.<br />

Todas as composições apresentadas<br />

em afrescos, por Giotto, nos demonstram<br />

Acervo: Igreja de São Francisco – Assis, Itália (Superior) - 1297-80.<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 162<br />

| História | 2010


FIGURA 12 - BONDONI, Giotto. O Sonho de Inocêncio III – 1297- 1300.<br />

Acervo: Igreja de São Francisco – Assis, Itália (Superior) - 1297-80.<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

Neste afresco, Giotto representou o Papa Inocêncio III dormindo<br />

um sono tranquilo em seu aposento papal ricamente decorado, com<br />

suas vestes habituais, inclusive fazendo uso da mitra 51 , envolvido por<br />

uma cortina que se abre e que através desta abertura seu sonho é<br />

desvelado: Francisco vestido com sua pobre roupa, cingido por uma<br />

corda, aparece sustentando uma igreja em ruínas.<br />

Giotto usou de grande criatividade nesta passagem da vida<br />

de Francisco, onde ele representou dois momentos: o do papa em<br />

seus aposentos, e a figuração de seu sonho, ambos colocados<br />

simultaneamente em um mesmo plano. Também aqui podemos<br />

perceber a fragilidade da aplicação da perspectiva nas representações<br />

em primeiro plano, bem como a utilização das cores em diversas<br />

tonalidades conferindo sombras, drapeados e transparências às roupas<br />

e leveza à cortina do aposento papal. Curioso notar a representação de<br />

duas figuras junto ao papa, como que velando o sono do pontífice. Mais<br />

uma vez, a representação minuciosa do artista que buscou a fidelidade<br />

nas representações e suas simbologias. Sabemos da prática de se ter<br />

sempre presente, em atitude de vigília junto ao papa, representantes<br />

da igreja, mesmo quando do seu recolhimento em seus aposentos.<br />

A pintura mais célebre de Giotto e que imortalizou Francisco foi,<br />

sem dúvida, o sermão dos pássaros (FIGURA 13). Nesta passagem,<br />

Francisco apareceu de forma concreta, realista, em um momento de<br />

júbilo à natureza.<br />

Neste afresco, Giotto representou Francisco em sua maior<br />

simplicidade, com suas vestes pobres, descalço, em comunhão com<br />

Deus e a natureza. Em meio a um bosque, ele se encontra com os<br />

pássaros em uma atitude singela, corpo inclinado como quem procura<br />

se aproximar para com eles conversar. Uma das mãos abertas, como<br />

quem procura acolhê-los e outra em sinal de benção. Paralelamente,<br />

os pássaros parecem se colocar diante de Francisco como quem<br />

entende suas palavras e acolhem sua benção. Junto a Francisco um<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 163<br />

| História | 2010


de seus seguidores participa do momento, usa as roupas pobres<br />

dos franciscanos, mas usa sandálias em seus pés, contrariamente a<br />

Francisco que realmente despiu-se de qualquer luxo ou conforto. Mais<br />

uma vez, Giotto utilizou de mecanismos figurativos para demonstrar os<br />

vários signos da vida de Francisco.<br />

O rosto de Francisco aparece bem delineado, bem como sua<br />

estrutura, conforme descrito na Vita Prima, de Tomás de Celano<br />

“de talhe médio, quase pequeno, a cabeça média e redonda, a<br />

face alongada, a testa chata e pequena, os olhos médios, negros e<br />

ingênuos, os cabelos muito escuros, as sobrancelhas retas, o nariz<br />

pequeno e retilíneo, as orelhas retas, porém pequenas, as têmporas<br />

achatadas, os dentes bem arranjados, iguais e brancos, os lábios finos,<br />

a barba negra, o pêlo desigual, o pescoço fino, os ombros retos, os<br />

braços curtos, as mãos pequenas, os dedos afilados, as unhas longas,<br />

as pernas finas, a pele delicada, descarnada (...)” 62 . Nesta passagem<br />

biográfica, Tomás de Celano recupera uma descrição não somente do<br />

homem interior de Francisco de Assis, mas do homem exterior, com<br />

grande realismo e detalhamento. Apresenta um Francisco sob uma<br />

aparência física oposta àquela tradicional do santo grande e loiro. Desta<br />

forma, baseado nesta passagem, Giotto recuperou a real expressão do<br />

homem simples, porém santo de Francisco de Assis.<br />

Neste afresco, as cores e o uso de sombras, trazem para a pintura<br />

leveza, bem como as tonalidades usadas que dão a real impressão do<br />

momento imortalizado na obra de Giotto. O céu não foi representado<br />

de azul ou celeste, mas de dourado remetendo a uma influência ainda<br />

bizantina em sua pintura.<br />

Francisco sempre buscou em Cristo sua inspiração e sempre<br />

se julgou menor, pecador e indigno de sua benevolência. Buscou<br />

FIGURA 13 - BONDONI, Giotto. O Sermão dos Pássaros – 1297.<br />

Acervo: Igreja de São Francisco – Assis, Itália (Superior) - 1297-80.<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 164<br />

| História | 2010


incessantemente o sofrimento como forma de expiação aos seus<br />

pecados e, nesta busca, ele foi contemplado com o recebimento dos<br />

estigmas, tendo sido considerado o primeiro santo a receber estes<br />

sinais. São Francisco amava tanto o Cristo crucificado que pediu<br />

ardentemente duas graças: que antes de morrer pudesse ele mesmo<br />

sentir na alma e no corpo o amor e o sofrimento da paixão. Francisco<br />

de Assis alcançou essas duas graças. Francisco aparece de braços<br />

e mãos abertas, para receber os estigmas vindos dos céus na figura<br />

de um Serafim envolto em plumagem rosa e vibrante (FIGURA 14).<br />

A perspectiva é bastante “pobre”, quase “infantil”, assim como a<br />

tridimensionalidade. Podem-se notar dois planos: um inferior onde<br />

um frade franciscano encontra-se diante de uma igreja, em oração.<br />

No segundo plano está Francisco sobre um monte, ao lado de uma<br />

pequena capela em êxtase, no momento em que recebe os estigmas.<br />

As duas tonalidades de rosa se encontram em dois momentos, na<br />

representação do Serafim e na pequena capela, sugerindo o encontro<br />

entre o sagrado, enquanto o restante do ambiente está envolto em<br />

azul e cinza. Mesmo aqui, apesar de estar sendo representado em um<br />

momento de intensa ligação com o sobrenatural, Francisco aparece,<br />

como sempre, representado em sua simplicidade e humanismo.<br />

Nesta perspectiva, a obra de Giotto traçou definitivamente a arte<br />

da pintura narrativa, revolucionando a iconografia sacra. Os novos<br />

protagonistas da arte de Giotto moviam-se como homens e mulheres<br />

reais e ganhavam corpo, mobilidade e emoção.<br />

Francisco viu na natureza a sua glória e importância sempre em<br />

comunhão com o homem. Autor do “Cântico do Sol”, onde o sol é<br />

uma alusão à imagem de Deus, Francisco traz no sensível, na beleza<br />

material que é vista e amada em primeiro lugar, as estrelas, o vento, as<br />

FIGURA 14 - BONDONI, Giotto. A Estigmatização de São Francisco - 1297-1300.<br />

Acervo: Igreja de São Francisco – Assis, Itália (Superior) - 1297-80.<br />

Fonte: www.auladearte.com.br<br />

Acesso em: 18Out2008.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 165<br />

| História | 2010


nuvens, o céu, o fogo, as flores, a relva. A mesma coisa ele fez com os<br />

animais, que de simbólicos tornaram-se reais 53 .<br />

A sua sensibilidade no plano material condenou não o conhecimento<br />

ou o enriquecimento, mas as estruturas de poder. As lições do<br />

franciscanismo nasceram modernas na Idade Média, denunciaram o<br />

caráter das estruturas de poder econômico, pregaram a não-violência<br />

e valorizaram uma forma de vida mais simples e minimalista. Tais lições<br />

reafirmam a sua atualidade nos dias de hoje.<br />

Giotto rompeu, através de sua arte, com uma visão de mundo onde<br />

o sagrado era distanciado do mundo real e humano. Analogamente,<br />

Francisco trouxe uma nova forma de entender a espiritualidade. Teve<br />

um papel decisivo no impulso das ordens mendicantes, difundindo<br />

um apostolado voltado para a nova sociedade cristã, enriquecendo a<br />

espiritualidade com uma dimensão ecológica, concreta, de um homem<br />

novo, mais humano e, que fez dele o criador de um sentimento medieval<br />

da natureza expresso na religião, na sociedade, na literatura e na arte.<br />

CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FI<strong>NA</strong>IS<br />

No Ocidente Medieval, as imagens adquirem uma importância que<br />

cresce incessantemente. Elas dão lugar a práticas cada vez mais<br />

diversificadas e têm papéis múltiplos no seio da complexidade<br />

das interações sociais. Essa importância das imagens é o<br />

resultado de um processo histórico lento e marcado por fortes<br />

tensões. Ao termo deste, as práticas das imagens tornam-se um<br />

dos traços distintivos da cristandade medieval. (...) Não pode<br />

haver, então, compreensão global do Ocidente medieval sem<br />

uma análise de suas experiências da imagem e do campo visual.<br />

(Jérôme Baschet)<br />

A visão intimista de Francisco de Assis passa pelo conhecimento<br />

do ambiente em que a Idade Média, no século XIII, estava mergulhada.<br />

Um período de “crise” espiritual, mas de grande desenvolvimento<br />

econômico e urbano. As cidades retomavam seu lugar para trocas<br />

econômicas, atraindo feiras e o comércio entre vários centros urbanos.<br />

Novos personagens passaram a compor esta atmosfera urbana como<br />

resposta à inovação econômica que, aos poucos, foi mudando as bases<br />

políticas, sociais e culturais da Europa medieval.<br />

Assim surgiu Francisco de Assis, homem que “revolucionou”<br />

o seu tempo, que buscou as origens do cristianismo e a volta aos<br />

Evangelhos. Um tempo que clamava por mudanças, principalmente<br />

no aspecto religioso, uma vez que os antigos modelos não atendiam<br />

às expectativas da população dos novos centros urbanos. A igreja<br />

se corrompeu e se afastou dos ideais cristãos. Enquanto os centros<br />

urbanos cresciam e se multiplicavam, a igreja perdia seu espaço. Se<br />

o século XIII encontrava-se em crise, Francisco veio para sustentar<br />

e equilibrar suas bases através de uma crítica aos antigos moldes<br />

propondo um profundo resgate espiritual. Por conseguinte, surgiram<br />

as novas ordens dos mendicantes: franciscanos e dominicanos, como<br />

uma resposta a esta crise espiritual.<br />

Se o século XIII foi de mudanças de ordem econômica, política,<br />

social e religiosa, o século XIV vem como resposta a estas mudanças.<br />

O humanismo surgiu e se fez presente em obras como as de Dante<br />

Alighieri, Petrarca, Vassari e Bocaccio que remeteram o homem a um<br />

plano terreno mais do que o espiritual. Neste contexto surgiu Giotto<br />

que através de suas obras buscou romper com a rigidez da arte<br />

bizantina e medieval, apresentando através desta mudança atingiu<br />

novas perspectivas na forma da representação, possíveis graças a<br />

este processo de transformação que vinha ocorrendo. Revolucionou<br />

as artes quando representou o mundo espiritual próximo do humano.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 166<br />

| História | 2010


Assim, surgiu a imagem como uma janela que se abria sobre a história<br />

representada, como usavam pensar os humanistas.<br />

Nesta perspectiva, buscou-se analisar a questão da iconografia<br />

na Idade Média, compreendendo o seu lugar e sua funcionalidade que<br />

ia além do estético para uma multiplicidade de objetivos que serviam<br />

para atender às necessidades do homem medieval, o qual buscava nas<br />

imagens um entendimento e uma aproximação do mundo espiritual<br />

contado nas liturgias.<br />

A contribuição da biografia nos estudos historiográficos remontounos<br />

às produções atuais como as de Jacques Le Goff que escreveu<br />

sobre São Francisco e São Luis, subsidiando o estudo da biografia<br />

como elemento fundamental para o desenvolvimento desta monografia.<br />

Os relatos biográficos a partir do estudo da Legenda Maior de São<br />

Boaventura, utilizada por Giotto, permitiu-nos resgatar e identificar<br />

Francisco de Assis no contexto da sua época. Da mesma forma, os<br />

humanistas retrataram, em seus relatos biográficos, o legado de<br />

Giotto.<br />

Finalmente, a contribuição das fontes iconográficas, juntamente<br />

com estudo biográfico, permitiu-nos avaliar que tanto Francisco quanto<br />

Giotto, foram responsáveis pelo rompimento de paradigmas em<br />

seus séculos. Deixaram um legado que, apesar de ocorrido na Idade<br />

Média são atuais em sua essência. Nada mais contemporâneo que<br />

o pensamento franciscano como resposta às inquietudes do homem<br />

moderno do século XXI, bem como a maneira como a arte de Giotto<br />

trouxe perspectiva e dinamismo, representando o homem, sendo ele<br />

sagrado ou não, em seu plano terreno. A pintura para ele é mais do que<br />

um substituto para a palavra escrita. Ele nos reporta para o lugar de<br />

testemunhas das várias passagens bíblicas e da vida de santos, como<br />

se estivéssemos num palco observando a cena se desenrolando diante<br />

de nossos olhos. Cada personagem tem seu lugar no enredo e sua<br />

própria dinâmica. A ruptura da arte de Giotto não foi apenas na técnica<br />

da representação, mas no entendimento do homem do seu tempo.<br />

Desta forma, esta monografia procurou buscar a um elo significativo<br />

entre a história e a arte através das obras de Giotto e as fontes<br />

biográficas. A arte entendida não apenas como figuração estética,<br />

mas como produção e resultado da influência do ambiente histórico<br />

vivido pelo artista e seus personagens. Nesta perspectiva, podemos<br />

compreender o personagem Francisco de Assis, homem-santo que<br />

condenou as práticas de seu tempo, através da obra de Giotto. Antes<br />

de ser artista, Giotto foi um homem que, através da sua arte, pôde ser<br />

um crítico do seu tempo, rompendo com os muitos paradigmas que<br />

marcaram a Idade Média.<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 167<br />

| História | 2010


NOTAS <strong>DE</strong> RODAPÉ<br />

1 Nessa obra, o historiador traça o perfil do moleiro italiano Domenico Scandella, conhecido por Menocchio, e analisa o processo inquisitório,<br />

partindo da vida cotidiana nos campos italianos, do século XVI, expressando as particularidades do personagem.<br />

2 LE GOFF, Jacques. Uma longa idade média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p.175-177.<br />

3 ROSSIAUD, Jacques. O citadino e a vida na cidade. In: LE GOFF, Jacques. O Homem Medieval. Lisboa: Editorial Presença, 1989.<br />

4 LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário temático do Ocidente Medieval, vol. 2, São Paulo: EDUSC, 2002, p. 347-348.<br />

5 Os mendicantes não se restringiam à ordem franciscana, sendo também encontrados na ordem dominicana.<br />

6 Frade é um indivíduo que pertence a uma ordem religiosa. Os primeiros frades foram os Beneditinos, ordem criada por São Bento, no início da<br />

Idade Média. Já no século XIII surgem os Franciscanos, os Menoritas ou Irmãos Menores, criados por São Francisco de Assis, em 1210.<br />

7 Pessoa devotada à vida monástica e clausural. Os monges residem em mosteiros, enquanto que os frades e freiras residem em conventos. Os<br />

monges seguem uma vida de desapego aos bens materiais. Na Idade Média, os membros do clero, do qual os monges faziam parte, eram os mais<br />

instruídos da época. Isso porque eles viviam enclausurados nos mosteiros.<br />

8 BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 194-195.<br />

9 LE GOFF, Jacques, Uma longa idade média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 178<br />

10 SÃO <strong>FRANCISCO</strong> <strong>DE</strong> <strong>ASSIS</strong>. Escritos e Biografias. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 385<br />

11 LE GOFF, Jacques, Em busca da Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 110-115.<br />

12 Oriundo da Ordem Agostiniana, em 1220 torna-se membro da Ordem Franciscana. Considerado um pregador culto e apaixonado, conhecido<br />

pela sua devoção aos pobres, e pela habilidade para converter heréticos.<br />

13 Estilo artístico vigente na Europa entre os séculos XI e XIII, é visto principalmente nas igrejas católicas construídas após a expansão do<br />

cristianismo pela Europa.<br />

14 Fase da história da arte ocidental, identificável por características muito próprias de contexto social, político e religioso em conjugação<br />

com valores estéticos e filosóficos. Este movimento cultural e artístico desenvolveu-se durante o século XII e prolonga-se até ao advento do<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 168<br />

| História | 2010


Renascimento Italiano em Florença, quando a inspiração clássica quebra a linguagem artística até então difundida.<br />

15 Os antigos cristãos empregavam a palavra “contemplação” para designar a experiência mística. A palavra misticismo tem origem no idioma<br />

Grêgo μυστικός = “iniciado” é a busca para alcançar comunhão ou identidade consigo mesmo, lucidez ou consciência da realidade última, do<br />

divino, Verdade espiritual, ou Deus através da experiência direta, intuição; e a crença que tal experiência é uma fonte importante de conhecimento,<br />

entendimento e sabedoria.<br />

16 SÃO <strong>FRANCISCO</strong> <strong>DE</strong> <strong>ASSIS</strong>, Escritos e Biografias. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 472.<br />

17 Entende-se a regra oficialmente reconhecida pela Igreja.<br />

18 LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record. 2007. p. 25.<br />

19 BERLIOZ, Jacques. Monges e religiosos na Idade Média. Lisboa: Terramar, 1994.<br />

20 SÃO <strong>FRANCISCO</strong> <strong>DE</strong> <strong>ASSIS</strong>. Escritos e Biografias. op. cit. p. 469<br />

21 LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. op. cit. p.503.<br />

22 WOLF, Norbert, Giotto. Lisboa: Taschen, 2007. p 7<br />

23 Pintor e arquiteto italiano, viveu entre 1511 a 1574 e ficou conhecido pelas biografias de artistas italianos.<br />

24 Pintor italiano e criador de mosaicos, viveu entre 1240 a 1302, considerado um dos últimos pintores a manter a tradição bizantina, tornou-se<br />

popular por ter descoberto a genialidade de Giotto.<br />

25 Escritor, poeta e político italiano viveu entre 1265 a 1321. Redigiu um poema de viés épico e teológico A Divina Comédia, que se tornou base<br />

da língua italiana moderna e culminou com a afirmação do modo medieval de entender o mundo.<br />

26 Autor e poeta italiano viveu entre 1313 a 1375. Escreveu obras como Decameron e Visão Amorosa. Ao ler “A Comédia” de Dante Alighieri ficou<br />

fascinado que a renomeou de “A Divina Comédia”.<br />

27 O Decameron foi escrito em 1350, em plena peste negra que assolava a Europa. Na obra, há dez personagens principais que, para fugir<br />

da peste, refugiaram-se em um castelo, onde nada havia a fazer. Teriam que passar ali muito tempo, até que o ambiente externo voltasse à<br />

salubridade. Para ocupar-se, cada um dos personagens contou uma história em cada um dos dez dias. Foi composto por cem histórias que<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 169<br />

| História | 2010


abrangem as mais peculiares paixões e comportamentos humanos, e mantêm em viva presença, os” clamores da carne”, a infidelidade e as<br />

trapaças sexuais. A obra tem a propriedade de revelar em cada conto que o proibido e o pecaminoso vigiados pelas autoridades no final da Idade<br />

Média, concretizavam-se em práticas habituais no dia-a-dia das pessoas comuns, do clero e da nobreza.<br />

28 WOLF, Norbert. Giotto. Op. cit. p. 9.<br />

29 Período conhecido, na história da arte, como aquele que se seguiu à Idade Média e que culminou com o Renascimento na Itália.<br />

30 HAUSER, Arnold. História Social da Arte e a Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 235.<br />

31 LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. op. cit. p.584-588<br />

32 BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal. op.cit. p. 143<br />

33 As denominações “guelfos” e “gibelinos” originaram-se após a morte de Henrique V, Sacro Imperador Romano-Germânico (1125), sem deixar<br />

herdeiros diretos. Criou-se então um conflito na disputa pela sucessão do Império. Os guelfos e o Papa apoiavam a casa da Baviera e Saxônia<br />

dos Welfen (de onde provém a palavra guelfo), enquanto os gibelinos eram partidários da casa da Suábia dos Hohenstaufen, senhores do castelo<br />

de Waiblingen (de onde provém a palavra gibelino).<br />

34 O primeiro Jubileu Cristão foi instituído pelo Papa Bonifácio VIII em 22 de fevereiro de 1300. O Ano do Jubileu seria comemorado com a<br />

peregrinação a Roma, aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, bem como a veneração da relíquia de Verônica que representa um manto com<br />

o rosto de Jesus sofredor em sua paixão, guardada em São Pedro. A princípio, seria festejado de cem em cem anos, mas com o exílio do Papa<br />

Clemente VI, foi solicitado que fosse festejado de cinqüenta em cinqüenta anos. O pedido foi baseado no livro Levítico e foi utilizado como uma<br />

forma de pressionar a volta do Papa a Roma.<br />

35 Poeta e humanista italiano, viveu entre 1304 e 1374. Considerado o pai do humanismo. Sua grande fama deveu-se, principalmente, a seus<br />

poemas escritos em língua italiana.<br />

36 GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999. p. 201<br />

37 WOLF, Norbert. Giotto. Op. cit. p.10-12<br />

38 BURKE, Peter. Testemunha Ocular. Bauru: EDUSC, 2004. p. 58<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 170<br />

| História | 2010


39 PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 29<br />

40 As obras do seu pontificado garantiram o seu lugar na história, ele é considerado o fundador do papado medieval. Havia uma fronteira separando<br />

os monges dos padres na época e os bispos mandavam nos monges e nos monastérios interferindo, às vezes, nas regras das várias ordens,<br />

provocando certo mal estar. Gregório conduziu uma vasta reforma do clero e dos negócios da Igreja e estabeleceu regras para a prática religiosa<br />

no livro de regras pastorais “Liber Regulae Pastoralis”, também, promoveu o monasticismo, (proibiu os bispos de interferirem nos monastérios<br />

e deixou os Abades como responsáveis e respondendo diretamente ao papa). Diz a tradição que ele teria aconselhado a Santo Agostinho a não<br />

destruir os templos pagãos e sim destruir somente os ídolos, convertendo os templos em capelas e igrejas, aproveitando os dias de festas pagãs<br />

para comemorar as festas cristãs. Isto minimizou a resistência dos pagãos ao cristianismo. Esta técnica foi utilizada séculos depois, na conversão<br />

dos índios nas América. Ele é tido também como o criador de uma forma musical de adoração chamada de Canto Gregoriano.<br />

41 BURKE, Peter. Testemunha Ocular. op. cit. p. 59<br />

42 BURKE, Peter. Testemunha Ocular. op. cit. p. 60<br />

43 GOMBRICH, E. H. A História da Arte. op. cit. p. 202<br />

44 PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. op. cit. p. 47<br />

45 PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. op. cit. p. 58<br />

46 O transepto é a parte de uma igreja com uma ou mais naves que atravessa perpendicularmente o seu corpo principal perto do coro e dá ao<br />

edifício a sua planta em cruz. O cruzeiro é a área de intersecção dos dois eixos<br />

47 Nome dado à técnica de pintura sobre parede, com base em gesso ou argamassa frescos, freqüentemente assumindo a forma de mural. A<br />

denominação tanto pode ser encontrada como afresco, ou fresco.<br />

48 GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Op. cit. p. 202<br />

49 Francisco buscou ser um mártir, não o sendo, foi agraciado com os estigmas de Cristo que são cada um dos cinco sinais que aparecem no<br />

corpo, nos mesmos pontos onde ocorreu a crucificação de Jesus Cristo, isto é, pés, punhos e tórax. Foi considerado o primeiro santo a receber<br />

os estigmas.<br />

50 Na Idade Média, sempre se pensou de que qualquer coisa seria extremamente absurda se seu significado se limitasse única e exclusivamente a<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 171<br />

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sua função imediata, muito pelo contrário tudo era entendido sempre com um significado mais amplo, que refletia a uma realidade espiritual. Os<br />

medievais viam o mundo repleto de significado e de muitas referências, todo o universo criado refletia a Deus. Nesta visão simbólica, a natureza<br />

em todos os seus aspectos era também um livro pelo qual o criador nos ensina a ordem do universo e da realidade sobrenatural. Esse simbolismo<br />

enraizado no homem medieval faz com que determinados signos como as cores estabeleçam, por exemplo: que o branco, o vermelho, o verde são<br />

cores benignas, enquanto o amarelo e o preto significam dor e penitência.<br />

51 A mitra pontifical é da origem romana, sendo derivada de uma cobertura de cabeça não litúrgica, exclusiva do papa, o camelauco, do qual<br />

também teve origem a tiara. O camelauco era usado antes do século VIII, como se relata na biografia do Papa Constantino, no “Liber Pontificalis”.<br />

O nono ‘’Ordo’’ indica que o camelauco era confeccionado de um material branco e tinha a forma de um capacete. As moedas dos papas Sérgio<br />

III e Bento VII, em que São Pedro usava um camelauco, dão a este a forma de um cone, que é a forma original da mitra. O camelauco foi usado<br />

pelos papas principalmente durante as procissões solenes. A mitra evoluiu do camelauco, no curso do décimo século X, quando o papa começou<br />

a usar a mitra durante procissões à igreja e também durante o serviço religioso subseqüente. Não se pode afirmar que tenha havido alguma<br />

influência do ornamento de cabeça sacerdotal do sumo sacerdote do Antigo Testamento. Foi só após a mitra estar sendo universalmente usada<br />

pelos bispos, é que se levantou a hipótese dela ser uma imitação da cobertura de cabeça sacerdotal judaica.<br />

52 LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. op. cit. p. 104<br />

53 LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. op. cit. p. 105<br />

FONTES<br />

Ciclos de Pinturas de Giotto na Igreja de São Francisco de Assis em Assis – Itália. Ciclos de Pinturas de Giotto na Capela Scrovegni em Pádua<br />

– Itália.<br />

SÃO <strong>FRANCISCO</strong> <strong>DE</strong> <strong>ASSIS</strong>. Escritos e Biografias. Petrópolis: Vozes, 1997.<br />

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 172<br />

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LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário temático do Ocidente Medieval, vol. 2, São Paulo: EDUSC, 2002, p. 347-348.<br />

LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record. 2007. p. 25.<br />

LE GOFF, Jacques. Uma longa idade média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p.175-177.<br />

PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 29<br />

ROSSIAUD, Jacques. O citadino e a vida na cidade. In: LE GOFF, Jacques. O Homem Medieval. Lisboa: Editorial Presença, 1989.<br />

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WOLF, Norbert, Giotto. Lisboa: Taschen, 2007. p 7<br />

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 173<br />

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