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a nova máquina de morar - Maia Arquitetura

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ERNANI MAIA<br />

A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

São Paulo<br />

2005<br />

Dissertação apresentada à Universida<strong>de</strong><br />

Presbiteriana Mackenzie para obtenção<br />

parcial do título <strong>de</strong> Mestre em <strong>Arquitetura</strong> e<br />

Urbanismo.<br />

Orientador: Prof. Dr. Carlos Egídio Alonso


ERNANI MAIA<br />

A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Aprovada em Maio 2005<br />

Banca Examinadora<br />

Prof. Dr Luís Antônio Jorge<br />

Prof. Dr. Francisco Spadoni<br />

Prof. Dr. Carlos Egídico Alonso<br />

Dissertação apresentada à Universida<strong>de</strong><br />

Presbiteriana Mackenzie para obtenção<br />

parcial do título <strong>de</strong> Mestre em <strong>Arquitetura</strong> e<br />

Urbanismo.<br />

Orientador: Prof. Dr. Carlos Egídio Alonso


<strong>Maia</strong>, Ernani.<br />

Orientador: Carlos Egídio Alonso<br />

A <strong>nova</strong> Máquina <strong>de</strong> Morar: Um hardware <strong>de</strong> <strong>morar</strong>?, Universida<strong>de</strong><br />

Presbiteriana Mackenzie. São Paulo: 2005 - 142p.<br />

1.<strong>Arquitetura</strong>. 2. Le Corbusier 3.Máquina <strong>de</strong> Morar 4. <strong>Arquitetura</strong><br />

Contemporânea. 5. <strong>Arquitetura</strong> e Realida<strong>de</strong> Virual 6.Telemática 7.<br />

Avanços Tecnológicos


A vida é aquilo que acontece<br />

enquanto pensamos em outra coisa.<br />

O. Wil<strong>de</strong>


AGRADECIMENTOS<br />

Em memória <strong>de</strong> meu Pai gran<strong>de</strong> incentivador <strong>de</strong>ste trabalho e responsável por todas as minhas<br />

vitórias no passado e ambições para o futuro.<br />

À Érika Eiko, minha mulher, pelo amor e compreensão.<br />

Ao meu orientador Prof. Dr. Carlos Alonso pela competência em me <strong>de</strong>ixar progredir sem<br />

imposições autoritárias e idiossincráticas e pelos cafés durante as orientações.<br />

À Arquiteta Evelise Grunow e Arquiteta Tatiane Santa Rosa pelas contribuições multidisciplinares.<br />

Além <strong>de</strong> todos aqueles os quais importunei obrigando-os a ouvir meus <strong>de</strong>vaneios sobre<br />

arquitetura e telemática.


RESUMO<br />

O presente trabalho tem como tema a comparação entre dois importantes<br />

períodos históricos da arquitetura, que são a era industrial e a era informacional,<br />

em que vivemos. Cronologicamente, trata-se, em primeiro lugar, do advento da<br />

industrialização entre os séculos XIX e XX e, posteriormente, do advento da era<br />

telemática na virada do século XXI, em que pesam o enorme <strong>de</strong>senvolvimento<br />

e especialização do uso integrado <strong>de</strong> tecnologias computacionais e <strong>de</strong> sistemas<br />

<strong>de</strong> comunicação mundiais.<br />

A forma <strong>de</strong> comparação é ao mesmo tempo contextual e pontual. Pontual<br />

porque configura-se a partir do recorte da produção <strong>de</strong> um dos mais importantes<br />

entusiastas da arquitetura mo<strong>de</strong>rna da era industrial, o arquiteto franco-suíço<br />

Le Corbusier, e, com relação ao período atual, a partir da análise das <strong>nova</strong>s<br />

ferramentas criativas e operacionais à disposição do exercício da arquitetura.<br />

E contextual porque tais análises parciais são fundamentadas em conceitos<br />

urbanos, tecnológicos, culturais, econômicos e sociais <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> seus<br />

períodos.<br />

O termo <strong>de</strong> tal comparação será, então, <strong>de</strong>lineado a partir do recorte da<br />

arquitetura resi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong>sses dois períodos e universos pontuais, ou seja,<br />

a partir da análise das formulações <strong>de</strong> Le Corbusier sobre os chamados<br />

Estabelecimentos Humanos, em que ocupa papel fundamental o programa da<br />

moradia mo<strong>de</strong>rna, e sobre o sistema <strong>de</strong> proporção espacial que <strong>de</strong>nominou<br />

Modulor. No caso da arquitetura contemporânea, o recorte será estabelecido<br />

a partir da análise das <strong>nova</strong>s possibilida<strong>de</strong>s da arquitetura da casa tendo em<br />

vista conceitos como realida<strong>de</strong> virtual, simulação, entre outros, disponíveis à<br />

atuação dos arquitetos da era informacional.<br />

1.<strong>Arquitetura</strong>. 2. Le Corbusier 3.Máquina <strong>de</strong> Morar 4. <strong>Arquitetura</strong><br />

Contemporânea. 5. <strong>Arquitetura</strong> e Realida<strong>de</strong> Virual 6.Telemática 7. Avanços<br />

Tecnológicos


ABSTRACT<br />

The following work compares two imporant historic phases of Architecture. The<br />

Industrial Age and the Age of Information, which we’re living on.<br />

Firstly it’s analysed the industrialization period, between the XIX and XX<br />

centuries and after, The Telematic Age, at the turn of the XXI century, when<br />

the use of computer tecnologies and international systems communications<br />

prevails.<br />

The comparision between these two phases is, at the same time, contextual<br />

and specific. The last mentioned, because it configures a panoramic view of<br />

one of the most important characters of Mo<strong>de</strong>rn Architecture at Industrial Age,<br />

the architect Le Corbusier.<br />

About the present situation, this work analyses the new creative and operational<br />

tools to the exercise of Architecture. It’s a contextual work because its’ partials<br />

analysis are based in urban, tecnological, cultural, economical and social<br />

concepts of each historical period.<br />

Resi<strong>de</strong>ntial Architecture is the common theme between the analysis of these<br />

two periods.The term of such comparison will be, then, <strong>de</strong>lineated from the<br />

cutting of the resi<strong>de</strong>ntial architecture concerning those two periods and punctual<br />

universes, in other words, from the analysis of Le Corbusier formulations on<br />

the so referred to Human Establishments, in which the program of mo<strong>de</strong>rn<br />

home assumes a key role, and on the system of space proportion that he called<br />

Modulor. In case of contemporary architecture, the cutting will be set forth<br />

from the analysis of the new possibilities concerning home architecture having<br />

in view concepts, such as virtual reality, simulation, among others, available for<br />

the performance of information-era-related architects.


LISTA DE FIGURAS<br />

Figura 01.................17<br />

Figura 02.................18<br />

Figura 03.................21<br />

Figura 04.................22<br />

Figura 05.................26<br />

Figura 06.................27<br />

Figura 07.................27<br />

Figura 08.................29<br />

Figura 09.................32<br />

Figura 10.................39<br />

Figura 11.................40<br />

Figura 12.................42<br />

Figura 13.................44<br />

Figura 14.................45<br />

Figura 15.................46<br />

Figura 16.................56<br />

Figura 17.................68<br />

Figura 18.................68<br />

Figura 19.................68<br />

Figura 20.................78<br />

Figura 21.................78<br />

Figura 22.................80<br />

Figura 23.................80<br />

Figura 24.................87<br />

Figura 25.................87<br />

Figura 26.................88<br />

Figura 27.................92<br />

Figura 28.................92<br />

Figura 29.................93<br />

Figura 30.................94<br />

Figura 31.................99<br />

Figura 32...............104<br />

Figura 33...............104<br />

Figura 34...............105<br />

Figura 35...............105<br />

Figura 36...............106<br />

Figura 37...............110<br />

Figura 38...............110<br />

Figura 39...............110<br />

Figura 40...............114<br />

Figura 41...............117<br />

Figura 42...............120<br />

Figura 43...............120<br />

Figura 44...............124<br />

Figura 45...............128


SUMÁRIO<br />

1. Resumo.<br />

2. Abstract.<br />

3. Sumário.<br />

4. Introdução<br />

5. PARTE I – Le Corbusier e a Máquina <strong>de</strong> Morar.<br />

5.1. A condição “pré-mo<strong>de</strong>rna” e o florecimento<br />

<strong>de</strong> um espírito novo.<br />

5.2. A casa mo<strong>de</strong>rna.<br />

5.3. Le Corbusier e a evolução do pensamento<br />

purista.<br />

5.4. A importância do legado Corbusieriano.<br />

5.5. Le Corbusier e a <strong>máquina</strong> <strong>de</strong> <strong>morar</strong>.<br />

6. PARTE II – Novas possibilida<strong>de</strong>s na produção arquitetônica<br />

resi<strong>de</strong>ncial.<br />

6.1. Introdução: As <strong>nova</strong>s possibilida<strong>de</strong>s e<br />

condições na prática da arquitetura<br />

6.2. Alternativas ao Mo<strong>de</strong>rno<br />

6.3. O espaço coletivo e individual na era das<br />

tecnologias telemáticas<br />

6.4. Panorama da <strong>Arquitetura</strong> Contemporânea<br />

6.5. Fundamentação para as <strong>nova</strong>s ferramentas<br />

arquitetônicas<br />

6.6 – A aplicação da ferramenta computacional<br />

na <strong>Arquitetura</strong><br />

6.7 – O programa habitacional contemporâneo<br />

sob a perspectiva das <strong>nova</strong>s ferramentas<br />

arquitetônicas digitais<br />

7. Conclusão.<br />

8. Bibliografia.<br />

.................06<br />

.................07<br />

.................09<br />

.................10<br />

.................16<br />

.................18<br />

.................34<br />

.................37<br />

.................48<br />

.................62<br />

.................71<br />

.................72<br />

.................76<br />

.................83<br />

.................92<br />

.................96<br />

................100<br />

................115<br />

................129<br />

................138


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

4. Introdução<br />

10


As mudanças que os avanços das tecnologias telemáticas 1 propiciam à<br />

produção e representação arquitetônica e, conseqüentemente, à socieda<strong>de</strong><br />

contemporânea, <strong>de</strong>rivam, entre outros fatores, da utilização dos computadores<br />

pessoais associados a logicionárias 2 cada vez mais avançadas e competentes.<br />

Assim, seja pelo advento da globalização econômica, pela maciça<br />

utilização mundial <strong>de</strong> computadores pessoais, mediados por re<strong>de</strong>s virtuais, ou<br />

ainda pela inexorável afirmação do capitalismo em todo o mundo, o fato é que<br />

a socieda<strong>de</strong> hoje não mais po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada igual à socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> apenas<br />

<strong>de</strong>z anos atrás.<br />

Tais mudanças sociais são comparáveis às alterações ocorridas após<br />

a revolução industrial, assim como ao advento invenção da imprensa, dos<br />

métodos mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> anestesias, das técnicas <strong>de</strong> arado, entre tantos outros<br />

acontecimentos que marcaram a evolução da humanida<strong>de</strong>. Ou seja, são<br />

mudanças substancias, originárias do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>nova</strong>s ferramentas<br />

tecnológicas que servem ao relacionamento entre o homem e seu meio.<br />

No entanto, a velocida<strong>de</strong> das transformações atuais é fato inédito na história da<br />

humanida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma que a justaposição, no tempo e no espaço, da inebriante<br />

tecnologia da informação que a fundamenta, particularize o momento atual no<br />

quadro evolutivo humano.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Neste sentido, o conceito <strong>de</strong> evolução está vinculado à <strong>de</strong>scoberta e<br />

invenção <strong>de</strong> <strong>nova</strong>s ferramentas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as mais sofisticadas até as mais<br />

rudimentares, <strong>de</strong>ntre as quais po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar as conquistas tecnológicas do<br />

1 Telemática: Ciência que trat<br />

2 Logicionaria: Parte <strong>de</strong> Um sistema eletrônico, <strong>de</strong> um instrumento, <strong>de</strong> um microcomputador ou computador, constituída <strong>de</strong> informações, algoritimos e procedimentos contidos em<br />

seu sistema <strong>de</strong> memória e armazenamento secundário. É a logicionaria que <strong>de</strong>termina a operação <strong>de</strong> todos os subsistemas <strong>de</strong> computador, <strong>de</strong> terminando seu modo <strong>de</strong> operação e o<br />

caráter das operações realizadas. Em inglês Software.(ZUFFO, 1997).<br />

11


homem mo<strong>de</strong>rno.<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da natureza <strong>de</strong> tais <strong>de</strong>scobertas e ferramentas, o que se<br />

po<strong>de</strong> afirmar é que sua apropriação pela socieda<strong>de</strong> no <strong>de</strong>correr da história altera<br />

profundamente não só os mo<strong>de</strong>los comportamentais, mas também as próprias<br />

instituições sociais. A tecnologia afeta, assim, também as condições sociais,<br />

políticas e psicológicas <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> em que está inserida, sobretudo<br />

porque é freqüentemente <strong>de</strong>finida por forças sócio-econômicas dominantes.<br />

Assim, como outras ferramentas do passado, as <strong>nova</strong>s ferramentas da<br />

evolução telemática parecem condicionar a forma como enten<strong>de</strong>mos o mundo<br />

e o lugar e que nele ocupamos. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> algo que extrapola a<br />

finalida<strong>de</strong> específica <strong>de</strong> um meio pragmático, o que equivale a dizer que os<br />

computadores têm superado a materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma peça inerte <strong>de</strong> metal e<br />

plástico.<br />

Como expressa James Steele (2001), “[...] o computador é um componente<br />

virtual da reconstrução real e simbólica do mundo que temos entre as mãos.<br />

Também é a manifestação mais potente da habilida<strong>de</strong> do homem no uso da<br />

tecnologia para dominar a natureza”.<br />

Tal reflexão é interessante, na medida em que explicita a íntima relação<br />

entre tecnologia e comportamentos sociais, e, conseqüentemente o enorme<br />

potencial da primeira em ocasionar consi<strong>de</strong>ráveis mudanças no meio ambiente<br />

e nos modos <strong>de</strong> apropriação do território.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Ou seja, as tecnologias parecem exercer, historicamente, uma influência<br />

12


dicotômica sobre a humanida<strong>de</strong>, já que, embora tragam implícita a idéia<br />

evolutiva, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s benefícios sobretudo aos meios produtivos, por outro lado<br />

são também importantes instrumentos simbólicos. O que equivale a dizer que<br />

a tecnologia po<strong>de</strong> transformar o <strong>de</strong>senvolvimento psicológico, tanto individual<br />

quanto coletivo, e, assim, servir a conotações autoritárias.<br />

De qualquer forma, a revolução industrial é sem dúvida o ponto <strong>de</strong><br />

partida da configuração epistemológica em que vivemos, ou seja, e conforme<br />

veremos adiante, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a invenção das <strong>máquina</strong>s industriais e da <strong>de</strong>scoberta<br />

<strong>de</strong> diversas fontes <strong>de</strong> energia, o mundo mudou consi<strong>de</strong>ravelmente. E isto inclui<br />

também as transformações dos meios <strong>de</strong> produção, da ciência, dos costumes<br />

e modos <strong>de</strong> espacialização no território, assim como as <strong>nova</strong>s compreensões<br />

espaciais e temporais, entre outros.<br />

Em relação ao binômio espaço / tempo, que fundamenta a discussão<br />

arquitetônica em qualquer fase da civilização, a revolução industrial foi<br />

caracterizada por uma percepção cíclica, mecânica e racional, tanto com relação<br />

à percepção do espaço como do tempo.<br />

Assim, com a evolução das navegações e os avanços anteriores dos<br />

métodos cartográficos, o espaço passou a ser percebido por uma configuração<br />

bem <strong>de</strong>finida, da mesma forma em que o tempo também sofreria influências da<br />

medição cronometrada dos relógios mecânicos, que passaram a ser instalados<br />

em todas as partes das cida<strong>de</strong>s industriais.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Também o advento das <strong>nova</strong>s formas <strong>de</strong> transporte alteraria a relação<br />

13


entre o espaço e o tempo na era industrial, já que as noções <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> e<br />

distâncias conquistariam <strong>nova</strong>s conotações. E enten<strong>de</strong>-se aqui velocida<strong>de</strong> não<br />

só <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamentos físicos, mas também do fluxo tecnológico e científico, cada<br />

vez mais dinâmico <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o advento industrial, sobretudo a partir do momento<br />

em que a ele se conjugaram os meios telemáticos e as re<strong>de</strong>s mundiais <strong>de</strong><br />

interativida<strong>de</strong>.<br />

Estas iminentes alterações, originadas especialmente pela utilização<br />

dos novos avanços informacionais, parecem clamar também por uma <strong>nova</strong><br />

abordagem no contexto arquitetônico. Ou seja, embora o <strong>de</strong>bate sociológico se<br />

mostre vanguardista, a exemplo <strong>de</strong> interessantes publicações <strong>de</strong> Paul Virilio,<br />

Pierre Lévy ou Manuel Castells, no campo da arquitetura, contudo, a realida<strong>de</strong><br />

é outra.<br />

Talvez o temor <strong>de</strong> certa associação “futurologista” ou a excessiva<br />

preocupação historicista <strong>de</strong> muitas universida<strong>de</strong>s brasileiras, sejam fatores<br />

contrários à discussão mais ampla do tema. Nos Estados Unidos, por exemplo,<br />

conforme cita James Steele (2002), aspirantes aos cursos <strong>de</strong> arquitetura e <strong>de</strong>sign<br />

procuram as universida<strong>de</strong>s que tenham em seu quadro docente professores que<br />

se <strong>de</strong>stacam na discussão acerca das interfaces entre tecnologia da informação<br />

e arquitetura, entre tecnologia da informação e <strong>de</strong>sign, a exemplo do professor<br />

Willian Mitchell, do Massachussets Institut Tecnology, que é consi<strong>de</strong>rado um<br />

dos precursores da discussão da arquitetura e do urbanismo no novo panorama<br />

tecnológico contemporâneo.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

14


A proposta <strong>de</strong> Mitchell é <strong>de</strong>cifrar este novo fenômeno através da análise<br />

<strong>de</strong> suas possíveis conseqüências no panorama atual da arquitetura. Como<br />

<strong>de</strong>staca Steele (2001, p.08): “[...] um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>bate épico que acompanhou<br />

a revolução industrial, eloqüentemente conduzido por Jonh Ruskin, William<br />

Morris e Thomas Carlyle, mudou a direção da arquitetura do século XX”.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer que os fenômenos sociais, econômicos e produtivos da<br />

revolução industrial embasaram a atuação <strong>de</strong> Le Corbusier, que participou<br />

como agente modificador do que <strong>de</strong>nominava estabelecimentos humanos<br />

também através <strong>de</strong> sua obra teórica.<br />

Assim, é lícito afirmar que Le Corbusier participou na plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

revolução velada e abstrata, talvez ainda em voga, que surgiu em meados dos<br />

século XVIII e ficou conhecida como revolução industrial, <strong>de</strong> forma a configurar<br />

paradigmas arquitetônicos para as gerações que o suce<strong>de</strong>riam.<br />

A proposta do presente trabalho é, então, traçar um panorama contextual<br />

da atuação <strong>de</strong> Le Corbusier, <strong>de</strong> forma a compreen<strong>de</strong>r seus conceitos <strong>de</strong> moradia<br />

i<strong>de</strong>al ao novo homem industrial. E, <strong>de</strong> forma análoga, analisar as tecnologias<br />

telemáticas e <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> virtual que caracterizam nossa era, com o intuito<br />

<strong>de</strong> indagar se a moradia contemporânea necessita <strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo ou, ao<br />

contrário, se a <strong>máquina</strong> <strong>de</strong> <strong>morar</strong> <strong>de</strong> Corbusier ainda po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um<br />

paradigma válido.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

15


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

5. Parte I - Le Corbusier e a Máquina <strong>de</strong> Morar<br />

16


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 01 - Casa Dom-ino.<br />

Fonte:http://www.ruf.rice.<br />

edu/ Acessado em: 14 abr.<br />

2004.<br />

17


O <strong>de</strong>senvolvimento da mo<strong>de</strong>rna vanguarda arquitetônica e,<br />

conseqüentemente, das casas mo<strong>de</strong>rnas, po<strong>de</strong> ser compreendido como a<br />

extensão lógica da revolução industrial. As mudanças ocorridas nas cida<strong>de</strong>s,<br />

nos transportes, nas utilida<strong>de</strong>s e infra-estrutura públicas, assim como na<br />

economia fomentada pelas indústrias, contribuíram, entre outros aspectos,<br />

para o surgimento das habitações mo<strong>de</strong>rnas.<br />

Com a revolução industrial, a humanida<strong>de</strong> passou a transferir para as<br />

<strong>máquina</strong>s o enfadonho trabalho cotidiano, apesar <strong>de</strong> gerar com isto outras<br />

rotinas não menos <strong>de</strong>sgastantes, isto afetou <strong>de</strong>finitivamente as relações sociais<br />

através não só dos objetos que invadiram a vida diária, ou das transformações<br />

na hierarquia familiar e social. As evoluções técnicas passaram a atingir a<br />

humanida<strong>de</strong> com intensida<strong>de</strong> infinitamente superior a sua evolução até então,<br />

pois até as pequenas coisas do cotidiano passaram por sensíveis processos <strong>de</strong><br />

transformação.<br />

O homem viu sua força e capacida<strong>de</strong> produtiva multiplicadas pelos motores<br />

e por outros adventos industriais, isto levou a humanida<strong>de</strong> a um repentino salto<br />

na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, nas formas <strong>de</strong> captar e produzir riquezas, embora, por<br />

outro lado, tenha-se também ampliado as misérias, mazelas e <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

sociais.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

5.1 A condição “pré-mo<strong>de</strong>rna” e o florescimento <strong>de</strong> um espírito novo.<br />

Figura 02 - Ilustração <strong>de</strong> operários<br />

ingleses. Revolução Industrial.<br />

Fonte: http://www.learnhistory.<br />

o r g . u k / c p p / 1 7 5 0 g a l . h t m .<br />

Acessado em: 20 jun. 2004.<br />

18


A partir da emergência da <strong>máquina</strong> como fator produtivo, a socieda<strong>de</strong> foi<br />

levada a mudanças irreversíveis em todos os sentidos da vida cotidiana, evento<br />

que, obviamente, não ocorreu repentinamente. Ao contrário, o processo <strong>de</strong><br />

transformação foi ritmado pela própria velocida<strong>de</strong> dos avanços tecnológicos,<br />

assim como pela enorme ampliação dos meios <strong>de</strong> comunicação disponíveis.<br />

Quando se refere à primeira geração da socieda<strong>de</strong> industrial, Le Corbusier<br />

(1946, p.10) <strong>de</strong>staca: “[...] ébria <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> movimento, dir-se-ia que<br />

a socieda<strong>de</strong> toda se pôs, inconscientemente, a girar em torno <strong>de</strong> si própria; tal<br />

qual avião em parafuso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma bruma cada vez mais opaca.”<br />

Foi neste período que se <strong>de</strong>senvolveram as teorias econômicas que<br />

protagonizam gran<strong>de</strong>s embates ainda em nossos dias, as quais, em certa medida,<br />

teriam <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado guerras e revoluções durante os anos subseqüentes<br />

à sua formulação. De um lado, figurava, então, o capitalismo emergente da<br />

própria condição <strong>de</strong> trocas, lucros e <strong>de</strong>senvolvimentos, <strong>de</strong>vidamente amparado,<br />

nesse sentido, pela produtivida<strong>de</strong> espantosa das recém-criadas <strong>máquina</strong>s.<br />

Elas correspon<strong>de</strong>ram, tanto fisicamente, ou seja em sua estrutura, quanto<br />

i<strong>de</strong>almente, à concepção mecânica da produção em série, e, <strong>de</strong> certa forma, à<br />

idéia <strong>de</strong> lucros exorbitantes, incondicionais.<br />

Por outro lado, falava-se do conceito <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> social, da racionalização<br />

do capital e, em suma, da intenção <strong>de</strong> solucionar o já latente problema da<br />

classe operária, cada vez mais pobre e fragilizada por péssima qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

vida.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

19


Contudo, ainda que surgido como reação às precárias condições urbanas<br />

enfrentadas por boa parte da socieda<strong>de</strong> industrial, este conceito revelou-se<br />

um i<strong>de</strong>al totalizador, sobretudo no sentido <strong>de</strong> ter justificado a idéia <strong>de</strong> Estados<br />

centralizadores, anti-<strong>de</strong>mocráticos. Configurou-se portanto, na era industrial<br />

mecanicista, um embate i<strong>de</strong>ológico entre a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> meios, sobretudo os<br />

produtivos, e as polarida<strong>de</strong>s econômicas e sociais.<br />

Já no campo das ciências, tanto as econômicas, biológicas quanto as<br />

sociais, a partir da segunda meta<strong>de</strong> do século XVIII se <strong>de</strong>lineou um período <strong>de</strong><br />

ampla efervescência, em muito <strong>de</strong>corrente da própria racionalida<strong>de</strong> iluminista.<br />

Ao <strong>de</strong>scartar dogmas e crenças religiosas como limites científicos, o Iluminismo<br />

incentivou a busca pelo <strong>de</strong>sconhecido, o que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou não só uma <strong>nova</strong><br />

postura científica, mas também social e cultural, o que, <strong>de</strong> fato, transformaria<br />

todos os paradigmas sociais vigentes até então.<br />

Neste sentido, Eric Hobsbawm (1977, p.41), importante historiador<br />

contemporâneo, escreve:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

[...] <strong>de</strong> fato, o “iluminismo”, a convicção<br />

no progresso do conhecimento humano, na<br />

racionalida<strong>de</strong>, na riqueza e no controle sobre a<br />

natureza – <strong>de</strong> que estava profundamente imbuído<br />

o século XVIII – <strong>de</strong>rivou sua força primordialmente<br />

do evi<strong>de</strong>nte progresso da produção, do comércio<br />

e da racionalida<strong>de</strong> econômica e científica que se<br />

acreditava estar associada a ambos.<br />

20


É importante notar que a revolução industrial, apesar <strong>de</strong> constantemente<br />

vinculada ao advento das <strong>máquina</strong>s e das energias, parece também originária<br />

<strong>de</strong> um contexto <strong>de</strong>lineado já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os séculos XV e XVI, em que figuram cenários<br />

como a organização dos exércitos e das marinhas, a preparação das gran<strong>de</strong>s<br />

expedições coloniais, os progressos nas tecnologias da mineração e metalurgia<br />

e, entre outros, os novos e amplos alcances empresariais. Todos esses fatores<br />

representaram terreno fértil para as raízes da socieda<strong>de</strong> industrial, o que po<strong>de</strong><br />

levar, ao início do século XVI, o ponto <strong>de</strong> partida da revolução industrial.<br />

Porém, é recorrente em livros didáticos a classificação da revolução<br />

industrial em pelo menos três fases: a primeira <strong>de</strong>las, caracterizada pela<br />

criação <strong>de</strong> <strong>nova</strong>s tecnologias <strong>de</strong> produção [como a <strong>máquina</strong> a vapor, a<br />

fian<strong>de</strong>ira, o processo Cort em metalurgia e, <strong>de</strong> forma mais geral, a substituição<br />

das ferramentas manuais pelas <strong>máquina</strong>s], teria começado pouco antes dos<br />

últimos trinta anos do século XVIII. A segunda, observada aproximadamente<br />

100 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sse período, teria se <strong>de</strong>stacado pelo <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

eletricida<strong>de</strong>, do motor <strong>de</strong> combustão interna, pela criação <strong>de</strong> produtos químicos<br />

com forte base científica, da eficiente fundição do aço e, ainda, pelo início<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento das tecnologias <strong>de</strong> comunicação [como o telégrafo e a<br />

invenção do telefone]. E a terceira, resultante dos enormes avanços <strong>de</strong>ssas<br />

tecnologias <strong>de</strong> comunicação, é conhecida como a revolução informacional.<br />

Trata-se, em suma, da era da informática, da microeletrônica, da telemática<br />

que será o objeto da segunda parte <strong>de</strong>sse trabalho.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 03 - Casas <strong>de</strong> operários<br />

em New Castle, Inglaterra.<br />

Data 1976. Fonte: www.<br />

c o n s e r v a t i o n t e c h . c o m / / x -<br />

MILLTOWNS/RL-Photographs-<br />

4x5/England-4x5s.htm. Acessado<br />

em 28 mar. 2005.<br />

21


Cada período trouxe consigo uma vastidão <strong>de</strong> novos produtos que, entre<br />

outros fatores, propiciaram a mudança na polarização das riquezas e do po<strong>de</strong>r<br />

internacionais, assumindo posições <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque aqueles países e elites que<br />

se tornaram aptos a comandar o novo sistema produtivo, em <strong>de</strong>corrência da<br />

rápida e abrangente apropriação dos avanços tecnológicos. Aliás, esta parece<br />

mesmo uma constante na história da humanida<strong>de</strong>, ou seja, civilizações que<br />

conseguem dominar <strong>nova</strong>s tecnologias, sobretudo, aquelas voltadas à ativida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> dominação, como a guerra, tornam-se supremacias militares, econômicas e<br />

intelectuais.<br />

A complexida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sdobramentos <strong>de</strong> cada fase do período industrial<br />

testemunham a relevância da era mecanicista na história da humanida<strong>de</strong>.<br />

Domenico <strong>de</strong> Masi, combativo sociólogo italiano <strong>de</strong> nossos tempos, quando<br />

aborda o período industrial, afirma enfaticamente:<br />

[...] com o nascimento da indústria iniciou-se um<br />

dos maiores empreendimentos da espécie humana,<br />

comparável à invenção da agricultura há <strong>de</strong>z mil<br />

anos, à criação da <strong>de</strong>mocracia, à invenção do<br />

direito internacional e do império global na Roma<br />

<strong>de</strong> Augusto. (MASI, 2000, p. 126).<br />

Embora tamanho êxito, sabe-se também que a revolução industrial<br />

fez muitas vítimas, como exemplificam as condições <strong>de</strong>sumanas <strong>de</strong> trabalho<br />

vivenciadas nas fábricas e cida<strong>de</strong>s pela própria classe operária. Segundo<br />

Hobsbawm (1977), aos pobres que se encontravam à margem da socieda<strong>de</strong><br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 04 - Uma roda <strong>de</strong> fiar podia<br />

fazer às vezes <strong>de</strong> mil fusos. Em<br />

cima uma cena tradicional <strong>de</strong> casa<br />

<strong>de</strong> campo. Em baixo, (maquinas<br />

<strong>de</strong> fiar algodão 1835).<br />

22


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

burguesa restavam apenas três possibilida<strong>de</strong>s: lutar para se tornarem burgueses,<br />

aceitar as condições <strong>de</strong> opressão, ou se rebelar. Esta terceira possibilida<strong>de</strong> foi<br />

seguida por muitos, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ando revoluções, como a ocorrida na França em<br />

1789, a chamada Revolução Francesa, e várias outras revoluções posteriores,<br />

culminando com a Revolução Russa, <strong>de</strong> 1917.<br />

Porém, ainda que as origens da revolução industrial remontem, na<br />

análise dos historiadores, à segunda meta<strong>de</strong> do século XVIII, o i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong> Le<br />

Corbusier, e das discussões <strong>de</strong>sse trabalho sobre a moradia mo<strong>de</strong>rna, só se<br />

estabeleceu cerca <strong>de</strong> duzentos anos <strong>de</strong>pois, ou seja, na primeira meta<strong>de</strong> do<br />

século XX. Isso porque foi neste período, a partir <strong>de</strong> 1900, que efetivamente se<br />

<strong>de</strong>senvolveram as habitações mo<strong>de</strong>rnas, em muito vinculadas às possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> conforto originadas pelos avanços nos sistemas <strong>de</strong> aquecimento para<br />

regiões <strong>de</strong> clima temperado, <strong>de</strong> refrigeração, <strong>de</strong> combate ao fogo, assim como<br />

pelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novos materiais, como o concreto e o aço, além dos<br />

fundamentais sistemas <strong>de</strong> saneamento básico.<br />

Neste sentido, como vimos a revolução industrial foi gradualmente e<br />

<strong>de</strong>finitivamente mudando a socieda<strong>de</strong> e sua maneira <strong>de</strong> habitar e <strong>de</strong> se apropriar<br />

do território, transformando conseqüentemente o curso dos acontecimentos<br />

históricos, primeiro na Inglaterra e posteriormente em quase todo o mundo.<br />

Segundo Leonardo Benevolo (1976) os principais fatores que influenciaram<br />

as alterações ocorridas nas cida<strong>de</strong>s foram o aumento da população <strong>de</strong>vido<br />

à diminuição do índice <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong>, o aumento significativo dos bens e<br />

23


contemporânea. Segundo Benevolo (1994, p.21 e 22):<br />

A associação entre a indústria e a cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>pressa se consolidou: nas <strong>nova</strong>s cida<strong>de</strong>s, que<br />

se <strong>de</strong>senvolveram fora do sistema tradicional<br />

dos burgos e freguesias, empresários e operários<br />

podiam fugir aos vínculos anacrônicos do sistema<br />

corporativo isabelino; os empresários contavam com<br />

uma reserva <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra sempre abundante<br />

e substituível, enquanto os operários, se bem<br />

que cruelmente explorados pelos novos patrões,<br />

encontravam na cida<strong>de</strong> uma maior varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

escolha e uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecer-se<br />

como classe, <strong>de</strong> se organizarem em <strong>de</strong>fesa dos<br />

interesses comuns.<br />

A situação das cida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como termômetro do grau<br />

<strong>de</strong> alterações que a socieda<strong>de</strong> sofreu nos anos contemporâneos à revolução<br />

industrial. E foi no contexto <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> já familiarizada com as irreversíveis<br />

condições sociais e urbanas <strong>de</strong> seu tempo, que floresceram as teorias <strong>de</strong> Le<br />

Corbusier, balizadoras do presente trabalho.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Para ilustrar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>, e das alterações em seu<br />

modo <strong>de</strong> espacializar-se no território, Le Corbusier (1943, p. 9/10) escreveu:<br />

24


dos serviços produzidos pela agricultura e pelas indústrias [sobretudo em<br />

virtu<strong>de</strong> do progresso tecnológico e do <strong>de</strong>senvolvimento econômico], e, por<br />

fim, a redistribuição dos habitantes no território em conseqüência do aumento<br />

<strong>de</strong>mográfico e das transformações nos meios <strong>de</strong> produção [os operários , antes<br />

campesinos, se tornaram assalariados e se transferiram para junto das fábricas,<br />

formando aglomerações que originaram <strong>nova</strong>s cida<strong>de</strong>s], o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

dos meios <strong>de</strong> comunicação, que permitiu o salto da mobilida<strong>de</strong> tanto humana<br />

quanto <strong>de</strong> produtos. A velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas transformações afetou o equilíbrio<br />

mundial, principalmente por sempre <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>arem outras transformações,<br />

cada vez mais profundas e mais rápidas.<br />

É patente a aceleração do ritmo evolutivo da humanida<strong>de</strong>. Antes <strong>de</strong> 1850,<br />

nenhuma socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>scrita como predominantemente urbana e,<br />

em 1900, apenas a Grã Bretanha atingia essa condição. Passados pouco mais <strong>de</strong><br />

100 anos, atualmente po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar que todas as nações industriais são<br />

altamente urbanizadas e, em todo o mundo, indiscriminadamente, o processo<br />

<strong>de</strong> urbanização continua acelerado.<br />

Neste sentido, Leonardo Benevolo observa a respeito das cida<strong>de</strong>s da era<br />

industrial: “[...] um edifício não mais po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rado uma edificação<br />

estável, incorporada ao terreno, mas um manufaturado provisório, que po<strong>de</strong>ria<br />

ser substituído mais tar<strong>de</strong> por outro manufaturado.” (BENEVOLO, 1976,<br />

p.552).<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

É provável então, que esta seja a origem da sensação <strong>de</strong> efemerida<strong>de</strong><br />

25


Uma ruptura brutal, única nos anais da história,<br />

acaba <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar, em três quartos <strong>de</strong> século,<br />

toda a vida social do Oci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seu quadro<br />

relativamente tradicional e notavelmente concor<strong>de</strong><br />

com a geografia. A causa <strong>de</strong>sta ruptura – seu<br />

explosivo – é a intervenção súbita, em uma vida<br />

ritmada, até então, pelo andar do cavalo, da<br />

velocida<strong>de</strong> na produção e no transporte das pessoas<br />

e das coisas. Com seu aparecimento as gran<strong>de</strong>s<br />

cida<strong>de</strong>s explo<strong>de</strong>m ou se congestionam, o campo se<br />

<strong>de</strong>spovoa, as províncias são violadas no âmago <strong>de</strong><br />

sua intimida<strong>de</strong>. Os dois estabelecimentos humanos<br />

tradicionais (a cida<strong>de</strong> e a al<strong>de</strong>ia) atravessam,<br />

então, uma crise terrível. Nossas cida<strong>de</strong>s crescem<br />

sem forma, in<strong>de</strong>finidamente. A cida<strong>de</strong>, organismo<br />

urbano coerente, <strong>de</strong>saparece; a al<strong>de</strong>ia organismo<br />

rural coerente, traz os estigmas <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cadência<br />

acelerada: colocada em inopinado contato com a<br />

gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>, é <strong>de</strong>sequilibrada e <strong>de</strong>sertada.<br />

Pouco menos <strong>de</strong> um século antes <strong>de</strong> Le Corbusier, a França, com<br />

a política econômica <strong>de</strong> Luis Napoleão, entre 1848 e 1870, já estimulara<br />

empresários particulares a contribuírem com a reorganização da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Paris, que sofria na época com os problemas causados pela inexorável revolução<br />

industrial. Iniciativas como a reorganização do sistema ferroviário, a reconstrução<br />

do centro da cida<strong>de</strong>, a edificação <strong>de</strong> novos portos, os empréstimos do governo<br />

às industrias, o encorajamento <strong>de</strong> <strong>nova</strong>s linhas <strong>de</strong> crédito para a indústria e<br />

para a agricultura, a reforma radical das tarifas, a realização <strong>de</strong> duas gran<strong>de</strong>s<br />

exposições internacionais em Paris, contribuíram, assim, para a promoção do<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 05 – Napoleão III. Fonte:<br />

http://en.wikipedia.org/wiki/<br />

Napoleon_III. Acessado em 10 nov.<br />

2004.<br />

26


crescimento industrial francês durante o período <strong>de</strong> Luis Napoleão.<br />

O imperador era auxiliado por administradores competentes, sobretudo<br />

pelo Barão Haussman. Além disso, Napoleão III compreen<strong>de</strong>u a importância das<br />

comunicações na promoção do <strong>de</strong>senvolvimento industrial e resolveu equipar a<br />

França com um sistema <strong>de</strong> caminhos <strong>de</strong> ferro eficiente.<br />

No entanto, não po<strong>de</strong>mos nos esquecer que alguns dos pontos<br />

fundamentais estabelecidos pela gestão do Barão Haussman, sobretudo na<br />

condição <strong>de</strong> prefeito <strong>de</strong> Paris, foram a expulsão dos pobres do centro <strong>de</strong> Paris<br />

e a substituição das ruas tortuosas medievais por longas avenidas, em suma,<br />

iniciativas para o que se <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> embelezamento da cida<strong>de</strong>. Estas<br />

mudanças foram conhecidas como “estratégia <strong>de</strong> classe”.<br />

Porém, todas estas alterações nas cida<strong>de</strong>s foram acompanhadas também<br />

por transformações na célula habitacional, <strong>de</strong> modo a ocasionarem mudanças<br />

significativas no modo <strong>de</strong> habitar. A velocida<strong>de</strong> da <strong>máquina</strong>, as particularida<strong>de</strong>s<br />

produtivas, comportamentais e culturais capitalistas, enfim, as <strong>nova</strong>s condições<br />

<strong>de</strong> tempo e espaço do homem mo<strong>de</strong>rno, trouxeram consigo <strong>nova</strong>s condicionantes<br />

espaciais para a arquitetura e para o urbanismo. E sobre a casa, po<strong>de</strong>-se dizer<br />

que é nela que o homem procura expressar sua condição epistemológica, seus<br />

costumes e hábitos tão intimamente ligados ao ambiente social em que vive, ou<br />

seja, po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar a moradia também como espelho <strong>de</strong> quem a habita.<br />

E, assim, além do novo contexto urbano, das mo<strong>de</strong>rnas fábricas e das<br />

promissoras estradas <strong>de</strong> ferro, a revolução industrial apresentou ao mundo<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 06 – Esquema dos gran<strong>de</strong>s<br />

trabalhos <strong>de</strong> Haussmann em Paris:<br />

em preto as <strong>nova</strong>s ruas, em tracejado<br />

quadriculado os novos bairros, em<br />

tracejado horizontal os dois gran<strong>de</strong>s<br />

parques periféricos: o Bois <strong>de</strong> Boulogne<br />

(à esquerda) e o Bois <strong>de</strong> Vincennes (à<br />

direita).<br />

Figura 07 – A <strong>de</strong>molição <strong>de</strong> parte do<br />

Quartier Latin na reconstrução <strong>de</strong> Paris.<br />

27


também uma <strong>nova</strong> forma <strong>de</strong> habitar: os cortiços. A fábrica era o núcleo<br />

dos aglomerados urbanos e, portanto, toda a vida da socieda<strong>de</strong> tornou-se<br />

subordinada a ela.<br />

Era ela, entre outros, o agente <strong>de</strong> transformação da paisagem natural,<br />

com suas chaminés lançando fumaça negra pelo céu das cida<strong>de</strong>s e resíduos<br />

poluidores pelos rios, o mesmo acontecendo com as locomotivas e as estradas<br />

<strong>de</strong> ferro, que além da poluição, cicatrizavam e segregavam o território com<br />

seus intrínsecos trilhos.<br />

Às habitações restavam apenas os espaços intersticiais, como as áreas<br />

ociosas entre as fábricas, os galpões e os pátios ferroviários. Outras vezes, eram<br />

construídas ainda junto à gran<strong>de</strong>s indústrias, fossem elas si<strong>de</strong>rúrgicas, fábricas<br />

<strong>de</strong> tintas, gasômetros ou <strong>de</strong> cortes ferroviários. Segundo Lewis Mumford (1961,<br />

p.501): “[...] dia após dia, o mau cheiro dos <strong>de</strong>jetos, o negro vômito das<br />

chaminés e o ruído das <strong>máquina</strong>s martelantes ou rechinantes, acompanhavam<br />

a rotina doméstica”.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Na cida<strong>de</strong> industrial, que crescia com base em fundações antigas, os<br />

trabalhadores foram inicialmente acomodados em velhas casas familiares,<br />

transformadas então em alojamentos para aluguel. Nestas casas, cada quarto<br />

se transformava em uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> habitação, às vezes até para mais <strong>de</strong> uma<br />

família. Com essa situação, somada aos <strong>de</strong>jetos das indústrias e das ferrovias,<br />

as cida<strong>de</strong>s tornaram-se bem pouco higiênicas, e passaram a sofrer sérios<br />

problemas <strong>de</strong> saneamento básico, já que as infra-estruturas <strong>de</strong> água e esgoto<br />

28


ou não existiam, ou eram insuficientes.<br />

Este panorama nada favorável do primeiro momento urbano-<br />

industrial, originário da <strong>nova</strong> forma e organização do trabalho, se apresentou<br />

como gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio aos planejadores das cida<strong>de</strong>s. Não tardou, portanto,<br />

o aparecimento <strong>de</strong> <strong>nova</strong>s idéias que sinalizavam a melhoria das condições<br />

urbanas das cida<strong>de</strong>s industriais, cenário em que surgiram: Charles Fourier e<br />

seus falanstérios; Tony Garnier e sua cida<strong>de</strong> Industrial; Ebenezer Haward e a<br />

cida<strong>de</strong> jardim, Le Corbusier e a cida<strong>de</strong> radiosa; entre outros, explicitados por<br />

Françoise Choay (1965).<br />

É pertinente salientar que, no panorama apresentado nesta breve análise<br />

da situação das cida<strong>de</strong>s entre os séculos XVIII e XIX, e que perdurou ainda<br />

até o período entre guerras, no século XX, embora os países europeus pouco a<br />

pouco tenham conseguido equacionar seus problemas sanitários e urbanísticos,<br />

cenário em que se <strong>de</strong>staca, por exemplo, o Barão Hausmman e as gran<strong>de</strong>s<br />

transformações <strong>de</strong> Paris, nos <strong>de</strong>mais países, sobretudo os sub<strong>de</strong>senvolvidos ou<br />

marginais no quadro <strong>de</strong> equilíbrio <strong>de</strong> forças da era industrial, pouco foi feito em<br />

relação à melhoria das condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> seus moradores.<br />

No entanto, se o foco da primeira parte do presente estudo é conhecer<br />

o contexto em que Le Corbusier i<strong>de</strong>alizou sua concepção i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> moradia,<br />

torna-se, portanto, imprescindível voltar às condições habitacionais do cenário<br />

europeu industrial. Neste sentido, Lewis Mumford escreve que:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 08 – Plano da Cida<strong>de</strong><br />

Industrial <strong>de</strong> Tony Garnier.<br />

Fonte: http://www.ctv.es/USERS/<br />

jbrarq/images/<br />

Acessado em 12 jan. 2005.<br />

29


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

A época da invenção e da produção em massa<br />

quase não atingiu a casa do trabalhador ou as suas<br />

comodida<strong>de</strong>s, até o fim do século XIX. Introduziuse<br />

o encanamento <strong>de</strong> ferro; assim também a<br />

privada aperfeiçoada; finalmente, a iluminação e o<br />

fogão a gás, a banheira com encanamento <strong>de</strong> água<br />

e drenos fixos; uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> distribuição coletiva<br />

<strong>de</strong> água, com água corrente ao alcance <strong>de</strong> todas<br />

as casas, e um sistema coletivo <strong>de</strong> esgotos. Todos<br />

esses melhoramentos, pouco a pouco, passaram<br />

a ficar ao alcance dos grupos econômicos médios<br />

e superiores, a partir <strong>de</strong> 1830; <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

geração, a contar da sua introdução chegaram<br />

mesmo a transformar-se em necessida<strong>de</strong>s para<br />

a classe média. Mas, em ponto algum, durante a<br />

fase paleotécnica, tais melhoramentos chegaram<br />

a estar ao alcance da massa da população. O<br />

problema para o construtor, era alcançar um nível<br />

módico <strong>de</strong> <strong>de</strong>cência sem essas <strong>nova</strong>s comodida<strong>de</strong>s<br />

dispendiosas. (MUMFORD, 1961, p.504).<br />

Como se vê, a urbanização e a moradia da cida<strong>de</strong> industrial pareciam,<br />

sobretudo no primeiro século da revolução da <strong>máquina</strong>, sofrer diversos males,<br />

o que fez surgir, já nas primeiras décadas do século XX, idéias revolucionárias<br />

a respeito <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> habitar e urbanizar as cida<strong>de</strong>s. Amparadas pelo<br />

amadurecimento da socieda<strong>de</strong> industrial, que efetivamente se conscientizara<br />

das mudanças ocorridas em seu cotidiano, essas idéias prosperaram, então,<br />

para o estabelecimento do chamado i<strong>de</strong>ário Mo<strong>de</strong>rno, tanto nas artes quanto<br />

nas ciências, que é a origem do que convencionou se <strong>de</strong>nominar Movimento<br />

30


Mo<strong>de</strong>rno.<br />

Com ele, surgem várias propostas, vários movimentos, sobretudo<br />

europeus, que propunham o diálogo entre as tecnologias industriais e a<br />

arquitetura, entre os quais, e talvez o mais importante, figura Walter Gropius<br />

e a escola alemã Bauhaus. É neste contexto que foi lançada a base sociológica<br />

da habitação mínima, voltada à população das cida<strong>de</strong>s industriais, <strong>de</strong>rivada da<br />

abrangente análise das mudanças ocorridas nos núcleos familiares europeus.<br />

A idéia era padronizar a socieda<strong>de</strong> através <strong>de</strong> seus núcleos familiares.<br />

O objetivo era <strong>de</strong>scobrir o programa mínimo habitacional, o que equivaleria<br />

a ajustar o cotidiano e as necessida<strong>de</strong>s humanas a partir da macro escala do<br />

comércio e da economia mundial. E, entre outros reflexões, o que se concluiu<br />

foi que o a<strong>de</strong>nsamento populacional, ou seja, que o <strong>de</strong>senvolvimento do gran<strong>de</strong><br />

edifício <strong>de</strong> apartamentos, ofereceria vantagens essenciais às cida<strong>de</strong>s, sobretudo<br />

no sentido <strong>de</strong> se viabilizar economicamente a moradia da classe operária.<br />

Por outro lado, o que se propôs, tal qual Le Corbusier, foi a construção<br />

<strong>de</strong> casas em série, ou seja, moradias racionalizadas, pré-fabricadas, <strong>de</strong> forma<br />

análoga ao princípio dos produtos industrializados que <strong>de</strong>sempenhavam o papel<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> ícone da revolução industrial.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Porém, foram os edifícios institucionais, e não os habitacionais, que<br />

primeiramente concretizaram na arquitetura os dogmas do mo<strong>de</strong>rnismo. Assim,<br />

os pavilhões <strong>de</strong> exposição, as estações ferroviárias, as pontes e monumentos,<br />

como o Palácio <strong>de</strong> Cristal, a Torre Eiffel e a Galeria das Máquinas, que, entre<br />

31


outros, tiveram a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exemplificar o trunfo da arquitetura mo<strong>de</strong>rna<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a passagem entre os séculos XIX e XX. Nesse sentido, essas edificações<br />

e monumentos é que funcionaram como os gran<strong>de</strong>s projetos simbólicos do<br />

período.<br />

A partir <strong>de</strong> então, a emergência <strong>de</strong> uma <strong>nova</strong> realida<strong>de</strong> arquitetônica, e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da indústria, passaram a influenciar cada vez mais experiências<br />

práticas e teóricas, não só as <strong>de</strong> Le Corbusier, mas também, como no exemplo<br />

anterior, as <strong>de</strong> Tony Garnier, i<strong>de</strong>alizador da cida<strong>de</strong> industrial [Cité Industrielle<br />

– 1909].<br />

Impulsionada pela otimização nos métodos <strong>de</strong> produção, especialmente<br />

pelas idéias <strong>de</strong> Henry Ford (1909), a economia no mundo capitalista foi<br />

gradualmente conquistando espaço. Ford, por exemplo, ajudou a introduzir o<br />

automóvel inclusive nas culturas populares, colaborando portanto, ainda que<br />

gradualmente, para o <strong>de</strong>senvolvimento dos subúrbios <strong>de</strong>scentralizados. Este<br />

fator possibilitava, por sua vez, a baixa <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> da ocupação territorial e,<br />

conseqüentemente, um passo em favor do anseio da socieda<strong>de</strong> pela residência<br />

unifamiliar.<br />

Por outro lado, a exploração <strong>de</strong> novos materiais, como o aço e o<br />

concreto, possibilitaram o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> tipologias <strong>nova</strong>s para os<br />

espaços arquitetônicos, inclusive na forma <strong>de</strong> habitar. Em síntese, os elementos<br />

arquitetônicos estandardizados, com sua estética formal inusitada, racional,<br />

abriram, entre outros, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apropriação da iluminação natural e<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 09 – Henry Ford e o Mo<strong>de</strong>l T<br />

Fonte: http://www.aaca.org/<br />

publications/rummagebox/2003/<br />

fall03/ford.jpg. Acessado em 12<br />

mar. 2005.<br />

32


da aeração pela arquitetura. A máxima da racionalida<strong>de</strong> construtiva e projetual,<br />

sobretudo em termos da estrutura in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, foi anunciada aos quatro cantos<br />

através da célebre frase <strong>de</strong> Le Corbusier, a forma segue a função, pregando,<br />

assim, o abandono dos adornos superficiais em <strong>de</strong>trimento da concentração<br />

nas necessida<strong>de</strong>s reais do homem mo<strong>de</strong>rno.<br />

Esta analogia, porém, entre a ciência funcionalista e a arquitetura racional,<br />

por vezes gerou manifestações arquitetônicas sem caráter estético, portanto,<br />

fria e distante dos anseios do habitat i<strong>de</strong>al, ainda que a casa i<strong>de</strong>alizada pela<br />

vanguarda mo<strong>de</strong>rna tenha se tornado um dos símbolos da mudança estética<br />

e social. Os mo<strong>de</strong>rnistas lutaram para contribuir significativamente com o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da <strong>nova</strong> socieda<strong>de</strong>, porém, com algumas exceções, ficaram<br />

limitados a um círculo restrito <strong>de</strong> intelectuais, artistas e homens <strong>de</strong> negócios<br />

burgueses que, conseqüentemente, não atingiram na plenitu<strong>de</strong> os sistemas<br />

sócio-econômicos populares.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

33


5.2 - A Casa Mo<strong>de</strong>rna<br />

Neste trabalho, a análise das proposições <strong>de</strong> Le Corbusier para a habitação<br />

i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> seu tempo tem dois objetivos precisos. Em primeiro lugar, a idéia<br />

é situá-las cronológica e tecnologicamente na história da arquitetura e, por<br />

outro lado, a intenção é buscar elementos, subsídios teóricos, para a análise da<br />

habitação contemporânea face às <strong>nova</strong>s transformações tecnológicas, que será<br />

<strong>de</strong>lineada na segunda etapa da pesquisa.<br />

Po<strong>de</strong>mos citar três contribuições fundamentais da mo<strong>de</strong>rna vanguarda<br />

arquitetônica à história da arquitetura. São elas: a idéia <strong>de</strong> conforto ambiental,<br />

a experimentação <strong>de</strong> novos materiais e técnicas construtivas e, por fim, a<br />

criação <strong>de</strong> um estilo arquitetônico revolucionário.<br />

Conforto ambiental no sentido da ampla preocupação com aspectos<br />

climáticos, entre os quais <strong>de</strong>stacam-se a idéia geral <strong>de</strong> salubrida<strong>de</strong> das<br />

edificações através da incorporação da aeração e da insolação como elementos<br />

projetuais; a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> materiais e <strong>de</strong> métodos construtivos enquanto a<br />

extrema proximida<strong>de</strong> dos arquitetos mo<strong>de</strong>rnos em relação às tecnologias<br />

emergentes, fato que possibilitou o rompimento com padrões estilísticos e<br />

construtivos históricos; e estilo revolucionário como junção <strong>de</strong>sses fatores<br />

principais.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

E, <strong>de</strong> maneira complementar, um dos principais feitos <strong>de</strong> Le Corbusier<br />

foi integrar o legado clássico arquitetônico às <strong>nova</strong>s tecnologias <strong>de</strong> seu tempo,<br />

34


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

interpretando, assim, os anseios da socieda<strong>de</strong> que emergia no início do século<br />

XX. Além <strong>de</strong>le, arquitetos renomados à época, como Gropius, Mies, Neutra,<br />

Wright, Lucio Costa, entre outros, adotaram também o pressuposto <strong>de</strong> que<br />

vivia-se uma <strong>nova</strong> era, caracterizada principalmente pela proliferação das<br />

<strong>máquina</strong>s e pelo intenso processo <strong>de</strong> urbanização.<br />

Para eles, era unânime a convicção <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> não mais po<strong>de</strong>ria<br />

viver nos mol<strong>de</strong>s anteriores à revolução industrial. Pelo contrário, estes<br />

arquitetos buscavam estabelecer uma <strong>nova</strong> expressão da socieda<strong>de</strong> através da<br />

moradia a ela i<strong>de</strong>alizada, traduzindo, assim, através da arquitetura, toda uma<br />

expressão epistemológica da socieda<strong>de</strong> industrial.<br />

A divulgação e a proliferação das idéias <strong>de</strong>stes arquitetos sobre o que<br />

se <strong>de</strong>nominou a casa i<strong>de</strong>al foi possível, entre outras circunstâncias, pelas<br />

gran<strong>de</strong>s exibições internacionais ocorridas nas décadas iniciais do século XX.<br />

Entre elas, figuram as chamadas Exposições Internacionais, como a Exposição<br />

Internacional <strong>de</strong> Artes Mo<strong>de</strong>rnas e Industriais <strong>de</strong> Paris, <strong>de</strong> 1925; a Exposição<br />

Weissenhofsiedlung Housing, em Stuttgart, 1926; a Exposição <strong>de</strong> <strong>Arquitetura</strong><br />

Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> Nova Iorque, em 1932; a Progress Century em Chicago, 1933; e a<br />

Futurama (Feira do Mundo), também em Nova Iorque, em 1939.<br />

Por outro lado, fatores como a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens produzidos em<br />

gran<strong>de</strong> escala, novos meios <strong>de</strong> transporte, experimentação nas artes plásticas<br />

[exemplificada pelos alcances do cubismo], e o amadurecimento das teorias<br />

científicas, influenciavam, em conjunto e ainda que indiretamente, também os<br />

35


projetos arquitetônicos da casa mo<strong>de</strong>rna.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Também os conceitos <strong>de</strong> racionalização e <strong>de</strong> padronização foram rapidamente<br />

exportados do campo do capitalismo industrial para a arquitetura que, embora<br />

inicialmente contestasse tal concepção econômica liberal, posteriormente se viu<br />

<strong>de</strong>slumbrada pelo novo cenário <strong>de</strong> produtos estandardizados. Assim, através<br />

<strong>de</strong> mecanismos projetuais, a vanguarda arquitetônica do período procurou<br />

colocar-se em sintonia com os processos produtivos vigentes em sua época, o<br />

que tornou a casa produzida em gran<strong>de</strong> escala, tal qual um automóvel ou uma<br />

gela<strong>de</strong>ira, um dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>safios para os arquitetos mo<strong>de</strong>rnos.<br />

Economicamente, os cidadãos <strong>de</strong> classe média passaram a participar<br />

ativamente do cenário cultural industrial, e a eles é que se direcionaram os<br />

pressupostos, inclusive estilísticos, da <strong>nova</strong> arquitetura. De saída, portanto,<br />

foi configurado certo problema <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong> aceitação, por parte das<br />

camadas mais pobres da socieda<strong>de</strong>, o que equivale a dizer que, embora o<br />

mo<strong>de</strong>rnismo arquitetônico tenha sido imposto às classes menos favorecidas<br />

economicamente, suas referências culturais eram as da classe média intelectual.<br />

Como exemplo, vale <strong>de</strong>stacar que os projetos resi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> Le Corbusier<br />

tiveram como clientes cientistas, engenheiros, intelectuais, enfim, membros da<br />

classe social ávida por se firmar culturalmente.<br />

36


5.3 - Le Corbusier e a evolução do pensamento purista.<br />

Charles Edouard Jeanneret, conhecido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1923 pelo pseudônimo <strong>de</strong><br />

Le Corbusier, nasceu em La Chaux-<strong>de</strong>-Fonds, na Suíça, em 1987, e entrou para<br />

a história como o arquiteto que mais influenciou o urbanismo, a arquitetura e<br />

os embates teóricos <strong>de</strong>stas disciplinas ao longo <strong>de</strong> todo o século XX.<br />

Seu <strong>de</strong>sempenho, neste sentido, superou o <strong>de</strong> outros importantes arquitetos <strong>de</strong><br />

sua época, principalmente pela consistência das publicações e projetos <strong>de</strong> Le<br />

Corbusier, sempre orientados por sedutores e i<strong>nova</strong>dores conceitos teóricos.<br />

Para ele, a arquitetura po<strong>de</strong>ria simplesmente ser entendida como<br />

o “o jogo sábio, correto e magnífico <strong>de</strong> volumes aglomerados sob a luz”<br />

(CORBUSIER, 1923), formulação que <strong>de</strong>monstra sua preocupação não só com<br />

a racionalida<strong>de</strong> projetual, mas também com a forma, com a linguagem e a<br />

estética arquitetônicas.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Sua preocupação constante foi com a apropriação plena dos elementos<br />

tecnológicos pela arquitetura, o que tornou recorrente em suas publicações a<br />

referência ao trabalho <strong>de</strong> engenheiros. Para ele, a visão e a compreensão <strong>de</strong>sses<br />

profissionais em relação às potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua época havia antecedido a<br />

dos arquitetos, fato que Corbusier <strong>de</strong>monstrava em seus trabalhos, muitas<br />

vezes até <strong>de</strong> forma provocativa, através <strong>de</strong> ilustrações <strong>de</strong> aviões, navios e leis<br />

produzidos eficientemente pelo intermédio dos engenheiros.<br />

37


Além disso, como já mencionado anteriormente nesse trabalho, era o<br />

i<strong>de</strong>al do homem novo que fundamentava as teorias não só da arquitetura, mas<br />

<strong>de</strong> toda a vanguarda mo<strong>de</strong>rna. Nascido das transformações sociais, políticas e<br />

produtivas da revolução industrial, esse homem se viu aglomerado em cida<strong>de</strong>s<br />

e <strong>de</strong>svinculado do urbanismo e da arquitetura <strong>de</strong> seu entorno, sobretudo no<br />

que diz respeito à forma <strong>de</strong> habitar. A esse respeito, Josep Maria Montaner,<br />

importante crítico do Mo<strong>de</strong>rnismo, discorre:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

O Movimento Mo<strong>de</strong>rno, impulsionado por uma visão positiva<br />

e psicológica ao mesmo tempo, pensa a arquitetura em<br />

função <strong>de</strong> um homem i<strong>de</strong>al, puro, perfeito, genético, total.<br />

Um homem ético e moralmente completo, <strong>de</strong> costumes<br />

puritanos, <strong>de</strong> uma funcionalida<strong>de</strong> espartana, capaz <strong>de</strong><br />

viver em espaços totalmente racionalizados, perfeitos,<br />

transparentes, configurados segundo formas simples. O<br />

modulor <strong>de</strong> Le Corbusier (1942) constituiria uma explicação<br />

tardia <strong>de</strong>ste usuário i<strong>de</strong>alizado. Segundo Le Corbusier, todos<br />

os homens tem o mesmo organismo, as mesmas funções e<br />

necessida<strong>de</strong>s. (MONTANER, 2001 p. 18).<br />

A afirmativa <strong>de</strong> Montaner sobre o significado do Modulor é, contudo,<br />

discutível. Principalmente porque as proposições contidas em sua conceituação,<br />

assim como em todo o i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong> Le Corbusier, não colocaram explicitamente tal<br />

análise simplista e, <strong>de</strong> certa forma inclusive fascista, sobre a visão <strong>de</strong> mundo do<br />

i<strong>de</strong>ário mo<strong>de</strong>rno. Ao contrário, as propostas Corbusierianas estão muito mais<br />

ligadas a estandardização dos métodos construtivos e à metodologia projetual,<br />

e o próprio Modulor <strong>de</strong>ve ser entendido como uma ferramenta <strong>de</strong> projeto,<br />

38


como <strong>de</strong>stacava Le Corbusier, universal. Esta metodologia, portanto, po<strong>de</strong>ria<br />

ser empregada também por outros arquitetos, <strong>de</strong> maneira a estabelecer, através<br />

da proporção áurea, certos parâmetros ergonômicos, matemáticos e sobretudo<br />

arquitetônicos para o <strong>de</strong>senvolvimento do projeto.<br />

Após o término dos estudos no curso <strong>de</strong> artes e ofícios, em 1913, Le<br />

Corbusier abre seu escritório em La Chaux-<strong>de</strong> Fonds. A partir <strong>de</strong> então, em<br />

companhia <strong>de</strong> seu amigo engenheiro, Max du Bois, começam, entre<br />

outros, os estudos que levariam a conceitos muito interessantes<br />

como a “Maison Dom-Ino”, que <strong>de</strong> certa forma se tornaria a base<br />

conceitual para seus projetos resi<strong>de</strong>nciais posteriores.<br />

Em outubro <strong>de</strong> 1916, Corbusier muda-se <strong>de</strong>finitivamente<br />

para Paris e conhece, através <strong>de</strong> Auguste Perret, o pintor Amédée<br />

Ozenfant. Com ele, Corbusier <strong>de</strong>senvolveria a chamada estética<br />

mecânica do purismo que, baseada na filosofia neoplatônica,<br />

abrangia todas as disciplinas das artes plásticas, da pintura, do<br />

<strong>de</strong>sign <strong>de</strong> produtos, passando inclusive pela arquitetura.<br />

A divulgação plena <strong>de</strong>ssas teorias estéticas ocorreu com<br />

a publicação, em 1920, <strong>de</strong> seu artigo Le Purisme, junto à quarta edição da<br />

revista <strong>de</strong> L’Espirit Nouveau. Essa publicação, que atingiu 28 edições, se tornou<br />

o gran<strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong> difusão das idéias <strong>de</strong> Le Corbusier, já que os artigos<br />

nela publicados tornaram-se a base <strong>de</strong> suas publicações posteriores, como em<br />

sua primeira obra teórica, Vers une Architecture, publicada em 1923.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 10 – Maison Dom-ino.<br />

Fonte: http://www.<br />

fondationlecorbusier.asso.fr/<br />

fondationlc.htm. Acessado em 25<br />

abr. 2005.<br />

39


Consi<strong>de</strong>rado ainda em nossos dias como uma das mais significativas<br />

referências teóricas sobre a arquitetura mo<strong>de</strong>rna, este primeiro livro <strong>de</strong> Le<br />

Corbusier foi buscar no classicismo antigo a elaboração <strong>de</strong> paradigmas<br />

arquitetônicos, já que, segundo o autor, a arquitetura antiga teria elaborado,<br />

com sua lógica racional, um mo<strong>de</strong>lo estandardizado da arquitetura, cujo<br />

equivalente Corbusier buscava na ida<strong>de</strong> da <strong>máquina</strong>. Lançado em 1923, Vers<br />

une architecture foi quem trouxe renome internacional a Le Corbusier, e é<br />

também, segundo o importante historiador da arquitetura mo<strong>de</strong>rna, Kenneth<br />

Frampton (1997), provavelmente a mais influente obra literária da arquitetura<br />

mo<strong>de</strong>rna. Conforme Frampton (1997, p.223):<br />

Esse texto – que, em forma <strong>de</strong> livro, teve seu<br />

crédito apropriado por Le Corbusier – articulava<br />

o dualismo conceitual em torno do qual sua obra<br />

viria a <strong>de</strong>senvolver-se: “por um lado, a necessida<strong>de</strong><br />

imperiosa <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às exigências funcionais<br />

através da forma empírica, e, por outro, o impulso<br />

<strong>de</strong> usar elementos abstratos <strong>de</strong> modo a atingir os<br />

sentidos e nutrir o intelecto.<br />

Reyner Banham (1960, p.333/334) relata em Teoria e Projeto na<br />

Primeira Era da Máquina, as três características importantes dos novos<br />

tempos, sob o ponto <strong>de</strong> vista dos puristas:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Economia: O passo da presente civilização seu<br />

futuro, seu caráter, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas<br />

esperadas, <strong>de</strong> <strong>nova</strong>s fórmulas que provoquem<br />

Figura 11– Vers Une<br />

Architecture.<br />

Fonte: www.<br />

fondationlecorbusier.asso.<br />

fr/fondationlc.htm.<br />

Acessado em 10 fev. 2005.<br />

40


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

mecanismos cada vez mais econômicos, que<br />

nos permitam usar a energia <strong>de</strong> maneiras mais<br />

eficientes, dando assim a nossas potencialida<strong>de</strong>s,<br />

e conseqüentemente a nossas mentes, uma<br />

liberda<strong>de</strong> superior e ambições mais elevadas;<br />

A separação <strong>de</strong> técnica e estética: A mecanização<br />

<strong>de</strong>sviou <strong>de</strong> nossas mãos todo trabalho <strong>de</strong> exatidão<br />

e qualida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>legou-o à <strong>máquina</strong>. Nossa situação<br />

fica, assim, mais clara: <strong>de</strong> um lado, o conhecimento<br />

do outro, a questão plástica permanece intocada.<br />

(...) A mecanização, tendo resolvido os problemas<br />

da tecnologia, <strong>de</strong>ixa intacto o problema da arte.<br />

Recusar-se a reconhecer o passo que foi dado é<br />

impedir o progresso da arte em direção a seus fins<br />

mais puros e a<strong>de</strong>quados;<br />

A predominância da geometria simples: Se vamos<br />

trabalhar internamente... o escritório é quadrado,<br />

a escrivaninha é quadrada e cúbica, e tudo sobre<br />

ela forma ângulos retos (o papel, os envelopes, as<br />

cestas <strong>de</strong> correspondências com sua tela ondulada<br />

geométrica, os arquivos, as pastas, os fichários<br />

etc.) ... as horas <strong>de</strong> nossos dias são gastas em<br />

meio a um espetáculo geométrico, nossos olhos<br />

sujeitam-se constantemente a formas que são<br />

quase só geometria.<br />

Estes conceitos do chamado “purismo”, marcaram <strong>de</strong>finitivamente todo<br />

pensamento <strong>de</strong> Le Corbusier durante, ao menos, os vinte anos subseqüentes<br />

<strong>de</strong> sua trajetória profissional. Nos seus primeiros anos em Paris, ele produziu<br />

muitas pinturas e textos, as quais tiveram fundamental contribuição ao<br />

seu amadurecimento como arquiteto e teórico da arquitetura. Além <strong>de</strong>ssas<br />

41


ativida<strong>de</strong>s, Le Corbusier trabalhou ainda em uma fábrica <strong>de</strong> tijolos e <strong>de</strong><br />

materiais <strong>de</strong> construção até que seu primo, Pierre Jeanneret, em 1922, o<br />

convidou à socieda<strong>de</strong> em um escritório, on<strong>de</strong> ele po<strong>de</strong> retomar suas idéias<br />

sobre metodologias construtivas da conhecida casa “Dom-Ino”.<br />

Nela, são bem nítidas a concepção e conotação i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> Le Corbusier<br />

sobre a casa estandardizada, em que se <strong>de</strong>staca a <strong>de</strong>fesa da racionalização dos<br />

métodos construtivos. Em suma, a idéia principal era que a estrutura <strong>de</strong> pilares<br />

e vigas propiciasse a livre conformação <strong>de</strong> volumes e plantas, tal qual em um<br />

jogo <strong>de</strong> dominó. Com isso, po<strong>de</strong>-se dizer que estava lançado o conceito da<br />

<strong>máquina</strong> <strong>de</strong> <strong>morar</strong>.<br />

A concretização <strong>de</strong> seus conceitos, contudo, ocorreu primeiramente na<br />

Maison Citrohan, apresentada por Le Corbusier em 1922, durante o <strong>de</strong>nominado<br />

Salon d’Automne, em Paris. De fato, esta casa parece antecipar, pela presença dos<br />

pilotis, da cobertura plana e pela racionalização das aberturas e fechamentos, a<br />

idéia dos cinco pontos da <strong>nova</strong> arquitetura, que viria a ser apresentada apenas<br />

em 1926. O próprio nome Citrohan teria sido uma brinca<strong>de</strong>ira, se não uma<br />

provocação, na medida em que remetia à marca <strong>de</strong> uma indústria francesa <strong>de</strong><br />

automóveis produzidos em série. Assim, a idéia era <strong>de</strong> uma casa estandardizada,<br />

um bem que pu<strong>de</strong>sse ser fabricado repetidamente.<br />

Neste momento, Le Corbusier (1923) enfatizava: “Quando uma época<br />

possui a planta <strong>de</strong> uma habitação, é sua evolução social que se fixou e existe<br />

um equilíbrio. Não chegamos a esse ponto”. Assim, o conceito da “Casa Dom-<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 12 – Maison Citrohan.<br />

Fonte: http://www.fondationlecorbusier.<br />

asso.fr/fondationlc.htm<br />

Acessado em 10 abr. 2005.<br />

42


Ino”, e <strong>de</strong> seu protótipo, a Casa Citrohan, traduziam a explícita e incessante<br />

busca <strong>de</strong> Le Corbusier pelo equilíbrio entre a socieda<strong>de</strong> e a habitação, entre<br />

os novos costumes e suas espacializações sociais. Em síntese, segundo Le<br />

Corbusier: “A vida mo<strong>de</strong>rna pe<strong>de</strong>, espera uma <strong>nova</strong> planta, para a casa e para<br />

a cida<strong>de</strong>. (CORBUSIER, 1923).<br />

A partir do conceito dos cinco pontos essenciais da <strong>nova</strong> arquitetura -<br />

Les 5 points d ‘une architecture novelle – Le Corbusier <strong>de</strong>senvolve uma série<br />

<strong>de</strong> casas entre os anos <strong>de</strong> 1926 a 1930, entre elas a Maison Cook, a Ville<br />

Meyer, a Ville Garches e a Ville Savoye. Todas estas casas eram baseadas<br />

em uma sintaxe bem <strong>de</strong>finida, obe<strong>de</strong>cendo, portanto, aos tais cinco pontos<br />

arquitetônicos: estrutura principal elevada sobre pilotis; planta livre obtida<br />

pela separação entre os elementos estruturais e as vedações internas; fachada<br />

livre, resultante, no plano vertical, dos conceitos usados em planta; janelas<br />

longas e horizontais que permitiam a inter-relação entre o externo e o interno;<br />

e o conceito da laje jardim, que supostamente compensava o terreno ocupado<br />

pela construção e o reproduzia na cobertura.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Em 1927, Le Cobusier amplia seus horizontes com o projeto que<br />

<strong>de</strong>senvolveu para o concurso internacional da se<strong>de</strong> da Liga das Nações, em<br />

Genebra, quando criou seu primeiro projeto para uma gran<strong>de</strong> estrutura pública.<br />

Segundo Frampton (1997), baseando-se na comparação entre a arquitetura e<br />

a pintura produzida por Le Corbusier neste período, o projeto representa o<br />

clímax e o momento <strong>de</strong> crise da primeira fase da carreira do suíço, e, assim, o<br />

43


apogeu e o início do <strong>de</strong>clínio <strong>de</strong> seu período purista.<br />

Para Frampton (1997), o projeto para a Liga das Nações <strong>de</strong>notou uma certa<br />

inflexão na obra <strong>de</strong> Le Corbusier, não só do ponto <strong>de</strong> vista plástico mas também<br />

i<strong>de</strong>ológico, principalmente pela introdução da idéia <strong>de</strong> monumentalida<strong>de</strong>, que<br />

irá questionar todo o engajamento socialista presente em sua arquitetura<br />

até então. Esta mudança po<strong>de</strong> ser observada também ao compararmos seus<br />

projetos urbanos para a cida<strong>de</strong> da era da <strong>máquina</strong>. Assim, confrontando suas<br />

idéias para a Ville Contemporaine, <strong>de</strong> 1922, e a Ville Radieuse, <strong>de</strong> 1930, notam-<br />

se mudanças significativas, sobretudo em relação ao abandono da idéia <strong>de</strong><br />

um mo<strong>de</strong>lo urbano centralizado e a conseqüente concepção linear <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>,<br />

dividida em usos, em zonas específicas.<br />

Ao longo da década <strong>de</strong> 30, a idéia <strong>de</strong> monumentalida<strong>de</strong> foi marcante<br />

na obra <strong>de</strong> Corbusier, embora ele não tivesse abandonado a intenção <strong>de</strong> “re-<br />

inventar” as formas <strong>de</strong> habitar da socieda<strong>de</strong> da <strong>máquina</strong>, sempre tendo como<br />

elemento referencial a comparação entre a estética do engenheiro e a do<br />

arquiteto. Nesse sentido, Corbusier pregava que o arquiteto <strong>de</strong>veria refletir<br />

sobre os contornos da forma, <strong>de</strong> maneira a diferenciar-se pela ergonomia em<br />

relação à estética do engenheiro. Assim, Le Corbusier continuou a pregar que<br />

a indústria <strong>de</strong>veria, com sua elevada capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção em série, alterar<br />

<strong>de</strong>finitivamente as técnicas e as metodologias das construções.<br />

Neste período é possível i<strong>de</strong>ntificar a coesão entre a prática e seu discurso<br />

teórico, sobretudo através do exame dos apartamentos do edifício Clarté, em<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 13 – Le Corbusier e a Ville<br />

Radieuse.<br />

Fonte: http://www.fondationlecorbusier.<br />

asso.fr/fondationlc.htm. Acessado em<br />

20 abr. 2005.<br />

44


Genebra, do Pavillon Suisse na Cité Universitaire, do Edifício do Exército da<br />

Salvação e <strong>de</strong> seus apartamentos da Porte Molitor. Nesses trabalhos, i<strong>de</strong>ntifica-<br />

se a fachada modular do tipo panverre, em vidro e aço, que correspondia à<br />

busca pela estética estandardizada da era da <strong>máquina</strong>.<br />

Contudo, sobre o período da década <strong>de</strong> 1930, Frampton (1997) afirma que<br />

Le Corbusier começava a per<strong>de</strong>r a fé no inevitável triunfo da era da <strong>máquina</strong>:<br />

Pouco <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1933, começou a reagir contra<br />

a produção racionalizada da machine à habiter,<br />

embora não se saiba ao certo se o terá feito por<br />

<strong>de</strong>silusão com a técnica mo<strong>de</strong>rna enquanto tal ou<br />

por <strong>de</strong>sespero diante <strong>de</strong> um mundo arrebentado<br />

pela <strong>de</strong>pressão econômica e pela reação política.<br />

(FRAMPTON, 1997, p.221).<br />

A partir <strong>de</strong> então, sua obra parece ter-se <strong>de</strong>slocado <strong>de</strong>finitivamente para<br />

uma arquitetura mais solta, mais distante das doutrinas <strong>de</strong> sua primeira fase<br />

purista. Começam-se a esboçar em suas criações expressões formais mais<br />

livres, e técnicas primitivas, outrora completamente abandonadas, voltam à<br />

pauta <strong>de</strong> seus projetos. Tal inflexão é <strong>de</strong>lineada primeiramente na Casa Errazuriz<br />

(1930), em que foram empregados materiais como a ma<strong>de</strong>ira, a pedra e o<br />

telhado, e posteriormente também no Pavillon dês Temps (1937).<br />

Nestas obras, contudo, apesar das alusões ao vernáculo e da sensibilida<strong>de</strong><br />

em relação ao contexto paisagístico e local, po<strong>de</strong>-se ainda i<strong>de</strong>ntificar claramente<br />

a preocupação com a exploração das tecnologias avançadas, como o uso do<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 14 – Pavillon Suisse na Cité<br />

Universitaire. Fonte: http://www.<br />

fondationlecorbusier.asso.fr/fondationlc.<br />

htm. Acessado em 20 abr. 2005.<br />

45


concreto armado, dos painéis <strong>de</strong> vidro e dos cabos <strong>de</strong> aço como elementos<br />

estruturais.<br />

Esta <strong>nova</strong> junção entre os elementos técnicos avançados e o vernáculo, se<br />

esten<strong>de</strong>ria, então, a toda a trajetória <strong>de</strong> Le Corbusier. Seus exemplos clássicos<br />

são a Capela Ronchamp (1950) e o mosteiro dominicano <strong>de</strong> La Tourette<br />

(1960), em que Corbusier recorre à uma espécie <strong>de</strong> bricolage, <strong>de</strong> justaposição<br />

entre materiais aparentemente contrastantes, o que se tornaria característica<br />

fundamental <strong>de</strong> seu estilo a partir <strong>de</strong> então.<br />

Apesar da consistência projetual, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse momento em diante a<br />

obra <strong>de</strong> Corbusier per<strong>de</strong>ria a unida<strong>de</strong>, o amparo dos preceitos da vanguarda<br />

mo<strong>de</strong>rna, e seguiria, então, caminhos diversificados, por vezes incongruentes.<br />

Vale, portanto, comparar as criações <strong>de</strong> Ronchamp e <strong>de</strong> Chandigarh, em que<br />

Corbusier <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> lado as doutrinas teóricas da década <strong>de</strong> 1920, e a arquitetura<br />

brutalista, baseada na extrema funcionalida<strong>de</strong>, racionalida<strong>de</strong> e nas implicações<br />

do Modulor, a exemplo da Unite d’ Habitation em Marselha <strong>de</strong> 1947-1952.<br />

Tal dualismo estético e conceitual na obra <strong>de</strong> Le Corbusier culmina com<br />

a criação <strong>de</strong> Chandigarh, na Índia, on<strong>de</strong> os elementos plásticos se apresentam<br />

<strong>de</strong> forma exuberante, icônica, formalmente comprometidos com a estética do<br />

lugar, não universal. A idéia era afirmar, explicitar através da arquitetura, a<br />

apropriação das tecnologias emergentes <strong>de</strong> modo a transmitir a imagem <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e prosperida<strong>de</strong>, um formalismo que se contrapunha ao brutalismo,<br />

ao uso do concreto armado enquanto estrutura e acabamento.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 15 – Chapelle Notre Dame<br />

du Haut. Fonte: http://www.<br />

fondationlecorbusier.asso.fr/fondationlc.<br />

htm. Acessado em 10 mar. 2005.<br />

46


Esta aparente incongruência presente na obra <strong>de</strong> Le Corbusier após<br />

a década <strong>de</strong> 1930, é o que efetivamente <strong>de</strong>monstra sua preocupação com<br />

a dinâmica das questões políticas, sociais e culturais, que precisam ser<br />

repensadas constantemente, tendo-se, contudo certas bases projetuais <strong>de</strong> que<br />

um i<strong>de</strong>alizador jamais <strong>de</strong>ve se <strong>de</strong>svencilhar.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

É na primeira fase <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>ário, contudo, que este trabalho preten<strong>de</strong><br />

fundamentar-se para refletir sobre a moradia i<strong>de</strong>al para socieda<strong>de</strong> da <strong>máquina</strong>,<br />

já que nele é que floresceram as idéias <strong>de</strong> Le Corbusier sobre o que <strong>de</strong>nominou<br />

<strong>de</strong> a <strong>máquina</strong> <strong>de</strong> <strong>morar</strong>. O objetivo, portanto, é contrapor o presente, a era<br />

informacional, às concepções teóricas iniciais <strong>de</strong> Le Corbusier.<br />

5.4 - A importância do legado Corbusieriano<br />

Da mesma forma que o cubismo transformou os conceitos <strong>de</strong> arte ao<br />

tornar a pintura um objeto artístico não só por sua carga simbólica, mas também<br />

por sua própria condição material, Le Corbusier também procurou transformar<br />

a arquitetura em um modo <strong>de</strong> expressão social, <strong>de</strong>slocando-a <strong>de</strong> seu caráter<br />

puramente figurativo. Assim, ao afirmar a casa como uma “<strong>máquina</strong> <strong>de</strong> <strong>morar</strong>”,<br />

47


a intenção <strong>de</strong> Corbusier não era equiparar a arquitetura à ciência ou à indústria,<br />

mas, ao contrário, adotá-las como mo<strong>de</strong>lo para uma arquitetura que <strong>de</strong>veria<br />

emocionar pela eficácia, pelos condicionantes inerentes à sua realização.<br />

“Porém, a analogia feita por Le Corbusier entre um edifício e uma <strong>máquina</strong><br />

era mais do que uma metáfora poética; era fundamentada na suposição <strong>de</strong> uma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ontológica entre ciência e arte”. (COLQUHOUN, 2004, p.161/162).<br />

Como se a arquitetura e a ciência <strong>de</strong> certa forma tivessem a mesma natureza,<br />

e por isso, <strong>de</strong>veriam dialogar incessantemente, <strong>de</strong> modo que a técnica <strong>de</strong>veria<br />

sempre servir <strong>de</strong> base às suposições artísticas e intelectuais. <strong>Arquitetura</strong>,<br />

tecnologia, o real e a representação <strong>de</strong>veriam, portanto, correspon<strong>de</strong>r à mesma<br />

finalida<strong>de</strong>.<br />

A arquitetura, como uma arte, não mais possuía<br />

a tarefa <strong>de</strong> criar significados por meio <strong>de</strong> signos<br />

incorporados às superfícies dos edifícios. O<br />

significado da arquitetura agora era imanente às<br />

puras formas que a <strong>nova</strong> tecnologia possibilitava.<br />

(COLQUHOUN, 2004, p.161/162).<br />

Com esta afirmação <strong>de</strong> Colquhoun, po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r a arquitetura,<br />

segundo o discurso <strong>de</strong> Le Corbusier, como disciplina inerente à ciência e à<br />

tecnologia emergentes da revolução industrial, on<strong>de</strong> a idéia do adorno não<br />

mais fazia sentido para um mundo <strong>de</strong> base epistemológica completamente<br />

diferente do mundo vitoriano ou clássico. A arquitetura <strong>de</strong>veria, então, retratar<br />

a <strong>nova</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua época.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

O discurso Corbusieriano do período entre guerras, publicado nos artigos<br />

48


<strong>de</strong> L´Espirit Nouveau, oscilou constantemente entre dois pólos aparentemente<br />

dicotômicos: o pensamento clássico do século XVII e o i<strong>de</strong>ário, em certa medida<br />

Marxista, que amparava os preceitos da vanguarda mo<strong>de</strong>rna. Assim, acreditava-<br />

se que a tecnologia representava ao mesmo tempo um meio construtivo e uma<br />

forma <strong>de</strong> expressivida<strong>de</strong> artística.<br />

Foi, assim, através da analogia entre o engenheiro e o arquiteto, que<br />

Le Corbusier <strong>de</strong>lineou seu i<strong>de</strong>ário nas publicações da época. As diferenças<br />

entre eles, acreditava Corbusier, restringiam-se à metodologia projetual,<br />

o que o incentivou a adotar o discurso comparativo para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a união<br />

entre a arquitetura e a tecnologia, e o arquiteto enquanto profissional apto a<br />

transformar técnica em arte.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer até que a relação entre a expressão criativa e o mundo<br />

tecnocrático, objetivo e racional, permaneceu constante em toda a obra <strong>de</strong><br />

Corbusier. Assim, para ele a tecnologia <strong>de</strong>sempenhava papel <strong>de</strong>terminante<br />

enquanto condição <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> artística, mas, ao mesmo tempo, cada vez<br />

mais distante das utopias sociais por se colocar à disposição <strong>de</strong> políticas<br />

autoritárias.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Com relação às influências classicistas, Le Corbusier as expõe<br />

sistematicamente na obra Vers une Architecture (1923) através dos três<br />

parâmetros projetuais: volume, superfície e planta. Segundo ele: é o volume<br />

que estabelece a experiência dos sólidos sobre a luz; a superfície que limita o<br />

volume; e a representação das plantas que constitui a disposição das funções<br />

49


na arquitetura.<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que as casas da década <strong>de</strong> 1920 <strong>de</strong> Le Corbusier são<br />

coerentes com seu discurso teórico. Nelas, e nos artigos <strong>de</strong> L´Espirit Nouveau,<br />

Corbusier estabelece os fundamentos <strong>de</strong> sua estética arquitetônica, o que<br />

transforma as residências que concebeu para a classe média intelectual em<br />

laboratório experimental <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>ário. Foi através <strong>de</strong>las que se <strong>de</strong>senvolveram<br />

os conceitos das casas em série, da arquitetura modular, com custos reduzidos,<br />

e os subsídios às posteriores Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Habitação multifamiliares e<br />

multifuncionais.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

É importante salientar, contudo, que Le Corbusier não <strong>de</strong>fendia a<br />

padronização integral da habitação à exemplo dos alemães do movimento<br />

mo<strong>de</strong>rno e da Bauhaus. Em sua análise, ela <strong>de</strong>veria restringir-se a elementos<br />

específicos, estandardizados, restritos ao domínio da arquitetura.<br />

Ainda assim, o elo entre a arquitetura e as técnicas industriais per<strong>de</strong> força,<br />

para Le Corbusier, quando ele parece perceber o <strong>de</strong>sinteresse dos governos ou<br />

dos industriais pela produção <strong>de</strong> conjuntos habitacionais. Aos poucos, portanto,<br />

sua obra parece abandonar o racionalismo platônico, presente até meados da<br />

década <strong>de</strong> 30, e a retomar os i<strong>de</strong>ais vitalistas e regionalistas <strong>de</strong> seu começo<br />

profissional na cida<strong>de</strong> natal La Chaux-<strong>de</strong>-Fonds.<br />

Este movimento <strong>de</strong> inflexão po<strong>de</strong> ser exemplificado com as casas que<br />

criou no Chile, em 1930 (Residência Errazuriz), e com a Ville Le Sexttant,<br />

em Mathes, 1935, on<strong>de</strong> parece se aproximar das influências vernáculas e se<br />

50


distanciar dos dogmas mo<strong>de</strong>rnistas.<br />

Há uma tentativa – em Cap. Martin, Ronchamp,<br />

La Tourette, e nos edifícios em Chandigarh e<br />

Ahmedabad, na Índia – <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver idéias a partir<br />

<strong>de</strong> uma tradição “mediterrânea” generalizada, <strong>de</strong><br />

tipologias antigas ou mitológicas, ou simplesmente<br />

do genius loci. (COLQUHOUN, 2004, p.175).<br />

Com os artigos <strong>de</strong> L´Espirit Nouveau e as experiências das casas da<br />

década <strong>de</strong> 1920, Le Corbusier tomava como referência estilística e conceitual os<br />

sistemas proporcionais e <strong>de</strong> superfícies reguladoras, mas, a partir da publicação<br />

<strong>de</strong> O Modulor, sua obra adquiriu a regularida<strong>de</strong> matemática subjacente às<br />

formas. Este, que margeou toda obra <strong>de</strong> Le Corbusier, parece ter sido também<br />

sua maior experiência teórica.<br />

Assim, o que se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>ário é a intenção <strong>de</strong> adotar na<br />

arquitetura o pensamento lógico, racional e disciplinador, enfim, <strong>de</strong> estabelecer,<br />

seja através da proporção áurea, da dicotomia entre mo<strong>de</strong>rno e clássico, um<br />

controle projetual tão rígido quanto os empregados por Alberti ou Palladio.<br />

Desta forma, acreditava ele, é que se po<strong>de</strong>ria criar uma arquitetura singular,<br />

integrada à <strong>nova</strong> socieda<strong>de</strong> no contexto das tecnologias mecânicas do século<br />

XX.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

A matemática é o magistral edifício imaginado<br />

pelo homem para compreen<strong>de</strong>r o Universo. Nela<br />

encontra-se o absoluto e o infinito, o apreensível e<br />

o não apreensível, e está ro<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> altos muros<br />

51


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Segundo Jonh Summerson (1994, p. 116):<br />

diante dos quais po<strong>de</strong>-se passar e <strong>de</strong> novo passar<br />

sem proveito nenhum. Neles às vezes abres-se<br />

uma porta, entra-se e aí se está no lugar on<strong>de</strong><br />

se encontram os <strong>de</strong>uses e as chaves dos gran<strong>de</strong>s<br />

sistemas. Estas portas são as portas dos milagres,<br />

e franqueada uma <strong>de</strong>las, já não é o homem<br />

que atua, porém o Universo que se manifesta<br />

e diante <strong>de</strong>le <strong>de</strong>senrolam-se os prodigiosos<br />

tecidos das combinações sem limites. Estais no<br />

país dos números. Deixai-vos permanecer nele,<br />

maravilhados diante <strong>de</strong> tanta luz intensamente<br />

espalhada. (CORBUSIER, 1953, p. 69).<br />

[...] nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial<br />

Le Corbusier criou o sistema que se chamou<br />

“Modulor”. Modulor é uma palavra composta a<br />

partir <strong>de</strong> module, ou seja, unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida, e<br />

section d´or ou secção <strong>de</strong> ouro: a divisão <strong>de</strong> uma<br />

reta <strong>de</strong> tal modo que o segmento menor está para<br />

o maior assim como o segmento maior está para o<br />

todo. O Modulor é um sistema <strong>de</strong> proporcionamento<br />

do espaço arquitetônico baseado neste critério<br />

geométrico, e oferece toda uma gama <strong>de</strong> dimensões.<br />

As dimensões medianas relacionadas com o corpo<br />

humano; as dimensões extremas aplicam-se, por<br />

um lado, aos <strong>de</strong>talhes diminutos dos instrumentos<br />

<strong>de</strong> precisão e, por outro lado, à escala dos gran<strong>de</strong>s<br />

projetos <strong>de</strong> planejamento.<br />

52


O Modulor tinha como subtítulo “Ensaios sobre uma medida harmônica<br />

à escala humana e aplicável universalmente à <strong>Arquitetura</strong> e à Mecânica”. Le<br />

Corbusier pretendia, assim, e <strong>de</strong> forma extremamente ambiciosa, estabelecer<br />

parâmetros universais para a prática da arquitetura através <strong>de</strong> ensaios<br />

geométricos, <strong>de</strong> exemplos matemáticos.<br />

No entanto, Summerson questiona se realmente O Modulor seria um<br />

dogma a ser aplicado por outros arquitetos ou, ao contrário, uma metodologia<br />

<strong>de</strong> caráter pessoal:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Na minha opinião, a verda<strong>de</strong>ira razão <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sses<br />

sistemas é que aqueles que os utilizam (e que<br />

são, em geral, os próprios autores) necessitam<br />

<strong>de</strong>les: existem mentes muito férteis e criativas<br />

que necessitam da disciplina dura e inexorável <strong>de</strong><br />

tais sistemas para corrigir e, ao mesmo tempo,<br />

estimular sua inventivida<strong>de</strong>. O <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>sses<br />

sistemas parece confirmar isto - em geral, não<br />

sobrevivem a seus usuários e o próximo indivíduo <strong>de</strong><br />

gênio inventa seu próprio sistema. (SUMMERSON,<br />

1994, p.116).<br />

O fato é que o Modulor colocou em discussão um conceito bastante <strong>de</strong>batido<br />

e universal: a questão da padronização <strong>de</strong> medidas e <strong>de</strong> proporções. A esse<br />

respeito, Corbusier i<strong>de</strong>ntificava na Revolução Francesa o início do processo <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>rnização dos até então complicados cálculos <strong>de</strong> pés e polegadas. Naquela<br />

época, portanto, a criação <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida <strong>de</strong>spersonalizada e<br />

abstrata, o metro, que é em <strong>de</strong>finição a décima milionésima parte do quadrante<br />

53


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

do meridiano terrestre, correspondia ao triunfo da crença laica em po<strong>de</strong>r<br />

conquistar o mundo através da ciência e do cálculo.<br />

Ainda assim, Le Corbusier i<strong>de</strong>ntificava certa carência <strong>de</strong> medida, ou <strong>de</strong><br />

sistema proporcional, que correspon<strong>de</strong>sse aos anseios mundiais por racionalida<strong>de</strong>,<br />

simplicida<strong>de</strong> na or<strong>de</strong>nação do cálculo e por a<strong>de</strong>quação à escala humana. Por<br />

outro lado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do século XX observava nas obras <strong>de</strong> arquitetura o<br />

que viria a <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> “o ângulo reto dirigindo a composição”.<br />

Posteriormente, durante os anos da ocupação da França durante a<br />

Segunda Guerra Mundial, Corbusier foi convidado a integrar o AFNOR, órgão<br />

encarregado <strong>de</strong> auxiliar a reconstrução do país, juntamente com industriais,<br />

engenheiros e arquitetos. Sobre os anseios daquele grupo, ele proferiu:<br />

O AFNOR propõe normatizar os objetos das<br />

construções e seu método é simplista: simples<br />

aritmética aplicada aos usos e utensílios dos<br />

arquitetos, engenheiros e industriais. Parece-me<br />

arbitrário e pobre. As árvores, por exemplo, com<br />

seu tronco, seus ramos, suas folhas e nervuras, me<br />

afirmam que as leis <strong>de</strong> crescimento e combinação<br />

po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser mais ricas e sutis. Um laço<br />

geométrico tem <strong>de</strong> intervir nestas coisas e sonho<br />

instalar nas obras que mais tar<strong>de</strong> cobrirão o país,<br />

um enredado <strong>de</strong> proporções traçado sobre o<br />

muro ou apoiado nele, feito com ferros laminados<br />

e soldados, que será a regra da obra, o mo<strong>de</strong>lo<br />

que inicia a série ilimitada das combinações e das<br />

proporções. O pedreiro, o carpinteiro e o serralheiro<br />

irão ai escolher as medidas para seus trabalhos, os<br />

54


tarefa:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

quais, diversos e diferenciados, serão testemunhos<br />

da harmonia. Tal é o meu sonho. (CORBUSIER,<br />

1953, p.34).<br />

Em 1943, Le Corbusier propõe a seu assistente Hanning a seguinte<br />

[...] tome um homem com o braço levantado<br />

com 2,20 metros <strong>de</strong> altura, inscreva-o em dois<br />

quadrados superpostos <strong>de</strong> 1,10 metros, coloqueo<br />

a cavalo sobre os dois quadrados e um terceiro<br />

quadrado resultante lhe dará uma solução. O lugar<br />

do ângulo reto <strong>de</strong>ve po<strong>de</strong>r ajudá-lo a colocar o<br />

terceiro quadrado. Com este entedado, regido por<br />

um homem instalado no seu interior, estou seguro<br />

que chegará a uma série <strong>de</strong> medidas que po<strong>de</strong>rão<br />

colocar <strong>de</strong> acordo a estatura humana (o braço<br />

levantado) e a Matemática. (CORBUSIER, 1953,<br />

p.35).<br />

Estas poucas linhas continham o cerne do que se transformaria no<br />

Modulor, embora naquele momento correspon<strong>de</strong>ssem ainda a simples intuição.<br />

Em sua primeira versão, o estudo teve como base a estatura média do homem<br />

francês, 1,75 metros, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> Corbusier <strong>de</strong>finiu:<br />

[...] o Modulor é um aparato <strong>de</strong> medida fundamentado<br />

na estatura humana e na matemática. Um homem<br />

com o braço levantado dá os pontos <strong>de</strong>terminantes<br />

<strong>de</strong> ocupação do espaço: o pé, o plexo solar, a<br />

55


cabeça e a ponta dos <strong>de</strong>dos com o braço levantado<br />

– três intervalos que <strong>de</strong>finem uma série <strong>de</strong> secções<br />

áureas <strong>de</strong> Fibonacci: e ainda por outra parte, a<br />

matemática, que oferece a variação mais imediata<br />

e significativa <strong>de</strong> um valor: o simples, o dobro e as<br />

duas secções áureas. (CORBUSIER, 1953, p. 52).<br />

Essa regra <strong>de</strong> proporções 2 combina-se, assim, através do ponto das duas<br />

séries <strong>de</strong> segmentos áureos, que ele chamou <strong>de</strong> “vermelha” e “azul”, com<br />

a estatura humana nos seus principais pontos <strong>de</strong> ocupação do espaço. Num<br />

momento posterior, a altura padrão do homem foi retificada para seis pés, ou<br />

cerca <strong>de</strong> 1,83 metros, a estatura média do homem inglês.<br />

O que Le Corbusier almejava era contribuir para a normatização e a<br />

posterior estandardização da arquitetura seriada, racional e eficiente, enfim,<br />

a arquitetura dos elementos pré-fabricados. Mas, por outro lado, objetivava<br />

também evitar o empobrecimento formal <strong>de</strong>rivado da estandardização.<br />

Quando Le Corbusier elege a proporção áurea como estruturadora das<br />

relações entre medidas na arquitetura, sua preocupação é a <strong>de</strong> acoplar a<br />

referência humana ao traçado <strong>de</strong> suas próprias obras, em muito guiadas pela<br />

geometria. Neste sentido, Summerson escreve que Le Corbusier <strong>de</strong>fendia<br />

o Modulor como um sistema que, se amplamente adotado, equacionaria<br />

a tentativa da padronização na indústria, embora, em sua visão, o Modulor<br />

tivesse contribuído especialmente para os projetos do próprio Corbusier.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Estou inclinado a pensar que, como em outras<br />

Figura 16 - Modulor Ilustração.<br />

Fonte: http://falcon.jmu.edu<br />

Acessado em 26 mar. 2005.<br />

2 Esse assunto começou há cerca <strong>de</strong> 2.500 anos, com a busca do modo mais harmonioso e simétrico <strong>de</strong> dividir um segmento em duas partes. Seria pelo seu ponto<br />

médio? A questão preocupou Eucli<strong>de</strong>s (330-275 a.C.), o matemático grego autor <strong>de</strong> Os Elementos, obra fundamental da geometria. O resultado <strong>de</strong>ssa misteriosa<br />

divisão, simbolizado pela letra grega f (lê-se “fi”) é sempre 1,618034...,que ficou conhecido como razão áurea. A proporção associada a ela foi também estudada<br />

pelo monge Luca Pacioli, <strong>de</strong> Veneza, no livro De Divina Proportione (Sobre a proporção divina), <strong>de</strong> 1509. Durante séculos, a secção áurea foi usada por pintores e<br />

arquitetos. Hoje sabemos que f regula também a espiral que aparece na natureza, como na margarida, no girassol, na concha do molusco náutilo. A espiral fornece<br />

56


situações semelhantes, a importância real do<br />

Modulor está em que ele é parte da aparelhagem<br />

mental <strong>de</strong> seu autor e lhe permite realizar<br />

projetos tão originais como a capela Ronchamp<br />

– um edifício <strong>de</strong> forma tão livre que chega a ser<br />

quase uma escultura abstrata – seguro <strong>de</strong> seu<br />

completo domínio dos procedimentos racionais.<br />

(SUMMERSON, 1994, p.117).<br />

Assim, <strong>de</strong>staca-se a extrema simplicida<strong>de</strong> operacional do Modulor, em que<br />

quadrado, duplo quadrado e secções áureas, se fun<strong>de</strong>m no sistema <strong>de</strong> razões<br />

geométricas e numéricas. Neste sentido, Albert Einstein teria comentado que<br />

o sistema <strong>de</strong> Corbusier se tratava da “escala <strong>de</strong> proporções que torna o mau<br />

difícil e o bom fácil”. (CORBUSIER,1953, p. 55), receptivida<strong>de</strong> favorável também<br />

compartilhada por matemáticos, engenheiros e arquitetos <strong>de</strong> sua época, tanto<br />

pertencentes do universo acadêmico quanto profissional.<br />

Com o passar dos anos, contudo, o interesse em torno do Modulor<br />

per<strong>de</strong>u força, e até o próprio Corbusier parece ter colocado em segundo plano<br />

sua obsessão pelo uso sistemático dos conceitos estabelecidos pelo princípio<br />

matemático e geométrico que criou.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Por outro lado, a questão da moradia era também apontada por Corbusier<br />

como essencial ao equilíbrio <strong>de</strong> sua época. A socieda<strong>de</strong>, segundo ele, clamava<br />

pela habitação que traduzisse os novos costumes sociais através da arquitetura,<br />

ou seja, em suas palavras, “[...] quando uma época possui a planta <strong>de</strong> uma<br />

habitação é sua evolução social que se fixou e existe um equilíbrio. Não<br />

o padrão matemático para o princípio biológico que regula o crescimento da concha: o tamanho aumenta, mas o formato não se altera. A seqüência 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13,<br />

..., correspon<strong>de</strong>nte aos lados dos quadrados que montam esssa espiral, é a mesma que o matemático italiano Fibonacci (1180-1250), em seu livro Liber Abbaci, <strong>de</strong><br />

1202, calculou para o crescimento das populações <strong>de</strong> coelhos a partir <strong>de</strong> um casal. Em 1753, o escocês Robert Simson <strong>de</strong>scobriu que dividindo-se esses números pelos<br />

seus antecessores obtém-se uma seqüência <strong>de</strong> frações que se aproxima <strong>de</strong> f. Já está <strong>de</strong>monstrado que f é o mais mal-aproximado por frações dos números irracionais. O<br />

incrível é que a natur 13/eureca.htm)<br />

57


chegamos a esse ponto”. (CORBUSIER, 2002, p. XXV).<br />

Tal ponto <strong>de</strong> equilíbrio parecia a ele não se referenciar apenas à tradução<br />

espacial e estética da morada i<strong>de</strong>al, mas também à coerência com que tais<br />

edificações <strong>de</strong>veriam ser construídas. Em Por Uma <strong>Arquitetura</strong>, Corbusier<br />

observou: “[...] a arquitetura tem como primeiro <strong>de</strong>ver em uma época <strong>de</strong><br />

re<strong>nova</strong>ção, operar a revisão dos valores, a revisão dos elementos constitutivos<br />

da casa” (CORBUSIER, 2002, p.159).<br />

A casa em série almejada por Le Corbusier integrava a idéia da <strong>máquina</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>morar</strong>, por sua intensamente análoga à produção dos bens industrializados,<br />

como um automóvel, um avião ou um navio. Uma casa que pu<strong>de</strong>sse aten<strong>de</strong>r<br />

não só os anseios da família mo<strong>de</strong>rna, mas também os implacáveis interesses<br />

da indústria e do mercado <strong>de</strong> capital.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

A série está baseada sobre a análise e a<br />

experimentação.<br />

A gran<strong>de</strong> indústria <strong>de</strong>ve se ocupar da construção e<br />

estabelecer em série os elementos da casa.<br />

É preciso criar o estado <strong>de</strong> espírito da série.<br />

O estado <strong>de</strong> espírito para construir em série.<br />

O estado <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> residir em casas em série.<br />

O estado <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> conceber casas em série.<br />

(CORBUSIER, 2002, p.159).<br />

Porém, Corbusier alerta que a casa em série <strong>de</strong>va ser como uma casa<br />

instrumento, bela pela estética dos instrumentos <strong>de</strong> trabalho da era industrial<br />

mecânica. O arquiteto <strong>de</strong>veria se apropriar das possibilida<strong>de</strong>s da construção<br />

58


em série com toda a expressão que o sentido artístico po<strong>de</strong> conferir, ou seja, a<br />

estandardização <strong>de</strong>veria estar nos elementos <strong>de</strong> composição construtiva e não<br />

na padronização por completo, criando mo<strong>de</strong>los idênticos para serem vendidos<br />

conforme o terreno e o tamanho da família. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> casas pré-<br />

fabricadas combinadas com o arranjo i<strong>de</strong>alizado por Le Corbusier das casas<br />

“Dom-Ino” po<strong>de</strong>riam estabelecer uma emoção tectônica inusitada. Os conceitos<br />

da Casa “Dom-Ino” extraída, tal qual o modulor da matemática com a <strong>de</strong>finição<br />

dos “MINÒS, tal qual fez posteriormente Solomon W. Golomb, com a teoria dos<br />

poliminós” 3 .<br />

Assim, vale <strong>de</strong>stacar a extrema coerência e entrelaçamento entre os<br />

elementos do i<strong>de</strong>ário Cobusieriano. O Modulor pretendia estabelecer critérios<br />

que facilitassem a racionalização da Casa em Série, que funcionava como uma<br />

das premissas para a concretização da Máquina <strong>de</strong> Morar, que tem a Maison<br />

Dom-Ino como possibilida<strong>de</strong> compositiva arquitetônica. Ou seja, embora<br />

freqüentemente estudados <strong>de</strong> maneira isolada, esses conceitos só se tornam<br />

plenos se entendidos como parte <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> conceitos extremamente<br />

coerentes entre si.<br />

Tal observação é válida sobretudo quando estudamos a obra <strong>de</strong> Le Corbusier<br />

até meados dos anos trinta, quando ele ainda acreditava, ou pelo menos queria<br />

fazer acreditar, que a arquitetura era fundamental para a efetivação <strong>de</strong> uma<br />

<strong>nova</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Assim, a casa em série se inseria nas buscas do pós-guerra por uma<br />

construção barata, rápida, capaz <strong>de</strong> reconstruir a Europa.<br />

3 No ano <strong>de</strong> 1954 (posterior ao conceito i<strong>de</strong>alizado por Corbusier da Maison Domino) Solomon W. Golomb, um jovem estudante <strong>de</strong> engenharia,<br />

<strong>de</strong> 22 anos, publicou na prestigiosa revista American Mathematical Monthy um artigo intitulado “Tabuleiro <strong>de</strong> Xadrez e Poliminós”. Este<br />

po<strong>de</strong>ria ter sido mis um daqueles intricados e enfadonhos artigos <strong>de</strong> matemática que mofariam nas páginas <strong>de</strong> revistas sem <strong>de</strong>spertar maior<br />

interesse para as gerações futuras, Entretanto quando em 1957 Martin Gardner <strong>de</strong>dicou um artigo sobre a invenção <strong>de</strong> Golomb, os poliminós<br />

tornaram-se tão populares que os aficionados em <strong>de</strong>svendar seus <strong>de</strong>safios formaram grupos internacionais, gerando congressos, publicações<br />

59


Num piscar <strong>de</strong> olhos, se nascesse o estado <strong>de</strong><br />

espírito da série, tudo seria preparado rapidamente,<br />

com efeito, em todos os ramos da construção,<br />

a indústria, potente como uma força natural,<br />

exuberante como um rio que rola para seu <strong>de</strong>stino,<br />

ten<strong>de</strong> cada vez mais a transformar os materiais<br />

brutos naturais e a produzir o que se chama<br />

materiais novos. (CORBUSIER, 2002, p.161).<br />

Segundo ele, a indústria, o concreto e o ferro, o cálculo e a inteligência<br />

criativa do arquiteto, tinham efetivamente transformado as organizações<br />

construtivas. A arquitetura estava livre das tradições superficiais do passado, os<br />

métodos <strong>de</strong> construção tinham sido revolucionados, e “[...] a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>seja<br />

fortemente uma coisa que ela obterá ou não. Tudo está aí, tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do<br />

esforço que se fará e da atenção que se conce<strong>de</strong>rá a esses sintomas alarmantes.<br />

<strong>Arquitetura</strong> ou revolução. Po<strong>de</strong>mos evitar a revolução.” (CORBUSIER, 2002,<br />

p.205).<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Nestes termos, po<strong>de</strong>mos notar na obra <strong>de</strong> Corbusier a indignação com<br />

a postura conservadora ainda vigente na arquitetura <strong>de</strong> sua época. Ele foi<br />

um dos primeiros a notar que a socieda<strong>de</strong> se encontrava em processo <strong>de</strong><br />

transformação e que, portanto, necessitava-se <strong>de</strong> um novo abrigo, compatível<br />

não mais aos costumes campesinos, mas ao emergente estilo <strong>de</strong> vida urbano<br />

mecanicista. Ou seja, Le Corbusier estava engajado com a construção <strong>de</strong> um<br />

mundo novo, socialista, igualitário, mo<strong>de</strong>rno, conduzido pelo pensamento<br />

e produzindo millhares <strong>de</strong> problemas e soluções curiosíssimas. Poliminós são objetos geométricos formados por quadrados <strong>de</strong> mesmo tamanho, unidos lado a lado. Os poliminós<br />

divi<strong>de</strong>m-se em calsses <strong>de</strong> acordo com o número <strong>de</strong> quadrados que se usa na configuração: monominó, dominó, triminós, tetraminós, pentaminós, hexaminós e assim por diante. Um<br />

poliminó diferencia-se <strong>de</strong> outro apenas pela forma, não importa a posição que ocupam no plano. Assim as quatro figuras representam o mesmo triminó L”. www.revistagalileu.com<br />

60


mecânico e racional, tal qual o seu mo<strong>de</strong>lo analógico originário da <strong>máquina</strong> e<br />

da revolução industrial.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Ainda que, com o passar do tempo, o “[...] conteúdo i<strong>de</strong>ológico da<br />

arquitetura <strong>de</strong> Le Corbusier foi ele mesmo subvertido pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />

“natural” do capitalismo e sua “recuperação” <strong>de</strong> vanguarda. Portanto, temos<br />

<strong>de</strong> ver a arquitetura <strong>de</strong> Le Corbusier como um fenômeno histórico e <strong>de</strong>sobrigá-<br />

la <strong>de</strong> seu contexto i<strong>de</strong>ológico original. Seu caráter subversivo faz parte <strong>de</strong><br />

sua estética auto-suficiente e continua sendo uma experiência constantemente<br />

renovável, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> termos visto retroce<strong>de</strong>r a visão <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

totalmente re<strong>nova</strong>da da qual ela originalmente fazia parte. A arquitetura <strong>de</strong><br />

Le Corbusier pertence a uma “tradição do novo” que agora assumiu seu lugar<br />

em nosso cânone crítico. [...] Le Corbusier ocupou um <strong>de</strong>sses raros momentos<br />

na história em que parecia que a opinião do artista e a do homem <strong>de</strong> paixões<br />

convergiam para um mito coletivo”. (COLQUHOUN, 2004, p. 181/182).<br />

5.5 - Le Corbusier e a <strong>máquina</strong> <strong>de</strong> <strong>morar</strong><br />

Embora na contra-corrente da Carta <strong>de</strong> Atenas (1933), que afirmava o<br />

equipamento multifuncional enquanto mecanismo i<strong>de</strong>al para a casa mo<strong>de</strong>rna,<br />

porém como vimos, os experimentos Corbusierianos sobre a habitação<br />

tiveram início com a Maison Dom-Ino. Assim, entre 1926 a 1930, suas casas<br />

unifamiliares basearam-se na sintaxe do que se convencionou <strong>de</strong>nominar os<br />

cinco pontos essenciais da arquitetura: a estrutura principal elevada sobre<br />

61


pilotis; a planta livre obtida pela separação entre os elementos estruturais e as<br />

vedações internas <strong>de</strong> divisão entre espaços; a fachada livre; as janelas longas<br />

e horizontais, que produziam a liberda<strong>de</strong> e a inter-relação entre o externo e o<br />

interno; e o conceito da laje jardim.<br />

Por outro lado, ainda que não exista uma publicação específica <strong>de</strong><br />

Corbusier sobre a Máquina <strong>de</strong> Morar, a casa i<strong>de</strong>al à era da <strong>máquina</strong>, em toda<br />

sua obra po<strong>de</strong>m ser encontradas citações sobre esse conceito. Assim, em Vers<br />

une architecture (1923), provavelmente a mais importante obra do movimento<br />

mo<strong>de</strong>rno na arquitetura, Le Corbusier questiona as formas <strong>de</strong> habitar da<br />

socieda<strong>de</strong> industrial, ainda em pleno processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, tentando<br />

“reencontrar as bases humanas, a escala humana, a necessida<strong>de</strong>-tipo, a função<br />

tipo, a emoção tipo”. (CORBUSIER, 1923).<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Em clima <strong>de</strong> efervescência social, pautado por transformações tecnológicas,<br />

sociais e científicas, Le Corbusier clamava, assim, por uma <strong>nova</strong> planta na<br />

habitação <strong>de</strong> seu tempo. Comparando <strong>de</strong> forma provocativa os engenheiros<br />

e os arquitetos, anunciava os primeiros como já engajados na construção<br />

<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, altamente tecnológica e “maquinicista”, como<br />

comprovavam os automóveis, navios e aviões que haviam criado.<br />

Em certo momento, Corbusier chega a questionar: “A arte, segundo<br />

Larousse, é a aplicação dos conhecimentos para a realização <strong>de</strong> uma concepção.<br />

Ora, hoje são os engenheiros que conhecem a maneira <strong>de</strong> sustentar, <strong>de</strong> aquecer,<br />

<strong>de</strong> ventilar, <strong>de</strong> iluminar. Não é verda<strong>de</strong>?” (CORBUSIER, 1923, p.7).<br />

62


Nestes termos é que Le Corbusier reflete sobre o significado da habitação<br />

e da ação do arquiteto, tomando como base, portanto, a maneira como o<br />

engenheiro encara o <strong>de</strong>senvolvimento dos aviões por exemplo. Para tanto,<br />

propõe a Máquina <strong>de</strong> Morar, que tem como característica fundamental a<br />

possibilida<strong>de</strong> da construção seriada.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Uma gran<strong>de</strong> época começa. Um espírito novo<br />

existe. A indústria, exuberante como um rio que rola<br />

para seu <strong>de</strong>stino, nos traz os novos instrumentos<br />

adaptados a esta época <strong>nova</strong> animada <strong>de</strong> espírito<br />

novo.<br />

A lei <strong>de</strong> economia administra imperativamente<br />

nossos atos e nossos pensamentos. O problema<br />

da casa é um problema <strong>de</strong> época. O equilíbrio<br />

das socieda<strong>de</strong>s hoje <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong>le. A arquitetura<br />

tem como primeiro <strong>de</strong>ver, em uma época <strong>de</strong><br />

re<strong>nova</strong>ção, operar a revisão dos valores, a revisão<br />

dos elementos constitutivos da casa.<br />

A série está baseada sobre a análise e a<br />

experimentação. A gran<strong>de</strong> indústria <strong>de</strong>ve se ocupar<br />

da construção e estabelecer em série os elementos<br />

da casa.<br />

É preciso criar o estado <strong>de</strong> espírito da série. O<br />

estado <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> residir em casas em série.<br />

O estado <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> conceber casas em série.<br />

(CORBUSIER, 1923, p. 32).<br />

A idéia era sintonizar a arquitetura, e as formas <strong>de</strong> construção, aos<br />

anseios da socieda<strong>de</strong> industrial. E, sobre a moradia, Corbusier acreditava que<br />

63


tanto o operário quanto o intelectual não mais possuíam o abrigo conveniente<br />

ao seu modo <strong>de</strong> vida, ainda que <strong>de</strong> fato esse equipamento correspon<strong>de</strong>sse<br />

à necessida<strong>de</strong> primordial humana. “A casa foi o indispensável e o primeiro<br />

instrumento que se forjou.” (CORBUSIER, 1923, p.34).<br />

Em Vers une architecture (1923), Le Corbusier enfatiza três aspectos<br />

fundamentais à concepção da arquitetura:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

O volume que é o elemento pelo qual nossos<br />

sentidos percebem e me<strong>de</strong>m, sendo plenamente<br />

afetados. A superfície que é o envelope do volume<br />

e que po<strong>de</strong> anular ou ampliar a sua sensação. A<br />

planta que é a geradora do volume e da superfície<br />

e que é aquilo pelo qual tudo é <strong>de</strong>terminado<br />

irrevogável. (CORBUSIER, 1923, p.9).<br />

Segundo Le Corbusier, o mecanicismo era familiar e positivo ao homem <strong>de</strong><br />

sua época. Por isso, ele <strong>de</strong>veria habitar em uma <strong>máquina</strong> também, com banhos<br />

quentes, água fria, temperatura personalizada, boas condições <strong>de</strong> conservação<br />

dos alimentos, <strong>de</strong> higiene, bela pela proporção, etc.<br />

Proporções estas <strong>de</strong>preendidas <strong>de</strong> seus Traçados Reguladores, que<br />

afirmavam a geometria enquanto linguagem humana. Para tanto, Corbusier<br />

evoca e se fundamenta nos mo<strong>de</strong>los clássicos, afirmando que: “o grego, o<br />

egípcio, Michelangelo ou Blon<strong>de</strong>l empregavam os traçados reguladores para<br />

a correção <strong>de</strong> suas obras e a satisfação <strong>de</strong> seu sentido artístico e <strong>de</strong> seu<br />

pensamento matemático.” (CORBUSIER, 1923, p.47).<br />

64


que:<br />

Vicent Scully Júnior, importante crítico da arquitetura mo<strong>de</strong>rna, escreve<br />

Le Corbusier foi, portanto, capaz <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r<br />

a arquitetura grega e <strong>de</strong> evitar uma imitação<br />

não grega <strong>de</strong>la, precisamente porque percebeu<br />

intuitivamente o que ela pretendia ser e porque<br />

reconheceu que a intenção não era a <strong>de</strong> abrigar seres<br />

humanos, e sim instigá-los ao reconhecimento dos<br />

fatos em relação aos quais eles próprios <strong>de</strong>viam<br />

agir. (SCULLY, 1961, p.89).<br />

O que Corbusier pregava era, assim, o emprego das formas puras da<br />

geometria plana, sóbria, sem os adornos e excessos do barroquismo tardio<br />

que, <strong>de</strong> certa forma, ainda estavam em voga à sua época. Em suma, a casa<br />

i<strong>de</strong>al para a socieda<strong>de</strong> da <strong>máquina</strong> <strong>de</strong>veria obe<strong>de</strong>cer as seguintes premissas<br />

básicas: planta livre, fachada livre, estrutura in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, panos <strong>de</strong> vidro ou<br />

aberturas corridas, estar sobre pilotis e teto jardim.<br />

Estas premissas eram, por sua vez, alicerçadas nos quatro conceitos<br />

básicos <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong> presentes em todo o i<strong>de</strong>ário Corbusiano: <strong>morar</strong>,<br />

trabalhar, cultuar o corpo e o espírito, e circular. Estão aí, a grosso modo, os<br />

conceitos em voga nas teorias sobre a Cida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna, embora Corbusier<br />

enfatizasse a célula habitacional como organismo não constituinte, mas<br />

análogo à cida<strong>de</strong>, por se tratar da condição mais primitiva e essencial à vida<br />

em socieda<strong>de</strong>.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

65


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Assim, a Ville Savoye seja talvez a mais paradigmática das casas <strong>de</strong><br />

Le Corbusier já que nela encontramos todos os conceitos “corbusierianos’’ <strong>de</strong><br />

moradia i<strong>de</strong>al. Situada em terreno plano, com esplêndida vista sobre o Vale do<br />

rio Sena, no subúrbio <strong>de</strong> Paris, a Ville Savoye é uma das quatro ville blanches,<br />

as moradias unifamiliares que coroam a investigação <strong>de</strong> novos meios produtivos<br />

na arquitetura enunciados na Maison Dom-Ino.<br />

Trata-se <strong>de</strong> um volume prismático, originário <strong>de</strong> planta quadrada, e elevado<br />

sobre pilotis <strong>de</strong> forma a possibilitar a mútua visibilida<strong>de</strong> e circulação entre o<br />

jardim e o espaço edificado. Em seu primeiro piso, concentram-se os espaços<br />

<strong>de</strong> circulação e as áreas <strong>de</strong> serviços, que foram recolhidas atrás <strong>de</strong> uma pare<strong>de</strong><br />

curva envidraçada que <strong>de</strong>termina o eixo principal da casa. Uma rampa externa<br />

dá acesso ao primeiro e principal andar da moradia, on<strong>de</strong> estão localizados os<br />

quartos, a sala <strong>de</strong> estar e um jardim interior parcialmente coberto. O acesso<br />

ao andar seguinte ocorre <strong>nova</strong>mente pela rampa, que continua subindo até o<br />

segundo andar – o terraço – para aí se fechar com uma <strong>nova</strong> pare<strong>de</strong> curva.<br />

A inclinação da rampa é favorável à subida, o que torna o terraço um espaço<br />

semelhante aos pátios mediterrânicos tradicionais.<br />

Em 1919, Le Corbusier fez uma série <strong>de</strong> conferências na Argentina,<br />

quando <strong>de</strong>screveu a Ville Savoye, ainda em construção, da seguinte maneira:<br />

Os visitantes até aqui, voltam-se e tornam a voltar-se<br />

para o interior, perguntando-se como tudo isto acontece e<br />

dificilmente compreen<strong>de</strong>m os motivos daquilo que vêem<br />

66


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

e sentem. Já não encontram mais nada daquilo que se<br />

convencionou <strong>de</strong>nominar uma “casa”. Sentem-se em outra<br />

coisa inteiramente <strong>nova</strong>. E... creio que não se entediam!<br />

O local: um gramado vasto e encurvado. A vista principal dá<br />

para o Norte e, portanto, opõe-se ao sol. A frente normal<br />

estaria portanto do lado contrário.<br />

A casa é uma caixa na ar, perfurada em toda a volta, sem<br />

interrupção, por uma janela corrida. Não se hesita mais em<br />

realizar jogos arquitetônicos com cheios e vazios. A caixa se<br />

eleva no meio dos prados, dominando o pomar.<br />

Sob a caixa, passando por entre os pilotis, há um caminho para<br />

os automóveis, fazendo ida e volta em forma <strong>de</strong> forquilha,<br />

cujo gancho fecha exatamente sob os pilotis, a entrada<br />

da casa, o vestíbulo, a garagem, os serviços (lavan<strong>de</strong>ria,<br />

rouparia, quartos dos empregados). Os automóveis rodam<br />

<strong>de</strong>baixo da casa, estacionam ou vão embora.<br />

Do interior do vestíbulo uma rampa suave conduz, sem que<br />

quase se perceba, ao primeiro andar, on<strong>de</strong> transcorre a vida<br />

do morador: recepção, quartos etc. Recebendo vista e luz do<br />

contorno regular da caixa, os diferentes cômodos reúnem-se<br />

radialmente sobre um jardim suspenso, que ali está como<br />

distribuidor <strong>de</strong> luz e sol.<br />

É o jardim suspenso sobre o qual se abrem, com total<br />

liberda<strong>de</strong>, as pare<strong>de</strong>s corrediças <strong>de</strong> vidro do salão e <strong>de</strong> vários<br />

outros cômodos: assim, o sol penetra em todos os lugares,<br />

no próprio coração da casa.<br />

Do jardim suspenso, a rampa, que agora é externa, conduz<br />

ao teto, ao solário.<br />

Este, aliás, liga-se, por meio <strong>de</strong> três lances <strong>de</strong> escada <strong>de</strong><br />

caracol, à a<strong>de</strong>ga escavada na terra sob os pilotis. Esta<br />

escada <strong>de</strong> caracol, órgão vertical puro insere-se livremente<br />

na composição horizontal.<br />

Para terminar, observem o corte: o ar circula por todos<br />

os lugares, a luz está em cada ponto, penetra em tudo. A<br />

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ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 17 - Plantas Ville Savoye<br />

Fonte: http://falcon.jmu.edu<br />

Acessado em 26 mar. 2005.<br />

Figura 18 - Ville Savoye<br />

Fonte: http://falcon.jmu.edu<br />

Acessado em 26 mar. 2005.<br />

Figura 19 - Cortes Ville Savoye<br />

Fonte: http://falcon.jmu.edu<br />

Acessado em 26 mar. 2005.<br />

68


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

circulação proporciona impressões arquitetônicas <strong>de</strong> uma<br />

diversida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>sconcerta todo visitante estrangeiro,<br />

diante das liberda<strong>de</strong>s arquitetônicas propiciadas pelas<br />

técnicas mo<strong>de</strong>rnas. As simples pilastras do andar térreo,<br />

mediante uma disposição correta, recortam a paisagem com<br />

uma regularida<strong>de</strong> que tem pó efeito suprimir toda noção <strong>de</strong><br />

“frente” ou “fundo” da casa, <strong>de</strong> “lateral” da casa.<br />

A planta é pura e aten<strong>de</strong> as necessida<strong>de</strong>s mais precisas. Sua<br />

disposição é a mais correta possível, na paisagem agreste <strong>de</strong><br />

Poissy. (CORBUSIER, 2004, p.138/139).<br />

Em suma, são nas chamadas casas brancas, e não nos conjuntos<br />

multifuncionais preconizados pela Carta <strong>de</strong> Atenas, que Le Corbusier concentra<br />

seus esforços a favor da moradia i<strong>de</strong>al à sua época. Tais experimentos iniciais são<br />

mesmo fundamentais ao <strong>de</strong>senvolvimento posterior <strong>de</strong> sua obra arquitetônica<br />

e teórica, cenário que explica a extrema importância da Ville Savoye. Ela po<strong>de</strong>,<br />

assim, ser compreendida como a própria materialização da chamada <strong>máquina</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>morar</strong>, já que nela Corbusier sintetizara todos os conceitos anteriores, os<br />

da Maison Dom-Ino, dos cinco pontos estruturadores, enfim, a edificação<br />

representa a materialização, em concreto, aço e vidro, do i<strong>de</strong>ário corbusieriano.<br />

Nota-se, ainda, o extremo cuidado com a iluminação natural por toda a casa,<br />

com a interação entre as formas, a cor, e o movimento do sol.<br />

Na Ville Savoye, portanto, parece materializar-se a velha máxima <strong>de</strong> que<br />

a forma segue a função. A própria forma se torna também função, ainda que<br />

simbólica do contexto técnico e artístico da geração <strong>de</strong> vanguarda mo<strong>de</strong>rna.<br />

69


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

6. Parte 2 - Novas possibilida<strong>de</strong>s na produção<br />

arquitetônica resi<strong>de</strong>ncial<br />

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ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

71


6.1 - Introdução: As <strong>nova</strong>s possibilida<strong>de</strong>s e condições<br />

na prática da arquitetura<br />

O argumento da arquitetura mo<strong>de</strong>rna, e mais especificamente <strong>de</strong> um <strong>de</strong><br />

seus mais atuantes partidários, o arquiteto franco-suíço Le Corbusier, baseou-<br />

se em gran<strong>de</strong> parte na correspondência entre arquitetura e cida<strong>de</strong>, entre<br />

cida<strong>de</strong> e socieda<strong>de</strong>, entre socieda<strong>de</strong> e tecnologia. Assim, no contexto <strong>de</strong> tais<br />

enca<strong>de</strong>amentos, a questão central da vanguarda mo<strong>de</strong>rna foi <strong>de</strong>terminar um<br />

vocabulário arquitetônico originário, e ao mesmo tempo representativo, <strong>de</strong> um<br />

novo conceito <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>, que naquele momento esteve assinalado por questões<br />

quantitativas e i<strong>de</strong>ológicas, como a explosão urbana, a enorme <strong>de</strong>manda<br />

habitacional e o planejamento em macro-escala.<br />

Racionalida<strong>de</strong>, funcionalida<strong>de</strong> e universalismo constituíram, portanto,<br />

simultaneamente suas metas e respostas frente a uma <strong>nova</strong> compreensão <strong>de</strong><br />

mundo.<br />

E, embora intrinsecamente ligada aos <strong>de</strong>sdobramentos culturais da<br />

<strong>de</strong>nominada era da <strong>máquina</strong>, tal concepção da arquitetura levando-se em<br />

consi<strong>de</strong>ração suas dimensões individual, coletiva e social, não foi um projeto<br />

exclusivamente mo<strong>de</strong>rno.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Ao contrário, há mais <strong>de</strong> cinco séculos, o arquiteto, matemático, pintor<br />

e filósofo italiano, Leon Battista Alberti, já anunciara tal ligação embrionária<br />

entre arquitetura e cida<strong>de</strong>, atendo-se, sobretudo, a uma das questões centrais<br />

72


do meio urbano, ou seja, a da moradia.<br />

Na análise <strong>de</strong>sse importante personagem renascentista, a cida<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>ria, então, ser pensada em termos <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> casa, assim como, em<br />

contraponto, a casa nada mais seria do que uma pequena cida<strong>de</strong>.<br />

Concentrando-se na instigante correspondência entre tais termos, as<br />

proposições iniciais da arquitetura e do urbanismo mo<strong>de</strong>rnos assumiram, então,<br />

caráter extremamente radical, já que, ao <strong>de</strong>finir a socieda<strong>de</strong> enquanto socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> massa, hierarquizada, estamental, os arquitetos do período nomearam<br />

a hipótese do universal, tanto em termos estilísticos, quanto construtivos e<br />

comportamentais, como resposta à <strong>nova</strong> cida<strong>de</strong> e ao novo homem mo<strong>de</strong>rno<br />

que surgia.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Podia-se, portanto, pensar a cida<strong>de</strong> através <strong>de</strong> planos-macros, <strong>de</strong><br />

sistemas <strong>de</strong> transportes, <strong>de</strong> lazer programado, <strong>de</strong> edifícios e zonas <strong>de</strong> trabalho<br />

pré-<strong>de</strong>finidas, além <strong>de</strong> áreas e formas <strong>de</strong> <strong>morar</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da história, das<br />

características do lugar. E assim, também na via contrária, cada um <strong>de</strong>sses<br />

elementos adquiria simultaneamente funções e papéis previamente <strong>de</strong>finidos,<br />

e supostamente <strong>de</strong>finitivos, em prol da viabilida<strong>de</strong> e do bem-estar coletivos.<br />

Necessitava-se, em suma, i<strong>de</strong>ntificar e até mesmo nomear traços<br />

homogêneos, sintéticos, inclusive porque era o po<strong>de</strong>r governamental quem em<br />

boa parte executaria os projetos concebidos pelos arquitetos mo<strong>de</strong>rnos.<br />

As discussões em torno dos primeiros CIAM <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram, portanto,<br />

a crença <strong>de</strong> que <strong>nova</strong>s cida<strong>de</strong>s, funcionais, <strong>de</strong>veriam substituir, com todo o<br />

73


adicalismo do termo, as chamadas cida<strong>de</strong>s históricas, consi<strong>de</strong>radas à época<br />

antiquadas e obsoletas. Isso porque se tinha a precisa sensação <strong>de</strong> que vivia-<br />

se uma <strong>nova</strong> era, a chamada era industrial.<br />

Os arquitetos do período mo<strong>de</strong>rno presumiram então, e através <strong>de</strong><br />

profundo otimismo, que a eficácia do sistema urbano seria capaz <strong>de</strong> homogeneizar<br />

as <strong>de</strong>mandas dos diversos atores da vida social, incidindo sobretudo em seus<br />

chamados estabelecimentos humanos, conforme abordamos na primeira parte<br />

<strong>de</strong>sse trabalho.<br />

Eficiência, quer <strong>de</strong> planejamento, <strong>de</strong> construção, <strong>de</strong> economia ou<br />

programática, assim como universalismo, socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa e industrialização,<br />

constituíram, portanto, os argumentos <strong>de</strong> seus raciocínios e discursos<br />

projetuais.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

A abrangência e alcances das proposições arquitetônicas mo<strong>de</strong>rnas<br />

são ainda presentes em nossas cida<strong>de</strong>s, embora <strong>nova</strong>s questões tenham se<br />

apresentado ao contexto tecnológico, cultural e social que suce<strong>de</strong>ria a era<br />

industrial, ou seja, a era informacional em que vivemos.<br />

Caracterizada pelo potencial comunicativo e criativo das tecnologias<br />

telemáticas, ou seja, aquelas resultantes da crescente conexão mundial entre<br />

computadores pessoais, a chamada era informacional correspon<strong>de</strong> a uma <strong>nova</strong><br />

forma <strong>de</strong> compreensão e <strong>de</strong> percepção <strong>de</strong> mundo. Nela, o que está em jogo<br />

são as infinitas possibilida<strong>de</strong>s tecnológicas [telemáticas e informacionais] do<br />

chamado “ciberespaço”, <strong>de</strong> forma a, na arquitetura, alterar a relação entre o<br />

74


clássico binômio espaço/tempo.<br />

Em lugar da percepção mecânica, cronológica, objetiva e seqüencial da<br />

era da <strong>máquina</strong>, a era informacional passaria a cotejar a sobreposição entre<br />

tempos diversos, entre os efeitos <strong>de</strong> fenômenos subjetivos, simbólicos, virtuais,<br />

que conectam as pessoas através <strong>de</strong> seus computadores.<br />

Essa <strong>nova</strong> <strong>máquina</strong> inaugurou a era atual e criou para a arquitetura,<br />

através <strong>de</strong> uma <strong>nova</strong> pré-disposição a códigos virtuais, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, por<br />

exemplo, manejar formas complexas através da mo<strong>de</strong>lagem tridimensional,<br />

como exemplifica a trajetória do arquiteto cana<strong>de</strong>nse Frank O. Gehry.<br />

O cenário é o da globalização, do irrestrito incremento da comunicação<br />

e conectivida<strong>de</strong> virtual entre os membros da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa, que fora<br />

conformada no período anterior, da era industrial. Trata-se, em suma, do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma <strong>nova</strong> ferramenta na história evolutiva da humanida<strong>de</strong><br />

e, portanto, <strong>de</strong> uma <strong>nova</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação do homem com o meio que<br />

ele habita e transforma continuamente.<br />

Assim, qual a nossa relação com aquele período? O que mudou ao longo<br />

<strong>de</strong> quase um século <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as formulações iniciais da arquitetura mo<strong>de</strong>rna?<br />

A socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que tratava <strong>de</strong>sapareceu ou especializou-se? Seu argumento<br />

tecnológico foi substituído ou atingiu a plenitu<strong>de</strong>? Em que momento, e <strong>de</strong> que<br />

forma, teriam mudado as regras do jogo? Quais novos horizontes foram abertos<br />

à atuação do arquiteto?<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Essas e outras questões constituem a base da segunda parte do presente<br />

75


trabalho. O que se preten<strong>de</strong> é traçar um paralelo entre a arquitetura, socieda<strong>de</strong><br />

e ciências da vida mo<strong>de</strong>rna, e a arquitetura, socieda<strong>de</strong> e ciências da era da<br />

informação, em que vivemos.<br />

O que se procura é, portanto, i<strong>de</strong>ntificar os pontos <strong>de</strong> contato, ou quem<br />

sabe <strong>de</strong> afastamento, entre a concepção arquitetônica <strong>de</strong> nossos dias e aquela<br />

<strong>de</strong> nosso passado mais recente, o mo<strong>de</strong>rno.<br />

6.2 Alternativas ao mo<strong>de</strong>rno<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

O primeiro momento em que se testou veementemente o projeto<br />

mo<strong>de</strong>rno foi aquele posterior à II Guerra Mundial 4 .Frente ao cenário <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s<br />

em parte, ou totalmente arrasadas pela <strong>de</strong>struição, o que se <strong>de</strong>lineava era um<br />

campo aberto à experimentação, à implantação irrestrita da hipótese funcional<br />

do raciocínio mo<strong>de</strong>rno. Além disso, a II Guerra originaria também a completa<br />

reor<strong>de</strong>nação política e econômica internacionais.<br />

Conforme observa o arquiteto e filósofo catalão, Ignasi <strong>de</strong> Solà-Morales,<br />

“[...] nem sequer o chamado urbanismo Stalinista, <strong>de</strong> caráter historicista e<br />

classicista, seria então capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>ter um processo que estava ditado pela<br />

racionalida<strong>de</strong> técnica e pela eficiência produtiva, sem qualquer contraponto no<br />

gosto dos usuários ou das leis <strong>de</strong> mercado”. (SOLÀ-MORALES, 2002, p.39).<br />

Ao mesmo tempo em que testemunharam a eficácia e a força do traçado<br />

arquitetônico mo<strong>de</strong>rno, esses experimentos, contudo, abriram campo ao<br />

4 O movimento expressionista po<strong>de</strong> ainda ser indicado como a primeira alternativa ao estilo internacional do movimento mo<strong>de</strong>rno mas, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser a ele<br />

contemporâneo, não se po<strong>de</strong> afirmar que o expressionismo tivesse colocado em xeque o mo<strong>de</strong>rnismo. De qualquer forma, os arquitetos expressionistas reuniram-se<br />

em torno da <strong>de</strong>nominada Escola <strong>de</strong> Amsterdã, na segunda década do século XX, e tiveram forte influência do Manifesto Técnico da Escultura Futurista, publicado<br />

em 1912 por Boccione. Em síntese, fala-se do “estilo do movimento” em opção ao racionalismo que se instalara, o que faz com que o expressionismo originasse<br />

experimentos arquitetônicos resultantes do binômio função e dinâmica.<br />

76


questionamento dos resultados e dos <strong>de</strong>sdobramentos do que até então se<br />

mostrava apenas enquanto uma hipótese otimista <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação do mundo<br />

industrial. E, nesse sentido, tais experiências do pós-guerra evi<strong>de</strong>nciariam a<br />

dimensão fortemente esquemática do projeto arquitetônico mo<strong>de</strong>rno.<br />

Ou seja, percebeu-se à época que a supremacia do radicalismo mo<strong>de</strong>rno<br />

não era tão abrangente e promissora quanto se podia imaginar, o que fez com<br />

que, no próprio contexto dos CIAM, ainda que em seus encontros tardios, o<br />

mo<strong>de</strong>rno passasse a ser colocado sob julgamento.<br />

Surge, assim, em 1959, e com a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Team X, um grupo<br />

<strong>de</strong> arquitetos mais atentos à individualida<strong>de</strong>s e variantes do comportamento<br />

humano do que à leis universais, <strong>de</strong>fensores, portanto, da maior diversida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los culturais na arquitetura, através do emprego <strong>de</strong> geometrias mais<br />

complexas e <strong>de</strong> tipologias mais sofisticadas. Entre eles, se <strong>de</strong>stacam Aldo van<br />

Eyck, Louis Kahn, José Antonio Co<strong>de</strong>rch e George Candilis.<br />

Também em outros locais, como no norte da Europa, o chamado empirismo<br />

nórdico <strong>de</strong> Alvar Aalto e Arne Jacobsen, entre outros, impôs certas objeções à<br />

crença no coletivo em favor do indivíduo. Neste sentido, observa Solà-Morales:<br />

“[...] atento às condições do lugar, receptivo às tradições locais e da pequena<br />

escala, o <strong>de</strong>senvolvimento empirista teve a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sativar a agressivida<strong>de</strong><br />

da planificação, ainda que implicasse às vezes certo caráter pitoresco”. (SOLÀ-<br />

MORALES, 2002, p. 39).<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

E, assim que transpostos os traumas da gran<strong>de</strong> guerra, potências<br />

77


econômicas ascen<strong>de</strong>ntes, como os Estados Unidos, o Japão e certas regiões<br />

da Europa, se encaminhavam ao chamado período expansionista. A década<br />

<strong>de</strong> sessenta é, portanto, o período <strong>de</strong> gênese das tecnologias <strong>de</strong> ponta que<br />

se especializariam absurdamente anos posteriores, como a eletrônica, assim<br />

como da transferência das ativida<strong>de</strong>s produtivas primárias e secundárias aos<br />

países <strong>de</strong> terceiro mundo. É também a época inaugural da gran<strong>de</strong> euforia e<br />

consumismo que viriam caracterizar as socieda<strong>de</strong>s avançadas, e até mesmo<br />

aquelas em fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, ao longo da segunda meta<strong>de</strong> do século<br />

XX. Em síntese, o que se <strong>de</strong>lineava eram os contornos <strong>de</strong> uma <strong>nova</strong> socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> massa.<br />

Conceitos como distinção entre o individual e o coletivo, mobilida<strong>de</strong>,<br />

fugacida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão do usuário, personalização, mega-estrutura<br />

e cápsulas, <strong>de</strong>ntre outros, passaram, então, a integrar <strong>nova</strong>s propostas<br />

arquitetônicas, como as concebidas pelos chamados metabolistas japoneses,<br />

grupo constituído pelos arquitetos Kenzo Tange, Kisho Kurokawa, Fumihiko Maki<br />

e Kiyonori Kikutake; pelo grupo inglês Archigram, nome da revista editada entre<br />

1961 e 1970 por Peter Cook, Dennis Crompton, Warrem Chalk, David Greene,<br />

Ron Herron e Michael Webb; além <strong>de</strong> propostas alternativas, direcionadas à<br />

cida<strong>de</strong>s do terceiro mundo. Segundo Solà-Morales, “esses grupos têm em<br />

comum a confiança e a exigência <strong>de</strong> que é possível e necessário mudar tudo”.<br />

(SOLÀ-MORALES, 2002, p.43).<br />

Embora igualmente partidários da plena confiança nas possibilida<strong>de</strong>s<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 20 - Projeto Living Pod<br />

- Archigram Fonte: http://www.<br />

archigram.net/projects_pages/living_<br />

pod.html. Acessado em 26 mar. 2005.<br />

Figura 21 - Projeto Cuihicle -<br />

Archigram Fonte: http://www.<br />

archigram.net/projects_pages/<br />

cuishicle_4.html. Acessado em 26 mar.<br />

2005.<br />

78


oferecidas pelos avanços tecnológicos, característica que motivara os<br />

arquitetos mo<strong>de</strong>rnos, o que diferencia esses grupos das hipóteses radicais<br />

do mo<strong>de</strong>rnismo é a proposição <strong>de</strong> um modo produtivo sintonizado com as<br />

particularida<strong>de</strong>s da economia e da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo, <strong>de</strong> forma a criar<br />

cida<strong>de</strong>s, e conseqüentemente arquiteturas, mais livres, mais personalizadas,<br />

mais atentas à mudanças.<br />

Em via oposta, <strong>de</strong>lineavam-se ainda propostas urbanas e arquitetônicas<br />

<strong>de</strong>nominadas alternativas. No terceiro mundo, na Ásia, na África e na<br />

América Latina, a industrialização tardia e os anos subseqüentes à gran<strong>de</strong><br />

guerra <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram processos <strong>de</strong> urbanização <strong>de</strong> proporções até então<br />

inimagináveis, em que as políticas <strong>de</strong> moradia, próprias da tradição mo<strong>de</strong>rna,<br />

se revelaram absolutamente ineficazes.<br />

Não havia nem recursos e nem tempo suficiente para oferecer moradia<br />

convencional ao enorme contingente <strong>de</strong> novos cidadãos que <strong>de</strong>sembarcavam<br />

nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>sprovidos tanto <strong>de</strong> ofício quanto <strong>de</strong> benefícios sociais.<br />

A autoconstrução apresentava-se, assim, como alternativa <strong>de</strong>sejável e<br />

promissora.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Além disso, os movimentos <strong>de</strong> contestação do mo<strong>de</strong>rnismo passaram<br />

ainda pela suavização dos limites entre histórico e mo<strong>de</strong>rno, tal qual proposto<br />

pelo arquiteto italiano Aldo Rossi, e, mais recentemente, pelas <strong>nova</strong>s formas<br />

<strong>de</strong> requalificação urbana <strong>de</strong> que são exemplares as transformações ocorridas<br />

na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barcelona, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1990.<br />

79


Vale <strong>de</strong>stacar que, no urbanismo da Barcelona contemporânea, foi<br />

introduzido um importante conceito <strong>de</strong>scrito como metástase urbana, em que<br />

operações pontuais, como a requalificação do <strong>de</strong>senho urbano <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

praças, <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> encontro ou comerciais, assim como a edificação<br />

<strong>de</strong> arquiteturas simbólicas do po<strong>de</strong>r da metrópole, teriam a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar mudanças seqüenciais e qualitativas em seu entorno e, em<br />

conseqüência, em toda a cida<strong>de</strong>.<br />

Não eram traços estilísticos o que estava em jogo em tais concepções<br />

urbanas e arquitetônicas contestatórias do movimento mo<strong>de</strong>rno, mas, ao<br />

contrário, o que se questionava era o equilíbrio entre os domínios público e<br />

privado, entre áreas livres e edificadas, entre as diversas escalas e significados<br />

metropolitanos, como a do pe<strong>de</strong>stre e a do automóvel. Neste sentido, suas<br />

linguagens foram caracterizadas pela extrema varieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o conciso<br />

minimalismo até o mais barroco interesse pelo ornamento.<br />

Em suma, a assimilação do fenômeno metropolitano, ou seja, das<br />

enormes concentrações urbanas, foi a condicionante que orientaria cada uma<br />

<strong>de</strong>ssas <strong>nova</strong>s concepções <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> arquitetura. Não está mais em jogo,<br />

portanto, a cida<strong>de</strong> tradicional consi<strong>de</strong>rada pelo movimento mo<strong>de</strong>rno e, assim,<br />

também a arquitetura sofreria mudanças radicais.<br />

Neste sentido, Solà-Morales observa:<br />

As metrópoles contemporâneas são<br />

<strong>de</strong>scentralizadas, ou seja, carecem <strong>de</strong> um ponto<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 22 - Vila Olímpica - Barcelona<br />

Fonte: Foto do Autor.<br />

Figura 23 - Porto Olímpico e<br />

Barceloneta Fonte: Foto do Autor.<br />

80


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

central, histórico, político, e ten<strong>de</strong>m a multiplicar<br />

os coágulos nos que se <strong>de</strong>nsificam as ativida<strong>de</strong>s e,<br />

assim, as edificações.<br />

Mais do que <strong>de</strong> arquiteturas, se <strong>de</strong>veria falar <strong>de</strong><br />

conglomerados, nos quais cada peça pensada com<br />

critérios convencionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho não é senão um<br />

elemento <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços<br />

para o tratamento do qual, contudo, não existe<br />

nem experiência nem métodos a<strong>de</strong>quados à sua<br />

diversida<strong>de</strong> e mudança contínua.<br />

Aeroportos, áreas comerciais, áreas esportivas,<br />

parques temáticos, nós <strong>de</strong> trocas <strong>de</strong> transportes,<br />

áreas industriais, centros <strong>de</strong> negócio, entre outros,<br />

são hoje os novos geradores <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> urbana<br />

em torno dos quais a forma das cida<strong>de</strong>s parece se<br />

fazer plástica e maleável.<br />

As metáforas orgânicas para <strong>de</strong>screver essas<br />

situações se multiplicam, e estamos assistindo nos<br />

últimos anos ao verda<strong>de</strong>iro retorno da terminologia<br />

e da iconologia organicista para visualizar tais<br />

fenômenos.<br />

Sentimos a acumulação <strong>de</strong> acontecimentos sobre<br />

nós, mas advertimos uma limitada capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

assumi-los e dar-lhes respostas. Nos encontramos<br />

diante <strong>de</strong> feitos que colocam em juízo, para a<br />

arquitetura, sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer uma cida<strong>de</strong><br />

permanentemente ativa, expansiva e cega em seu<br />

<strong>de</strong>sprendimento.<br />

A metrópole, cida<strong>de</strong> do tempo presente, se<br />

apresenta como novo obscuro objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo para<br />

a arquitetura e os arquitetos. (SOLÀ-MORALES,<br />

2002, p.51).<br />

81


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Ou, como explica em contraposição Fábio Duarte:<br />

Distintamente do mundo industrial, a cida<strong>de</strong><br />

contemporânea tem o os processos <strong>de</strong> geração<br />

<strong>de</strong> conhecimento, <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> econômica<br />

e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns políticas e militares transformados<br />

pelo paradigma informacional. O produto da<br />

tecnologia informacional é a própria informação,<br />

potencialmente sendo trabalhada em escala global<br />

e em tempo real. São primordialmente os fluxos<br />

financeiros voláteis, negociados através das re<strong>de</strong>s<br />

informacionais, e não o tráfego <strong>de</strong> produtos,<br />

que dinamizam a economia global. O trânsito <strong>de</strong><br />

mercadorias, idéias e pessoas no mundo percorria<br />

os trilhos férreos, as auto-estradas, as linhas<br />

telegráficas; fazia-se a partir <strong>de</strong> um projeto político<br />

internacional que se fortalecia, com o enrijecimento<br />

das fronteiras econômicas nacionais, através da<br />

criação <strong>de</strong> taxas aduaneiras e regulamentação<br />

<strong>de</strong> circulação <strong>de</strong> valores, para a proteção <strong>de</strong> uma<br />

possível propagação <strong>de</strong> crises econômicas. Se há<br />

figuras simbólicas do espaço mo<strong>de</strong>rno na passagem<br />

para o século XX são os trilhos, as estradas, as<br />

alfân<strong>de</strong>gas. A socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fluxos contemporânea<br />

dispensa os trilhos assentados no terreno, rompe<br />

as barreiras aduaneiras: uma idéia não viaja <strong>de</strong><br />

um ponto a outro, ela age em todos ao mesmo<br />

tempo. Se há uma figura, ela é a re<strong>de</strong>. (DUARTE,<br />

2002, p.175).<br />

82


6.3 O espaço coletivo e individual na era das<br />

tecnologias telemáticas<br />

Diversida<strong>de</strong>, flui<strong>de</strong>z, fugacida<strong>de</strong> e individualida<strong>de</strong> foram, como vimos<br />

no capítulo anterior, conceitos incorporados à visões arquitetônicas que se<br />

estabeleceram contemporânea ou posteriormente à tradição mo<strong>de</strong>rna. Se,<br />

em princípio, tais termos correspon<strong>de</strong>ram a uma <strong>nova</strong> escala e magnitu<strong>de</strong><br />

dos aglomerados urbanos, o advento da chamada era informacional, a<br />

que nos <strong>de</strong>teremos no presente capítulo, transformaria por completo seus<br />

<strong>de</strong>sdobramentos tanto nas formas <strong>de</strong> criação quanto <strong>de</strong> representação<br />

arquitetônicas.<br />

Existem alguns conceitos chaves para o entendimento <strong>de</strong>sta <strong>nova</strong> era<br />

globalizada 5 , <strong>de</strong>ntre os quais <strong>de</strong>stacam-se os <strong>de</strong> interativida<strong>de</strong> e ciberespaço.<br />

Segundo Pierre Lèvy, “o termo interativida<strong>de</strong> em geral ressalta a participação<br />

ativa do beneficiário <strong>de</strong> uma transação <strong>de</strong> informação. De fato, seria trivial<br />

mostrar que um receptor <strong>de</strong> informação, a menos que esteja morto, nunca é<br />

passivo” (LÈVY, 2000, p.79). Já ciberespaço seria melhor compreendido pela<br />

sintética <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “turbulenta zona <strong>de</strong> trânsito para signos vetorizados”<br />

(LÈVY, 1995, p. 49).<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Ou seja, no contexto da completa mediação das ativida<strong>de</strong>s humanas<br />

através <strong>de</strong> tecnologias computacionais 6 , em suma, dos softwares e da web,<br />

tais conceitos não mais se resumiriam à criação tradicional <strong>de</strong> edifícios e<br />

5 Se não espacialmente, ao menos economicamente.<br />

6 Trata-se da utilização <strong>de</strong> computadores pessoais associados ao que se <strong>de</strong>nomina logiciárias, ou seja, “parte <strong>de</strong> um sistema eletrônico, <strong>de</strong><br />

um instrumento, <strong>de</strong> um microcomputador, constituída <strong>de</strong> informações, algoritmos e procedimentos contidos em seu sistema <strong>de</strong> memória e<br />

armazenamento secundário. É a logicionária que <strong>de</strong>termina todas as operações dos subsistemas do computador, <strong>de</strong>terminando seu modo <strong>de</strong><br />

operação e o caráter das operações realizadas. Em inglês, software”. (ZUFFO, 1997). O avanço <strong>de</strong> tais sistemas, assim como dos próprios<br />

83


arquiteturas. A introdução da idéia <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> fluxos interconectados e<br />

sobrepostos, e dos lugares <strong>de</strong> sua manifestação, transformaria por completo a<br />

arquitetura da passagem para o século XXI.<br />

A cida<strong>de</strong> teorizada e planejada pelos mo<strong>de</strong>rnos no início do século XX,<br />

quando se objetivava a racionalização do ambiente urbano enquanto unida<strong>de</strong><br />

produtiva, não mais existia. Em seu lugar, a cida<strong>de</strong> informacional passou a se<br />

basear em hierarquias bem mais complexas do que as <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> processos<br />

tradicionais <strong>de</strong> produção e distribuição <strong>de</strong> mercadorias.<br />

No momento em que esses bens passam a ser também imateriais, como<br />

entretenimento, conectivida<strong>de</strong>, qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e forças <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r flexíveis, as<br />

cida<strong>de</strong>s se tornam aglomerados <strong>de</strong>scentralizados, sem a clara distinção <strong>de</strong> um<br />

núcleo principal, central, não ao menos em todos os níveis e representativida<strong>de</strong>s<br />

da vida urbana.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Descentralizados, contudo, não implica em isolados. Ao contrário, a maciça<br />

conectivida<strong>de</strong> entre pessoas, objetos, serviços e informação, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

do grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do país, é justamente o traço fundador da era<br />

atual. Seja na Paris contemporânea, <strong>de</strong>scrita pelo geógrafo e historiador Marcel<br />

Roncayolo, na Los Angeles <strong>de</strong> que fala o geógrafo norte-americano Edward Soja<br />

(apud Solà-Morales, 2002), ou nos países sub<strong>de</strong>senvolvidos abordados pela<br />

holan<strong>de</strong>sa Saskia Sassen (apud Solà-Morales, 2002), as cida<strong>de</strong>s informacionais<br />

não po<strong>de</strong>m mais ser pensadas nos mesmos termos e métodos instaurados<br />

pelos arquitetos e planejadores mo<strong>de</strong>rnos. Não se trata mais, portanto, da<br />

componentes, são apenas uma das alterações que os novos avanços nas tecnologias ditas telemáticas, ou seja, “a ciência que trata da<br />

manipulação e utilização da informação através do uso combinado <strong>de</strong> computador e meios <strong>de</strong> telecomunicação” (FERREIRA, 1999),<br />

possibilitam à socieda<strong>de</strong> contemporânea, também <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> da informação, infosocieda<strong>de</strong>, socieda<strong>de</strong> pós-industrial.<br />

84


cida<strong>de</strong> haussmanniana do século XIX.<br />

O que equivale a dizer que a contribuição arquitetônica neste novo contexto<br />

<strong>de</strong>ve ser completamente re<strong>de</strong>finida, i<strong>nova</strong>da, tanto em relação aos parâmetros<br />

arquitetônicos clássicos, ou seja, à arquitetura enquanto formas <strong>de</strong> criação <strong>de</strong><br />

materiais, quanto aos termos <strong>de</strong> correspondência entre arquitetura e cida<strong>de</strong>. É<br />

necessário enten<strong>de</strong>r, como afirma Solà-Morales, “a gravida<strong>de</strong> da esquizofrenia<br />

produzida entre a cultura arquitetônica e a realida<strong>de</strong> urbana contemporânea”.<br />

(SOLÀ-MORALES, 2002, p.82).<br />

Assim, torna-se urgente indagar o lugar, os instrumentos e capacida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> intervenção da arquitetura na trama da cida<strong>de</strong> informacional, questão a<br />

que, segundo proposto por Solà-Morales, po<strong>de</strong>mos nos aproximar pela análise<br />

<strong>de</strong> certas constantes observadas na arquitetura e cida<strong>de</strong>s atuais.<br />

A primeira <strong>de</strong>las refere-se à idéia <strong>de</strong> mutação, que já no início do século<br />

XX motivara o mo<strong>de</strong>lo orgânico-evolucionista do norte-americano Frank<br />

Lloyd, assim como do inglês Raymond Unwin, que atuou no Brasil através das<br />

chamadas cida<strong>de</strong>s-jardim. Por esse mo<strong>de</strong>lo, a relação entre as transformações<br />

nas cida<strong>de</strong>s e na arquitetura era pensada <strong>de</strong> forma similar aos movimentos <strong>de</strong><br />

crescimento e transformação dos seres vivos.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Porém, com os <strong>de</strong>sdobramentos do conceito <strong>de</strong> mutação na área da<br />

biologia, ainda no século XIX, passou-se a consi<strong>de</strong>rar as mudanças ocasionais,<br />

aleatórias, enquanto mecanismos <strong>de</strong> ruptura e <strong>de</strong> alteração brusca <strong>de</strong> processos<br />

hereditários. O paralelo em diversas áreas <strong>de</strong> conhecimento foi, então, a<br />

85


introdução <strong>de</strong> noções como imprevisibilida<strong>de</strong>, caos e turbulência, através dos<br />

quais as cida<strong>de</strong>s se transformariam não por processos evolutivos, mas, ao<br />

contrário, por processos <strong>de</strong> mutações súbitas, autônomas. Não se chegaria,<br />

portanto, do planejamento à edificação, como acreditaram os mo<strong>de</strong>rnos.<br />

Solà-Morales explica:<br />

Desenhar a mutação, introduzir-se em sua energia<br />

centrífuga, <strong>de</strong>veria comportar a um tempo, o<br />

<strong>de</strong>senho do espaço público e privado, da mobilida<strong>de</strong><br />

e dos lugares especializados, do organismo global<br />

e dos indivíduos. Tudo aponta para a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> morfologias abertas, interativas, nas quais<br />

alguns mínimos critérios sejam as únicas leis que<br />

organizem o rápido processo pelo qual se passe <strong>de</strong><br />

um estágio urbano para outro. Mas, esses critérios<br />

não po<strong>de</strong>m incidir unicamente no <strong>de</strong>senho urbano, à<br />

margem da edificação, porque essa distinção per<strong>de</strong><br />

sentido em um processo mutacional. Somente<br />

projetos com mecanismos <strong>de</strong> auto-regulação, <strong>de</strong><br />

interação e <strong>de</strong> reajuste durante o próprio processo<br />

<strong>de</strong> realização po<strong>de</strong>m ter sentido em situações<br />

dificilmente imagináveis em outros momentos do<br />

passado. (SOLÀ-MORALES, 2002, p.86).<br />

A arquitetura da era informacional tem a ver também com a idéia <strong>de</strong><br />

fluxos, e, mais uma vez, vale aqui <strong>de</strong>stacarmos a mudança <strong>de</strong> enfoque ocorrida<br />

em relação à concepção mo<strong>de</strong>rna.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Durante os CIAM, o movimento era circunscrito a uma das quatro gran<strong>de</strong>s<br />

funções urbanas, ao lado da moradia, do trabalho e do lazer. Mas, na passagem<br />

86


para a era informacional, começaram a ser consi<strong>de</strong>rados também outros tipos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamentos, ou seja, os fluxos imateriais.<br />

Fluxos estes não como os da autopista ou do telefone, mas enquanto<br />

justaposição e enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> movimentos informacionais, pelos quais as<br />

cida<strong>de</strong>s e arquitetura passam a ser locais nodais, que dão suporte à variados<br />

níveis <strong>de</strong> conexão entre pessoas, serviços e objetos. Ou seja, parece improvável<br />

que a arquitetura, neste contexto diversificado, seja pensada como algo estável,<br />

estático e contínuo, mas, ao contrário, que ela seja entendida a partir da<br />

urgência <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> por dar suporte ao intercâmbio entre re<strong>de</strong>s distintas.<br />

Ligada à idéia <strong>de</strong> fluxos, a cida<strong>de</strong> contemporânea é também caracterizada<br />

por <strong>nova</strong>s formas <strong>de</strong> trocas, <strong>de</strong> mercado. Os bens e serviços passam <strong>de</strong><br />

necessários à <strong>de</strong>sejáveis, e, assim, fundamentam a chamada socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

consumo e da informação.<br />

Neste sentido, o filósofo alemão Walter Benjamin (apud Solà-Morales,<br />

2002) antevira os espaços comerciais da era informacional como os novos<br />

espaços rituais e fetichistas da nossa socieda<strong>de</strong>. Ou seja, em todo o mundo,<br />

os mecanismos <strong>de</strong> intercâmbio passam a ser carregados <strong>de</strong> simbolismo, o que<br />

entrará em choque com a objetivida<strong>de</strong>, com o racionalismo e funcionalismo<br />

<strong>de</strong>fendidos pelo movimento mo<strong>de</strong>rno.<br />

Ainda segundo Solà-Morales:<br />

O princípio funcionalista se torna inconsistente<br />

no momento em que as necessida<strong>de</strong>s humanas<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figuras 24 e 25 - H2O Pavilion – Grupo<br />

NOX.<br />

87


se convertem em absolutamente relativas. [...]<br />

É necessário ir ao cinema, ter um jardim próprio<br />

em que cultivar as flores <strong>de</strong> que se gosta, dispor<br />

<strong>de</strong> automóveis e <strong>de</strong>slocar-se com eles para ter<br />

comodida<strong>de</strong>, ver <strong>de</strong> perto a Gioconda, a Capela<br />

Sistina [...]?(SOLÀ-MORALES, 2002, p.98).<br />

São perguntas difíceis <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, supostamente muito mais no mundo<br />

oci<strong>de</strong>ntal, mas em vias <strong>de</strong> sê-lo também, embora com matizes distintas, inclusive<br />

nos países em <strong>de</strong>senvolvimento. Em outras palavras, o funcionalismo parte <strong>de</strong><br />

hipóteses fixas quando, na realida<strong>de</strong>, as necessida<strong>de</strong>s a que <strong>de</strong>ve respon<strong>de</strong>r<br />

são e <strong>de</strong>vem ser tais que dinamizem a produção do mercado, fazendo-o fluido,<br />

mutante, efêmero.<br />

Quais as propostas contemporâneas para esses locais, esses cenários do<br />

ritual <strong>de</strong> consumo, seja ele <strong>de</strong> bens, <strong>de</strong> serviços ou <strong>de</strong> informação? O que Solà-<br />

Morales <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> contenedor, po<strong>de</strong> ser uma loja comercial, um museu,<br />

um estádio, um edifício histórico ou locais <strong>de</strong> entretenimento, é <strong>de</strong>finido<br />

espacialmente pela idéia <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência em relação à realida<strong>de</strong>.<br />

Ou seja, são espaços <strong>de</strong> representação, artificiais, contrários à explícita<br />

transparência, separados fisicamente do entorno <strong>de</strong> forma a negar-lhe<br />

permeabilida<strong>de</strong>, transitivida<strong>de</strong>, conexão imediata. Por isso os tratamentos<br />

<strong>de</strong> superfícies passaram a ser tão importantes para os arquitetos da era<br />

informacional, como veremos em outra parte do presente trabalho.<br />

Os contenedores são os cenários <strong>de</strong> distribuição e consumo da era<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 26 - London City Hall, Foster<br />

and Partners. Fonte: http://www.<br />

answers.com/topic/foster-and-partners.<br />

Acessado em 1 abr. 2005.<br />

88


informacional, os locais da multiplicação das ofertas culturais. Seu princípio é<br />

o da representação cultural que <strong>de</strong>ve intermediar os sofisticados mecanismos<br />

<strong>de</strong> distribuição e consumo <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>.<br />

Outra constante que po<strong>de</strong>mos observar para enten<strong>de</strong>r a arquitetura da<br />

era informacional refere-se ao surgimento da noção <strong>de</strong> ambiente enquanto<br />

transcendência dos valores físicos, imediatos dos edifícios e <strong>de</strong> seu entorno.<br />

Tal idéia <strong>de</strong>riva em boa parte da tradição paisagística, pela qual a percepção<br />

<strong>de</strong> valores formais está intrinsecamente associada a valores evocativos,<br />

carregados <strong>de</strong> significados simbólicos e históricos. É o que Solà-Morales <strong>de</strong>fine<br />

como “forma da ausência”.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

De forma similar ao que ocorre com os contenedores, tal aproximação<br />

se <strong>de</strong>fine a partir do isolamento em relação à cida<strong>de</strong> existente para conferir-<br />

lhe um outro significado, um espaço <strong>de</strong> representação. Ou seja, trata-se em<br />

boa parte <strong>de</strong> um movimento cultural <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencanto com a cida<strong>de</strong> originária do<br />

período mo<strong>de</strong>rno, o que explica o traço ambíguo, <strong>de</strong> amor e ódio, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

parte <strong>de</strong> grupos artísticos contemporâneos em relação a ela.<br />

Referindo-se à expressão francesa terrain-vague, sendo vague tanto<br />

no sentido <strong>de</strong> vazio, livre <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, quanto no <strong>de</strong> vago, sem limites e<br />

significados <strong>de</strong>terminados, Solà-Morales escreve: “[...] da mesma forma em<br />

que a cultura urbana do século XX <strong>de</strong>senvolveu os espaços dos parques urbanos<br />

como resposta e antídoto à <strong>nova</strong> cida<strong>de</strong> industrial, nossa cultura pós-industrial<br />

reclama espaços <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> in<strong>de</strong>finição e <strong>de</strong> improdutivida<strong>de</strong>. São eles os<br />

89


espaços residuais da cida<strong>de</strong>”. (SOLÀ-MORALES, 2002, p.104).<br />

Mas, e quanto às habitações? O que mudou na forma <strong>de</strong> pensar e edificar<br />

a moradia dos novos aglomerados urbanos? Existem elementos constantes<br />

e característicos da era informacional, i<strong>de</strong>ntificáveis nas manifestações<br />

arquitetônicas atuais <strong>de</strong>sse importante programa humano?<br />

Em termos gerais, po<strong>de</strong>-se dizer que, embora não se compare à<br />

magnitu<strong>de</strong>, priorida<strong>de</strong> e intensida<strong>de</strong> das formulações mo<strong>de</strong>rnas sobre o<br />

assunto, o tema da habitação humana nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s continua sendo, ao<br />

menos quantitativamente, o mais importante relacionado à arquitetura e aos<br />

arquitetos.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Diferentemente do período mo<strong>de</strong>rno, em que as formulações teóricas sobre<br />

a moradia, como as <strong>de</strong> Le Corbusier que tratamos na primeira parte do presente<br />

trabalho, se baseavam, especialmente no pós-guerra, na responsabilida<strong>de</strong><br />

direta dos po<strong>de</strong>res públicos, atualmente houve a diversificação dos eixos que<br />

organizam a ativida<strong>de</strong> produtiva das habitações.<br />

Por um lado, figura o chamado mercado imobiliário, ou seja, o acesso<br />

à casa através da compra, aluguel, leasing ou <strong>de</strong> qualquer outro mecanismo<br />

econômico. Tal procedimento é regulado pelas leis <strong>de</strong> oferta e da procura, e<br />

é caracterizado por uma falsa imagem <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s irrestritas. Ou seja,<br />

embora anuncie a opção <strong>de</strong> escolha frente à incontáveis localizações, tipologias,<br />

entre outros, as habitações privadas do mercado imobiliário contemporâneo,<br />

seja ela um apartamento, uma casa unifamiliar ou uma unida<strong>de</strong> condominial,<br />

90


apresentam <strong>de</strong> fato poucas variações essenciais.<br />

Por outra parte, embora se verifique certo <strong>de</strong>sinteresse cultural da<br />

arquitetura em relação a essa imensa área <strong>de</strong> produção edificada, fator<br />

normalmente anunciado como reação à massiva especulação imobiliária,<br />

o <strong>de</strong>senho da casa persiste como terreno fértil para a experimentação<br />

arquitetônica, para a i<strong>nova</strong>ção.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

E, nesse sentido, se <strong>de</strong>stacam quatro programas essenciais: as habitações<br />

coletivas especiais, ou seja, casas para situações transitórias, como as criadas<br />

para os atletas em competições olímpicas, ou casas para imigrantes, para<br />

<strong>de</strong>sabrigados, para quem vive sozinho, entre outros; as habitações com elevada<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação, ou seja, criadas para o próprio arquiteto, para o artista,<br />

para a experimentação neo-vanguardista; a construção alternativa, também<br />

tangencial à gran<strong>de</strong> massa da arquitetura resi<strong>de</strong>ncial comercial, e exemplificável<br />

através das iniciativas <strong>de</strong> auto-construção em contextos sociais e econômicos<br />

menos favorecidos; e, por fim, aquele programa vinculado a uma linha <strong>de</strong><br />

pensamento mais diretamente ligada ao mercado, ou seja, a casa <strong>de</strong>finida a<br />

partir da idéia <strong>de</strong> componentes (móveis, eletrodomésticos, bricolagem, etc.).<br />

Sobre esse programa especificamente, Solà-Morales observa:<br />

[...] estas <strong>nova</strong>s ofertas surgem como partes<br />

<strong>de</strong>cisivas para valores tão importantes como a<br />

distribuição dos espaços, a disposição <strong>de</strong> <strong>máquina</strong>s<br />

que auxiliam o trabalho doméstico ou a <strong>de</strong>finição<br />

do caráter simbólico que o usuário quer atribuir a<br />

91


sua própria casa como resposta às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e satisfação estética. (SOLÀ-MORALES,<br />

2002, p.96).<br />

6.4 Panorama da arquitetura contemporânea<br />

Vimos, no capítulo anterior, os principais indícios da transformação das<br />

cida<strong>de</strong>s ao longo do século XX através da análise <strong>de</strong> concepções urbanas<br />

que surgiram simultânea e posteriormente ao momento mo<strong>de</strong>rno, da cida<strong>de</strong><br />

industrial. O objetivo foi pesquisar as origens <strong>de</strong> conceitos, tais como fluxos,<br />

mutações, representação, mediação, flui<strong>de</strong>z e individuação, que se tornariam<br />

essenciais à arquitetura da era informacional.<br />

Da cida<strong>de</strong> passaremos, então, à arquitetura propriamente dita, <strong>de</strong><br />

forma a pesquisarmos as principais mudanças em seus métodos <strong>de</strong> criação e<br />

representação em virtu<strong>de</strong> dos conceitos anteriormente citados.<br />

Ou seja, se para as cida<strong>de</strong>s a introdução das idéias <strong>de</strong> mutação e flui<strong>de</strong>z<br />

originou a <strong>de</strong>scrença em sistemas absolutos <strong>de</strong> planificação, tais como pregados<br />

pela vanguarda mo<strong>de</strong>rna, para a arquitetura o que mudou foi a compreensão<br />

e <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> seus elementos constitutivos.<br />

Neste sentido, é sintomático citarmos o tema e textos <strong>de</strong> apresentação da<br />

mais recente mostra <strong>de</strong> arquitetura da Bienal <strong>de</strong> Veneza, ocorrida em meados <strong>de</strong><br />

setembro <strong>de</strong> 2004. O argumento do curador, Kurt Foster, era <strong>de</strong> que a arquitetura<br />

atravessa momento <strong>de</strong> profundas transformações, o que o motivou a selecionar<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 27 - 9 o Bienal Internacional <strong>de</strong><br />

<strong>Arquitetura</strong> <strong>de</strong> Veneza - Metamorph<br />

- Exposição Topografia. Fonte: www.<br />

vitruvius.com.br. Acessado em: 20 abr.<br />

2005.<br />

Figura 28 - 9 o Bienal Internacional <strong>de</strong><br />

<strong>Arquitetura</strong> <strong>de</strong> Veneza - Metamorph<br />

- Exposição Transformazione. Fonte:<br />

www.vitruvius.com.br. Acessado em:<br />

20 abr. 2005.<br />

92


centenas <strong>de</strong> projetos e obras concluídas em todos o mundo, representativos <strong>de</strong><br />

um novo vocabulário projetual. Assim, a mostra <strong>de</strong>nominada Metamorph, era<br />

constituída pelas sugestivas seções Transformações, Topografia, Superfícies e<br />

Atmosferas.<br />

Em síntese, a arquitetura contemporânea <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> priorizar a<br />

conformação <strong>de</strong> espaços materiais, conceito que lhe <strong>de</strong>finira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />

formulações vitruvianas <strong>de</strong> comodida<strong>de</strong>, firmeza e beleza, elaboradas há vinte<br />

e cinco séculos, e passaria, então, a ter que consi<strong>de</strong>rar a permanência da fruição<br />

<strong>de</strong>sses espaços, além dos eventos a eles vinculados. Ou seja, sob o ponto <strong>de</strong><br />

vista da tradicional relação espaço/tempo, a arquitetura da era informacional<br />

mudaria o foco do primeiro para o segundo domínio.<br />

Em outras palavras, o que vivenciamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> finais do século XX é a<br />

passagem da arquitetura firme, estável, sólida, imutável, para uma arquitetura<br />

que po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>nominada como fluida, líquida.<br />

Neste sentido, Solà-Morales assinala:<br />

O habitual na arquitetura é, portanto, que sua<br />

<strong>de</strong>terminação se faça através <strong>de</strong> materiais sólidos,<br />

o que explica as repetidas consi<strong>de</strong>rações materiais<br />

e construtivas contidas nos tratados arquitetônicos<br />

oci<strong>de</strong>ntais. <strong>Arquitetura</strong> tem a ver, tradicionalmente,<br />

com a idéia <strong>de</strong> permanência. Mas, o que acontece<br />

se tentarmos pensar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> outros extremos <strong>de</strong>sses<br />

conceitos tradicionais? É possível pensar uma<br />

arquitetura cujo objetivo seja não o <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar a<br />

dimensão exata, mas o movimento e a duração?<br />

(SOLÀ-MORALES, 2002, p.125).<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 29 - Projeto vencedor do<br />

concurso para Plano Urbanístico <strong>de</strong><br />

Astana, Casaquistão. 1998. Kisho<br />

Kurokawa. Fonte: http://home.t-online.<br />

<strong>de</strong>/home/anaman<strong>de</strong>/astana01.jpg.<br />

Acessado em 02 out. 2004.<br />

93


No início do século XX, o pensador francês Henry Bergson (apud Solà-<br />

Morales, 2002) tecera consi<strong>de</strong>rações sobre os domínios do espaço e do tempo<br />

tal qual proposto pela física mo<strong>de</strong>rna, ou seja, embora totalmente relacionados,<br />

enquanto pólos extremos <strong>de</strong> uma mesma realida<strong>de</strong>. Frente à corrente crença <strong>de</strong><br />

que o espaço constituía o verda<strong>de</strong>iro suporte da arquitetura, e que, portanto,<br />

o tempo representava a forma <strong>de</strong> experiência <strong>de</strong>sse espaço, Bergson propôs<br />

pioneiramente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar como prioritária a experiência<br />

da duração, da continuida<strong>de</strong> e, assim, da diversida<strong>de</strong> e multiplicida<strong>de</strong>.<br />

Em outros termos, a compreensão da arquitetura não se daria <strong>de</strong> antemão<br />

através da visualização dos limites espaciais constituídos por seu suporte,<br />

ou seja, pelos materiais que a conformam. Ao contrário, o que Bergson, e<br />

posteriormente o também filósofo francês Gilles Deleuze (apud Solà-Morales,<br />

2002), irão propor é que a arquitetura, enquanto manifestação da realida<strong>de</strong>,<br />

ou das realida<strong>de</strong>s em que vivemos, seja constituída pelos acontecimentos que<br />

se fixam em nossa consciência, abrindo a experiência do espaço e do tempo à<br />

acumulação, à multiplicida<strong>de</strong> e à intuição.<br />

Em resumo, <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> existir na arquitetura a relação hierárquica entre<br />

espaço e tempo, <strong>de</strong> forma que não só seus suportes materiais <strong>de</strong>terminariam<br />

a percepção dos espaços que ela cria, mas também outros fenômenos ligados<br />

ao tempo e à idéia <strong>de</strong> fugacida<strong>de</strong>.<br />

Para exemplificar a questão, vale comparar as diferenças <strong>de</strong> linguagens<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 30 - A Trans<strong>Arquitetura</strong> <strong>de</strong><br />

Marcos NOvak.<br />

94


observadas entre duas manifestações arquitetônicas em voga nos anos<br />

sessenta e setenta. São elas o minimalismo e as criações do grupo Fluxus 7 .<br />

Enquanto que para a primeira, fundamentada na filosofia zen, é a busca pela<br />

redução e pela essência formal o que está em jogo na arquitetura, para a<br />

segunda, um movimento artístico que propôs a interação entre várias formas <strong>de</strong><br />

manifestação cultural, é, ao contrário, a busca pela acumulação, pela sucessão,<br />

pela casualida<strong>de</strong> o que <strong>de</strong>finiria a finalida<strong>de</strong> da criação arquitetônica. Para o<br />

Fluxus, assim, é o tempo o fio condutor da arquitetura, sendo <strong>de</strong>snecessários,<br />

conseqüentemente, as reduções ou os esquematismos formais.<br />

Portanto, a arquitetura líquida po<strong>de</strong>ria ser pensada enquanto a criação<br />

<strong>de</strong> meios e estratégias para manipular os fluxos, a circulação <strong>de</strong> indivíduos,<br />

bens ou <strong>de</strong> informação, o que se torna mais compreensível ao pensarmos em<br />

áreas <strong>de</strong> troca, como aeroportos, estações marítimas ou ferroviárias.<br />

Mas também em outros programas, o que <strong>de</strong>finiria os procedimentos, a<br />

essência da arquitetura fluida da era informacional? Embora se trate <strong>de</strong> uma<br />

linguagem ainda em fase <strong>de</strong> conformação, portanto <strong>de</strong> difícil <strong>de</strong>finição, algumas<br />

chaves se abrem para o entendimento e proposição <strong>de</strong> seus mecanismos<br />

criativos.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Uma <strong>de</strong>las é pensarmos na radical mudança ocorrida nos últimos <strong>de</strong>z<br />

anos em relação à forma <strong>de</strong> representação arquitetônica. Em vez da tradicional<br />

visualização perspectiva, em princípio <strong>de</strong>finida como a tomada <strong>de</strong> ângulos, <strong>de</strong><br />

pontos <strong>de</strong> vista parciais, a experiência da arquitetura, ou seja, do lugar dos<br />

7 Denominação inspirada no pensamento do filósofo pré-socrático Heráclito. Grupo fundado em 1961, principalmente por George Maciunas, tem como participantes<br />

arquitetos como Robert Morris, Sol Le Witt, Walter <strong>de</strong> Maria, etc. (SÒLA-MORALES, 2002, p.130/132)<br />

95


fluxos, é necessariamente sinestésica, tem a ver com a interação e a somatória<br />

<strong>de</strong> estímulos.<br />

Por isso, como veremos nos próximos capítulos, o extraordinário<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das ferramentas <strong>de</strong> criação e representação arquitetônica<br />

através <strong>de</strong> tecnologias computacionais, adquiriu papel fundamental na<br />

constituição do que se <strong>de</strong>nomina arquitetura fluida da era informacional.<br />

6.5 Fundamentação para as <strong>nova</strong>s ferramentas<br />

arquitetônicas<br />

Priorizar a base material da arquitetura, tal qual as noções vitruvianas<br />

que predominaram na cultura oci<strong>de</strong>ntal até o século XX, implica pensarmos<br />

que suas linguagens, estilos e tipologias <strong>de</strong>rivam essencialmente <strong>de</strong> formas<br />

<strong>de</strong> manipulação <strong>de</strong> materiais e técnicas construtivas. Por isso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Alberti<br />

até Le Corbusier, a priorida<strong>de</strong> dos arquitetos foi refletir sobre os alcances e<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados recursos técnicos, construtivos,<br />

pensamento que constitui a própria <strong>de</strong>finição da tão discutida relação entre<br />

arquitetura e tecnologia.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Porém, é fato que, embora a noção <strong>de</strong> material seja uma das bases<br />

incontestáveis da arquitetura <strong>de</strong> todos os tempos, essa mesma noção mudou<br />

muito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meados do século XIX, principalmente a partir da busca dos<br />

arquitetos mo<strong>de</strong>rnos em ampliar a transparência das edificações.<br />

96


Seja através da conexão visual entre o interior e o exterior, do<br />

estreitamento <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s e da eliminação <strong>de</strong> divisórias internas através da<br />

idéia da planta livre, ou seja, da separação ente elementos estruturais e <strong>de</strong><br />

vedação no sentido <strong>de</strong> favorecer a flui<strong>de</strong>z espacial, esses arquitetos mo<strong>de</strong>rnos<br />

teriam, em certo sentido, dado o pontapé inicial no que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>nominar<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>smaterialização da arquitetura.<br />

mo<strong>de</strong>rnos:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Ainda segundo Solà-Morales, nos pressupostos dos arquitetos<br />

[...] estava a semente <strong>de</strong> uma ambição mais radical:<br />

fazer uma arquitetura em que o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

tecnológico permitisse passar <strong>de</strong> espaços fechados<br />

por muros, mais ou menos transparentes, ao<br />

controle do ambiente através do controle energético.<br />

Ou seja, uma arquitetura sem muros necessários<br />

para o controle da luz, do clima, do ruído e <strong>de</strong><br />

toda sorte <strong>de</strong> radiações. Assim, o projeto mo<strong>de</strong>rno<br />

<strong>de</strong>veria consumar sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>smaterializadora.<br />

Com a<strong>de</strong>quada iluminação e eletroacústica, um<br />

estádio se convertia em uma sala <strong>de</strong> concertos,<br />

um hangar industrial em um teatro. Com circuito<br />

interno <strong>de</strong> televisão po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>saparecer os<br />

obstáculos, as portas. Com um anúncio luminoso<br />

po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>saparecer as fachadas dos edifícios.<br />

A arquitetura do controle ambiental dissolvia<br />

toda materialida<strong>de</strong>, substituindo-a por efeitos<br />

instantaneamente modificáveis. A arquitetura<br />

estava nas intenções e nas infra-estruturas<br />

tecnológicas necessárias à sua produção. (SOLÀ-<br />

MORALES, 2002, p.40).<br />

97


Tal noção <strong>de</strong> imaterialida<strong>de</strong>, ou seja, da arquitetura que não tem como<br />

prioritário o tratamento, a visualização e a ênfase em materiais com suportes<br />

físicos no seu sentido tradicional, se <strong>de</strong>sdobraria no entendimento da arquitetura<br />

enquanto série <strong>de</strong> lugares e fenômenos instantâneos. Ou seja, as tecnologias<br />

necessárias à sua constituição não mais seriam exclusivamente construtivas,<br />

mas, ao contrário, tecnologias informacionais que acondicionam objetos, efeitos<br />

e mensagens efêmeras.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Assim, po<strong>de</strong>mos introduzir a questão ferramental da arquitetura da<br />

era informacional, ou seja, a análise dos <strong>de</strong>sdobramentos dos novos meios<br />

computacionais em suas formas <strong>de</strong> criação e representação, através <strong>de</strong> alguns<br />

elementos básicos por ela manipulados. Embora diversos, tais elementos têm<br />

em comum a busca pela <strong>de</strong>smaterialização <strong>de</strong> que falamos anteriormente.<br />

Ou, conforme os termos do texto <strong>de</strong> abertura da seção Atmosfera, na<br />

mais recente Bienal <strong>de</strong> Veneza:<br />

[...] coisas evasivas e instáveis, fluidas e<br />

persuasivas, são <strong>de</strong> natureza difícil <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrita<br />

e ainda mais dificilmente <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida. Atmosfera<br />

é talvez o mais propício termo para ausência <strong>de</strong><br />

superfícies, para um fenômeno insubstancial e<br />

em constante transformação. Como a respiração,<br />

a nuvem ou o crepúsculo, a atmosfera está em<br />

todos os lugares, embora jamais possa ser<br />

compreendida, tocada. As sensibilida<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas<br />

respon<strong>de</strong>m rápida e intuitivamente ao conjunto <strong>de</strong><br />

mudanças na aparência e caráter das coisas. Há<br />

mais consi<strong>de</strong>rações para a vida dos edifícios do<br />

que mudanças cíclicas do dia e da noite, estações<br />

98


do ano ou temperaturas. Iluminação interna e<br />

externa; controle da temperatura interna, seu nível<br />

<strong>de</strong> ruídos e sua constante flutuação <strong>de</strong> atmosfera.<br />

Todos os indícios sugerem a vida inconsciente.<br />

(KURT FOSTER, 2004).<br />

Ou seja, o que está por trás dos intrincados programas computacionais,<br />

e <strong>de</strong> todos os esforços em torno <strong>de</strong> sua criação, é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar ao<br />

arquiteto suportes ferramentais para criar e representar uma arquitetura que<br />

seja <strong>de</strong>finida como: espaço informacional, ou seja, aquele capaz <strong>de</strong> transmitir<br />

não exclusivamente dados objetivos mas também ficcionais, simulados; espaço<br />

<strong>de</strong>finido e construído pelos efeitos da luz, seja ela natural ou artificial, tal<br />

qual as experiências <strong>de</strong> Toyo Ito ou Jean Nouvel; e espaço da representação,<br />

ornamental, em que se <strong>de</strong>stacam os tratamentos <strong>de</strong> superfície pesquisados<br />

pelos arquitetos Herzog & <strong>de</strong> Meuron.<br />

Todas essas noções espaciais têm em comum um novo enfoque <strong>de</strong><br />

compreensão e <strong>de</strong> percepção do suporte físico, material, que constitui a<br />

arquitetura, <strong>de</strong> forma a ele incorporar a percepção difusa, entre o visível e o<br />

invisível, que caracteriza a socieda<strong>de</strong> e a cultura contemporâneas.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 31 - Estádio para as Olimpíadas<br />

<strong>de</strong> 2008, em Pequim. Herzog & Meuron.<br />

Fonte: http://www.ethlife.ethz.ch/<br />

images/stadionpeking-l.jpg. Acessado<br />

em 30 mar. 2005.<br />

99


6.6 A aplicação da ferramenta computacional na<br />

<strong>Arquitetura</strong><br />

Embora as formulações conceituais da arquitetura da era informacional<br />

não tenham se <strong>de</strong>lineado repentinamente mas, ao contrário, através <strong>de</strong> várias<br />

manifestações culturais e arquitetônicas que surgiram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o período áureo<br />

do movimento mo<strong>de</strong>rno no início do século XX, existe um momento instaurador<br />

do que viria configurar uma completa revolução na forma <strong>de</strong> pensar e criar o<br />

espaço arquitetônico.<br />

Trata-se, em síntese, do momento em que as tecnologias computacionais<br />

se tornam a ferramenta necessária ao arquiteto da era informacional para que<br />

ele aplique, e explicite, todos aqueles conceitos <strong>de</strong> que falamos anteriormente,<br />

ou seja, a <strong>de</strong>smaterialização, a somatória <strong>de</strong> experiências, <strong>de</strong> informações, <strong>de</strong><br />

estímulos sensoriais, a autonomia entre as partes, enfim, a individuação da<br />

experiência arquitetônica.<br />

Antes <strong>de</strong> esmiuçarmos as características e proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tais<br />

tecnologias, propomos a reflexão sobre um dos elementos centrais à ativida<strong>de</strong><br />

do arquiteto, ou seja, a criação e a discussão em torno <strong>de</strong> imagens. E imagens,<br />

aqui, enquanto uma representação do real, ou seja, imagens <strong>de</strong> representação<br />

visual, assim como ditas imagéticas, ou seja, frutos <strong>de</strong> nossa mente, sem<br />

qualquer origem material.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Em síntese, tanto para a arquitetura quanto para qualquer outra área<br />

100


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

<strong>de</strong> criação, é através das imagens que se representam os objetos da criação,<br />

ou seja, aquilo que se <strong>de</strong>seja concretizar. Claro, portanto, que a forma <strong>de</strong><br />

tal representação, ou seja, que a natureza e magnitu<strong>de</strong> dos processos <strong>de</strong><br />

formulação <strong>de</strong> imagens, tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> influenciar o entendimento do<br />

objeto criado, tanto pelo autor quanto por terceiros.<br />

Em outras palavras, no momento mesmo da criação, a visualização do<br />

objeto criado po<strong>de</strong> alterar suas características iniciais, em um processo dinâmico<br />

em que interagem a criação, a representação, a compreensão e a intenção. Ou,<br />

como explica Ivan Piccoli dos Santos:<br />

O arquiteto interage com os elementos que<br />

<strong>de</strong>veriam estruturar o espaço não somente através<br />

das representações <strong>de</strong>stes, como é o caso da<br />

projetação convencional, mas também através da<br />

ação da percepção que o espaço proporciona ao<br />

ser moldado e vivenciado.<br />

Assim, ao se encontrar <strong>de</strong>ntro do espaço ao<br />

mesmo tempo que está sendo projetado, o<br />

arquiteto imergindo no espaço, torna-se o<br />

agente que correlaciona as sensações às ações<br />

necessárias para a modificação <strong>de</strong> um espaço<br />

indicial até obter as condicionantes formais e que<br />

antes só apresentava como um todo, <strong>de</strong>ntro do<br />

espaço imagético, ou seja, no espaço imaterial do<br />

pensamento. (SANTOS, 2000, p.180).<br />

Falamos aqui da realida<strong>de</strong> virtual, ou seja, da simulação do espaço<br />

arquitetônico e dos fenômenos a ele ligados, através <strong>de</strong> um suporte lógico, <strong>de</strong><br />

101


um programa <strong>de</strong>nominado genericamente <strong>de</strong> software, que, em síntese, faz<br />

interagir a <strong>máquina</strong> e o usuário. O que procuramos <strong>de</strong>scobrir é porque, embora<br />

os computadores já fossem utilizados em escritórios <strong>de</strong> arquitetura há mais<br />

tempo, houve um <strong>de</strong>terminado momento, na virada do século XXI, em que ele<br />

provocou uma verda<strong>de</strong>ira revolução na forma <strong>de</strong> se projetar e compreen<strong>de</strong>r a<br />

arquitetura.<br />

Assim, seria interessante nos retermos por um instante na questão da<br />

linguagem e das hierarquias computacionais. Ou seja, qualquer que seja a<br />

finalida<strong>de</strong> do uso do computador, qualquer que seja a natureza <strong>de</strong> seu usuário,<br />

é necessário o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma plataforma <strong>de</strong> comunicação entre o<br />

usuário e a <strong>máquina</strong>, o software <strong>de</strong> que falamos há pouco, que é constituído<br />

por estruturas sintática e semântica.<br />

O software po<strong>de</strong> interagir com <strong>de</strong>terminadas partes ou com todo o<br />

hardware, que são as unida<strong>de</strong>s físicas dos computadores, e as formas <strong>de</strong><br />

relacionamento entre o usuário e o software po<strong>de</strong>m ainda ser hierarquizadas<br />

ou arbitrárias. Em síntese, relacionamento hierarquizado é o que propõem os<br />

softwares <strong>de</strong>nominados algorítmicos, ou seja, aqueles baseados em seqüência<br />

<strong>de</strong> ações para se resolver <strong>de</strong>terminado problema, enquanto que relacionamento<br />

arbitrário é a base do que viria a se <strong>de</strong>nominar software heurístico ou software<br />

paramétrico. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> paramétrico <strong>de</strong>riva da palavra parâmetro, que por<br />

sua vez <strong>de</strong>nota todo elemento cuja variação <strong>de</strong> valor altera a solução <strong>de</strong> um<br />

problema sem alterar-lhe a natureza.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

102


Esta <strong>de</strong>finição transformou completamente a forma <strong>de</strong> interação entre<br />

o arquiteto e o computador, na medida em que opera com a <strong>de</strong>nominada<br />

linguagem <strong>de</strong> objeto orientado. Ou seja, as variáveis, os parâmetros<br />

associadas pelo usuário, relacionam-se a <strong>de</strong>terminado objeto que, por sua<br />

vez, está relacionado a outros objetos, em infinitas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação<br />

imediata entre as partes e o todo. Em síntese, os mais sofisticados softwares<br />

paramétricos, <strong>de</strong> que são exemplos potenciais os sistemas CAD (computer<br />

ai<strong>de</strong>d <strong>de</strong>sign) e CAM (computer ai<strong>de</strong>d manufacturing), são capazes <strong>de</strong> realizar<br />

<strong>de</strong>senhos completamente em terceira dimensão, da qual po<strong>de</strong>-se extrair as<br />

plantas, seções, <strong>de</strong>talhes ou seleção <strong>de</strong> materiais e, através da conectivida<strong>de</strong><br />

com outras <strong>máquina</strong>s, enviá-los diretamente para outros agentes envolvidos<br />

na execução do projeto arquitetônico.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

O arquiteto norte-americano Frank O. Gehry foi um dos pioneiros nesse<br />

assunto. Em 1989, o projeto <strong>de</strong> sua monumental escultura em forma <strong>de</strong> peixe<br />

para as Olimpíadas <strong>de</strong> Barcelona <strong>de</strong> 1992, contou com a assistência <strong>de</strong> um<br />

software <strong>de</strong>nominado Catia (Computer AssistedTthree-dimensionalIinteractive<br />

Aplication), originalmente <strong>de</strong>senvolvido para a indústria aeroespacial francesa.<br />

Mas, foi o papel <strong>de</strong>cisivo que teve tal software para o projeto não executado<br />

do Auditório Disney <strong>de</strong> Los Angeles, o que revelou a enorme potencialida<strong>de</strong> do<br />

uso do computador para as criações arquitetônicas.<br />

Gehry projetara curvas para a sala <strong>de</strong> concertos através <strong>de</strong> maquete<br />

física e, com o escasso tempo <strong>de</strong> que dispunha para construir uma maquete<br />

103


em escala e revestimento reais e apresentá-la na Bienal <strong>de</strong> Veneza, na Itália,<br />

o arquiteto lançou mão <strong>de</strong> todas as possibilida<strong>de</strong>s do Catia enquanto software<br />

que, ao mesmo tempo em que simula formas tridimensionais, cria também<br />

construções geométricas e <strong>de</strong>termina especificações construtivas. Assim, como<br />

assinala Fabio Duarte:<br />

No projeto do Disney Concert Hall, os computadores<br />

do escritório estavam conectados com a indústria<br />

<strong>de</strong> cortes <strong>de</strong> pedra na Itália. Assim, diretamente<br />

dos mo<strong>de</strong>los digitais 3D <strong>de</strong>senvolvidos no escritório<br />

<strong>de</strong> Gehry, as informações migravam à Itália, sem<br />

necessitar sua transposição para pranchas <strong>de</strong> duas<br />

dimensões; os computadores <strong>de</strong>cidiam o melhor<br />

modo <strong>de</strong> cortar as pedras, economizando material”<br />

(DUARTE, 1999, p.158).<br />

O próprio arquiteto é testemunho da passagem da posição cética para a<br />

profunda crença no computador enquanto promissora ferramenta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho<br />

arquitetônico, seja em virtu<strong>de</strong> dos potenciais <strong>de</strong> simulação e sistematização<br />

construtiva <strong>de</strong> seus softwares, ou então <strong>de</strong> sua irrestrita potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

interconexão a outros computadores. Gehry, que no início, ainda na fase<br />

<strong>de</strong> concepção do peixe <strong>de</strong> Barcelona, anunciava sua completa <strong>de</strong>scrença<br />

nos computadores enquanto elemento <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho arquitetônico, passou do<br />

escaneamento 3D <strong>de</strong> maquetes físicas à completa adoção do sistema Catia no<br />

projeto que se tornaria um <strong>de</strong> seus mais importantes, o museu Guggenheim <strong>de</strong><br />

Bilbao, na Espanha.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 32 - Disney Concert Hall, Frank<br />

Gehry. Fonte: http://www.arcspace.<br />

com/architects/gehry/disney2/<br />

Acessado em 01 mar. 2005.<br />

Figura 33 - Disney Concert Hall, Frank<br />

Gehry. Fonte: http://www.arcspace.<br />

com/architects/gehry/disney2/<br />

Acessado em 01 mar. 2005.<br />

104


Segundo James Steele:<br />

A aproximação <strong>de</strong> Gehry, tal como se manifesta<br />

em Bilbao, está muito distante <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar o<br />

mo<strong>de</strong>rno como um estilo mas, contudo, nos mostra<br />

a essência material do que significa ser mo<strong>de</strong>rno.<br />

Resultado <strong>de</strong> aplicar uma tecnologia especializada,<br />

da qual o arquiteto é o responsável por introduzir<br />

na profissão, (...), o Guggenheim <strong>de</strong> Bilbao está<br />

adiante <strong>de</strong> seu tempo, como o estava em finais dos<br />

anos cinqüenta a espetacular espiral <strong>de</strong> concreto <strong>de</strong><br />

Frank Lloyd Wright no Guggenheim <strong>nova</strong>-iorquino.<br />

(STEELE, 2001, p.133).<br />

E, continua Steele:<br />

A importância da maiorida<strong>de</strong> da aplicação Catia<br />

por parte <strong>de</strong> Gehry e sua equipe <strong>de</strong> projetos e<br />

produção em Bilbao, vai muito além da possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> manipular e documentar as formas complexas<br />

dos primeiros <strong>de</strong>senhos e maquetes da proposta,<br />

e habilitar finalmente sua construção. O diretor<br />

do escritório <strong>de</strong> Gehry, Jim Glymph, [...] sustenta<br />

que o que difere o Catia <strong>de</strong> outros sistemas é que<br />

ele utiliza equações polinômicas, <strong>de</strong> modo que,<br />

em lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir só a situação dos pontos no<br />

espaço, como fazem a maior parte dos sistemas, a<br />

aplicação Catia é também capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir com uma<br />

equação qualquer superfície, o que implica que se<br />

consulta um ponto concreto <strong>de</strong>ssa superfície, com<br />

Catia o po<strong>de</strong> conhecer. (STEELE, 2001, p.129).<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 34 -Aplicação do CATIA no<br />

projeto do Guggenheim <strong>de</strong> Bilbao.<br />

Frank Gehry. Fonte: STEELE, J.<br />

Architecture y Revoución Digital. p.132.<br />

Figura 35 - Guggenheim, Bilbao. Frank<br />

Gehry. Fonte:http://www.digischool.<br />

nl/ckv1/architectuur/gehri1.htm<br />

Acessado em 01 mar. 2005.<br />

105


Neste sentido, é patente a inflexão ocorrida na obra <strong>de</strong> Frank Gehry após a<br />

apropriação dos meios computacionais em seu método projetual. Assim, quando<br />

se comparam seus trabalhos e ensaios anteriores ao uso <strong>de</strong> tais ferramentas<br />

com os atuais, nota-se com clareza um salto qualitativo impressionante,<br />

pelo menos no que diz respeito aos aspectos formais que caracterizam a sua<br />

produção arquitetônica.<br />

Ainda que a experiência <strong>de</strong> Gehry se relacione a um software específico,<br />

a que nem todos os arquitetos ou escritórios <strong>de</strong> arquitetura têm acesso, a<br />

realida<strong>de</strong> virtual propriamente dita tornou-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> finais do século XX, um<br />

instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho bem familiar à profissão.<br />

Uma das hipóteses para checarmos os possíveis caminhos da arquitetura<br />

contemporânea é, portanto, compreen<strong>de</strong>rmos como se estruturam os<br />

mecanismos da realida<strong>de</strong> virtual, analisarmos seu vocabulário. E, neste<br />

sentido, po<strong>de</strong>-se dizer que existem duas técnicas principais <strong>de</strong> projetação, que<br />

se <strong>de</strong>nominam topologias operativas e proto-arquitetura.<br />

Foi o arquiteto catalão Alejandro Zaera, sócio da iraniana Farshid Moussavi<br />

no escritório londrino FOA (Foreign Office Architects), quem primeiro sugeriu a<br />

<strong>de</strong>nominação topologia operativa. Dentro <strong>de</strong> um esquema <strong>de</strong> representação <strong>de</strong><br />

superfícies através <strong>de</strong> malha <strong>de</strong> pontos conhecidos [tanto em termos <strong>de</strong> suas<br />

proprieda<strong>de</strong>s materiais quanto <strong>de</strong> sua localização no espaço], <strong>de</strong>nominada<br />

wireframe, o que Zaera propõe é que a obtenção <strong>de</strong> resultados espaciais<br />

<strong>de</strong>riva da manipulação <strong>de</strong> tais nós. Portanto, ao se manusear cada um dos nós<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 36 - Perspectiva Projeto Metz<br />

Pompidou Merkezi - FOA. 1992. Fonte:<br />

http://www.arkitera.com/proje/<br />

pompidou/foa.htm. Acessado em 25<br />

fev. 2005<br />

106


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

do wireframe, à exemplo <strong>de</strong> um escultor, <strong>de</strong>termina-se o volume, as formas<br />

arquitetônicas. Neste cenário, a geometria euclidiana dá lugar a uma geometria<br />

flexível para a constituição da linguagem arquitetônica.<br />

Já proto-arquitetura, ou seja, arquitetura <strong>de</strong> protótipos, é o nome do<br />

procedimento que possibilita a experimentação <strong>de</strong> espaços virtuais através da<br />

imersão, através <strong>de</strong> imagens em escala e resoluções reais, além <strong>de</strong> permitir<br />

alterações no projeto durante o próprio processo <strong>de</strong> experimentação.<br />

Neste sentido, conclui Piccoli dos Santos:<br />

Po<strong>de</strong>mos concluir que as ações programáticas, ou<br />

seja, as relações que <strong>de</strong>terminam a produção dos<br />

espaços arquitetônicos a partir da utilização da<br />

Realida<strong>de</strong> Virtual, refletem uma retomada <strong>de</strong> uma<br />

i<strong>de</strong>ologia que não se <strong>de</strong>senvolveu até meados da<br />

década <strong>de</strong> noventa, em <strong>de</strong>corrência da ausência<br />

<strong>de</strong> tecnologias <strong>de</strong> construção e <strong>de</strong> representação<br />

capazes <strong>de</strong> traduzir ao mundo das percepções<br />

humanas, todas as variáveis contidas nos processos<br />

<strong>de</strong> projetação sugeridos por Gaudi, por Boccione e<br />

por Kiesler.<br />

[...] Assim, se na arquitetura mo<strong>de</strong>rna a forma<br />

segue a função, po<strong>de</strong>mos dizer que na <strong>Arquitetura</strong><br />

por Simulação, quer seja o suporte fios e saquinhos,<br />

a malha <strong>de</strong> ferro das estruturas <strong>de</strong> concreto, a tela<br />

<strong>de</strong> arame das maquetes <strong>de</strong> Kiesler, ou a utilização <strong>de</strong><br />

aparatos digitais, quer se voltem à materialização<br />

concreta ou à materialida<strong>de</strong> experimental da mídia<br />

digital, a ação é que acaba por gerar a forma<br />

<strong>de</strong>stes novos espaços arquitetônicos. (SANTOS,<br />

2000, p.191).<br />

107


Em qualquer dos casos, po<strong>de</strong>-se dizer que da realida<strong>de</strong> virtual, que<br />

transformou a forma <strong>de</strong> experiência espacial do homem, é o traço distintivo da<br />

<strong>nova</strong> era, telemática, informacional.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Ela <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> um novo estágio evolutivo na história da humanida<strong>de</strong>,<br />

ou seja, através da criação e aperfeiçoamento <strong>de</strong> uma <strong>nova</strong> tecnologia, a<br />

computacional, o homem tornou possível o convívio e a apreensão dos espaços<br />

<strong>de</strong>nominados virtuais. Eles <strong>de</strong>rivam da aplicação <strong>de</strong> algumas ferramentas<br />

tecnológicas principais, que estão agrupadas principalmente no âmbito da<br />

computação gráfica, da multimídia 8 e hipermídia 9 .<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma <strong>nova</strong> interface <strong>de</strong> comunicação, assim como fora,<br />

em menor escala e alcances, a criação do telefone e da televisão. Enquanto<br />

ferramenta <strong>de</strong> comunicação, po<strong>de</strong>-se dizer que a realida<strong>de</strong> virtual é multi-<br />

disciplinar, ou seja, diz respeito a diversas áreas, embora seu foco sejam as<br />

<strong>nova</strong>s possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ambientes virtuais.<br />

A conjugação entre realida<strong>de</strong> virtual e comunicação <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> diversos<br />

fatores, entre os quais do <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> interfaces, que conecta<br />

diversos meios <strong>de</strong> comunicação, da criação <strong>de</strong> novos canais sensoriais para a<br />

circulação da informação, assim como da própria midiatização da comunicação,<br />

seja ela entre pessoas ou entre pessoas e <strong>máquina</strong>s.<br />

Se o sistema <strong>de</strong> comunicação é <strong>de</strong>finido através <strong>de</strong> funções combinadas<br />

em uma interface dominante, assim como por seus canais <strong>de</strong> transmissão e<br />

infra-estrutura organizacional, os elementos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> mundos virtuais são<br />

8 Multimídia: Combinação <strong>de</strong> diversos formatos <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> informações, como textos, imagens, sons, ví<strong>de</strong>os, animações, etc.,<br />

em um único sistema. (FERREIRA, 1999).<br />

9 Hipermídia: Conjunto <strong>de</strong> informações apresentadas na forma <strong>de</strong> textos, gráficos, sons, ví<strong>de</strong>os e outros tipos <strong>de</strong> dados, e organizadas<br />

segundo o mo<strong>de</strong>lo associativo e <strong>de</strong> remissões, próprio do hipertexto. (FERREIRA, 1999).<br />

108


por outro lado a plataforma, os dispositivos interativos, as ferramentas <strong>de</strong><br />

sistemas logicionários e, fundamentalmente, o próprio usuário.<br />

Experiências com realida<strong>de</strong> virtual parecem dominadas por informações<br />

arquitetônicas, embora sejam essencialmente imateriais. Portanto, qual seria<br />

a natureza da utilização <strong>de</strong>sse novo meio <strong>de</strong> comunicação pelos arquitetos?<br />

A produção <strong>de</strong> espaços, simultaneamente habitados e transformáveis,<br />

po<strong>de</strong>ria revelar uma <strong>nova</strong> espacialida<strong>de</strong>? Por sua vez, a transmissão <strong>de</strong>ssa<br />

<strong>nova</strong> espacialida<strong>de</strong> configuraria uma forma inédita, particular à nossa era, <strong>de</strong><br />

intercâmbio <strong>de</strong> informações? E <strong>de</strong> que forma esses novos fatores transformariam<br />

significativamente nosso modo <strong>de</strong> habitar?<br />

Para boa parcela dos pesquisadores ligados ao estudo da informática, o<br />

uso da expressão Realida<strong>de</strong> Virtual tem se limitado a <strong>de</strong>signações <strong>de</strong> natureza<br />

tecnológica, restringindo o conceito à combinação entre a noção <strong>de</strong> ambientes<br />

eletronicamente simulados e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dispositivos auxiliares que lhes<br />

tornem acessíveis.<br />

Assim, a realida<strong>de</strong> virtual po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida enquanto simulações<br />

eletrônicas <strong>de</strong> ambientes imateriais, experimentadas através <strong>de</strong> acessórios<br />

especiais, como capacetes e roupas “plugadas”, que permitem ao usuário final<br />

interagir em situações tridimensionais realísticas. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> um<br />

mundo alternativo, preenchido com imagens geradas por computador que<br />

respon<strong>de</strong>m aos movimentos humanos.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Melhor seria, talvez, <strong>de</strong>finir a realida<strong>de</strong> virtual a partir <strong>de</strong> conceitos<br />

109


filosóficos, <strong>de</strong> forma a estabelecer como foco a experiência humana <strong>de</strong>sses<br />

espaços, em <strong>de</strong>trimento das particularida<strong>de</strong>s tecnológicas do hardware que a<br />

origina.<br />

Assim, um breve olhar sobre os pioneiros da pesquisa <strong>de</strong> Realida<strong>de</strong><br />

Virtual aponta tendências diversas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Mas <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong> Jaron<br />

Lanier (HEIM,1993, p.116), os cinco conceitos que têm guiado boa parte das<br />

pesquisas sobre o assunto.<br />

O primeiro <strong>de</strong>les é o da simulação, que indica a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar o mundo<br />

virtual formalmente semelhante à realida<strong>de</strong> concreta. A simulação, obviamente,<br />

<strong>de</strong>manda profundo conhecimento dos gráficos <strong>de</strong> computação e dos sistemas<br />

<strong>de</strong> som tridimensionais, cada vez mais evoluídos, por parte do <strong>de</strong>signer.<br />

O segundo conceito é o da interação, que se refere ao grau em que os<br />

usuários po<strong>de</strong>m influenciar a forma ou o conteúdo do ambiente midiatizado.<br />

Alguns vêem realida<strong>de</strong> virtual em qualquer representação eletrônica que lhes<br />

permita certo grau <strong>de</strong> interação, como, por exemplo, limpar a lixeira <strong>de</strong> um<br />

computador pessoal. Porém a interação, como a enten<strong>de</strong>mos, pressupõe<br />

obrigatoriamente a intervenção, a troca, e o envolvimento ativo do usuário. Isto<br />

inclui, por exemplo, a relação possível entre pessoas <strong>de</strong>sconhecidas através do<br />

contato pelo telefone ou pela Internet.<br />

O terceiro conceito, <strong>de</strong>nominado imersão, permite a ilusão <strong>de</strong> habitar<br />

mundos virtuais, e está relacionado à invenção <strong>de</strong> dispositivos específicos, como<br />

capacetes, sistema <strong>de</strong> acústica tridimensional e luvas. A imersão completa,<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figuras 37, 38, 39 - Imagens imersivas da<br />

CAVERNA Digital do Núcleo <strong>de</strong> Realida<strong>de</strong><br />

Virtual do LSI (Laboratório <strong>de</strong> Sistemas<br />

Integráveis), vinculado à Escola Politécnica da<br />

USP.Desenvolvido por pesquisadores do LSI-<br />

EPUSP, esse sistema é conhecido nos Estados<br />

Unidos como Cave (Cave Automatic Virtual<br />

Environment) e na Europa como Cube.<br />

110


conhecida como imersão <strong>de</strong> corpo inteiro, <strong>de</strong>manda procedimentos mais<br />

complexos, como a criação <strong>de</strong> um espaço em torno do corpo, uma cápsula, e<br />

sensores capazes <strong>de</strong> reproduzir sensações <strong>de</strong> toque, peso, calor etc.<br />

A chamada “Telepresença”, o quarto conceito, pressupõe que estar<br />

presente em um lugar, <strong>de</strong> forma remota, significa também estar nele<br />

virtualmente. O atendimento médico à distância e a teleconferência são bons<br />

exemplos <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong>ste conceito.<br />

E o quinto conceito refere-se à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicações em re<strong>de</strong>s,<br />

através da conectivida<strong>de</strong> entre diferentes mundos virtuais, em que pressupõe-<br />

se, portanto, a presença <strong>de</strong> ao menos duas pessoas. Auxiliada pelas técnicas<br />

<strong>de</strong> realida<strong>de</strong> virtual, tal forma comunicação permite também aos usuários<br />

compartilharem eventos e abstrações, que não necessariamente utilizam como<br />

suporte palavras ou referências reais.<br />

Mas afinal, o que po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar como virtual? Pierre Lévy, importante<br />

pesquisador das alterações sociais causadas pelo impacto das <strong>nova</strong>s tecnologias,<br />

lembra que a palavra virtual vem o latim vitualis, <strong>de</strong> virtus, que significa força,<br />

po<strong>de</strong>r. O que reforça a idéia <strong>de</strong> que o virtual não se contrapõe ao real, como o<br />

falso ou imaginário, mas, como acredita Lévy, “é, ao contrário, uma maneira<br />

<strong>de</strong> ser fecundo e po<strong>de</strong>roso, que enriquece os processos <strong>de</strong> criação, abre novos<br />

futuros, cava poços <strong>de</strong> sentidos sob a planura da presença física imediata”<br />

(LEVY, 1995).<br />

O processo que visa efetivar a presença à distância, ou telepresença,<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

111


que é o conceito mais transcen<strong>de</strong> dos referidos anteriormente, sob o ponto<br />

<strong>de</strong> vista perceptivo, inicia-se com a ligação <strong>de</strong> órgãos sensoriais do usuário<br />

aos dispositivos <strong>de</strong> saída do computador. Estes dispositivos são controlados e<br />

guiados para um ou mais computadores com o fim <strong>de</strong> gerar uma simulação<br />

convincente à visão, ao tato e à audição, <strong>de</strong> um outro ambiente, o virtual.<br />

Neste sentido, efetivar a presença à distancia é mais uma <strong>de</strong>stinação que um<br />

objetivo. Uma <strong>de</strong>stinação a um lugar psicológico, a uma locação virtual.<br />

Já segundo Anja Pratschke (2002), os sistemas <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> virtual po<strong>de</strong>m<br />

ser classificados em quatro tipos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo dos níveis <strong>de</strong> telepresença que<br />

eles viabilizem:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Sistema <strong>de</strong> janela; a tela do computador provê<br />

uma janela ou um portal para um mundo virtual<br />

tridimensional e interativo. Computadores<br />

pessoais são freqüentemente usados, e os usuários<br />

equipam-se, às vezes, <strong>de</strong> óculos 3D para obter<br />

efeitos estereoscópios.<br />

Sistema <strong>de</strong> Espelho; os usuários olham para<br />

uma tela <strong>de</strong> projeção e vêem uma imagem <strong>de</strong>les<br />

mesmos movendo-se em um mundo virtual. Usa-se<br />

um equipamento <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o para gravar as imagens<br />

do corpo do usuário. Um computador sobrepõe<br />

esta imagem em um fundo gráfico. A imagem<br />

<strong>de</strong>les mesmos espelha, na tela, seus movimentos<br />

concretos, fato que explica o nome Sistema <strong>de</strong><br />

Espelho.<br />

Sistema auxiliado por Veículo; os usuários entram<br />

no que viria a ser um veículo (por exemplo, tanque,<br />

avião, cápsula espacial, etc) e opera controles que<br />

simulam movimento no mundo virtual. O mundo<br />

112


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

é freqüentemente projetado em telas. Os veículos<br />

po<strong>de</strong>m incluir plataformas móveis que ajudam a<br />

simular movimento físico.<br />

Sistema <strong>de</strong> “Caverna”; os usuários entram em<br />

uma sala ou cômodo on<strong>de</strong> encontram-se ro<strong>de</strong>ados<br />

por gran<strong>de</strong>s telas nas quais projeta-se uma cena<br />

virtual quase contínua. Óculos 3D são usados, às<br />

vezes, para potencializar o sentido <strong>de</strong> espaços.<br />

Classificando-se os sistemas em função da relação<br />

que mantêm com a realida<strong>de</strong> concreta, po<strong>de</strong>mos<br />

citar:<br />

Sistemas Virtuais Imersivos; Os usuários equipamse<br />

com dispositivos que imergem completamente<br />

um certo número <strong>de</strong> sentidos em estímulos gerados<br />

por computador. Os capacetes estereoscópios<br />

constituem um elemento central <strong>de</strong>ste sistema.<br />

Sistemas <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> Aumentada; os usuários<br />

equipam-se <strong>de</strong> capacetes que sobrepõe objetos<br />

virtuais tridimensionais a cenas do mundo concreto.<br />

(PRATSCHKE, 2002, p.62).<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista técnico, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> realida<strong>de</strong><br />

virtual é uma tarefa complexa que envolve, basicamente, um suporte <strong>de</strong><br />

comunicação em re<strong>de</strong>, a criação <strong>de</strong> ambientes virtuais, a consi<strong>de</strong>ração da possível<br />

atuação dos usuários e a criação <strong>de</strong> personagens gerados por computador.<br />

Seus elementos essenciais são os dispositivos <strong>de</strong> entrada, tais como<br />

visuais, auriculares, táteis, nasais e orais, que, através da cinemática, traduzem<br />

os movimentos corpóreos para a linguagem computacional, e, por outro lado,<br />

o software <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> virtual que cria ou recria o ambiente virtual.<br />

113


A aplicação final do conceito <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> virtual po<strong>de</strong> servir a um meio<br />

<strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> múltiplos interesses, como uma combinação <strong>de</strong> televisão<br />

e telefone, por exemplo, envolvendo suavemente nossos sentidos. Em livros<br />

técnicos encontra-se a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> virtual como a etapa seguinte<br />

e lógica <strong>de</strong>ntro da história dos meios <strong>de</strong> comunicação. Com isso, parece que<br />

todas as aplicações no campo da realida<strong>de</strong> virtual po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas<br />

como eventos comunicativos, já que envolvem a comunicação entre usuário e<br />

computador, assim como entre os próprios usuários.<br />

Enfim, nota-se que a contribuição da arquitetura é fundamental à criação<br />

dos mundos virtuais, sobretudo porque se faz necessária a criação <strong>de</strong> um<br />

simulacro dos ambientes tangíveis.<br />

Por outra análise, é possível também que a realida<strong>de</strong> virtual amplie a<br />

compreensão tradicional da arquitetura, configurando <strong>nova</strong>s formas <strong>de</strong> diálogo<br />

entre a ativida<strong>de</strong> profissional e o mundo concreto. Conseqüentemente, é provável<br />

que se estabeleçam novos paradigmas referentes aos modos <strong>de</strong> se habitar com<br />

o auxilio da realida<strong>de</strong> virtual, tais quais já propõem alguns arquitetos, como<br />

Marcos Novak e o grupo NOX.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 40 - A Trans<strong>Arquitetura</strong> <strong>de</strong><br />

Marcos NOvak.<br />

114


6.7 O programa habitacional contemporâneo sob a<br />

perspectiva das <strong>nova</strong>s ferramentas arquitetônicas<br />

digitais<br />

Vimos, nos capítulos anteriores, que os enormes avanços das ferramentas<br />

computacionais arquitetônicas criaram a completa transformação das<br />

referências espaciais em voga há vinte e cinco séculos na arquitetura, ou seja,<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram o questionamento ou relativização <strong>de</strong> parâmetros como a ação<br />

da gravida<strong>de</strong> e a linha do horizonte, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> uma <strong>nova</strong> linguagem<br />

espacial. Assim, a realida<strong>de</strong> virtual, que viria substituir a experiência real do<br />

espaço edificado, seria estruturada por referências exclusivamente matemáticas,<br />

imagéticas e simbólicas.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Neste cenário, as formas <strong>de</strong> interação entre usuário e <strong>máquina</strong> adquiriram<br />

papel fundamental, e até transformador, das <strong>de</strong>mandas humanas e profissionais<br />

pela configuração <strong>de</strong> novos espaços e, em função do aumento irrestrito da<br />

quantida<strong>de</strong> e diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informações disponíveis, inclusive visuais, tornou-<br />

se urgente pensar na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais interfaces 10 .<br />

Retomando, por outro lado, a especialização do programa habitacional<br />

contemporâneo tal qual proposta por Ignasi <strong>de</strong> Solà-Morales, análise citada<br />

anteriormente neste trabalho, <strong>de</strong>finem-se dois grupos programáticos principais.<br />

O primeiro <strong>de</strong>les pertence ao chamado mercado imobiliário, <strong>de</strong> que não<br />

10<br />

Conforme Pierre Lèvy, “em termos <strong>de</strong> interfaces há duas linhas paralelas <strong>de</strong> pesquisas e <strong>de</strong>senvolvimento em andamento. Uma <strong>de</strong>las visa a imersão através dos cinco sentidos<br />

em mundos virtuais cada vez mais realistas (...). Nesta abordagem das interfaces, o humano é convidado a passar para o outro plano da tela e a interagir <strong>de</strong> forma sensório-motora<br />

com mo<strong>de</strong>los digitais. Em outra direção <strong>de</strong> pesquisa, chamada <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> ampliada, nosso ambiente físico natural é coalhado <strong>de</strong> sensores, câmeras, projetores <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o, módulos<br />

inteligentes, que se comunicam e estão conectados a nosso serviço. Não estamos mais nos relacionando com um computador por meio <strong>de</strong> uma interface, e sim executamos diversas<br />

tarefas em um ambi , 2000: 38)<br />

115


trataremos aqui, que, embora responsável por boa parte dos projetos atuais<br />

no Brasil e exterior, se caracteriza pela gran<strong>de</strong> homogeneida<strong>de</strong> das soluções<br />

arquitetônicas.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Em outro extremo, <strong>de</strong>finem-se programas em que há maior grau<br />

<strong>de</strong> interação entre a arquitetura e o usuário final, como as moradias para<br />

grupos específicos, tais como terceira ida<strong>de</strong>, temporários e imigrantes; assim<br />

como as habitações <strong>de</strong> conotação artística, a exemplo das tão divulgadas<br />

casas <strong>de</strong> arquiteto; ou ainda as moradias em que os componentes, tais como<br />

equipamentos e peças <strong>de</strong> mobiliário, se tornam elementos articuladores do<br />

programa e <strong>de</strong>terminantes das características espaciais.<br />

É importante salientar que, ao analisarmos a produção arquitetônica<br />

resi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> Le Corbusier, especialmente as <strong>de</strong> sua primeira fase, como as<br />

chamadas casas brancas, percebe-se que seu público alvo se restringia, neste<br />

caso, a uma elite intelectual ou a uma burguesia emergente que se tentava se<br />

afirmar como classe <strong>de</strong> um estamento velado no início do século XX.<br />

Abordaremos esse segundo grupo programático, tal qual abordamos<br />

na primeira parte do presente trabalho, quando tratamos do i<strong>de</strong>ário mo<strong>de</strong>rno<br />

representado pela produção <strong>de</strong> Le Corbusier, sobretudo porque ele é <strong>de</strong>finido por<br />

um aspecto central na arquitetura e na própria socieda<strong>de</strong> da era informacional,<br />

ou seja, pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> customização, <strong>de</strong> individualização. Assim, com<br />

exceção aos edifícios ditos tecnológicos ou inteligentes, é nesse grupo que se<br />

po<strong>de</strong> testar ao extremo as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> simulação virtual, conexão pela<br />

116


web e interativida<strong>de</strong> do computador com o usuário.<br />

Também ele correspon<strong>de</strong> à <strong>nova</strong> atmosfera tecnológica e social que<br />

emergiu com a era informacional. Ou seja, passaram a integrar os projetos<br />

arquitetônicos, tanto pelos arquitetos quanto por seus interlocutores, a<br />

sensibilida<strong>de</strong> em relação a novos materiais, a diferentes padrões e organizações<br />

sociais, processos relacionados por sua vez à irrestrita conectivida<strong>de</strong> através<br />

<strong>de</strong> computadores.<br />

Assim, po<strong>de</strong>-se dizer que a característica principal da socieda<strong>de</strong><br />

contemporânea é sua enorme habilida<strong>de</strong> em manipular informações, o que<br />

diferencia a relação entre os diversos agentes do espaço arquitetônico. Ou<br />

seja, assim como os programas paramétricos <strong>de</strong> criação tridimensional e <strong>de</strong><br />

visualização virtual se tornaram po<strong>de</strong>rosas ferramentas <strong>de</strong> trabalho para os<br />

arquitetos, representaram também a ampliação da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão e<br />

<strong>de</strong> interação dos arquitetos e seus interlocutores com os espaços projetados.<br />

Complementarmente a este fato, também as estruturas sociais e<br />

familiares sofreram enormes transformações, tornaram-se mais complexas na<br />

passagem para a era atual. De forma genérica, os casamentos são mais tardios<br />

do que há alguns anos atrás, as famílias são menores, com menos filhos, sem<br />

contar na gran<strong>de</strong> parcela <strong>de</strong> habitações voltadas a solteiros, situações que<br />

<strong>de</strong>mandam soluções diversas <strong>de</strong> habitação. Assim, solicitações mais complexas<br />

e diversificadas <strong>de</strong> moradia exigem, conseqüentemente, um novo tipo <strong>de</strong> ação,<br />

<strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> e projeto arquitetônicos.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 41- Torre BATC - HAMZAH<br />

y YEANG. Fonte: STEELE, J.<br />

Architectura y Revolución digital.<br />

pág. 41.<br />

117


Em sua tese <strong>de</strong> mestrado no Massachusetts Institute of Technology, em<br />

2000, Gregory Demchak afirma que:<br />

[...] a casa pós-industrial será um sistema <strong>de</strong><br />

partes que existem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong><br />

relacionamentos e <strong>de</strong> um complexo arranjo <strong>de</strong><br />

variáveis que são conectados através <strong>de</strong> dados<br />

matriciais. A casa será o produto <strong>de</strong> uma linguagem<br />

coerente: a expressão <strong>de</strong> relações arquitetônicas e<br />

<strong>de</strong> variáveis <strong>de</strong>finidas pelo usuário [...]. O <strong>de</strong>safio,<br />

então é propor um vocabulário arquitetônico para a<br />

construção <strong>de</strong> casas e, a partir <strong>de</strong>sse vocabulário,<br />

discernir um grupo <strong>de</strong> variáveis que possibilitem<br />

ao cliente rapidamente customizar o seu meioambiente.<br />

(DEMCHAK, 2000, p.72).<br />

Vale se ater por um instante à <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> dados matriciais acima citada.<br />

Segundo Fábio Duarte, as matrizes são:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

[...] entendidas como a organização <strong>de</strong> paradigmas<br />

<strong>de</strong> várias disciplinas que formam uma predisposição<br />

para a apreensão, compreensão e construção do<br />

mundo. Elas não são o seu mo<strong>de</strong>lo, a sua fôrma:<br />

são suas matrizes, que o constituem e por ele são<br />

constituídos. (DUARTE, 2002, p.14).<br />

Assim, o que Demchak aborda é a natureza e a diversida<strong>de</strong> dos elementos<br />

integrantes da habitação virtual, ou seja aquela construída hipoteticamente<br />

através dos softwares computacionais, <strong>de</strong> forma a questionar-se acerca <strong>de</strong><br />

seus elementos constitutivos e características <strong>de</strong> interação com o usuário. E<br />

118


vale lembrar que, o meio-ambiente virtual, mo<strong>de</strong>lado pelo computador, passou<br />

a ser organizado por um cenário <strong>de</strong> regras lógicas que <strong>de</strong>finem os limites dos<br />

ajustes possíveis.<br />

Neste sentido, existem três elementos-chaves envolvidos no projeto <strong>de</strong><br />

residências com assistência virtual. São eles: a plataforma <strong>de</strong> comunicação com<br />

o usuário; os mo<strong>de</strong>los paramétricos, que po<strong>de</strong>m ser editados; e um sistema<br />

pré-fabricado <strong>de</strong> construção que comporte alterações customizadas ainda na<br />

linha <strong>de</strong> montagem.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

O primeiro <strong>de</strong>les é o terreno em que são lançadas as solicitações, os<br />

<strong>de</strong>sejos e as preferências do usuário, através <strong>de</strong> uma interface computacional<br />

que priorize a interação intuitiva. Ou seja, embora os softwares <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem<br />

3D e <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> virtual <strong>de</strong>rivem <strong>de</strong> um complexo sistema <strong>de</strong> conhecimento<br />

matemático e arquitetônico, a única informação que o cliente <strong>de</strong>verá dominar<br />

é o procedimento e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adicionar dados, <strong>de</strong> ajustar rápida e<br />

facilmente as variáveis dos projetos ainda na fase <strong>de</strong> concepção.<br />

Neste sentido, o que Demchak enfatiza é que:<br />

[...] a interface correspon<strong>de</strong>rá ao lado do cliente no<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho e o lugar aon<strong>de</strong> as variáveis<br />

serão ajustadas e opções exploradas. O programa<br />

<strong>de</strong> recepção usará essas <strong>de</strong>finições do cliente para<br />

<strong>de</strong>finir vocabulários espaciais e estéticos que,<br />

então, irão gerar mo<strong>de</strong>los paramétricos [...]. Da<br />

<strong>de</strong>finição das alturas e larguras <strong>de</strong> um ambiente,<br />

à especificação dos equipamentos do escritório, as<br />

ferramentas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho atuarão como o mediador<br />

119


primário <strong>de</strong> informações relativas ao <strong>de</strong>senho e à<br />

construção <strong>de</strong> <strong>nova</strong>s casas [...]. A classe emergente<br />

<strong>de</strong> consumidores instruídos tem mais controle<br />

sobre as formas como a tecnologia é manipulada e<br />

<strong>de</strong>senhada. (DEMCHAK, 2000, p.72).<br />

Assim, inserida em uma socieda<strong>de</strong> em que tudo é passível <strong>de</strong> consumo,<br />

também a casa, po<strong>de</strong>rá ser, à exemplo <strong>de</strong> um carro ou da alta-costura,<br />

comercializada como um símbolo <strong>de</strong> estilo <strong>de</strong> vida e, portanto, <strong>de</strong>verá ter<br />

a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser receptiva à várias conotações pessoais e estilísticas. Ou<br />

seja, em substituição ao raciocínio extremamente funcionalista, a socieda<strong>de</strong><br />

informacional enfatiza o estilo pessoal, a imagem e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

Ou seja, as possibilida<strong>de</strong>s da <strong>nova</strong> era <strong>de</strong>mandariam ferramentas<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senho baseadas na interativida<strong>de</strong>, na web, o que ampliaria o foco da<br />

ativida<strong>de</strong> do arquiteto à exponenciação do conceito <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços<br />

<strong>de</strong> arquitetura, no caso, à procura por uma <strong>nova</strong> casa.<br />

No que diz respeito ao sistema construtivo e, portanto, às categorias ou<br />

gramáticas formais que constituem os softwares <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho arquitetônico,<br />

Demchak i<strong>de</strong>ntifica dois grupos principais. Ou seja, <strong>de</strong> um lado figuram os<br />

elementos classificáveis entre internos ou externos e, <strong>de</strong> outro, aqueles que<br />

po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados suportes [a estrutura ou o envoltório] ou elementos<br />

<strong>de</strong>stacáveis, periféricos [aqueles que po<strong>de</strong>m ser modificados].<br />

Em qualquer dos casos, o <strong>de</strong>safio imposto ao projeto da casa contemporânea<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 42 - Maison T, Jakob +<br />

Macfarlane, La Garenne-Colombes,<br />

França. Fonte: KRAUEL, J. Casas<br />

I<strong>nova</strong>ção e Design. pág. 167.<br />

Figura 43 - Maison T, Jakob +<br />

Macfarlane, La Garenne-Colombes,<br />

França. Fonte: KRAUEL, J. Casas<br />

I<strong>nova</strong>ção e Design. pág.167.<br />

120


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

é tornar os elementos industriais, fabricados em série, receptivos à solicitações<br />

customizadas, individuais. A diferença estaria na conexão entre setores<br />

da indústria, como acabamentos e tipos <strong>de</strong> cortes <strong>de</strong> peças, por exemplo,<br />

diretamente ao software <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho através da web.<br />

Ou seja, a interação do arquiteto e do usuário dos serviços <strong>de</strong> arquitetura<br />

com esses elementos materiais, industrializados, se daria ainda na etapa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senho, durante o processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem 3D. Através do que se <strong>de</strong>nomina<br />

gramática da forma, em síntese <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> elementos que a <strong>de</strong>finem e que<br />

é baseado em parâmetros arquitetônicos, ambientais, tecnológicos, funcionais,<br />

estéticos e econômicos, a arquitetura po<strong>de</strong>ria influenciar e <strong>de</strong>terminar variações<br />

no próprio processo <strong>de</strong> fabricação <strong>de</strong> elementos construtivos.<br />

Em síntese, o <strong>de</strong>safio produtivo da arquitetura resi<strong>de</strong>ncial da era<br />

informacional seria explorar ao máximo as potencialida<strong>de</strong>s da pré-fabricação<br />

customizada, o que correspon<strong>de</strong> não somente a uma <strong>nova</strong> forma <strong>de</strong> construção,<br />

mas também da própria utilização <strong>de</strong>ssas moradias. Embora a customização<br />

não seja um atributo inerente ao processo industrial, <strong>de</strong>ve sê-lo em um sistema<br />

integrado ao contexto pós-industrial, no qual se <strong>de</strong>linearia, portanto, o que<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> customização em massa.<br />

Com isso, po<strong>de</strong>mos traçar uma analogia, mesmo que superficial, entre<br />

as idéias Corbusierianas <strong>de</strong> casas em série, construídas com elementos<br />

estandardizados, tal qual a concepção produtiva da era da <strong>máquina</strong>, e a<br />

discussão proposta por Demchak. Com ele, configuram-se novos condicionantes<br />

121


que complementam os anseios do velho mestre.<br />

Através <strong>de</strong> softwares, <strong>de</strong> sistemas integrados e interconectados, ou seja,<br />

<strong>de</strong> suportes tecnológicos, seria otimizada, portanto, a relação entre arquiteto,<br />

cliente e produção, sem, contudo, ocasionar a pasteurização produtiva da<br />

arquitetura.<br />

Trata-se da <strong>de</strong>manda por flexibilida<strong>de</strong> que, conforme vimos em capítulos<br />

anteriores, i<strong>de</strong>ntifica a passagem da socieda<strong>de</strong> e arquitetura mo<strong>de</strong>rnas para as<br />

ativida<strong>de</strong>s da era informacional. Ou seja, as <strong>nova</strong>s casas teriam o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong><br />

favorecer contínuas transformações, quer pela ação dos seus moradores atuais<br />

ou pelas <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> futuros habitantes.<br />

A hipótese apontada por Demchak em sua tese refere-se aos já citados<br />

conceitos <strong>de</strong> suporte e elementos periféricos enquanto sistemas materiais,<br />

concretos, das habitações. Em sua análise:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Toda casa será dotada <strong>de</strong> um envelope estrutural<br />

<strong>de</strong>ntro do qual módulos internos conectáveis<br />

serão organizados para criar quartos, <strong>de</strong>pósitos,<br />

divisões, escritórios e passagens <strong>de</strong> serviço.<br />

Todas as pare<strong>de</strong>s internas serão ao mesmo tempo<br />

adaptáveis e flexíveis; aon<strong>de</strong> adaptabilida<strong>de</strong><br />

implica a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformação espacial em<br />

conjunto com mudanças fundamentais no modo<br />

<strong>de</strong> vida, e flexibilida<strong>de</strong> implica a habilida<strong>de</strong> dos<br />

objetos <strong>de</strong> serem movidos ou acomodados a <strong>nova</strong>s<br />

<strong>de</strong>mandas. Um exemplo <strong>de</strong> uso flexível po<strong>de</strong> ser a<br />

conversão <strong>de</strong> um local <strong>de</strong> trabalho em um ambiente<br />

<strong>de</strong> entretenimento, através da rotação <strong>de</strong> uma<br />

122


unida<strong>de</strong> modular [...]. Ao distinguirmos a casa<br />

entre suportes e unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stacáveis nós<br />

estamos radicalmente nos afastando das práticas<br />

convencionais <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> moradias.<br />

(DEMCHAK, 2000. p.89).<br />

Assim, as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stacáveis <strong>de</strong> que trata Demchak referem-se à<br />

unida<strong>de</strong>s modulares in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, plantas-tipo <strong>de</strong> pequenas dimensões que<br />

são intercambiáveis e interconectáveis no interior da residência.<br />

Em outro sentido, a flexibilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> incidir também na aparência das<br />

superfícies que envolvem, interna e externamente as construções, o que nos<br />

leva <strong>nova</strong>mente à questão da interação entre os programas paramétricos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senho e a produção industrial customizada. Está idéia coloca em cheque<br />

fundamentalmente um dos marcos do i<strong>de</strong>ário Corbusieriano, preconizado na<br />

célebre frase “A forma segue a função”.<br />

Ou seja, com os conceitos <strong>de</strong> flui<strong>de</strong>z e flexibilida<strong>de</strong> aliados aos mecanismos<br />

<strong>de</strong> realida<strong>de</strong> virtual, po<strong>de</strong>-se chegar a conclusão <strong>de</strong> que, através do domínio <strong>de</strong><br />

tais elementos e conceitos, “ A forma segue o momento” e “A função segue o<br />

instante ou a necessida<strong>de</strong>”.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

De qualquer forma, ainda que tais possibilida<strong>de</strong>s e processos <strong>de</strong>pendam<br />

<strong>de</strong> um nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e aparato tecnológico compatíveis com sua<br />

realização, o que se propõe aqui não é discutirmos as polarida<strong>de</strong>s, distribuição<br />

ou exemplos específicos <strong>de</strong> países ou <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s, ou ainda <strong>de</strong> setores <strong>de</strong>las,<br />

123


habilitados a adotarem integralmente as <strong>nova</strong>s possibilida<strong>de</strong>s tecnológicas da<br />

arquitetura da era informacional.<br />

O objetivo, ao contrário, é i<strong>de</strong>ntificar nas hipóteses da moradia<br />

contemporânea, elementos relacionados às mudanças tecnológicas, sociais e<br />

culturais <strong>de</strong> que tratamos nas páginas anteriores do presente trabalho. Ou<br />

seja, i<strong>de</strong>ntificar em conceitos atuais <strong>de</strong> habitação, os lugares e elementos<br />

da individuação, das atmosferas recriadas, da interação e superposição <strong>de</strong><br />

fenômenos informacionais, sejam eles <strong>de</strong> entretenimento, funcionais ou <strong>de</strong><br />

conforto ambiental.<br />

Em suma, a intenção é traçarmos o paralelo entre as <strong>nova</strong>s possibilida<strong>de</strong>s<br />

arquitetônicas para o programa habitacional e a <strong>nova</strong> sensibilida<strong>de</strong> do homem<br />

da era informacional.<br />

E, neste sentido, vale ressaltarmos que, tanto na visão do norte-americano<br />

Gregory Demchak, quanto na classificação programática do catalão Ignasi <strong>de</strong><br />

Solà-Morales, assim como em manifestações esparsas <strong>de</strong> outros arquitetos em<br />

todo o mundo, é a potencial capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> customização, <strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

individuação da moradia, o traço distintivo da era atual.<br />

Ainda que as formas <strong>de</strong> efetivação <strong>de</strong> tal programa sejam ainda, em boa<br />

parte, apenas possibilida<strong>de</strong>s almejadas por todos os agentes envolvidos no<br />

processo <strong>de</strong> criação e execução arquitetônicas.<br />

Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado também, as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> automação do<br />

ambiente habitacional, sobretudo se imaginarmos que segundo muitos<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Figura 44 - Eric Owen Moss: Umbrella,<br />

Los Angeles. Fonte: STEELE, J.<br />

Arquitectura y Revolución Digital, p.<br />

184.<br />

124


o teletrabalho substituirá os escritórios e po<strong>de</strong> se tornar a saída para os<br />

congestionamentos das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s contemporâneas. A renomada e quase<br />

totalizadora dos mercados <strong>de</strong> softwares no mundo a Microsoft trabalha com um<br />

projeto chamado Microsoft Home, também conhecida como Casa Bill Gates, o<br />

que nada mais é do que um laboratório ou um protótipo <strong>de</strong> uma casa digital.<br />

Segundo o jornalista Ethevaldo Siqueira que visitou o protótipo i<strong>de</strong>alizado<br />

pela Microsoft po<strong>de</strong>mos ter um panorama das possibilida<strong>de</strong>s já factíveis para<br />

o emprego da telemática no cotidiano resi<strong>de</strong>ncial e muito possivelmente<br />

influenciando na concepção do projeto pelo arquiteto que <strong>de</strong>verá atentar para<br />

tais possibilida<strong>de</strong>s:<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Logo à entrada, um painel com os meios <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificação biométrica do visitante, que<br />

utilizaremos na próxima década: leitor <strong>de</strong> íris,<br />

monitor sensível ao toque dos <strong>de</strong>dos, <strong>de</strong>codificador<br />

<strong>de</strong> impressões digitais e o mais sofisticado<br />

<strong>de</strong>sses recursos, o sistema <strong>de</strong> reconhecimento<br />

<strong>de</strong> fisionomia. Um sistema <strong>de</strong> TV, embutido na<br />

pare<strong>de</strong>, quase invisível, com câmera e microfones,<br />

possibilita o diálogo e a i<strong>de</strong>ntificação, mostrando a<br />

imagem do visitante.<br />

(...) Tudo na casa se conecta e tem seu comando<br />

central numa plataforma Windows, com re<strong>de</strong><br />

híbrida, isto é, associando uma infra-estrutura <strong>de</strong><br />

cabo com re<strong>de</strong>s sem fio (Wi-Fi e Bluetooth). Essa<br />

plataforma é, na realida<strong>de</strong>, um exemplo perfeito<br />

<strong>de</strong> tecnologia <strong>de</strong> computação embutida. Com<br />

ela, os equipamentos passam a ter capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> processamento, armazenamento <strong>de</strong> dados e<br />

comunicação. E tudo funciona como se fosse uma<br />

125


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

re<strong>de</strong> <strong>de</strong> computadores, com software distribuído<br />

por todos os cômodos e equipamentos.<br />

Além da computação embutida que controla<br />

as principais funções gerais da casa – como<br />

comunicação, segurança e monitoramento<br />

<strong>de</strong> energia e temperatura – há computadores<br />

espalhados em toda a residência, com <strong>de</strong>staque<br />

para os Tablet PCs, ou seja, notebooks com<br />

comunicação sem fio, iguais aos que nossos<br />

senadores acabam <strong>de</strong> ganhar. Em cada cômodo há<br />

câmeras e microfones, embora a privacida<strong>de</strong> possa<br />

ser sempre garantida por que está no aposento.<br />

Para acionar ou controlar cada equipamento ou<br />

sistema, basta falar, dando-lhe a or<strong>de</strong>m. Por ser<br />

mais fácil <strong>de</strong> usar, o comando <strong>de</strong> voz é o sistema<br />

<strong>de</strong> controle mais adotado, embora não seja o único<br />

na casa da Microsoft.<br />

A comunicação integra todos os meios da forma<br />

mais completa possível, interconectando telefone,<br />

computador, Internet e televisão. Assim, a família<br />

po<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a chamadas telefônicas – internas,<br />

externas ou celulares – em qualquer terminal,<br />

esteja on<strong>de</strong> estiver, no quarto na sala, na cozinha,<br />

no banheiro, na sala <strong>de</strong> lazer ou no escritório. E<br />

cada morador po<strong>de</strong> fazer consultas a sistemas <strong>de</strong><br />

controle interno ou comunicar-se com o mundo em<br />

busca da informação <strong>de</strong> que precisa, via internet<br />

<strong>de</strong> banda larga.<br />

A sala <strong>de</strong> lazer é uma festa. Nas pare<strong>de</strong>s, as<br />

maiores telas <strong>de</strong> cristal líquido e plasma. Tudo<br />

que está nos computadores po<strong>de</strong> ser acessado e<br />

projetado em qualquer <strong>de</strong>ssas telas. Se o dono<br />

gosta <strong>de</strong> artes plásticas ou quer enriquecer ainda<br />

mais o visual, po<strong>de</strong> transformar qualquer sala numa<br />

126


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

galeria virtual <strong>de</strong> esculturas e quadros favoritos. E,<br />

com a holografia, terá estátuas virtuais em cada<br />

canto da sala. Num gran<strong>de</strong> servidor, especial para<br />

o entretenimento, estão armazenadas todas as<br />

músicas, filmes, shows ví<strong>de</strong>os, fotos e programas<br />

<strong>de</strong> televisão da família, que po<strong>de</strong>m igualmente<br />

ser acessado e exibidos em qualquer dos telões e<br />

displays da casa. (SIQUEIRA, 2004, p.47/48).<br />

Através <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>scrição simplista e sem gran<strong>de</strong>s especificações técnicas<br />

tanto do ponto <strong>de</strong> vista informacional como arquitetural, po<strong>de</strong>-se imaginar as<br />

incríveis possibilida<strong>de</strong>s que se abrirão nos próximos anos para o emprego das<br />

tecnologias telemáticas nos projetos arquitetônicos resi<strong>de</strong>nciais. No entanto<br />

através das ilustrações e registros fotográficos <strong>de</strong>ste ambicioso projeto da<br />

Microsoft notamos que não há um rompimento brutal com o programa ou a<br />

<strong>de</strong>coração da chamada Microsoft Home, segundo Siqueira “... há uma transição<br />

suave entre o tradicional e o futurista”. (SIQUEIRA, 2004, p.50). Talvez por uma<br />

resistência aos costumes antigos absorvidos dos períodos Renascentistas pelos<br />

projetos <strong>de</strong> vanguarda mo<strong>de</strong>rna e que só mesmo as próximas gerações po<strong>de</strong>rão<br />

respon<strong>de</strong>r se conseguirão se <strong>de</strong>svencilhar <strong>de</strong> muitos hábitos antigos contidos no<br />

cerne das socieda<strong>de</strong>s ao longo do tempo. Na era medieval o homem se abrigou<br />

para se proteger das intempéries e dos ataque <strong>de</strong> animais, hoje continuamos<br />

usando a casa como abrigo e proteção das intempéries e da violência que<br />

assola, especialmente as gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s, com o chamado teletrabalho, e com<br />

os problemas explícitos no ambiente externo e hostil das metrópoles, o homem<br />

127


parece se voltar cada vez mais para talvez sua primeira invenção: a casa. Com<br />

isso, <strong>de</strong>vemos cada vez mais discutir as <strong>nova</strong>s possibilida<strong>de</strong>s para o programa<br />

habitacional contemporâneo, <strong>de</strong> modo tal qual os mo<strong>de</strong>rnos, traduzir através<br />

do primeiro estabelecimento humano, a mudança social que ocorre em nossos<br />

dias <strong>de</strong> forma implacável e voraz, on<strong>de</strong> o tempo parece ter se <strong>de</strong>spregado<br />

do espaço e parafraseando o mestre Le Corbusier parece que a socieda<strong>de</strong><br />

se encontra como em sua época <strong>de</strong> inquietação: “Ébria <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

movimento, dir-se-ia que a socieda<strong>de</strong> toda se pôs, inconscientemente, a girar<br />

em torno <strong>de</strong> si própria; tal qual avião em parafuso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma bruma cada<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

vez mais opaca”. (CORBUSIER, 1946, p.10). Figura 45 - Ilustração Liquid<br />

Architecture. Fonte: http://www.<br />

liquidarchitecture.info/. Acessado em<br />

18 set. 2004.<br />

128


ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

7. Conclusão:<br />

(A <strong>nova</strong> <strong>máquina</strong> <strong>de</strong> <strong>morar</strong>, um hardware <strong>de</strong> <strong>morar</strong>?)<br />

129


O presente trabalho é estruturado em duas partes distintas. Na primeira<br />

<strong>de</strong>las, abordam-se as cida<strong>de</strong>s, a socieda<strong>de</strong>, a cultura, e a tecnologia da era<br />

industrial, <strong>de</strong> modo a enten<strong>de</strong>r em quais bases se estruturou a arquitetura<br />

para o novo homem que emergia das conquistas tecnológicas nos campos da<br />

mecânica e, posteriormente, da eletromecânica, exemplificada especialmente<br />

pelas obras resi<strong>de</strong>nciais da primeira fase do provavelmente mais transcen<strong>de</strong>nte<br />

dos arquitetos do século XX: Le Corbusier.<br />

Na segunda, através dos mesmos elementos, o cenário <strong>de</strong>lineado foi o<br />

da chamada era informacional, ou pós-industrial, <strong>de</strong> que as tão alar<strong>de</strong>adas<br />

habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> computadores e seus programas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho tornaram-se<br />

elementos simbólicos na produção arquitetônica e nas <strong>de</strong>mais áreas da vida<br />

humana.<br />

A questão que se propôs enfrentar foi investigar a herança do projeto<br />

arquitetônico mo<strong>de</strong>rnista na atuação profissional <strong>de</strong> nossos dias, ou seja, através<br />

<strong>de</strong> um programa específico, no caso o habitacional, indagar se o estilo e as<br />

conquistas mo<strong>de</strong>rnas estariam fadados à superação ou ao completo triunfo.<br />

Isso porque, como vimos na primeira parte, o argumento da vanguarda<br />

mo<strong>de</strong>rna foi basicamente <strong>de</strong> natureza tecnológica. Ou seja, através da<br />

manipulação criativa das <strong>nova</strong>s possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> construção industrial, propôs-<br />

se um <strong>de</strong>senho universal para or<strong>de</strong>nar e projetar as edificações, assim como a<br />

cida<strong>de</strong> e seus elementos constitutivos.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Por tal razão, para exemplificar tais argumentas <strong>de</strong> uma geração,<br />

130


discorreu-se sobre o arquiteto franco-suíço Le Corbusier como objeto da<br />

primeira etapa do trabalho, ou seja, ateve-se a seus projetos e proposições<br />

teóricas, especialmente do chamado momento purista <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>ário, por ser<br />

ele e, sobretudo nesta fase, um dos mais atuantes e partidários arquitetos do<br />

estilo internacional mo<strong>de</strong>rno.<br />

E o recorte habitacional, ou seja, a análise do que Le Corbusier viria a<br />

<strong>de</strong>nominar como a Máquina <strong>de</strong> Morar, foi estabelecido mediante os termos do<br />

recorte que se teceria e na segunda etapa do trabalho.<br />

Assim, na medida em que se compara universalismo e individuação, esta<br />

última enquanto qualida<strong>de</strong> fundamental da era informacional em que vivemos,<br />

nada mais apropriado do que testar um programa extremo, ou seja, o da<br />

habitação. Isso porque, em última análise, ainda que em moradias coletivas,<br />

multifamiliares, a casa é, em princípio, o lugar do indivíduo.<br />

E o que se percebe, e que se po<strong>de</strong> concluir, é que embora aparentemente<br />

divergentes, a relação entre os dois momentos estudados é paradoxal, pois a<br />

arquitetura das eras industrial e pós-industrial guardam semelhanças conceituais<br />

e lingüísticas <strong>de</strong> extrema relevância.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Ou seja, embora seus discursos sejam antagônicos, conforme exemplificam<br />

as dicotomias universal versus individual, estável versus fugas, material versus<br />

<strong>de</strong>smaterialização, entre outros, a arquitetura contemporânea se apo<strong>de</strong>rou <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminadas conquistas e conceitos originários do mo<strong>de</strong>rnismo, dando a elas<br />

<strong>nova</strong>s possibilida<strong>de</strong>s através das inéditas conquistas ferramentais nos processos<br />

131


criativos arquitetônicos.<br />

Abordou-se aqui, portanto, o quão relevante são as idéias <strong>de</strong> transparência,<br />

<strong>de</strong>smaterialização, continuida<strong>de</strong> visual, entre outras, para a linguagem<br />

tecnológica da arquitetura contemporânea.<br />

Neste sentido, Demchak observa ainda que:<br />

[...] muitas das intenções da arquitetura mo<strong>de</strong>rna<br />

ainda estão na or<strong>de</strong>m do dia, embora tenha<br />

emergido uma <strong>nova</strong> atmosfera social e tecnológica.<br />

Sensibilida<strong>de</strong> a novos materiais, a padrões<br />

sociais diversificados, e à <strong>nova</strong> tecnologia foram<br />

fundamentais à linguagem mo<strong>de</strong>rnista, e também<br />

o serão para este novo contexto <strong>de</strong> conectivida<strong>de</strong><br />

através dos computadores e do novo papel que<br />

a residência pós-industrial <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>sempenhar.<br />

(DEMCHAK, 2000, p.90).<br />

Em certo sentido, portanto, as principais mudanças da era informacional<br />

para a arquitetura referem-se à evolução e <strong>de</strong>sdobramentos das tecnologias, no<br />

caso computacionais, mas, seja na habitação ou em qualquer outro programa,<br />

o que prevalece é a idéia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> projetual instaurada pelo movimento<br />

mo<strong>de</strong>rno.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Liberda<strong>de</strong> esta que, para os mo<strong>de</strong>rnos, significou in<strong>de</strong>pendência entre<br />

estrutura e fechamentos, <strong>de</strong> dimensionamento dos espaços, através do<br />

Modulor <strong>de</strong> Le Corbusier, <strong>de</strong> luminosida<strong>de</strong> e interação visual entre as partes da<br />

edificação, assim como conectivida<strong>de</strong> entre o interior e o exterior do ambiente<br />

132


construído. Os mo<strong>de</strong>rnos reconheceram a liberda<strong>de</strong> inerente ao projeto tirando<br />

vantagem <strong>de</strong> novos sistemas estruturais.<br />

Para os pós-industriais ou informacionais, persiste a <strong>de</strong>manda<br />

por liberda<strong>de</strong>, embora o conceito tenha se estendido para binômios que<br />

extrapolam a nossa realida<strong>de</strong> imediata. Ou seja, o conceito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> da era<br />

informacional arquitetônica tem a ver com os domínios da realida<strong>de</strong> virtual e<br />

do ciberespaço.<br />

Portanto, as relações entre o mo<strong>de</strong>rno e a arquitetura hodierna são ao<br />

mesmo tempo <strong>de</strong> ruptura e continuida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> especialização, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do<br />

ponto <strong>de</strong> vista que se adote.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Com relação às casas propriamente ditas, consi<strong>de</strong>ramos que seja<br />

relevante transcrever a seguinte observação <strong>de</strong> Gregory Demchak, que reforça<br />

nossa conclusão do presente trabalho:<br />

A casa pós-industrial irá incorporar conceitos<br />

<strong>de</strong> arquitetura aberta tal qual pregados pelos<br />

mo<strong>de</strong>rnistas, mas enten<strong>de</strong>rão essa idéia através<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sistemas adaptáveis e<br />

flexíveis <strong>de</strong> componentes internos. Em contraste<br />

com o Estilo Internacional, que favoreceu as<br />

<strong>de</strong>lgadas divisões entre espaços, suas propostas<br />

pe<strong>de</strong>m por unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>nsas, ou seja, dos módulos<br />

conectáveis, ainda que em princípio elas sejam<br />

contrárias à arquitetura aberta. A extensão dos<br />

princípios mo<strong>de</strong>rnos é também estabelecida em<br />

comparação ao sistema produtivo adotado, ou seja,<br />

o uso do processo industrial não é só consi<strong>de</strong>rado<br />

a<strong>de</strong>quado, mas também essencial tanto ao projeto<br />

133


mo<strong>de</strong>rno quanto ao pós-industrial. (DEMCHAK,<br />

2000, p.90).<br />

O movimento mo<strong>de</strong>rno, e especialmente Le Corbusier, só são<br />

reconhecidamente revolucionários pela aproximação das disciplinas<br />

arquitetônica, sociológica e artística com a técnica e as ciências exatas, através<br />

da apropriação e do domínio das técnicas construtivas e das possibilida<strong>de</strong>s<br />

tecnológicas oriundas do <strong>de</strong>senvolvimento industrial.<br />

Assim, aliando os fatores econômicos e sociais, a vanguarda mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong><br />

certa forma reinventou as formas <strong>de</strong> construir, <strong>de</strong> habitar e <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r<br />

o espaço, o que correspon<strong>de</strong>u à <strong>nova</strong> postura epistemológica do homem<br />

novo, emergente da era da <strong>máquina</strong>. No entanto, principalmente Corbusier<br />

não se <strong>de</strong>svinculou do legado clássico, na medida em que “transcodificou” o<br />

vocabulário formal e sintático das proporções e formas dos espaços tradicionais<br />

através, basicamente, da apropriação dos conceitos da geometria euclidiana e<br />

dos ensinamentos clássicos.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

Com isso, a associação da ruptura social transformada em estilo com a<br />

apropriação e o resgate do legado clássico e renascentista, fez da arquitetura<br />

<strong>de</strong> vanguarda mo<strong>de</strong>rna uma revolução que ao mesmo tempo rompeu com<br />

conceitos pré-estabelecidos e enraizados, como os excessos formais do barroco<br />

e outros estilos vigentes à época, mas também resgatou os conceitos clássicos<br />

da arquitetura, <strong>de</strong> forma a estabelecer, no caso <strong>de</strong> Le Corbusier, os chamados<br />

traçados regularizadores e posteriormente o conceito do Modulor, baseados na<br />

134


proporção áurea e na geometria euclidiana.<br />

O mesmo po<strong>de</strong>-se dizer da arquitetura contemporânea, que enfrenta uma<br />

mudança na socieda<strong>de</strong> em seus diversos modos <strong>de</strong> expressão e inter-relação<br />

cultural, social e econômica, especialmente pelos avanços nos campos da<br />

telemática, eletrônica e <strong>de</strong> outros disciplinas. A arquitetura <strong>de</strong> nossa época vive<br />

em momento <strong>de</strong> reflexão, sobretudo acerca <strong>de</strong> sua condição epistemológica.<br />

Há perguntas éticas, científicas, teológicas sendo formuladas e, na<br />

medida em que a ciência avança com a ajuda dos computadores e <strong>de</strong>mais<br />

possibilida<strong>de</strong>s telemáticas, <strong>nova</strong>s questões se estabelecem, como no campo da<br />

reprodução humana, da genética e da biotecnologia.<br />

O homem parece estar em um momento <strong>de</strong> reflexão, principalmente por<br />

haver uma dissociação no novo panorama mundial com o tradicional binômio<br />

espaço-tempo, sobretudo em virtu<strong>de</strong> dos novos meios <strong>de</strong> comunicação. Como<br />

visto anteriormente no presente trabalho, abrem-se, no campo da arquitetura,<br />

<strong>nova</strong>s perspectivas através dos avanços tecnológicos, da realida<strong>de</strong> virtual e<br />

dos novos programas computacionais, cada vez mais potentes e <strong>de</strong> simples<br />

interface.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

O horizonte da arquitetura hodierna é, portanto, marcado pela possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> criação <strong>de</strong> formas inusitadas, pela conectivida<strong>de</strong> através da re<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong><br />

computadores, assim como pelas possíveis interações da criação com os novos<br />

meios <strong>de</strong> execução e <strong>de</strong> interface com o cliente.<br />

Porém, alguns conceitos do i<strong>de</strong>ário mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong>vem ser tratados como<br />

135


um legado importante, <strong>de</strong> modo a tentar transformá-los para uma <strong>nova</strong><br />

realida<strong>de</strong>. Quando Le Corbusier afirmava que a casa <strong>de</strong>veria ser uma “Máquina<br />

<strong>de</strong> Morar”, ele estava clamando por um aprimoramento das noções <strong>de</strong> se<br />

conceber a arquitetura resi<strong>de</strong>ncial, <strong>de</strong> modo a se apropriar das <strong>nova</strong>s tecnologias<br />

construtivas, das <strong>nova</strong>s possibilida<strong>de</strong>s representacionais, e principalmente<br />

integrada aos novos costumes da socieda<strong>de</strong> que florescia da <strong>máquina</strong>.<br />

A arquitetura mo<strong>de</strong>rna só atingiu seu estado revolucionário na medida<br />

em que soube se apropriar das <strong>nova</strong>s tecnologias <strong>de</strong> sua época, aproximando-<br />

se, assim, das ciências exatas ao mesmo tempo em que impunha um estilo<br />

novo, representativo por sua vez <strong>de</strong> uma <strong>nova</strong> socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma <strong>nova</strong> forma<br />

<strong>de</strong> ver o mundo.<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

O que houve, contudo, principalmente após a década <strong>de</strong> 70, é que<br />

ao mesmo tempo em que se configurava uma <strong>nova</strong> forma <strong>de</strong> concepção<br />

arquitetônica, os projetos permaneciam baseados em métodos construtivos<br />

arcaicos, dispendiosos, ou seja, <strong>de</strong>fasados em relação às tecnologias imateriais<br />

que lhes possibilitariam o arrojo formal e construtivo através <strong>de</strong> conceitos como<br />

geometria topológica <strong>de</strong>ntre outros aqui apresentados..<br />

Contudo, será que <strong>de</strong>vemos procurar uma <strong>nova</strong> arquitetura para nossa<br />

socieda<strong>de</strong>, já que, conforme Le Corbusier: “Quando uma época possui a planta<br />

<strong>de</strong> uma habitação, é sua evolução social que se fixou e existe um equilíbrio”<br />

(CORBUSIER, 1923). Ou seja, os conceitos do i<strong>de</strong>ário mo<strong>de</strong>rno não conquistariam<br />

sua plenitu<strong>de</strong> a partir dos vorazes progressos tecnológicos hodiernos? Em<br />

136


conseqüência, a casa contemporânea, parafraseando a célebre afirmação do<br />

velho mestre, não <strong>de</strong>veria apenas se transformar em um “HARDWARE DE<br />

MORAR”?<br />

ERNANI MAIA - A NOVA MÁQUINA DE MORAR: UM HARDWARE DE MORAR?<br />

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