Marcus Tulius Franco Morais O FASCÍNIO DA FILICIDA - PGET ...
Marcus Tulius Franco Morais O FASCÍNIO DA FILICIDA - PGET ...
Marcus Tulius Franco Morais O FASCÍNIO DA FILICIDA - PGET ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
MEDEA: In harten Fels hinein tief,<br />
werde ich versenken die teure Bürde. (Jahnn, 1988: 848)<br />
MEDEIA: No fundo da rocha dura<br />
vou deitar o fardo precioso.<br />
O dramaturgo apresenta também distintos estados, nos quais as<br />
leis da temporalidade e do declínio orgânico devem ser anulados: a<br />
união mítico-incestuosa entre Medeia e seu irmão, o rejuvenescimento<br />
de Jasão, o filicídio orgiástico, o sepultamento num túmulo no rochedo<br />
e, por fim, a casa, enquanto cenário para os acontecimentos, soçobra e<br />
vai para o “fundo do mar” (“auf den Grund des Meeres”) (Jahnn, 1988:<br />
848). Tudo isso são tentativas e experimentações para deter o declínio<br />
da vida e produzir um estado de atemporalidade mítica.<br />
O final deixa uma impressão misteriosa. Por um lado, o salão<br />
transforma-se num gigantesco sarcófago para os servos, criados e<br />
escravos. Transforma-se num espaço consagrado à memória dos mortos;<br />
por outro lado, o naufrágio da casa nas águas abissais corresponde ao<br />
apagamento da vida, como no caso de uma catástrofe natural. Quem<br />
repousa no leito do mar, sai do espaço da história e entra no espaço da<br />
natureza, onde não há imagem nem lembrança, numa esfera onde não há<br />
percepção sensorial, “olhos quebrados” (“gebrochne Augen”) (Jahnn,<br />
1988, p. 850), nem desejos físicos, “corpos inúteis” (“zwecklose<br />
Leiber”) (Jahnn, 1988: 850).<br />
Com a utilização de formas arcaizantes, Jahnn recupera uma<br />
linguagem detentora de violência mítica presente já na tragédia da<br />
Antiguidade. O dramaturgo se fia na força, na plasticidade e na<br />
inteligibilidade da palavra falada.<br />
Depois de cuidar de tais reflexões, nada melhor do que deixar o<br />
próprio dramaturgo se expressar sobre sua linguagem, seu idioleto.<br />
Relevante para nosso contexto, seguem suas próprias palavras – vale<br />
lembrar que Jahnn tem um jeito de falar todo particular, como comentou<br />
no “Funkstunde Berlin” (7.4.1930) (Jahnn, 1988: Dramen I, p. 968): “A<br />
pessoa, de quem falo, sou eu mesmo. Aos fins a que atende, falarei<br />
sobre mim na terceira pessoa.” 87 – Vejamos, então, como é que surge<br />
essa terceira pessoa:<br />
87<br />
“Der Mensch, von dem ich spreche, bin ich selbst. Der Bequemlichkeit<br />
und Schicklichkeit halber werde ich über mich in der dritten Person<br />
aussagen.”<br />
95