Marcus Tulius Franco Morais O FASCÍNIO DA FILICIDA - PGET ...
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sua cultura colquidiana; somando a isso, Medeia se confronta com uma<br />
cultura que lhe é estranha, a grega.<br />
Na sociedade clássica grega, os estrangeiros não tinham<br />
cidadania, mesmo os filhos de sangue misturado. Por estrangeiro,<br />
entendemos toda pessoa que se diferencia de um determinado grupo ou<br />
de uma comunidade e não apresenta as marcas desse grupo, sejam elas<br />
de natureza física (ótica) e/ou linguística. Grosso modo, um estrangeiro<br />
é alguém que manifesta um ser diferente, um Outro. Medeia é, por<br />
vários motivos, estrangeira. É estrangeira porque vem de outro lugar, de<br />
Cólquida; ela não é proveniente de Corinto. É estrangeira porque tem<br />
outra ascendência, que não a grega, ela é da África Negra; além disso, é<br />
estrangeira porque é esposa de Jasão. Julia Kristeva menciona que “na<br />
Grécia as esposas eram vistas como estrangeiras”. 33<br />
No caso de Jahnn, Medeia é uma bárbara africana. Originalmente,<br />
a palavra “bárbaro” tinha um significado puramente linguístico para os<br />
gregos, mas que se transformou num significado cultural, ou seja,<br />
passou a designar pessoas fora da esfera de poder das cidades gregas. 34<br />
O conceito “bárbaro”, então, tomou a conotação de conceitos como<br />
incivilizado, covarde, cruel, traidor, indomável. O bárbaro é equiparado<br />
ao inimigo da democracia. 35 Consequentemente, o estrangeiro ou a<br />
estrangeira, isto é, o estranho, contém sempre um certo quantum de<br />
ameaça.<br />
Jahnn caracteriza essa manifestação do Outro de sua Medeia da<br />
seguinte forma: a primeira, e também a marca mais evidente, com a qual<br />
Jahnn caracteriza Medeia, é a sua pele negra. Logo na abertura da versão<br />
de 1959, na lista dos personagens do drama de Jahnn, pode-se ler:<br />
“Medeia, uma negra”. Antes de Medeia entrar em cena, antes mesmo de<br />
dizer algo, ela já é, em virtude da cor da sua pele, identificada como<br />
estrangeira. Independentemente do que venha, posteriormente, a fazer,<br />
permanecerá sendo a estrangeira, consequência de sua origem. E são<br />
palavras do próprio Jahnn:<br />
33<br />
Kristeva, Julia. Id., p. 55.<br />
34<br />
As guerras persas entre 490 e 478, que confrontaram as cidades gregas com a<br />
Pérsia, mudaram a relação da cidade para os estrangeiros, quando surge, então,<br />
o conceito de “bárbaro”” (Kristeva, Julia. Id., p. 59)<br />
35<br />
“É o contraste com os estrangeiros que faz com que surja a consciência da<br />
própria liberdade entre os gregos, e, a partir de então, o bárbaro é equiparado ao<br />
inimigo da democracia.” (Kristeva, Julia. Id., p. 61)<br />
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