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Psicologia e Materialismo Dialético Henry Wallon (1879-1962)

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Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/wallon/1942/mes/psicologia.htm<br />

Acesso em: 27 ago 2009 (dia do psicólogo)<br />

Formato refeito para o GETHC – Grupo de Estudos em Teoria Histórico-Cultural<br />

Umuarama – PR<br />

<strong>Psicologia</strong> e<br />

<strong>Materialismo</strong> <strong>Dialético</strong><br />

<strong>Henry</strong> <strong>Wallon</strong> (<strong>1879</strong>-<strong>1962</strong>)<br />

Escrito: 1951.<br />

Fonte: "Psychologie et materialisme dialectique" in The World of Henri <strong>Wallon</strong>.<br />

Editor: Jason Aaronson 1984.<br />

Tradução de: Nilson Dória para o Marxists Internet Archive, Julho de 2004.<br />

HTML por José Braz para o Marxists Internet Archive, Novembro de 2004.<br />

A<br />

<strong>Psicologia</strong> é uma ciência? Esta pergunta foi colocada<br />

freqüentemente pelos teóricos burgueses. Ela tem dois<br />

possíveis significados: a <strong>Psicologia</strong> tem um objeto<br />

correspondente no mundo real? O objeto da <strong>Psicologia</strong> é compatível<br />

com o determinismo científico?<br />

Auguste Comte, o pai do positivismo, respondeu à primeira<br />

pergunta negativamente. Para ele o indivíduo não era mais que<br />

um ser biológico cujo estudo era de propriedade da Fisiologia,<br />

e um ser social, explicável coletivamente pela Sociologia - dois<br />

determinismos nos quais a pessoa humana é reduzida a nada.<br />

A segunda resposta é aquela de Bergson e seus adeptos e,<br />

em nossos dias, dos existencialistas. A ciência, eles sustentam,<br />

é uma coleção de construtos que bem pode ter uma certa utilidade<br />

prática mas que distorce, adultera, e perverte a realidade.<br />

A realidade é o imediatamente experimentado, ou vivido, por<br />

cada pessoa; a percepção, nos revelando a nós mesmos, também<br />

revela o mundo a nós. O universo que nós nos imaginamos<br />

capazes de reconstruir com base nesta percepção não seria<br />

mais que uma coleção de sistemas arbitrários que sufocam<br />

nossa espontaneidade. Deste modo, nós somos alienados de<br />

nossa liberdade. A única verdade é aquela que expressa a essência<br />

de nosso ser - quer dizer, a perpétua, imprevisível, única,<br />

e incomparável recorrência de impressões, sentimentos, ou<br />

imagens que aparecem em uma sucessão interminável em nossa<br />

consciência. Como esta sucessão engana qualquer forma de<br />

determinismo, o irracional se torna a fundação mesma da existência.<br />

Em nome da liberdade absoluta, cada pessoa é abandonada<br />

ao destino - um destino ligado, bem entendido, ao ser<br />

particular de cada um, mas nem por isso menos inevitável. Esta<br />

posição também insinua um tipo de participação passiva na<br />

existência das coisas que emanam da nossa própria existênciaum<br />

tipo de responsabilidade desamparada e terrível por tudo<br />

aquilo poderia ser o resultado de nossas ações sob as quais nós<br />

não temos nenhum controle definitivo. Estas conseqüências<br />

desesperadoras do existencialismo foram desenvolvidas particularmente<br />

pelo escritor francês Sartre. Elas são uma indicação<br />

da auto-negação do declínio da classe burguesa e evidência de<br />

sua decadência final. A auto-negação é relacionada a idéias de<br />

grandeza: na patologia da mente, entram sempre de mãos dadas<br />

idéias de negação pessoal e grandeza pessoal.<br />

A característica comum à concepção positivista e à existencialista<br />

é a noção da ineficácia do indivíduo, esmagado debaixo<br />

das necessidades duais da ordem natural e da ordem social, dotado<br />

de uma certa grandeza com respeito ao universo, mas sem<br />

poder mudá-lo. Embora o indivíduo o contenha e o contemple,<br />

ele também é governado por este universo e não pode intervir<br />

sobre ele como uma força ativa dentre todas as outras forças das<br />

quais o universo está composto. As pretensões do individualismo<br />

burguês se afundam assim finalmente em uma impotência absoluta.<br />

Estas implicações derivam consistentemente das duas falhas<br />

expostas por Lênin (<strong>Materialismo</strong> e Empiro-criticismo) da concepção<br />

burguesa de ciência que às vezes é mecanicista às vezes<br />

idealista, e às vezes as duas coisas. O mecanicismo retrata o<br />

mundo, no final das contas, como redutível a elementos e efeitos<br />

básicos e invariáveis, a leis eternas que não permitem nem a<br />

mudança, nem a novidade, nem o progresso, e a uma necessidade<br />

inelutável de previsibilidade de qualquer evento por uma inteligência<br />

abrangente o bastante para contemplar o universo em sua<br />

totalidade. O idealismo postula que a cognição subordina a realidade<br />

a ela, que a consciência existe antes de matéria, concebe o<br />

pensamento como princípio da existência, buscando destarte<br />

acorrentar o mundo a suas definições e assim conter as revoluções<br />

em uma bolha. A afirmação de um mundo que basicamente<br />

é sempre idêntico a si mesmo é o ponto ao qual mecanicismo e<br />

idealismo convergem.<br />

Este conceito estático de ciência e do universo é contrabalançado<br />

por uma distinção específica entre as várias disciplinas de<br />

conhecimento e entre seus objetos diversos. Porém, Marx e<br />

Engels insistiram no aspecto provisório destas distinções, enquanto<br />

as vendo somente como dependentes das limitações de<br />

nossa inteligência e dos meios técnicos a nossa disposição para<br />

explorar realidade. Realmente, o desenvolvimento e interpenetração<br />

das ciências os confirmaram. No entanto, há certos obstáculos<br />

que atualmente permanecem e ainda parecem insuperáveis.<br />

Assim, a <strong>Psicologia</strong> às vezes é classificada como um subproduto<br />

da Biologia e às vezes como a ante-sala das ciências humanas.<br />

Para muitos, a diferença de natureza entre a Biologia e as ciências<br />

humanas parece criar um abismo intransponível entre elas.<br />

Por causa deste seu caráter ostensivamente híbrido, a <strong>Psicologia</strong><br />

1 de 2


é considerada freqüentemente como sendo de valor científico<br />

desprezível. Mas porque pode unir dois domínios que as metafísicas<br />

reacionárias ainda mantêm opostos, a <strong>Psicologia</strong> se<br />

reveste de uma relevância extrema para a dialética.<br />

O centésimo aniversário do nascimento de Pavlov forneceu<br />

uma ocasião para que os estudiosos soviéticos demonstrassem<br />

toda extensão dialética de seu trabalho. Por muito tempo, a<br />

<strong>Psicologia</strong> tinha sido considerada puramente mecanicista. Pavlov<br />

pôde elaborar reflexos condicionados pela mera justaposição<br />

temporal de estímulos. Porém, ele notou que o seu método<br />

foi além dos métodos da Fisiologia tradicional que estudava o<br />

organismo a função por função - circulação, digestão, etc. -<br />

cada uma com suas reações específicas e estímulos igualmente<br />

específicos. Na realidade, o próprio Pavlov seguiu a mesma<br />

linha em seus estudos iniciais. Mas com o reflexo condicionado,<br />

não só as barreiras interfuncionais foram transcendidas,<br />

mas a atividade funcional também foi integrada ao ambiente.<br />

Entre o estímulo específico e a reação funcional esperada são<br />

enxertados outros estímulos que podem pertencer a qualquer<br />

domínio de qualquer atividade relacional.<br />

Esta é a conseqüência de mais longo alcance daquilo que<br />

Pavlov chamou atividade nervosa superior que teria lugar no<br />

córtex cerebral - onde conexões são estabelecidas entre todo<br />

aspecto da vida do organismo e todos os estímulos que do<br />

exterior podem vir a incidir sobre ele. Atividade nervosa superior<br />

é inerente à organização do sistema nervoso: não é uma<br />

atividade adicional ou suplementar; ao contrário, é essencial e<br />

integral. Surge da união indissociável entre organismo e ambiente<br />

e fornece ao organismo sistemas de sinais que permitemno<br />

responder adequadamente a todas as circunstâncias. Porque<br />

o ambiente ao qual o organismo tem que responder não é só o<br />

ambiente físico, mas também o ambiente do qual cada organismo<br />

depende para sua existência. Para o homem, o ambiente<br />

é aquele criado através de sua atividade e no qual é imerso<br />

desde o nascimento - o ambiente social.<br />

Mas nestas interações, entre o organismo e o ambiente,<br />

sempre sob o controle seletivo da atividade nervosa superior, o<br />

biológico não é completamente distinto do social. A interrelação<br />

dos dois é primária e fundamental. Não é mais válido<br />

determinar as propriedades dos dois separadamente de acordo<br />

com suas naturezas particulares. Os processos se dão de forma<br />

tal que os dois, o biológico e o social, são componentes complementares.<br />

Estas substituições: processos em lugar de propriedades,<br />

atos no lugar de substâncias, são precisamente a revolução<br />

que dialética provocou em nossos modos de cognição.<br />

A interação recíproca entre o organismo e o ambiente também<br />

é incompatível com o mecanicismo e o idealismo em<br />

todas suas formas. É impossível ajustá-la à estrutura relacional<br />

geralmente dedutiva que mecanicismo busca estabelecer entre<br />

os elementos e suas diversas combinações. Os encontros entre<br />

o organismo e seu ambiente demandam respostas que não podem<br />

ser preditas com base nos elementos somente, porque eles<br />

devem ser freqüentemente adaptados a situações acidentais e<br />

conseqüentemente devem ser forçados a evoluir para novas<br />

formas de comportamento.<br />

Esta reciprocidade de interação também é oposta ao idealismo<br />

que procura subordinar o mundo real à consciência porque,<br />

ao contrário do que o idealismo postula, a consciência não<br />

pode fixar a ordem dos eventos que a confrontam e determinam,<br />

ou guiam, suas respostas. Finalmente, o materialismo<br />

dialético é oposto ao existencialismo e ao seu indeterminismo<br />

essencial, porque, na realidade nossa vida mental é perpetuamente<br />

condicionada pelas situações nas quais está engajada,<br />

estejam elas de acordo com suas próprias tendências ou contrárias<br />

a elas.<br />

As relações entre o organismo e o ambiente são ainda mais<br />

enriquecidas pelo fato do próprio ambiente não ser imutável.<br />

Uma mudança no ambiente pode resultar ou na extinção ou na<br />

transformação dos organismos que existem em seu interior.<br />

Então, se torna o papel dos diversos ambientes, na medida de<br />

suas diferenças, evocar ou trazer à tona capacidades inatas diferentes,<br />

já potencialmente presentes, em uma espécie ou em indivíduos.<br />

Assim, na história do gênero humano a sucessão de diferentes<br />

civilizações deu origem às diversas formas de atividade. O<br />

materialismo histórico expande e coroa o materialismo dialético.<br />

Transformando suas condições de vida, o homem se transforma.<br />

As técnicas modernas, para serem entendidas, desenvolvidas, e,<br />

freqüentemente, até mesmo aplicadas, requerem um conhecimento<br />

de fórmulas abstratas, sistemas simbólicos nos quais as imagens<br />

perceptuais do mundo real são substituídas por pistas que<br />

designam operações a serem executadas ao nível do que Pavlov<br />

nomeou segundo sistema de sinais - sistema no qual o sinal ou<br />

estímulo condicionado não é mais uma sensação, mas a palavra,<br />

e os substitutos ainda mais abstratos para as próprias palavras: os<br />

símbolos matemáticos.<br />

Na atividade humana a linguagem serviu como o instrumento<br />

de uma transformação que modificou gradualmente a fala que<br />

passou de uma atividade puramente muscular para uma atividade<br />

teórica, requerendo uma reorganização das operações cerebrais.<br />

Isto não significa, contudo, que o novo tipo atividade substituiu o<br />

primeiro.<br />

Através da linguagem, a esfera conceitual adquiriu organização<br />

e estrutura baseadas em sistemas estáveis, coerentes, e lógicos.<br />

Nossas impressões e ações em sua maior parte encaminhamse<br />

para, ou procedem desta esfera. Mas embora as governe, não<br />

as abole. Sob a dimensão conceitual (representacional) do pensamento<br />

ainda se encontram os gestos e as ações que parecem<br />

caracterizar o pensamento representacional em crianças ou em<br />

deficientes mentais, e que supre o pensamento representacional<br />

de seus primeiros contornos primários na forma de rituais ou<br />

ritos (<strong>Wallon</strong> 1942). Os rituais de povos primitivos normalmente<br />

utilizam tremendos recursos emocionais que são dissipados<br />

quando a imagem intelectual emerge em seu lugar. A reflexão<br />

intelectual refreia a agitação emocional. Mas a emocionalidade<br />

persiste. Quando mantida dentro de seus limites, pode agir como<br />

um estimulante; mas quando assume o controle restringe ou<br />

distorce a reflexão. Assim, essas atividades opostas entram em<br />

conflito, apesar de uma sempre poder dar origem à outra. Estas<br />

afinidades e oposições são consoantes com as leis da dialética<br />

Marxista.<br />

Foi a dialética que forneceu à <strong>Psicologia</strong> sua estabilidade e<br />

seu significado, e que a libertou de ter de optar entre o materialismo<br />

elementar ou o idealismo choco, o substancialismo cru ou<br />

o irracionalismo desesperado. Com o auxílio da dialética a <strong>Psicologia</strong><br />

pode ser simultaneamente uma ciência natural e uma ciência<br />

humana, abolindo a divisão entre a consciência e as coisas<br />

que o espiritualismo buscou impor ao universo. A Dialética Marxista<br />

permitiu à <strong>Psicologia</strong> compreender o organismo e seu ambiente<br />

em interação constante, como uma totalidade unificada. E<br />

finalmente, na Dialética Marxista, a <strong>Psicologia</strong> encontra uma<br />

ferramenta para explicar os conflitos nos quais o indivíduo tem<br />

que evoluir seu comportamento e desenvolver sua personalidade.<br />

A <strong>Psicologia</strong> de forma alguma está sozinha nesse respeito. O<br />

<strong>Materialismo</strong> <strong>Dialético</strong> é pertinente a todo domínio de conhecimento,<br />

como também a todo domínio de ação. Mas a <strong>Psicologia</strong>,<br />

a fonte principal das ilusões antropomórficas e metafísicas, deve,<br />

mais que qualquer outra ciência, encontrar no materialismo dialético<br />

sua base e princípios-guia.<br />

******<br />

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