Proteger o livro - Instituto de Economia da UFRJ
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PROTEGER O LIVRO<br />
Qual é a ameaça? Quem tem medo do lobo mau? #<br />
APRESENTANDO O “PROTEGER O LIVRO”<br />
Fabio Sá-Earp *<br />
George Kornis **<br />
A publicação no Brasil <strong>de</strong>sta obra <strong>de</strong> Markus Gerlarch é extremamente oportuna,<br />
sobretudo por ser feita por uma enti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> editoras - a Aliança dos Editores In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />
sedia<strong>da</strong> em Paris - que se propõe a atuar em conjunto para diagnosticar e solucionar os<br />
problemas do setor. Assim, esta iniciativa editorial <strong>da</strong> LIBRE tem o papel histórico <strong>de</strong><br />
inaugurar no Brasil um <strong>de</strong>bate sobre as medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> política econômica possíveis e<br />
<strong>de</strong>sejáveis para a dinamização do mercado editorial do país.<br />
Iniciaremos com um exame sintético e atualizado <strong>da</strong> crise que vive o mercado do<br />
<strong>livro</strong> no Brasil.Esse exame é um <strong>de</strong>sdobramento <strong>de</strong> uma análise anteriormente <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong><br />
para subsidiar a ação do BNDES no tocante à ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>livro</strong> no país. Em segui<strong>da</strong><br />
faremos uma apreciação crítica do texto <strong>de</strong> Gerlach, focando na sua proposta <strong>de</strong> adoção <strong>de</strong><br />
um sistema <strong>de</strong> preço fixo do <strong>livro</strong>. Finalmente apresentaremos, ain<strong>da</strong> que em bases<br />
preliminares, alguns elementos para um <strong>de</strong>bate sólido e lúcido acerca do encaminhamento a<br />
ser <strong>da</strong>do à questão do preço fixo do <strong>livro</strong> no Brasil.<br />
1. EXISTE UMA CRISE NO MERCADO EDITORIAL<br />
A indústria editorial brasileira vive, há muitos anos, uma violenta crise – a mais<br />
grave crise <strong>de</strong>ntre todos os setores produtivos no país – e os empresários até o momento<br />
foram incapazes <strong>de</strong> sequer reclamar qualquer tipo <strong>de</strong> política setorial capaz <strong>de</strong> se contrapor<br />
às suas per<strong>da</strong>s. Ao contrário, as maiores enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sistematicamente negam aquilo que seus<br />
próprios <strong>da</strong>dos mostram – a que<strong>da</strong> no volume e no valor <strong>da</strong>s ven<strong>da</strong>s – e comportam-se, via<br />
<strong>de</strong> regra, com a fi<strong>da</strong>lguia do nobre esmolambado que tudo per<strong>de</strong>, menos a pose.<br />
#<br />
Publicado em Markus Gerlach, <strong>Proteger</strong> o <strong>livro</strong>: <strong>de</strong>safios culturais, econômicos e políticos do preço fixo.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: LIBRE.<br />
*<br />
Professor do IE/<strong>UFRJ</strong>, coor<strong>de</strong>nador do GENT – Grupo <strong>de</strong> Pesquisa em <strong>Economia</strong> do Entretenimento <strong>da</strong><br />
<strong>UFRJ</strong>.<br />
**<br />
Professor do IMS/UERJ, pesquisador do GENT.<br />
1
No entanto os <strong>da</strong>dos - que a própria Câmara Brasileira do Livro elabora - mostram<br />
a existência <strong>de</strong> uma crise que está claramente configura<strong>da</strong> conforme o exposto na tabela<br />
abaixo: 1<br />
Tabela 1<br />
Evolução dos títulos, exemplares vendidos e<br />
faturamento <strong>da</strong>s editoras – 1995-2004<br />
Títulos<br />
(milhares)<br />
Exemplares<br />
(milhões)<br />
Faturamento<br />
<strong>da</strong>s editoras<br />
(R$ milhões<br />
<strong>de</strong> 2004) 2<br />
1995 41 374 5072<br />
1996 43 388 4661<br />
1997 52 348 4212<br />
1998 50 410 4559<br />
1999 44 290 3586<br />
2000 45 334 3559<br />
2001 41 300 3551<br />
2002 40 320 3004<br />
2003 36 256 2651<br />
2004 35 289 2477<br />
Fonte: <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Câmara Brasileira do Livro, nossa elaboração.<br />
Em to<strong>da</strong>s as variáveis acima consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s (títulos, exemplares e faturamento <strong>da</strong>s<br />
editoras) os valores atualmente disponíveis apresentam uma tendência <strong>de</strong> que<strong>da</strong> clara e<br />
consistente. Esta perspectiva fica ain<strong>da</strong> mais níti<strong>da</strong> quando convertemos estes valores em<br />
números índice e os colocamos em um gráfico. O gráfico seguinte mostra claramente a<br />
evolução dos valores <strong>de</strong>ssas três variáveis.<br />
1 Utilizamos os <strong>da</strong>dos até 2004, últimos disponíveis quando <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção <strong>de</strong>ste texto. Normalmente a Câmara<br />
Brasileira do Livro divulga sua pesquisa em maio ou junho, mas até o momento (8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006) isto<br />
não aconteceu. No entanto, informações preliminares indicam que a tendência <strong>de</strong> que<strong>da</strong> se manteve em 2005.<br />
2 Dados inflacionados pelo IGP/FGV.<br />
2
140<br />
120<br />
100<br />
80<br />
60<br />
40<br />
20<br />
0<br />
Tendências do mercado editorial<br />
brasileiro 1995-2004<br />
1995<br />
1996<br />
1997<br />
1998<br />
1999<br />
2000<br />
2001<br />
2002<br />
2003<br />
2004<br />
Títulos Exemplares Faturamento<br />
Fonte: Dados <strong>da</strong> Tabela 1 convertidos em números índices (1995 = 100);<br />
nossa elaboração.<br />
Como po<strong>de</strong> ser explicado este marcante <strong>de</strong>clínio? É simples, o governo está<br />
comprando menos e o consumidor privado também. O setor público seguindo <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />
política econômica, em que a busca <strong>de</strong> superávits primários nas contas públicas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999<br />
sistematicamente corta gastos em quesitos consi<strong>de</strong>rados menos importantes como, por<br />
exemplo, educação e cultura. A dimensão <strong>de</strong>sse corte nas compras governamentais <strong>de</strong><br />
<strong>livro</strong>s aparece claramente na Tabela 2 abaixo:<br />
Tabela 2<br />
Que<strong>da</strong> nas compras <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s pelo governo<br />
Compras 1995 2004 Variação %<br />
Quanti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
(milhões <strong>de</strong> exemplares)<br />
130 135 + 4%<br />
Valor<br />
1261 529 - 58%<br />
(milhões <strong>de</strong> reais <strong>de</strong> 2004)<br />
Preço médio (reais <strong>de</strong> 2004) 9,7 3,92 - 60%<br />
Fonte: <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Câmara Brasileira do Livro, nossa elaboração.<br />
3
A que<strong>da</strong> nas compras <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s do consumidor privado foi ain<strong>da</strong> mais acentua<strong>da</strong> do<br />
que aquela verifica<strong>da</strong> na compras <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s pelo governo. A tabela 3 abaixo fornece a<br />
dimensão exata <strong>de</strong>ssa retração<br />
Tabela 3<br />
Que<strong>da</strong> nas compras <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s pelo consumidor privado<br />
Compras 1995 2004 Variação %<br />
Quanti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
(milhões <strong>de</strong> exemplares)<br />
224 154 - 31%<br />
Valor<br />
3810 1948 - 49%<br />
(milhões <strong>de</strong> reais <strong>de</strong> 2004)<br />
Preço médio (reais <strong>de</strong> 2004) 15,62 12,65 -19%<br />
Fonte: <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Câmara Brasileira do Livro, nossa elaboração.<br />
Existem pelo menos três explicações, não exclu<strong>de</strong>ntes entre si, para a redução <strong>da</strong>s<br />
compras por este consumidor: (i) os <strong>livro</strong>s são caros <strong>de</strong>mais para seu bolso; (ii) sua ren<strong>da</strong><br />
está caindo e (iii) apareceram novas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> consumo que competem com o <strong>livro</strong>.<br />
Em primeiro lugar o preço médio do <strong>livro</strong> vendido ao setor privado em 2004, cerca<br />
<strong>de</strong> 24 reais por exemplar (preço em livraria) torna-o acessível apenas a uma parcela muito<br />
pequena <strong>da</strong> população. A Pesquisa <strong>de</strong> Orçamentos Familiares (POF) do IBGE nos mostra o<br />
montante <strong>de</strong> recursos que as famílias <strong>de</strong>dicam à compra <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> produto. Como não<br />
existe na POF uma categoria específica para <strong>livro</strong>s, agregamos as categorias “<strong>livro</strong>s<br />
didáticos e técnicos” e “periódicos, <strong>livro</strong>s e revistas”, conforma mostra a seguir a Tabela 4.<br />
Fica evi<strong>de</strong>nte que, consi<strong>de</strong>rando-se a família brasileira média, apenas aquelas que ganham<br />
acima <strong>de</strong> 15 salários mínimos po<strong>de</strong>riam, se quisessem, comprar mensalmente um <strong>livro</strong><br />
brasileiro ao seu preço médio – e isso se não gastassem um mísero real com jornais e<br />
revistas. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, portanto, do conjunto <strong>da</strong>s famílias cujo padrão <strong>de</strong> consumo<br />
correspon<strong>de</strong> à média, apenas aquelas com uma ren<strong>da</strong> superior a 30 salários mínimos estão<br />
habilita<strong>da</strong>s para a aquisição em simultâneo <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s, jornais e revistas.<br />
Para que os consumidores que ganham <strong>de</strong> 10 a 15 salários mínimos pu<strong>de</strong>ssem<br />
adquirir um <strong>livro</strong> por mês e um ou outro jornal seria preciso que o <strong>livro</strong> tivesse seu preço<br />
reduzido para cerca <strong>de</strong> um terço do que é hoje – ou seja, para 8 reais. Só assim as famílias<br />
que percebem acima <strong>de</strong> 10 salários mínimos, que correspon<strong>de</strong>m, grosso modo, às 10% mais<br />
ricas <strong>da</strong> população brasileira, po<strong>de</strong>riam adquirir um <strong>livro</strong> por mês. Para os outros 90% <strong>da</strong><br />
4
população brasileira será preciso esperar que o país cresça e a ren<strong>da</strong> seja distribuí<strong>da</strong>.Ora<br />
esse processo po<strong>de</strong>rá levar uma ou duas gerações e até lá essas famílias terão que recorrer<br />
aos <strong>livro</strong>s recebidos por doação do governo e, sobretudo, às bibliotecas públicas que, diga-<br />
se <strong>de</strong> passagem, foram praticamente dizima<strong>da</strong>s neste país, por sucessivos cortes<br />
orçamentários supostamente exigidos pela austeri<strong>da</strong><strong>de</strong> fiscal.<br />
Tabela 4<br />
Gasto médio com <strong>livro</strong>s segundo a ren<strong>da</strong><br />
em salários mínimos (reais <strong>de</strong> 2004)<br />
10 a 15 SM 15 a 20 SM 20 a 30 SM Mais <strong>de</strong> 30 SM<br />
Livros didáticos<br />
e técnicos<br />
4 7 10 16<br />
Outros <strong>livro</strong>s, revistas e<br />
periódicos<br />
10 17 26 45<br />
Total <strong>de</strong> produtos<br />
editoriais<br />
14 24 36 61<br />
Fonte: <strong>da</strong>dos do IBGE (2004), nossa elaboração.<br />
No entanto vale observar que uma outra razão para a que<strong>da</strong> na compra <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s é a<br />
que<strong>da</strong> do po<strong>de</strong>r aquisitivo <strong>de</strong>stas cama<strong>da</strong>s mais ricas <strong>da</strong> população. De fato, como<br />
novamente mostra o IBGE, através <strong>da</strong> Pesquisa Nacional por Amostra <strong>de</strong> Domicílios<br />
(PNAD), a ren<strong>da</strong> real <strong>de</strong>stes que são os maiores compradores <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s caiu acentua<strong>da</strong>mente<br />
nos últimos 10 anos, em torno <strong>de</strong> 21%, como mostra a tabela seguinte:<br />
Tabela 5<br />
Ren<strong>da</strong> bruta real dos consumidores <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s (reais <strong>de</strong> 2004)<br />
Ano 10% mais ricos 5% mais ricos 1% mais ricos<br />
1995 4284 6144 12353<br />
1996 4324 3168 12237<br />
1997 4265 6089 12239<br />
1998 4262 6110 12338<br />
1999 3939 5620 10964<br />
2000 3905 5591 11118<br />
2001 3872 5562 11271<br />
2002 3765 5404 10758<br />
2003 3383 4853 9656<br />
Fonte: <strong>da</strong>dos IBGE (2004a), nossa elaboração.<br />
Esse segmento <strong>da</strong> população brasileira, por outro lado, teve um aumento <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spesas consi<strong>de</strong>rável com pelo menos duas novi<strong>da</strong><strong>de</strong>s irrecusáveis que apareceram nesta<br />
5
última déca<strong>da</strong>: os telefones celulares e a Internet. 3 Como a próxima tabela mostra, os gastos<br />
médios com produtos <strong>de</strong> telefonia são <strong>de</strong> 4 a 6 vezes maiores do que aqueles com produtos<br />
editoriais – e esta é mais uma razão para que a <strong>de</strong>man<strong>da</strong> por <strong>livro</strong>s tenha diminuído.<br />
Tabela 6<br />
Despesa mensal com produtos editoriais<br />
e <strong>de</strong> telefonia por faixa <strong>de</strong> ren<strong>da</strong> (reais <strong>de</strong> 2004)<br />
10 a 15 SM 15 a 20 SM 20 a 30 SM Mais <strong>de</strong> 30 SM<br />
Produtos editoriais 14 24 36 61<br />
Produtos <strong>de</strong> telefonia 93 126 167 248<br />
Telefone fixo 69 82 102 131<br />
Telefone celular 24 43 65 118<br />
Fonte: <strong>da</strong>dos IBGE (2004), nossa elaboração.<br />
Para finalizar, resta dizer que este <strong>de</strong>sempenho do mercado editorial an<strong>da</strong> na<br />
contramão do resto <strong>da</strong> economia brasileira. De fato, como o gráfico abaixo mostra,<br />
enquanto as editoras brasileiras per<strong>de</strong>ram mais <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua ren<strong>da</strong> real entre 1995 e<br />
2004, o PIB brasileiro cresceu 22%, enquanto o faturamento <strong>da</strong>s editoras caiu 51%. Assim,<br />
é absolutamente insustentável o argumento que atribuiria à recessão econômica a grave<br />
crise que atravessa a ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>livro</strong> no Brasil.<br />
140<br />
120<br />
100<br />
80<br />
60<br />
40<br />
20<br />
0<br />
PIB e Faturamento <strong>da</strong>s editoras<br />
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004<br />
PIB Livro<br />
Fonte: <strong>da</strong>dos IPEADATA e Tabela 1, nossa elaboração.<br />
3 Observe-se que o <strong>da</strong>do <strong>de</strong> produtos telefônicos está subestimado, pois a coleta foi feita no final <strong>de</strong> 2002,<br />
antes <strong>da</strong> atual difusão <strong>da</strong> ban<strong>da</strong> larga e do aparecimento dos atuais aparelhos celulares sofisticados, ambos os<br />
quais implicam em aumento <strong>da</strong>s <strong>de</strong>spesas nesta faixa <strong>de</strong> produto.<br />
6
Bem, se constatamos a existência <strong>de</strong> uma crise, como o governo e os empresários<br />
reagem diante <strong>de</strong> um fato <strong>de</strong>ssa gravi<strong>da</strong><strong>de</strong>? O governo implementou a isenção fiscal do<br />
<strong>livro</strong> e o programa PROLIVRO do BNDES – este último um resultado direto do nosso<br />
trabalho para aquele banco. 4 As enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s empresariais, <strong>de</strong> quem se <strong>de</strong>veria esperar reações<br />
prontas e contun<strong>de</strong>ntes a esta situação na<strong>da</strong> dizem e, por sequer reconhecerem a gravi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>da</strong> situação, na<strong>da</strong> fazem. Em mais <strong>de</strong> uma dúzia <strong>de</strong> apresentações para os meios<br />
universitários e <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>livro</strong> que fizemos entre 2004 e o presente momento<br />
não nos esquivamos em propor (e discutir) políticas alternativas, 5 recebi<strong>da</strong>s via <strong>de</strong> regra<br />
com espanto e ceticismo. Mas ao longo <strong>de</strong>sse período <strong>de</strong> tempo ninguém contestou,<br />
ninguém apresentou alternativas; apenas um coro <strong>de</strong> silêncio.<br />
No entanto é nesse quadro <strong>de</strong>solador que, no Brasil, começa ser apresenta<strong>da</strong> como<br />
uma panacéia a todos os inúmeros problemas <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>livro</strong> o tema <strong>da</strong> adoção<br />
<strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> preço fixo do <strong>livro</strong>. O tema logo conquista a<strong>de</strong>ptos entre livreiros e<br />
editores, mas inexiste até agora um <strong>de</strong>bate consistente sobre as implicações positivas e<br />
negativas <strong>da</strong> adoção <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> preços fixos no país. Inaugurar esse <strong>de</strong>bate é<br />
certamente uma <strong>da</strong>s possíveis conseqüências positivas <strong>da</strong> publicação no Brasil <strong>de</strong>ste texto.<br />
Convi<strong>da</strong>mos, portanto, o leitor a proce<strong>de</strong>r a um exame atento e sólido <strong>da</strong> proposta conti<strong>da</strong><br />
em <strong>Proteger</strong> o Livro <strong>de</strong> Markus Gerlach. E o convi<strong>da</strong>mos, igualmente, a retornar em<br />
segui<strong>da</strong> para nossas apreciações críticas sobre o mesmo bem como para nossas sugestões<br />
acerca <strong>da</strong> conveniência e <strong>da</strong> forma <strong>de</strong> adoção <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> preço fixo do <strong>livro</strong> no<br />
Brasil.<br />
2. DISCUTINDO O LIVRO<br />
2.1. O QUE DEVE CONTER A LEI BRASILEIRA?<br />
Não repetiremos a proposta <strong>de</strong> Gerlach, já convenientemente <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong> pelo autor.<br />
Apenas assinalaremos uma gran<strong>de</strong> semelhança entre seus argumentos e os <strong>de</strong> outros<br />
autores, como Ales (2000) e Rouet (2000). Todos têm em comum a falta <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mentação<br />
4 Ver Sá-earp e Kornis (2005).<br />
5 Ver Sá-Earp e Kornis (2005a).<br />
7
estatística e um forte viés analítico a favor dos empresários, problemas que não po<strong>de</strong>remos<br />
<strong>de</strong>ixar passar em branco.<br />
Des<strong>de</strong> logo salta aos olhos a ausência <strong>de</strong> qualquer estudo comparativo entre os<br />
países que praticam o preço fixo e aqueles que o rejeitam. Esta abor<strong>da</strong>gem, por <strong>de</strong>finição<br />
dogmática, é passível <strong>de</strong> crítica e refutação pelos economistas liberais que colocam o<br />
mercado como uma enti<strong>da</strong><strong>de</strong> sagra<strong>da</strong> que não po<strong>de</strong> ser profana<strong>da</strong> por qualquer fixação <strong>de</strong><br />
preços. Foi assim que o <strong>de</strong>bate europeu per<strong>de</strong>u-se em um confronto estéril entre opositores<br />
e <strong>de</strong>fensores do PFL, ambos trabalhando com argumentos que só convencem àqueles que já<br />
seguem o mesmo credo.<br />
Em contraparti<strong>da</strong> nós fizemos uma tentativa, ain<strong>da</strong> que preliminar, no sentido <strong>de</strong><br />
verificar se efetivamente, como se afirma, a livre-concorrência leva ou não à concentração<br />
<strong>da</strong>s ven<strong>da</strong>s nas gran<strong>de</strong>s superfícies (em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong>s livrarias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes) e ao<br />
aumento dos preços, em cinco países que adotam o preço fixo e outros cinco que não o<br />
adotam, no período entre 1998 e 2002. É claro que séries estatísticas <strong>de</strong> apenas cinco anos<br />
se constituem em um instrumento analítico limitado, mas diante do <strong>de</strong>serto que<br />
encontramos neste <strong>de</strong>bate, estas po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s até como evidências substanciais.<br />
Vejamos em primeiro lugar a hipótese <strong>de</strong> que o preço fixo do <strong>livro</strong> (PFL)<br />
preservaria as livrarias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong> ameaça <strong>de</strong> per<strong>de</strong>rem mercado para as gran<strong>de</strong>s<br />
superfícies. Observemos as tabelas 7 e 8 abaixo apresenta<strong>da</strong>s; em nove dos <strong>de</strong>z países<br />
estu<strong>da</strong>dos as in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes per<strong>de</strong>ram espaço para as gran<strong>de</strong>s superfícies (a única exceção é<br />
a Espanha). No entanto, nos países com PFL as gran<strong>de</strong>s superfícies já respon<strong>de</strong>m por mais<br />
<strong>de</strong> meta<strong>de</strong> <strong>da</strong>s ven<strong>da</strong>s, enquanto nos <strong>de</strong>mais esta participação não chega a um terço.<br />
Tabela 7<br />
Distribuição percentual <strong>da</strong>s ven<strong>da</strong>s em países COM preço fixo<br />
Ven<strong>da</strong>s feitas por<br />
Ven<strong>da</strong>s feitas por<br />
livrarias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes gran<strong>de</strong>s superfícies<br />
1998 2002 1998 2002<br />
Alemanha 54 45 20 27<br />
Áustria 46 42 30 34<br />
Holan<strong>da</strong> 39 37 33 37<br />
Espanha 33 39 24 20<br />
França 24 22 30 34<br />
MÉDIA 39 27 24 31<br />
Fonte: Sá-Earp e Kornis (2005).<br />
8
Tabela 8<br />
Distribuição percentual <strong>da</strong>s ven<strong>da</strong>s em países SEM preço fixo<br />
Ven<strong>da</strong>s feitas por<br />
Ven<strong>da</strong>s feitas por<br />
livrarias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes gran<strong>de</strong>s superfícies<br />
1998 2002 1998 2002<br />
Bélgica 33 29 38 43<br />
Estados Unidos 32 26 46 48<br />
Itália 13 11 44 47<br />
Japão 25 23 56 55<br />
Reino Unido 16 12 59 63<br />
MÉDIA 24 20 49 51<br />
Fonte: Sá-Earp e Kornis (2005).<br />
Este resultado quer dizer que foi a adoção do PFL que <strong>de</strong>teve a expansão <strong>da</strong>s<br />
gran<strong>de</strong>s superfícies <strong>de</strong> ven<strong>da</strong>? Não, <strong>de</strong> jeito nenhum. Aliás, se observarmos atentamente<br />
estes números, veremos que a que<strong>da</strong> do market share <strong>da</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes é maior nos países<br />
com PFL do que nos países que não o adotam. 6 Este resultado significa apenas que existe<br />
razão para se fazer logo um estudo mais completo do que aqueles até agora realizados. Isto<br />
porque a livraria tradicional tem sua existência ameaça<strong>da</strong> não apenas pelas gran<strong>de</strong>s<br />
superfícies mas por todos os tipos <strong>de</strong> livraria híbri<strong>da</strong>, que oferece uma multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
outros produtos – papelaria, informática, CDs e DVDs, café, etc. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, é possível<br />
que nesse momento a livraria tradicional esteja em vias <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer, tal como já ocorreu<br />
com os pequenos armazéns e as cocheiras e agora está acontecendo com as companhias<br />
telefônicas. Talvez, neste novo mundo, o velho livreiro esteja con<strong>de</strong>nado a seguir os passos<br />
dos <strong>da</strong>tilógrafos, dos ferreiros e dos mascates a domicílio – todos sepultados pelo progresso<br />
técnico. De fato, num momento em que livrarias on line entregam seu produto a domicílio<br />
no mesmo dia, que sentido faz para um consumidor ir à livraria se não for em busca <strong>de</strong> algo<br />
mais – música, convívio humano, um momento para meditação? Convém ain<strong>da</strong> esclarecer<br />
que o fato <strong>de</strong> a livraria ser híbri<strong>da</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> mesma pertencer a uma re<strong>de</strong> ou não;<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apenas do produto que seu proprietário <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> ofertar ao público. A confusão com<br />
6 Nos países com PFL o share <strong>da</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes caiu <strong>de</strong> 39% para 27% <strong>da</strong>s ven<strong>da</strong>s – ou seja, uma per<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
31% <strong>de</strong> sua fatia <strong>de</strong> mercado. Já nos países sem PFL as in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes caíram <strong>de</strong> 24% para 20%, ou seja,<br />
per<strong>de</strong>ram apenas 17% <strong>da</strong> fatia <strong>de</strong> mercado que <strong>de</strong>tinham em 1998.<br />
9
as gran<strong>de</strong>s superfícies ocorre porque estas costumam montar livrarias híbri<strong>da</strong>s ou, no caso<br />
dos supermercados, oferecem uma infini<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> outros produtos ao consumidor.<br />
Passemos agora a tratar <strong>da</strong> questão do preço dos <strong>livro</strong>s. Será que a existência ou não<br />
do PFL contribui para a redução <strong>de</strong>stes preços? As tabelas 9 e 10 mostram que ocorreu uma<br />
que<strong>da</strong> média <strong>de</strong> 10% nos preços praticados entre 1998 e 2002 nos países que adotam o PFL<br />
(novamente a exceção é a Espanha, on<strong>de</strong> tais preços permaneceram constantes).<br />
Inversamente, os preços médios tiveram uma ligeira alta nos países sem PFL, mas com<br />
resultados muito diferenciados: três países tiveram alta e os outros dois, que<strong>da</strong>. Isto quer<br />
dizer que o PFL causa necessariamente que<strong>da</strong> dos preços? Seria leviano assumir esta<br />
hipótese com base em <strong>da</strong>dos tão frágeis. Seria preciso fazer uma análise macroeconômica<br />
<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>sses países antes <strong>de</strong> fazer uma afirmação tão crua. Mas é uma hipótese que<br />
merece ser testa<strong>da</strong> em um estudo consistente.<br />
Tabela 9<br />
Preços médios dos <strong>livro</strong>s em países COM preço fixo<br />
1998 1999 2000 2001 2002 1998-20<br />
%<br />
Alemanha 19,1 18,2 16,9 15,0 16,5 -13<br />
Áustria 15,7 16,1 14,3 14,1 15,4 -2<br />
Holan<strong>da</strong> 16,1 15,3 13,3 13,9 13,6 -15<br />
Espanha 10.5 11,4 10,5 10,2 10,6 0<br />
França 7.1 6,8 6,0 5,7 5,4 -24<br />
MÉDIA 13.7 13,6 12,0 11,7 12,3 -10<br />
Fonte: <strong>da</strong>dos Euromonitor (2003), nossa elaboração.<br />
Tabela 10<br />
Preços médios dos <strong>livro</strong>s em países SEM preço fixo<br />
1998 1999 2000 2001 2002 1998-20<br />
%<br />
Bélgica 18,4 18,0 15,9 15,8 15,8 -7<br />
EUA 12,0 12,1 12,9 13,3 13,7 14<br />
Itália 12,2 13,1 11,2 11,6 12,7 4<br />
Japão 7,5 8,7 9,1 8,1 7,8 4<br />
Reino Unido 12,2 11,8 11,2 10,8 11,5 -6<br />
MÉDIA 12,5 12,7 12,1 11,9 12,6 1<br />
Fonte: <strong>da</strong>dos Euromonitor (2003), nossa elaboração.<br />
Em suma, os dois brevíssimos testes estatísticos que apresentamos permitem<br />
concluir que, ao contrário do que po<strong>de</strong>ria supor um liberalismo simplista, não po<strong>de</strong>mos<br />
afastar a hipótese do PFL <strong>de</strong>sempenhar um comportamento benéfico para os países que o<br />
10
adotam. Mas significa, acima <strong>de</strong> tudo, que conhecemos muito pouco sobre o assunto para<br />
po<strong>de</strong>rmos fazer afirmações peremptórias sem cairmos na levian<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Visto que, pelo menos em princípio, existe razão para acreditar em possíveis efeitos<br />
benéficos <strong>da</strong> adoção do PFL, é hora <strong>de</strong> aprofun<strong>da</strong>r a discussão. E esta precisa ser muito<br />
aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>. Sempre que os economistas estu<strong>da</strong>m qualquer mercado têm em mente pelo<br />
menos dois eixos fun<strong>da</strong>mentais que orientam a política econômica contemporânea: a <strong>de</strong>fesa<br />
<strong>da</strong> concorrência e a <strong>de</strong>fesa do consumidor. A lei do PFL aten<strong>de</strong> ao objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o<br />
pequeno livreiro diante do gran<strong>de</strong> empresário, mas será que o consumidor será igualmente<br />
beneficiado? Como visto anteriormente, ain<strong>da</strong> não há razão para pensarmos que isto ocorra<br />
no mundo real. E se não pu<strong>de</strong>rmos provar que os <strong>livro</strong>s serão mais baratos com o PFL do<br />
que sem ele, então a conclusão será <strong>de</strong> que o consumidor será prejudicado caso os<br />
<strong>de</strong>scontos sejam proibidos.<br />
De fato, este último é prejudicado sempre que as empresas <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> concorrer<br />
para oferecer-lhe o menor preço e a melhor quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço. Acima <strong>de</strong> tudo vale o<br />
princípio <strong>da</strong> soberania do consumidor: é este quem <strong>de</strong>ve escolher, <strong>de</strong>ntre as diversas<br />
combinações <strong>de</strong> preço e quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, aquela que lhe parece mais conveniente. E por que<br />
razão este fato é esquecido neste <strong>de</strong>bate?<br />
Porque a questão fun<strong>da</strong>mental que aqui se escon<strong>de</strong> é que a adoção do PFL<br />
<strong>de</strong>sempenha a função <strong>de</strong> consoli<strong>da</strong>r as margens <strong>de</strong> lucro <strong>de</strong> editores e livreiros,<br />
preservando-as <strong>de</strong> ameaças <strong>de</strong>riva<strong>da</strong>s <strong>da</strong> livre concorrência – ou seja, aquilo que os<br />
economistas <strong>de</strong>nominam conluio, em prejuízo do consumidor. Um conluio po<strong>de</strong> ser<br />
necessário para a preservação dos participantes em mercados pouco competitivos, mas não<br />
naqueles em que coexistem muitos concorrentes. Por exemplo, na Amazônia, no nor<strong>de</strong>ste e<br />
no centro-oeste do Brasil, a penetração <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s ca<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> livrarias do centro-sul,<br />
oferecendo <strong>de</strong>scontos nos best-sellers, certamente representaria a liqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s livrarias<br />
locais. O mesmo não se po<strong>de</strong> dizer <strong>da</strong> região nobre <strong>da</strong>s livrarias do Rio <strong>de</strong> Janeiro, os<br />
bairros do Centro, Ipanema e Leblon, on<strong>de</strong> a presença <strong>de</strong> consumidores mais sofisticados<br />
abre oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> para que ca<strong>da</strong> livraria ofereça seus serviços específicos – po<strong>de</strong>ndo,<br />
assim, sobreviver à concorrência <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s superfícies que oferecem <strong>de</strong>scontos sobre<br />
duas dúzias <strong>de</strong> best-sellers. Este exemplo, aliás, não é hipotético: reflete a situação<br />
verifica<strong>da</strong> nestes últimos meses, em que a primeira filial <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> re<strong>de</strong> instalou-se no<br />
11
Leblon e vive às moscas, incapaz <strong>de</strong> concorrer com as cinco livrarias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes lá<br />
instala<strong>da</strong>s.<br />
Voltemos, porém, ao texto <strong>de</strong> Gerlach. Ele espelha o intenso <strong>de</strong>bate europeu,<br />
travado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 80 do século passado, o qual girava em torno <strong>da</strong>s escolhas envolvi<strong>da</strong>s<br />
na adoção <strong>de</strong> distintos sistemas <strong>de</strong> preços <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s. Esse <strong>de</strong>bate, largamente ignorado no<br />
Brasil, ten<strong>de</strong>u a uma polarização: os <strong>de</strong>fensores do PFL, via <strong>de</strong> regra profissionais do <strong>livro</strong>,<br />
versus a Comissão Européia (e, sobretudo, sua Direção <strong>da</strong> Concorrência). Assim, não<br />
surpreen<strong>de</strong> que Gerlach tenha elegido a Comissão Européia (em particular sua Direção <strong>da</strong><br />
Concorrência) como sua bête–noire, acusando-a continuamente <strong>de</strong> não consi<strong>de</strong>rar a<br />
especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> do mercado editorial e <strong>de</strong> atuar <strong>de</strong> modo dogmático na <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> livre (e<br />
leal) competição no conjunto do mercado. Essa escolha traz implícita uma outra: o livre<br />
mercado é o lobo mau do texto <strong>de</strong> Gerlach. Parafraseando Sartre, que cunhou a frase “o<br />
inferno são os outros”, po<strong>de</strong>mos sugerir que, na perspectiva <strong>da</strong>quele autor, dogmáticos são<br />
os outros, ou seja, todos aqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar compatíveis a<br />
liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mercado e a proteção ao consumidor livre e soberano.<br />
Os reguladores <strong>da</strong> Comissão Européia e sua Direção <strong>da</strong> Concorrência têm seus<br />
equivalentes no Brasil e estes não assistiriam pacificamente à implantação <strong>de</strong> um sistema<br />
<strong>de</strong> PFL. A adoção <strong>de</strong> uma legislação <strong>de</strong>sse tipo no Brasil teria que ser aprova<strong>da</strong> pelo<br />
Congresso Nacional, provavelmente como a<strong>de</strong>ndo à Lei do Livro. Qualquer projeto <strong>de</strong> lei<br />
propondo a adoção do PFL po<strong>de</strong> ser imediatamente atropelado por qualquer uma <strong>da</strong>s<br />
inúmeras enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do consumidor, que po<strong>de</strong> acionar o Ministério Público,<br />
questionar a legali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> e colocá-la no monte <strong>de</strong> projetos esquecidos que<br />
abun<strong>da</strong>m nas prateleiras do congresso, paralisados por alguma contestação.<br />
Assim, se não quisermos que a apresentação <strong>de</strong>sta proposta <strong>de</strong>scambe em uma<br />
pantomima tola teremos que apresentar uma argumentação que leve em conta tanto a <strong>de</strong>fesa<br />
do pequeno empresário quanto a do consumidor. E mais: só será possível implantar algum<br />
grau <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> preço <strong>de</strong> <strong>livro</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito negociar, e só se negocia com propostas<br />
compatíveis com as conquistas presentes na cena institucional <strong>da</strong>s <strong>de</strong>cisões dos órgãos <strong>de</strong><br />
regulação.<br />
Esta negociação foi o que permitiu que o PFL fosse adotado em diversos países<br />
europeus, sempre procurando aten<strong>de</strong>r a especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> nacional. Estas experiências estão<br />
12
parcialmente <strong>de</strong>scritas no <strong>livro</strong> <strong>de</strong> Gelarch, que traça um painel <strong>da</strong> experiência histórica<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do século XIX. 7 Este painel resume a experiência histórica <strong>de</strong> 17 países<br />
europeus, 8 nos permite não só ver que cinco dos países <strong>da</strong> Europa não adotam o sistema<br />
PFL 9 como também que, dos 12 países restantes, a meta<strong>de</strong> o adotam por acordo inter-<br />
profissional 10 e os outros 6 países o fazem por força <strong>de</strong> lei. 11<br />
O painel em pauta permite ver, sobretudo, o estado <strong>da</strong> discussão <strong>de</strong>sse tema na<br />
Europa até 2002: quais países po<strong>de</strong>riam a<strong>de</strong>rir ao sistema ou abandoná-lo. Mas há alguns<br />
pontos importantes que aí não estão expostos. Um ponto que Gerlach parece <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar<br />
é que o grau <strong>de</strong> heterogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> no interior do conjunto dos países que praticam um<br />
sistema <strong>de</strong> preços livres é muito menor do que o verificado entre os países que adotaram o<br />
sistema PFL. Um exame <strong>de</strong>sse último conjunto <strong>de</strong>ixa claro que a heterogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> se afirma<br />
não só no tocante ao período <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são ao sistema PFL, 12 como especialmente pelas<br />
restrições adota<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> um dos 12 países europeus que a<strong>de</strong>riram a essa prática.<br />
Vejamos: na Espanha <strong>livro</strong>s <strong>de</strong> luxo e <strong>livro</strong>s escolares não estão incluídos no<br />
sistema PFL estando, portanto, na esfera <strong>da</strong> livre competição <strong>de</strong> mercado; na França a Lei<br />
Lang conce<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontos até 5% para to<strong>da</strong>s as livrarias, 13 mas também <strong>de</strong>scontos maiores<br />
para ven<strong>da</strong>s a bibliotecas, comitês <strong>de</strong> empresas e estabelecimentos <strong>de</strong> ensino admitindo<br />
assim algum grau <strong>de</strong> competição por preços. A Áustria, que adotou o sistema <strong>de</strong> PFL em<br />
2000, sob inspiração <strong>da</strong> Lei Lang, incorpora as mesmas restrições pratica<strong>da</strong>s no França<br />
7 No século XIX o Reino Unido adota pioneiramente em 1829 o sistema <strong>de</strong> preço fixo do <strong>livro</strong> (PFL) e essa<br />
versão do sistema vai durar até 1850. O sistema PFL é novamente introduzido no Reino Unido em 1890 sob o<br />
nome <strong>de</strong> Net Book Agreement (NBA) o qual vigorou até 1995.A Dinamarca adota em 1837 um sistema PFL -<br />
a experiência pioneira <strong>da</strong> Europa Continental. A Alemanha, que criara em 1825 a Liga dos Profissionais do<br />
Livro (Boersenverain <strong>de</strong>r Deutschen Buchhan<strong>de</strong>ls), introduz o sistema PFL só em 1887 por acordo interprofissional.<br />
Essa experiência esten<strong>de</strong>u-se até muito recentemente, pois apenas em 2002 o sistema PFL é<br />
introduzido por lei na Alemanha reunifica<strong>da</strong>. A adoção do sistema PFL na Europa latina foi tardia face à sua<br />
incorporação no Reino Unido, na Escandinávia e no mundo germânico <strong>da</strong>do que a Espanha só o adota em<br />
1974, a França só o faz em 1982, Portugal o incorpora apenas em 1996, a Grécia só o faz em 1997 e,<br />
finalmente, a Itália adota o sistema PFL em 2001.<br />
8 Trata-se <strong>de</strong> Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Irlan<strong>da</strong>, Itália,<br />
Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Noruega.<br />
9 Reino Unido, a Irlan<strong>da</strong>, a Suécia, a Finlândia e a Bélgica.<br />
10 Alemanha, Dinamarca,Luxemburgo, Países Baixos, Suíça e Noruega.<br />
11 Áustria, Espanha, França, Grécia, Itália e Portugal.<br />
12 A<strong>de</strong>sões pioneiras como as <strong>da</strong> Dinamarca e <strong>da</strong> Alemanha secun<strong>da</strong><strong>da</strong>s por a<strong>de</strong>sões efetiva<strong>da</strong>s no século XX<br />
tal como, por exemplo, os Países Baixos e a Bélgica Flamenga versus a<strong>de</strong>sões tardias tais como a <strong>da</strong> Espanha,<br />
<strong>da</strong> França, <strong>de</strong> Portugal, <strong>da</strong> Grécia e <strong>da</strong> Itália.<br />
13 Descontos maiores po<strong>de</strong>m ser aplicados a <strong>livro</strong>s que tenham sido publicados há mais <strong>de</strong> dois anos e que já<br />
estejam nos estoques <strong>da</strong> livraria há pelo menos 6 meses.<br />
13
Em Portugal a lei que estabelece a adoção <strong>de</strong>ste sistema, embora inspira<strong>da</strong> na Lei<br />
Lang, impõe um conjunto <strong>de</strong> restrições <strong>de</strong> corte claramente liberal, a saber, o sistema PFL<br />
só é valido para até 18 meses do lançamento <strong>da</strong> primeira edição, os <strong>de</strong>scontos autorizados<br />
são o dobro dos adotados na França, estão excluí<strong>da</strong>s do sistema PFL as bibliotecas públicas<br />
e escolares, os salões, festivais e feiras <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s pois aí, com algum grau <strong>de</strong> competição<br />
por preços, são praticados <strong>de</strong>scontos <strong>de</strong> até 20%. Além <strong>da</strong>s restrições já menciona<strong>da</strong>s,<br />
Portugal ain<strong>da</strong> impõe um sistema <strong>de</strong> controle, como a presença <strong>de</strong> uma comissão <strong>de</strong><br />
avaliação regular - composta por consumidores e por representantes do Ministério <strong>da</strong><br />
Cultura - a qual está orienta<strong>da</strong> para promover ajustes contínuos na operação do sistema;<br />
Na Grécia a adoção do sistema PFL também se fez acompanhar <strong>de</strong> um rol <strong>de</strong><br />
restrições <strong>de</strong> corte liberal tais como um maior <strong>de</strong>sconto na operação do sistema, como a<br />
limitação do uso do sistema em até 2 anos do lançamento do <strong>livro</strong>, como a posterior<br />
liberação para <strong>de</strong>scontos maiores e, especialmente, para a prática <strong>de</strong> preços reduzidos para<br />
ven<strong>da</strong>s ao setor público, às coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e às instituições científicas e culturais.<br />
Na Itália a recente adoção do PFL já previa uma nova lei que ampliaria os <strong>de</strong>scontos<br />
permitidos até o patamar <strong>de</strong> 15% e, possivelmente, outros ajustes restritivos se imporão; na<br />
Suíça a adoção em 1993 do sistema PFL esteve restrita à zona lingüística alemã <strong>da</strong>do que,<br />
nas zonas francesa e italiana, inexiste sistema PFL. Essa a<strong>de</strong>são ao sistema PFL se fez<br />
acompanhar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001/2002 <strong>de</strong> conflitos com as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> concorrência.<br />
E nos países com sóli<strong>da</strong> tradição <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são ao sistema PFL as restrições também<br />
impõem sua presença? Também nestes há possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça no ar. Assim, na<br />
Alemanha o litígio com a Comissão Européia se consoli<strong>da</strong> nos anos 90 <strong>de</strong> modo que<br />
restrições ao sistema <strong>de</strong> PFL imposto por lei po<strong>de</strong>rão se impor no futuro. Na Dinamarca o<br />
litígio com as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> concorrência <strong>da</strong> Comissão Européia já se faz<br />
presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999, <strong>de</strong> modo que a a<strong>de</strong>são ao sistema <strong>de</strong> PFL se encontra restrita ao<br />
lançamento <strong>de</strong> novos títulos. Em Luxemburgo a adoção do sistema PFL é restrita aos <strong>livro</strong>s<br />
editados no país e eles são a minoria dos <strong>livro</strong>s vendidos nesse pequeno país - logo, na<br />
prática, inexiste sistema <strong>de</strong> PFL no país. Na Bélgica a a<strong>de</strong>são ao sistema PFL esteve sempre<br />
restrito à zona lingüística flamenga - e o conflito com as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong><br />
concorrência <strong>da</strong> Comissão Européia se faz presente - <strong>da</strong>do que a zona francesa jamais<br />
adotou esse sistema. Nos Países Baixos a adoção do sistema PFL exclui as exportações para<br />
14
a Bélgica flamenga as quais representam 25% do total <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s do país. Na<br />
Noruega a a<strong>de</strong>são ao sistema <strong>de</strong> PFL foi recentemente objeto <strong>de</strong> ampla discussão no<br />
governo, <strong>de</strong> modo que mesmo que essa a<strong>de</strong>são continue ela não será feita nos mesmos<br />
termos do que no passado, incorporará necessariamente um conjunto <strong>de</strong> restrições.<br />
Assim, po<strong>de</strong>mos afirmar que embora restrições se façam mais presentes em países<br />
<strong>de</strong> incorporação recente <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> PFL, elas também existem em países com sóli<strong>da</strong><br />
tradição <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são ao sistema PFL. Nesta perspectiva, o argumento <strong>de</strong> Gerlach <strong>de</strong> que a<br />
a<strong>de</strong>são ao sistema PFL é além <strong>de</strong> majoritária uma expansão irreversível é, em princípio, um<br />
argumento frágil. O tom triunfal que está na base <strong>da</strong> pregação em favor <strong>da</strong> adoção <strong>de</strong><br />
sistemas <strong>de</strong> PFL faz tabula rasa <strong>de</strong> um fato elementar: no mundo contemporâneo, a julgar<br />
pela recente experiência européia, a a<strong>de</strong>são a esse sistema não se faz sem a incorporação <strong>de</strong><br />
um amplo conjunto <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s econômicas e políticas orienta<strong>da</strong>s para compatibilizar<br />
<strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> concorrência, <strong>de</strong>fesa do consumidor e <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>livro</strong>.<br />
Estas consi<strong>de</strong>rações nos conduzem a uma diferença fun<strong>da</strong>mental entre o Brasil e os<br />
países europeus: a importância <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong>. O Brasil tem uma população equivalente às<br />
<strong>da</strong> França, Reino Unido e Itália soma<strong>da</strong>s, e sua área é quase oito vezes maior do que a<br />
<strong>de</strong>stes três países juntos. Nossas <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais e regionais só encontram no<br />
continente europeu, senão paralelo, pelo menos alguma semelhança, naquelas encontra<strong>da</strong>s<br />
na Fe<strong>de</strong>ração Russa. As populações <strong>de</strong> Portugal, Grécia e Turquia são notavelmente<br />
prósperas se compara<strong>da</strong>s com as <strong>de</strong> muitas regiões do Brasil, e o funcionamento do seu<br />
aparelho <strong>de</strong> Estado é incomparavelmente mais eficiente.<br />
Assim, enquanto na Europa faz sentido diferenciar políticas para o <strong>livro</strong> por países,<br />
aqui é necessário diferenciar por estados e regiões do país, segundo os critérios <strong>de</strong><br />
competição entre pequenos e gran<strong>de</strong>s empresários e sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> atendimento ao<br />
público consumidor. Certamente em centros urbanos com população <strong>de</strong> ren<strong>da</strong> mais alta e<br />
um amplo comércio livreiro já estabelecido, como a Zona Sul do Rio, a região dos Jardins<br />
em São Paulo e as regiões centrais <strong>de</strong> ambas as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s o mercado é suficiente para permitir<br />
o convívio <strong>de</strong> livrarias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e gran<strong>de</strong>s superfícies sem que seja preciso penalizar o<br />
consumidor com o final dos <strong>de</strong>scontos. O caso oposto ocorrerá nas locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais pobres.<br />
Nas condições do mundo real não existe proposta pronta; o que for viável para o<br />
Brasil <strong>da</strong>rá muito trabalho para ser formulado e mais ain<strong>da</strong> para ser aprovado. Não<br />
15
queremos ser agourentos, mas não <strong>de</strong>vemos cultivar ilusões. A nova legislação não cairá do<br />
céu; e, <strong>de</strong>pois que a proposta estiver pronta, será preciso vencer barreiras <strong>de</strong> um outro tipo –<br />
as do sistema político brasileiro.<br />
2.2. PROBLEMAS PARA VIABILIZAÇÃO<br />
Qualquer pessoa que acompanhe a tramitação <strong>de</strong> qualquer projeto <strong>de</strong> lei no atual<br />
Congresso Nacional se <strong>de</strong>para com uma incrível morosi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mesmo projetos<br />
absolutamente essenciais, como a Lei <strong>de</strong> Diretrizes Orçamentárias (LDO) – que regula a<br />
confecção <strong>de</strong> orçamentos para o setor público – estão parados em uma fila interminável, o<br />
que força o Executivo a ficar emitindo sucessivas medi<strong>da</strong>s provisórias para não paralisar<br />
suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Esta situação resulta <strong>de</strong> uma forma específica <strong>de</strong> relacionamento entre o<br />
Executivo, sua base no Congresso e a oposição, em que os votos resultam <strong>de</strong> intrinca<strong>da</strong>s<br />
negociações através <strong>de</strong> cujos poros se infiltra o clientelismo. Não se <strong>de</strong>ve ter esperança <strong>de</strong><br />
que este cenário mu<strong>de</strong> no curto prazo, visto que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> uma reforma política <strong>de</strong><br />
aprovação ain<strong>da</strong> mais difícil, que mexeria com os interesses <strong>de</strong> todos os partidos e suas<br />
bases eleitorais.<br />
Nesses termos, po<strong>de</strong>mos ter claro que se tivermos um projeto consensual teremos<br />
que esperar por uma longa, quase interminável tempora<strong>da</strong>, até sua aprovação. Neste meio<br />
tempo a única possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sua adoção seria uma medi<strong>da</strong> provisória <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong><br />
República. Ain<strong>da</strong> que bastante improvável, esta medi<strong>da</strong> não seria impossível, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
fizesse parte <strong>de</strong> um pacote maior <strong>de</strong> políticas para o <strong>livro</strong> – gran<strong>de</strong> o bastante para contar<br />
com o apoio <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s liga<strong>da</strong>s ao <strong>livro</strong> e com um firme suporte <strong>de</strong> mídia para<br />
po<strong>de</strong>r influenciar a opinião pública. Isto significa incluir a questão <strong>da</strong>s bibliotecas, do vale-<br />
<strong>livro</strong> para estu<strong>da</strong>ntes carentes, a extensão <strong>da</strong>s leis <strong>de</strong> incentivo à cultura para <strong>livro</strong>s<br />
científicos, talvez com um padrão semelhante ao <strong>da</strong> lei do áudio-visual, etc.<br />
Isto nos conduz à questão do órgão fiscalizador. O Brasil é um país on<strong>de</strong> algumas<br />
leis pegam, outras não. Lembremos que é proibido dirigir automóveis com um calçado que<br />
<strong>de</strong>ixe solto o calcanhar; no entanto, não nos parece que os usuários e usuárias <strong>de</strong> chinelos,<br />
tamancos e sandálinhas <strong>da</strong> mo<strong>da</strong> percam seu sono preocupados com alguma multa. Para<br />
impedir que a nova lei tenha este mesmo <strong>de</strong>stino, é preciso que exista um organismo<br />
16
fiscalizador, com uma burocracia que, entre outras tarefas, se <strong>de</strong>dique a punir aquelas<br />
livrarias que <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ceram à lei do preço fixo.<br />
Ou seja, será preciso lutar pela criação <strong>de</strong> uma agência reguladora <strong>da</strong> política do<br />
<strong>livro</strong> no país, uma ANLIVRO, talvez nos mol<strong>de</strong>s <strong>da</strong> ANCINE.<br />
3. NOSSA PROPOSTA: ELEMENTOS PARA O DEBATE<br />
Aqui trataremos apenas dos aspectos que dizem respeito a uma política <strong>de</strong> PFL,<br />
ain<strong>da</strong> que estes apenas tenham sentido no bojo <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>man<strong>da</strong> pelo conjunto <strong>de</strong> políticas<br />
que <strong>de</strong>verão ser missão <strong>da</strong> ANLIVRO.<br />
Não se <strong>de</strong>ve colocar a questão do PFL como uma opção entre dois pólos<br />
antagônicos – por um lado a adoção <strong>de</strong> um sistema nacional <strong>de</strong> preços fixos para o <strong>livro</strong>, <strong>de</strong><br />
outro a irrestrita liberalização do mercado. E isso porque nenhum dos dois pólos representa<br />
uma “solução” para o conjunto dos problemas que configuram a atual crise <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ia<br />
produtiva do <strong>livro</strong> no Brasil. O sistema <strong>de</strong> preço fixo do <strong>livro</strong> não po<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r ser uma<br />
opção única e exclu<strong>de</strong>nte. O PFL <strong>de</strong>ve ser visto apenas como uma <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
ação pactua<strong>da</strong> entre produtores, consumidores e o Estado. E mais: este sistema é<br />
perfeitamente compatível com algum grau <strong>de</strong> liberalização. Portanto na<strong>da</strong> <strong>de</strong>ve afastar a<br />
priori uma opção por um hibridismo pragmático – e regulado.<br />
A adoção <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> PFL pressupõe a incorporação <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong><br />
restrições temporais e espaciais - estas ultimas <strong>de</strong> extrema importância em um país<br />
continental e com imensas dispari<strong>da</strong><strong>de</strong>s regionais como é o Brasil. Exemplifiquemos para<br />
tornar mais claro: a adoção <strong>de</strong> qualquer proposta não <strong>de</strong>ve ser em <strong>de</strong>finitivo, mas por tempo<br />
<strong>de</strong>terminado, ao final do qual <strong>de</strong>ve ser feita uma avaliação dos seus reais benefícios para os<br />
produtores, os consumidores e o Estado. É o caso <strong>de</strong> Portugal, que tem uma comissão <strong>de</strong><br />
avaliação composta por consumidores e funcionários do Ministério <strong>da</strong> Cultura; em nosso<br />
caso po<strong>de</strong>riam participar igualmente representantes <strong>de</strong> livreiros e editores.<br />
As restrições temporárias embora necessárias não são suficientes, exigindo a<br />
incorporação paralela <strong>da</strong>s restrições espaciais. A concorrência entre livrarias não é feita no<br />
espaço nacional, mas local. Assim, por exemplo, o consumidor <strong>da</strong> livraria Vere<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Volta<br />
Redon<strong>da</strong> (como o <strong>da</strong> livraria Papirus, <strong>de</strong> Teresópolis) dificilmente se <strong>de</strong>slocará até o Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro para procurar um <strong>livro</strong> mais barato; assim, as livrarias locais não seriam<br />
17
prejudica<strong>da</strong>s pelas gran<strong>de</strong>s superfícies oferecerem <strong>livro</strong>s com <strong>de</strong>scontos no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Mas é claro que a entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>stas gran<strong>de</strong>s concorrentes no mercado <strong>de</strong> Volta<br />
Redon<strong>da</strong> ou Teresópolis - ambas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s fluminenses com respectivamente 250 mil e 140<br />
mil habitantes - provavelmente <strong>de</strong>struiria as livrarias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes locais e terminara por<br />
prejudicar tanto o pequeno empresário como o consumidor.<br />
Mas isso não quer dizer que o sistema <strong>de</strong> livre mercado <strong>de</strong>va ficar restrito apenas às<br />
capitais. Primeiro porque não está claro que em <strong>de</strong>terminados bairros <strong>de</strong> menor ren<strong>da</strong> se<br />
justifique uma proteção; segundo porque em ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> maior porte do interior <strong>de</strong> São<br />
Paulo, como Ribeirão Preto e São José dos Campos, é bem provável que as livrarias<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes estejam resistindo à concorrência <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s. É necessário que se <strong>de</strong>fina<br />
critérios para a <strong>de</strong>finição <strong>da</strong>s regiões e ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s on<strong>de</strong> a adoção do PFL po<strong>de</strong>ria ser benéfica<br />
tanto a empresários como a consumidores. As restrições espaciais também <strong>de</strong>vem ser<br />
objeto <strong>de</strong> avaliações periódicas que avalizariam a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> ou a alteração <strong>da</strong> adoção do<br />
PFL.<br />
No entanto essas não são as únicas restrições cabíveis; países europeus interditaram<br />
a adoção do sistema <strong>de</strong> preço fixo do <strong>livro</strong> em algumas categorias <strong>de</strong> <strong>livro</strong>s tais como<br />
didáticos e <strong>livro</strong>s <strong>de</strong> arte <strong>de</strong> modo que seria perfeitamente cabível, no Brasil, ampliar essa<br />
interdição ao campo dos <strong>livro</strong>s técnicos e científicos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância estratégica para<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento do país.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um mercado totalmente liberalizado, nos maiores centros,<br />
também não po<strong>de</strong> se preten<strong>de</strong>r uma opção única e exclu<strong>de</strong>nte. Qualquer medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> corte<br />
liberalizante <strong>de</strong>ve ser vista apenas como uma <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação pactua<strong>da</strong> entre<br />
produtores, consumidores e o Estado, em que excessos sejam impedidos – como é, por<br />
exemplo, o caso dos feirões. 14 Assim uma opção por um mo<strong>de</strong>lo múltiplo, pragmático e<br />
pactuado entre produtores, consumidores e o estado <strong>de</strong>ve estar presente em nosso campo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>bate e, sobretudo, <strong>de</strong> opções.<br />
14 Mesmo nos centros mais ricos será preciso colocar restrições a este que é o maior inimigo <strong>da</strong> livraria, com<br />
os<strong>de</strong>scontos <strong>de</strong> 50%. Este <strong>de</strong>sconto é um caso típico <strong>de</strong> preço pre<strong>da</strong>tório, que não po<strong>de</strong> ser oferecido por um<br />
distribuidor que não tem os custos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> um livreiro. Observe-se que qualquer órgão <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do<br />
consumidor aceitará que qualquer livraria ofereça qualquer <strong>de</strong>sconto, até <strong>de</strong> 90%, sobre alguns dos <strong>livro</strong>s <strong>de</strong><br />
seus estoques; mas a mesma legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong> não é compartilha<strong>da</strong> por editoras que colocam todos os seus <strong>livro</strong>s<br />
praticamente sem custos em um evento comercial que atrai a <strong>de</strong>man<strong>da</strong> do público consumidor <strong>da</strong> região,<br />
prejudicando os livreiros sediados nas proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>s ao praticar preços totalmente fora do seu alcance.<br />
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Finalmente, é preciso sempre ter em mente que, embora as experiências do mundo<br />
anglo-saxão e <strong>da</strong> Europa Continental possam (e <strong>de</strong>vam) alimentar nossa reflexão e <strong>de</strong>bate,<br />
o caminho do Brasil <strong>de</strong>ve ser traçado consi<strong>de</strong>rando nossas características nacionais.<br />
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
. Ales, Ramon M. (2000). Precio fijo <strong>de</strong>l libro por que? Madrid: FEDECALI.<br />
. IBGE (2004). Pesquisa <strong>de</strong> Orçamentos Familiares – POF. Disponível em<br />
www.ibge.gov.br.<br />
. IBGE (2004a). Pesquisa Nacional por Amostra <strong>de</strong> Domicílios. Síntese <strong>de</strong> Indicadores<br />
2003. Rio <strong>de</strong> Janeiro: IBGE.<br />
. Rouet, François (2000). Le livre: transformations d´une industrie culturelle. Paris : La<br />
Documentation Française.<br />
. Sá-Earp, Fabio e Kornis, George (2005). A economia <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ia produtiva do <strong>livro</strong>. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: BNDES. Disponível em www.ie.ufrj.br/publicacoes/ebook/in<strong>de</strong>x.html.<br />
. Sá-Earp, Fabio e Kornis, George (2005a). A economia do <strong>livro</strong>: a crise atual e uma<br />
proposta <strong>de</strong> política. Texto para Discussão nº 04/2005. Rio <strong>de</strong> Janeiro: IE/<strong>UFRJ</strong>.<br />
Disponível em www.ie.ufrj.br/publicacoes/discussao/discussao.html.<br />
. Sá-Earp, Fabio e Kornis, George (2006). “Preço fixo do <strong>livro</strong>: solução frágil para um<br />
problema grave”. A sair em Pensar o <strong>livro</strong>, revista eletrônica do CERLAC – Centro<br />
Regional para o Fomento do Livro na América Latina e o Caribe, estará disponível<br />
em www.cerlalc.org/in<strong>de</strong>x2.htm.<br />
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