A dimensão afetiva do ser humano: contribuições a partir ... - UFSCar
A dimensão afetiva do ser humano: contribuições a partir ... - UFSCar
A dimensão afetiva do ser humano: contribuições a partir ... - UFSCar
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS<br />
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS<br />
A <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>: <strong>contribuições</strong> a <strong>partir</strong> de Piaget<br />
Patrícia Rabello Corrêa<br />
São Carlos – 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS<br />
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS<br />
A <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>: <strong>contribuições</strong> a <strong>partir</strong> de Piaget<br />
Patrícia Rabello Corrêa<br />
Trabalho de Conclusão de Curso apresenta<strong>do</strong> à<br />
Universidade Federal de São Carlos, como parte <strong>do</strong>s<br />
requisitos para obtenção de diploma de graduação no<br />
curso de Licenciatura em Pedagogia.<br />
Orienta<strong>do</strong>ra: Profa. Ms. Cristina S. de Oliveira Pátaro<br />
SÃO CARLOS<br />
2008
Profª Ms. Cristina Satie Pátaro<br />
Profª Drª Maria Cecília Luiz<br />
Profª Ms Ana Maria Klein<br />
Banca Avalia<strong>do</strong>ra
Dedico esse trabalho aos meus alunos <strong>do</strong><br />
estágio da sala 3ª série “A” da Escola<br />
Municipal “Antônio Stella Moruzzi”<br />
(localizada na cidade de São Carlos) <strong>do</strong><br />
ano de 2007, que me fizeram perceber a<br />
importância da afetividade na construção<br />
<strong>do</strong> processo de ensino-aprendizagem.
"Não se pode falar de educação sem amor".<br />
(Paulo Freire )
Agradecimentos<br />
Agradeço primeiramente à minha orienta<strong>do</strong>ra Profª Ms. Cristina Pátaro, pela<br />
prontidão em me orientar, pela paciência e pela atenção sempre presente.<br />
Agradeço à minha família e amigos que agüentaram minhas oscilações de<br />
humor com as etapas <strong>do</strong> TCC, etapas essas que me trouxeram cansaço, mas também<br />
alegrias.<br />
E por último, mas não menos importante, a todas as crianças, “meus alunos e<br />
alunas”, com quem aprendi e apren<strong>do</strong> ensinan<strong>do</strong>.
Resumo<br />
A afetividade é um elemento sempre presente na sala de aula, mas nem<br />
sempre percebi<strong>do</strong> e considera<strong>do</strong> como tão importante quanto os conteú<strong>do</strong>s.<br />
Consideran<strong>do</strong> o afeto como aspecto importante <strong>do</strong> funcionamento<br />
intelectual, com esse trabalho, preten<strong>do</strong> verificar como as abordagens psicológicas<br />
encaram a <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> (<strong>do</strong>s sentimentos, emoções, desejos, motivação), e de que<br />
mo<strong>do</strong> compreendem as relações entre o campo da racionalidade e o da afetividade<br />
presentes na explicação <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>.<br />
Apoiada principalmente nos estu<strong>do</strong>s e na compreensão de Jean Piaget, o<br />
presente trabalho busca compreender de que forma esse autor envolve a afetividade em<br />
to<strong>do</strong> o processo de desenvolvimento infantil. Busca, também, discutir de que forma<br />
essas idéias podem contribuir com nossa compreensão sobre o processo de ensino-<br />
aprendizagem na escola.<br />
Palavras-chave: Afetividade, abordagens psicológicas, desenvolvimento, ensino-<br />
aprendizagem.
SUMÁRIO<br />
Introdução............................................................................................................. 08<br />
Capítulo 1 – A afetividade no campo da Psicologia..............................................11<br />
1. Entenden<strong>do</strong> o aluno como sujeito psicológico ......................................11<br />
2. Razão e sentimento, cognição e afetividade ..........................................12<br />
3. A afetividade para alguns autores da Psicologia ...................................13<br />
4. Sintetizan<strong>do</strong> ...........................................................................................19<br />
Capitulo 2 – Afetividade segun<strong>do</strong> Piaget ..............................................................20<br />
1. Vida e Trajetória ....................................................................................20<br />
2. Afetividade na Teoria Piagetiana...........................................................22<br />
2.1. Construção <strong>do</strong> conhecimento em Piaget.............................................23<br />
2.2. Cognição e afetividade .......................................................................25<br />
2.2.1. Rompen<strong>do</strong> a dicotomia inteligência e afetividade...........................26<br />
2.2.2. Estágios de desenvolvimento cognitivo e afetivo............................28<br />
Capítulo 3 - Afetividade em Piaget: algumas implicações para<br />
o campo da educação.............................................................................................40<br />
Considerações finais..............................................................................................45<br />
Referências Bibliográficas.....................................................................................48
Introdução<br />
Em minha experiência de estágio em <strong>do</strong>cência no ano de 2007, pude<br />
presenciar alguns comportamentos entre professor e alunos que despertaram minha<br />
atenção, levan<strong>do</strong>-me a ob<strong>ser</strong>var melhor minha atuação com aqueles e futuros alunos. A<br />
<strong>partir</strong> <strong>do</strong> que vivi, considero que a proximidade entre as professoras e os alunos<br />
proporciona inúmeras formas de interação. Possibilita diálogos que auxiliam os alunos e<br />
caracteriza uma forma de demonstração de atenção bastante eficiente e facilmente<br />
notada pelos educan<strong>do</strong>s. Minhas vivências despertaram, de certa forma, o meu interesse<br />
em pesquisar e entender o porquê de muitos alunos, por exemplo, apresentarem<br />
comportamentos diferentes com diferentes professores.<br />
A <strong>partir</strong> disso, comecei a pensar na importância que a questão da afetividade<br />
– claramente presente nos alunos, professores e nas relações entre eles – pode<br />
desempenhar no processo de ensino e aprendizagem. Enten<strong>do</strong> que toda aprendizagem<br />
está impregnada de afetividade, já que ocorre a <strong>partir</strong> de interações sociais. Pensan<strong>do</strong> na<br />
aprendizagem escolar, acredito que a trama que se tece entre alunos, professores,<br />
conteú<strong>do</strong> escolar, livros, escrita, etc. não acontece puramente no campo cognitivo.<br />
Existe uma base <strong>afetiva</strong> envolven<strong>do</strong> essas relações.<br />
Diante disso, este trabalho busca estudar a <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>,<br />
suas influências e importância no desenvolvimento, na aprendizagem, nas relações e<br />
práticas que se desenvolvem na escola.<br />
A justificativa para a escolha <strong>do</strong> tema se dá por acreditar que os<br />
comportamentos não são puramente cognitivos, e isso me motiva considerar a<br />
afetividade como um elemento presente na educação.<br />
Consideran<strong>do</strong> a <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> no processo de organização interna <strong>do</strong><br />
sujeito psicológico, temos que a afetividade manifesta-se, a olho nu, por meio de<br />
comportamentos posturais e comportamentos verbais. Manifesta-se na relação<br />
professor-aluno e constitui-se elemento inseparável <strong>do</strong> processo de construção <strong>do</strong><br />
conhecimento. A qualidade da interação pedagógica confere um senti<strong>do</strong> afetivo para o<br />
objeto de conhecimento, a <strong>partir</strong> das experiências vividas. É a <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong>, que<br />
inclui os sentimentos, interesses, impulsos ou tendências como a vontade e os valores<br />
que constituem o fator energético <strong>do</strong>s padrões de comportamento.<br />
O aspecto afetivo, por exemplo, é considera<strong>do</strong>, nos estu<strong>do</strong>s sobre<br />
dificuldades de aprendizagem, uma das cinco grandes áreas ao re<strong>do</strong>r da qual gira<br />
8
qualquer tipo de aprendizagem; logo, é um <strong>do</strong>s fatores que pode estar relaciona<strong>do</strong> às<br />
dificuldades de aprendizagem que advém de conseqüências emocionais dificultan<strong>do</strong> o<br />
desempenho <strong>do</strong>s alunos nas atividades, e essa dificuldade gera mais e mais<br />
conseqüências na parte emocional da criança, que não se convence de que é capaz. Uma<br />
coisa vai puxan<strong>do</strong> a outra.<br />
Defen<strong>do</strong> a idéia de que o <strong>ser</strong> <strong>humano</strong> deve <strong>ser</strong> visto como uma totalidade, e<br />
portanto é imprescindível a consideração <strong>do</strong> papel da afetividade no funcionamento<br />
psicológico e na construção de conhecimentos cognitivos/afetivos. Minha intenção, a<br />
<strong>partir</strong> deste trabalho, <strong>ser</strong>á a de defender uma perspectiva que compreenda a<br />
indissociabilidade entre os aspectos afetivos e cognitivos <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>.<br />
Assim, a importância <strong>do</strong> tema se dá a <strong>partir</strong> da noção e certeza de que ações<br />
cognitivas pressupõem a presença de aspectos afetivos. No trabalho educativo cotidiano<br />
não existe uma aprendizagem meramente cognitiva ou racional, pois os alunos e alunas<br />
não deixam os aspectos afetivos que compõem sua personalidade <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de fora da sala<br />
de aula quan<strong>do</strong> estão interagin<strong>do</strong> com os objetos de conhecimento.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, encontro no trabalho <strong>do</strong> psicólogo Jean Piaget uma<br />
perspectiva que pode auxiliar na compreensão das relações entre afetividade e cognição,<br />
de mo<strong>do</strong> que nosso estu<strong>do</strong> <strong>ser</strong>á foca<strong>do</strong> nas idéias e <strong>contribuições</strong> trazidas por este autor.<br />
Preten<strong>do</strong>, assim, verificar de que forma Piaget compreende a <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> <strong>do</strong> <strong>ser</strong><br />
<strong>humano</strong>, qual a importância que atribui a esta no desenvolvimento e nos processos de<br />
aprendizagem <strong>do</strong> sujeito e, por fim, quais as implicações que suas considerações acerca<br />
da afetividade podem trazer para o campo da educação.<br />
Desta forma, com o presente trabalho, preten<strong>do</strong> colaborar com a formação<br />
<strong>do</strong>s futuros profissionais da educação, em busca de uma compreensão <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong> e,<br />
consequentemente, de um sistema educativo que supere a clássica contraposição entre<br />
razão e emoção, cognição e afetividade, deixan<strong>do</strong> de la<strong>do</strong> a concepção que relega os<br />
aspectos emocionais e afetivos de nossa vida a um segun<strong>do</strong> plano.<br />
Assim, o objetivo <strong>do</strong> presente trabalho pode <strong>ser</strong> assim delimita<strong>do</strong>:<br />
De que forma o trabalho de Jean Piaget pode contribuir para a compreensão<br />
da importância da afetividade nos processos de desenvolvimento e<br />
aprendizagem <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>? Que implicações tais idéias trazem para o<br />
campo da educação?<br />
9
A pesquisa realizada é bibliográfica, apoiada em teorias psicológicas,<br />
estu<strong>do</strong>s sobre relações entre cognição e afetividade, razão e emoção no campo da<br />
Psicologia, e estu<strong>do</strong>s que defendem a importância de se considerar a abordagem <strong>afetiva</strong><br />
no desenvolvimento <strong>humano</strong> e no processo de ensino-aprendizagem.<br />
Para atender ao objetivo, apresento a seguir a forma como o trabalho está<br />
organiza<strong>do</strong>. No primeiro capítulo apresentarei de que forma a afetividade, vista no<br />
campo da psicologia, se mostra como tendenciosa às vontades <strong>do</strong> aprendiza<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
alunos. No campo da Psicologia da Educação, o elo entre cognição e afetividade (razão<br />
e emoção) <strong>ser</strong>á discuti<strong>do</strong> a <strong>partir</strong> de pensa<strong>do</strong>res como Robert Gagné, David Ausubel e<br />
Henri Wallon.<br />
No segun<strong>do</strong> capítulo, apresentarei as visões e estu<strong>do</strong>s de Jean Piaget acerca<br />
<strong>do</strong> tema “afetividade”, mostran<strong>do</strong> sua defesa da indissociabilidade da afetividade entre<br />
afetividade e o desenvolvimento intelectual <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>.<br />
No terceiro capítulo farei uma retomada de to<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> até então,<br />
buscan<strong>do</strong> apontar algumas das implicações que as idéias de Jean Piaget trazem para o<br />
campo da educação, em especial no que diz respeito à aprendizagem e também à relação<br />
professor-aluno.<br />
Para encerrar, apresentarei nas considerações finais uma síntese <strong>do</strong> que foi<br />
posto ao longo <strong>do</strong> trabalho, colocan<strong>do</strong> algumas idéias e apontamentos a respeito da<br />
importância da <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>.<br />
10
Capítulo 1<br />
A afetividade no campo da Psicologia<br />
O presente capítulo tem como objetivo apresentar algumas <strong>contribuições</strong> <strong>do</strong><br />
campo da Psicologia no estu<strong>do</strong> da afetividade, ten<strong>do</strong> em vista o funcionamento,<br />
desenvolvimento <strong>humano</strong> e os processos de aprendizagem.<br />
Para tanto, apresentaremos inicialmente a forma como compreendemos o<br />
sujeito psicológico, que deve <strong>ser</strong> visto em sua totalidade e, em seguida, discutiremos<br />
como a questão da afetividade tem si<strong>do</strong> vista na Psicologia, enfatizan<strong>do</strong> sobretu<strong>do</strong> as<br />
idéias de autores como Robert Gagné, David Ausubel e Henri Wallon.<br />
1. Entenden<strong>do</strong> o aluno como sujeito psicológico<br />
Acredito <strong>ser</strong> necessário, antes de qualquer análise e abordagem, entender o<br />
aluno como um sujeito psicológico em sua totalidade. Mas, o que explica essa<br />
definição?<br />
Segun<strong>do</strong> Pátaro (2006) “o sujeito psicológico é, ao mesmo tempo, um <strong>ser</strong><br />
biológico, que sente fome, frio e sede, mas que também tem sentimentos, emoções,<br />
desejos” (p.68).<br />
É importante compreendermos o sujeito psicológico como um to<strong>do</strong>, em sua<br />
complexidade, em seu mo<strong>do</strong> de <strong>ser</strong>, agir, pensar e sentir, e cada <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>, nessa<br />
complexidade particular é resulta<strong>do</strong> da interação de diferentes dimensões, com<br />
características específicas que se relacionam e passam a fazer parte de um sistema mais<br />
complexo que define a individualidade <strong>do</strong> sujeito.<br />
Assim,<br />
11<br />
O sujeito psicológico é constituí<strong>do</strong> por diferentes dimensões –<br />
cognitiva, <strong>afetiva</strong>, biológica e sociocultural – e seu<br />
funcionamento se dá a <strong>partir</strong> das inter-relações destas entre si e<br />
com o mun<strong>do</strong> externo – físico, interpessoal e sociocultural –<br />
com o qual o sujeito interage. (Araújo apud Pátaro, p.69, 2006).<br />
A <strong>partir</strong> <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s de Pátaro (2006), podemos considerar o sujeito<br />
psicológico como aquele constituí<strong>do</strong> por diferentes dimensões (<strong>afetiva</strong>, cognitiva,<br />
biológica e sociocultural) a <strong>ser</strong>em vistas como sua própria organização interna.
É neste senti<strong>do</strong> que, no presente trabalho, entendemos a <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong><br />
como pertencente e situada em um contexto mais amplo. Embora nossa proposta seja a<br />
de enfocar a questão da afetividade, é importante destacar que não é possível visualizá-<br />
la fora desta dinâmica <strong>do</strong> sujeito psicológico, posta anteriormente.<br />
2. Razão e sentimento, cognição e afetividade<br />
Para Oliveira (2003, p 47 apud SISTO & MARTINELLI. 2006) o<br />
desenvolvimento de uma criança é o resulta<strong>do</strong> da interação de seu corpo com os objetos<br />
de seu meio, com as pessoas com quem convive e com o mun<strong>do</strong> onde estabelece<br />
ligações <strong>afetiva</strong>s e emocionais. Assim, podemos perceber que o desenvolvimento da<br />
criança está de alguma forma relaciona<strong>do</strong> ao âmbito afetivo.<br />
Parto <strong>do</strong> princípio de que o desenvolvimento afetivo caminha junto com o<br />
intelectual; pensar e sentir são ações indissociáveis. Ignorar isso é dar espaço ao<br />
analfabetismo emocional, que segun<strong>do</strong> a Psicologia Neuro-Linguística (PNL) é a falta<br />
de capacidade para compreender e saber lidar com as emoções 1 .<br />
Enten<strong>do</strong> que no campo da Psicologia e da Educação, o estu<strong>do</strong> sobre<br />
afetividade reflete, em parte, a separação histórica entre razão (pensamento) e emoção<br />
(afetividade). Historicamente a afetividade foi vista como algo a <strong>ser</strong> <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>,<br />
excluí<strong>do</strong>, ao passo que a razão deveria <strong>ser</strong> cultivada. Hoje, é importante que se<br />
considere, em ambos os campos, que as ações cognitivas pressupõem a presença de<br />
aspectos afetivos.<br />
Sobre esta questão, posso inicialmente destacar Antônio Damásio e, para<br />
tanto, faço referência a sua obra “O Erro de Descartes: emoção, razão e cérebro<br />
<strong>humano</strong>” (1996). Em seu texto, o autor afirma que em termos anatômicos e funcionais<br />
pode existir um elo de ligação entre razão e sentimentos e entre esses e o corpo. Sen<strong>do</strong><br />
assim, a razão não é pura e nem menos importante que as emoções e nem as emoções<br />
tornam a verificação empírica desnecessária. Os sentimentos e as emoções são<br />
percepções direta <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s corporais e constituem um elo social entre corpo e<br />
consciência implican<strong>do</strong> a compreensão da complexa “maquinaria biológica e<br />
sociocultural” (Damásio, 1996).<br />
1 Ler mais em www.descubrapnl.com.br<br />
12
Outra obra a <strong>ser</strong> colocada em discussão é “A afetividade no cenário da<br />
Educação” de Valéria Amorim Arantes (2002) que também defende que pensar e sentir<br />
caminham juntos. Para ela, o conhecimento <strong>do</strong>s sentimentos e das emoções requer ações<br />
cognitivas, da mesma forma que tais ações implicam a presença de aspectos afetivos.<br />
Segun<strong>do</strong> Arantes, pensar e sentir nos obriga a integrar nas explicações sobre<br />
o raciocínio <strong>humano</strong> as vertentes racional e emotiva <strong>do</strong>s conceitos construí<strong>do</strong>s. O aluno,<br />
ao entrar na escola, não deixa para fora da sala de aula os aspectos afetivos que<br />
compõem sua personalidade, e ao interagir com objetos de conhecimento, mostra as<br />
relações entre afeto e intelecto nas suas interações, no seu pensar e no seu agir.<br />
Vale ressaltar que a proposta de uma separação dicotômica não é<br />
característica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> contemporâneo. Descartes, com sua premissa “Penso, logo<br />
existo” já sugeria a possibilidade de separação entre razão e emoção. Essa afirmação<br />
traduz que quan<strong>do</strong> um <strong>ser</strong> <strong>humano</strong> vem ao mun<strong>do</strong> ele só passa a existir de fato quan<strong>do</strong><br />
começa a pensar. Pensar e ter consciência <strong>do</strong> pensar são, para ele, a verdadeira essência<br />
de existir. Segun<strong>do</strong> Damásio, em termos <strong>humano</strong>s, essa formulação é restrita,<br />
incompleta e insatisfatória e deveria <strong>ser</strong> alterada para “Existo e sinto, logo penso”.<br />
Arantes (2002) explica que, bem como Descartes, Immanuel Kant defendeu<br />
a impossibilidade <strong>do</strong> encontro entre razão e felicidade quan<strong>do</strong> afirmou que “quanto<br />
mais uma razão cultivada se consagra ao gozo da vida e da felicidade, mais o homem<br />
se afasta <strong>do</strong> verdadeiro contentamento” (Kant apud Arantes, 2002, p. 161).<br />
Entendemos então que esses pensa<strong>do</strong>res, Descartes e Kant, defendem essa<br />
premissa que deixa a afetividade em segun<strong>do</strong> plano e afirmam que as ações cognitivas<br />
devem se desvincular, desprezar a influência <strong>afetiva</strong>.<br />
No campo da psicologia há quem se coloque no time de Descartes e Kant,<br />
mas também há aqueles que privilegiam os aspectos afetivos na explicação <strong>do</strong>s<br />
pensamentos <strong>humano</strong>s e isso faz com que algumas perspectivas teóricas caminhem para<br />
inovar os estu<strong>do</strong>s sobre o funcionamento psíquico <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>, integran<strong>do</strong> cognição<br />
e afetividade, razões e emoções.<br />
3. A afetividade para alguns autores da Psicologia<br />
Para abordarmos de que forma a afetividade tem si<strong>do</strong> considerada no campo<br />
da Psicologia, e ten<strong>do</strong> em vista principalmente a questão da aprendizagem, podemos<br />
destacar aqui o trabalho <strong>do</strong> psicólogo norte-americano Robert Gagné (1971). Gagné<br />
13
desenvolveu uma teoria instrucional (voltada para a descrição das condições que<br />
favorecem a aprendizagem) e não necessariamente uma teoria da aprendizagem (a<br />
explicação de como as pessoas aprendem) e diz que através da ocorrência da<br />
aprendizagem é que se desenvolvem habilidades, apreciações e raciocínios, bem como<br />
as esperanças, aspirações, atitudes e valores <strong>do</strong> homem. Diferentes tipos de resulta<strong>do</strong>s<br />
de aprendizagem requerem diferentes condições internas e externas para que ocorram.<br />
Gagné nos fala da dependência da aprendizagem em relação às<br />
circunstâncias <strong>do</strong> meio, e afirma que “A aprendizagem é uma modificação na<br />
disposição ou na capacidade <strong>do</strong> homem, modificação essa que pode <strong>ser</strong> retirada e que<br />
não pode <strong>ser</strong> simplesmente atribuída ao processo de crescimento” (Gagné, 1971, p.03).<br />
Um estu<strong>do</strong> mais detalha<strong>do</strong> acerca de sua obra “Como se realiza a<br />
aprendizagem” (1971) mostra que para ele, ensinar significa organizar as condições<br />
externas próprias à aprendizagem (de maneira gradual). A motivação, regada pelas<br />
relações <strong>afetiva</strong>s com as pessoas e com o meio – e portanto relacionada à <strong>dimensão</strong><br />
<strong>afetiva</strong> <strong>do</strong> sujeito –, cria condições prévias de aprendizagem que a influenciam,<br />
estabelece condições para que se garantam a possibilidade de transferência <strong>do</strong> que foi<br />
aprendi<strong>do</strong>.<br />
Em sua obra a motivação se mostra vivaz frente ao processo de ensino-<br />
aprendizagem e Gagné nos coloca um questionamento: “Como se pode levar o<br />
indivíduo a ficar motiva<strong>do</strong> para empreender o processo de aprendizagem?”. Como<br />
resposta, encontramos o aspecto afetivo envolvi<strong>do</strong> na relação de aprendizagem como<br />
uma força e direção <strong>do</strong> comportamento <strong>humano</strong>, que motiva o aluno a freqüentar a<br />
escola e a se relacionar diretamente com os objetos de estu<strong>do</strong>.<br />
A consideração <strong>do</strong>s aspectos afetivos que envolvem o aluno é um meio<br />
eficiente para con<strong>ser</strong>var o interesse <strong>do</strong> estudante na sua aprendizagem e é ainda um<br />
desafio de ordem motiva<strong>do</strong>ra. Para desenvolver o “amor à aprendizagem” (Gagné,<br />
1971), o estudante, na concepção de Gagné, deve desligar-se da dependência <strong>do</strong><br />
professor ou de outros agentes externos, desenvolven<strong>do</strong> seus próprios padrões.<br />
Para Gagné, a eficiência da aprendizagem se dá, dentre vários fatores, a<br />
<strong>partir</strong> <strong>do</strong> planejamento das condições de ensino, da definição <strong>do</strong>s objetivos, e isto ocorre<br />
a <strong>partir</strong> da consideração <strong>do</strong> intelecto e <strong>do</strong> emocional em fusão, influencian<strong>do</strong><br />
diretamente tais condições.<br />
Os componentes <strong>do</strong> ensino, segun<strong>do</strong> ele, estão inter-relaciona<strong>do</strong>s com os<br />
aspectos afetivos <strong>do</strong> educan<strong>do</strong>, uma vez que o foco está em controlar a situação<br />
14
estimula<strong>do</strong>ra da aprendizagem, a atenção está na comunicação verbal e na distinção<br />
entre orientação e conteú<strong>do</strong>.<br />
Os estímulos adequa<strong>do</strong>s à aprendizagem podem <strong>ser</strong> palavras, orientação<br />
(instrução) <strong>do</strong> comportamento, fornecimento de informações sobre o tipo de resposta<br />
esperada quan<strong>do</strong> se completar a aprendizagem, etc. Informar ao aluno que aprende a<br />
respeito de sua performance aparece como motivação a prosseguir com os estu<strong>do</strong>s e a<br />
orientação <strong>do</strong> ensino visan<strong>do</strong> à transferência, que depende da aprendizagem prévia,<br />
estende a mentalidade <strong>do</strong> estudante.<br />
Os componentes da situação de ensino são explana<strong>do</strong>s no mo<strong>do</strong> pelo qual o<br />
ambiente atua sobre a pessoa que aprende, determinan<strong>do</strong> os componentes da situação de<br />
ensino. Elementos como o estímulo, a atenção, o modelo de performance, a conexão de<br />
saberes, a orientação <strong>do</strong> pensamento a <strong>partir</strong> <strong>do</strong> ambiente de aprendiza<strong>do</strong>, a<br />
transferência <strong>do</strong> conhecimento, o feedback e principalmente a motivação para o saber<br />
devem levar em conta os aspectos afetivos inerentes <strong>do</strong> aluno. Logo, encontramos aqui<br />
a justificativa de Gagné para a defesa da associação de intelecto e emocional no<br />
processo de aprendizagem.<br />
Vale ressaltar que Gagné auxilia a compreensão da afetividade, mas dentro<br />
de uma perspectiva bastante fundamentada em idéias da Psicologia Comportamental,<br />
onde a motivação pode <strong>ser</strong> controlada, assim como o ensino. Consideramos que a<br />
<strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> <strong>do</strong> processo de ensino-aprendizagem não se traduz apenas na<br />
motivação e que ensinar não depende somente da organização das condições externas.<br />
Portanto, apesar <strong>do</strong> reconhecimento da importância dessa interpretação dentro da<br />
psicologia, entendemos <strong>ser</strong> necessário ir além.<br />
Ten<strong>do</strong> ainda como foco a questão da aprendizagem, podemos destacar o<br />
também norte-americano David Ausubel (1978), psicólogo que após sua formação<br />
acadêmica dedicou-se à educação no intento de buscar as melhorias necessárias ao<br />
verdadeiro aprendiza<strong>do</strong>. Ao apresentar sua Teoria da Aprendizagem, detém-se<br />
primordialmente nos aspectos cognitivos da aprendizagem. Representante <strong>do</strong><br />
cognitivismo, este autor defende que a aprendizagem seja entendida como um processo<br />
de armazenamento e associação de informações inter-relacionadas e apreendidas de<br />
forma significativa, informações estas que poderão <strong>ser</strong> futuramente manipuladas e<br />
utilizadas.<br />
Sua teoria é extremamente recente (os primeiros escritos datam da década de<br />
sessenta) e ainda está em fase de construção. Voltada para a explicação da<br />
15
aprendizagem cognitiva que ocorre em sala de aula, Ausubel defende o conceito de<br />
aprendizagem significativa, na qual o novo conhecimento deve relacionar-se de alguma<br />
forma a conhecimentos prévios <strong>do</strong> sujeito, presentes em sua estrutura cognitiva.<br />
Segun<strong>do</strong> este autor, a motivação e a afetividade não influenciam na aprendizagem<br />
significativa, pois, para que essa última se efetive, o primordial é que o material a <strong>ser</strong><br />
aprendi<strong>do</strong> faça algum senti<strong>do</strong> para o aluno. Quan<strong>do</strong> o material a <strong>ser</strong> aprendi<strong>do</strong> não se<br />
liga com algo já conheci<strong>do</strong> <strong>do</strong> aluno, não se baseia no que ela já sabe, acontece o que<br />
Ausubel denomina “aprendizagem mecânica”, onde as informações não interagem entre<br />
si e o aluno apenas ‘decora’ o que está sen<strong>do</strong> ensina<strong>do</strong>. A premissa fundamental de<br />
Ausubel é simples:<br />
16<br />
O aprendiza<strong>do</strong> significativo acontece quan<strong>do</strong> uma informação<br />
nova é adquirida mediante um esforço delibera<strong>do</strong> por parte <strong>do</strong><br />
aprendiz em ligar a informação nova com conceitos ou<br />
proposições relevantes preexistentes em sua estrutura<br />
cognitiva. (Ausubel et al., 1978, p. 159).<br />
Para haver aprendizagem significativa é preciso haver duas condições: o<br />
aluno precisa ter uma disposição para aprender e o material a <strong>ser</strong> aprendi<strong>do</strong> tem que <strong>ser</strong><br />
potencialmente significativo (não arbitrário em si), ou seja, ele tem que <strong>ser</strong> logicamente<br />
e psicologicamente significativo.<br />
Assim, em sua obra “Psicologia Educacional” (1978) Ausubel defende que a<br />
aprendizagem não necessita necessariamente da motivação; ela ocorre por si só. Para<br />
ele, quan<strong>do</strong> se aprende algo, há uma satisfação inicial que estimula que o ato<br />
pedagógico continue se desenvolven<strong>do</strong>. O aspecto cognitivo é a sua maior preocupação<br />
e, neste caso, a motivação é crescente simplesmente pelo fato de o aluno conhecer os<br />
objetivos <strong>do</strong> ensino; a motivação é, assim, a própria aprendizagem.<br />
Sen<strong>do</strong> assim, o conceito central de sua teoria da aprendizagem cognitiva diz<br />
respeito à assimilação de significa<strong>do</strong>s, independentes das relações <strong>afetiva</strong>s e da<br />
motivação <strong>do</strong> aluno.<br />
Ten<strong>do</strong> como foco as interações entre cognição e afetividade, ainda no campo<br />
da Psicologia, há diversos outros autores que poderíamos abordar. Vygotsky, por<br />
exemplo, a <strong>partir</strong> de uma abordagem histórico-dialética, também capitulou essa relação,<br />
defenden<strong>do</strong> que as emoções integram-se ao funcionamento mental e possuem uma<br />
participação ativa em sua configuração. Neste trabalho, contu<strong>do</strong>, ao referenciarmos a
Psicologia Dialética, iremos nos deter à perspectiva de Henri Wallon (1968), por sua<br />
importância na discussão sobre as relações entre afetividade e cognição.<br />
Wallon, ao abordar a questão da afetividade, evidencia a importância desta<br />
<strong>dimensão</strong> não apenas nos processos de aprendizagem, mas também no funcionamento e<br />
desenvolvimento <strong>humano</strong>. Filósofo, médico e psicólogo francês, trilhou sua carreira<br />
caminhan<strong>do</strong> juntamente com a educação e consoli<strong>do</strong>u com isso seu interesse pela<br />
psicologia da criança. Em sua abordagem, a origem da inteligência é genética e<br />
organicamente social e supõe a intervenção da cultura para se atualizar. Sua teoria de<br />
desenvolvimento volta-se para a psicogênese da pessoa completa, e tem por objetivo<br />
proporcionar a compreensão das diferentes dimensões que constituem o <strong>ser</strong> <strong>humano</strong> –<br />
dentre elas a <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong>.<br />
Wallon destaca que a atividade infantil se distribui nos chama<strong>do</strong>s campos<br />
funcionais da afetividade, da cognição e da motricidade. Assim, o autor destaca a<br />
importância da afetividade no desenvolvimento <strong>humano</strong>, pois, desde o nascimento, o<br />
contato que a criança estabelece com as pessoas e o mun<strong>do</strong> à sua volta envolve não<br />
apenas a cognição, mas também as emoções. A afetividade possui papel fundamental no<br />
desenvolvimento da pessoa, pois é por meio dela que o <strong>ser</strong> <strong>humano</strong> demonstra seus<br />
desejos e vontades.<br />
Portanto, como podemos notar, a favor da indissociação cognição-<br />
afetividade, a teoria de Henri Wallon se coloca a par disso, pois trata da origem <strong>do</strong>s<br />
processos psíquicos que constituem a pessoa, a qual, segun<strong>do</strong> o autor, deve <strong>ser</strong> vista em<br />
uma abordagem completa, levan<strong>do</strong> em conta os campos funcionais da motricidade, da<br />
afetividade e da cognição.<br />
A teoria walloniana rompe com a visão que coloca as emoções em segun<strong>do</strong><br />
plano, buscan<strong>do</strong> “compreendê-las a <strong>partir</strong> da apreensão de suas funções e atribuin<strong>do</strong>-<br />
lhes papel central na evolução da consciência de si” (Arantes, 2002). O psicólogo<br />
afirma que há uma intrínseca relação entre emoção e razão uma vez que a construção da<br />
inteligência depende das construções <strong>afetiva</strong>s.<br />
Para Wallon, é necessário romper com a visão de um processo de<br />
desenvolvimento linear <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>, e integrar uma perspectiva dialética, que capte a<br />
diversidade deste desenvolvimento.<br />
As relações <strong>afetiva</strong>s permitem que o indivíduo reconheça uma primeira<br />
forma de consciência de suas próprias disposições e constrói um primeiro recurso de<br />
17
interação com outros indivíduos. Isso porque, para Wallon, a primeira orientação da<br />
ação <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>, recém-nasci<strong>do</strong>, é para as pessoas e não diretamente para as coisas.<br />
O relacionamento <strong>do</strong> sujeito com a aprendizagem – desde os primórdios da<br />
sua vida – acontece juntamente com a interação social, com componentes expressivo-<br />
emocionais. Wallon leva em conta, nesse contexto de emoções, a <strong>dimensão</strong> subjetiva<br />
ligada aos esta<strong>do</strong>s afetivos vivi<strong>do</strong>s pelo sujeito que experimenta determinada emoção.<br />
18<br />
A emoção permite a organização de um primeiro mo<strong>do</strong> de<br />
consciência <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s mentais e de uma primeira percepção<br />
das realidades externas. (...) Sen<strong>do</strong> a vida emocional a condição<br />
primeira das relações interindividuais, podemos dizer que ela<br />
está também na origem da atividade representativa, logo, da<br />
vida intelectual. (Galvão in Arantes, 2003, p.74).<br />
Na dinâmica e no desenvolvimento <strong>do</strong> sujeito, o gesto exprime as<br />
disposições <strong>afetiva</strong>s, da mesma forma que a postura atua como produtora <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s<br />
emocionais. A relação é de reciprocidade entre movimento e emoção. Da mesma forma,<br />
as emoções podem também mudar a natureza e direção <strong>do</strong> processo de aprendizagem no<br />
decorrer de sua manifestação. Nutri<strong>do</strong> pelo efeito das relações emocionais, o<br />
desenvolvimento cognitivo se vê entrelaça<strong>do</strong> à afetividade também nesse aspecto.<br />
Assim como a afetividade influencia a cognição, o desenvolvimento da<br />
inteligência faz com que os esta<strong>do</strong>s emocionais se ampliem e se complexifiquem, o<br />
fortalecimento da linguagem e <strong>do</strong> pensamento possibilitam um maior controle <strong>do</strong> sujeito<br />
sobre suas manifestações emocionais. Sen<strong>do</strong> assim, pode-se dizer que as conquistas<br />
feitas no plano cognitivo possuem impacto na vida <strong>afetiva</strong> bem como a dinâmica<br />
emocional se mostra impactante na vida intelectual.<br />
Contu<strong>do</strong>, mesmo com essa defesa <strong>do</strong> entrelaçamento pensar/sentir e das<br />
influências de um sobre o outro, Wallon explica que há fases da vida onde,<br />
psiquicamente, - há o pre<strong>do</strong>mínio – ora <strong>do</strong>s aspectos afetivos, ora <strong>do</strong>s aspectos<br />
cognitivos – ou ainda um antagonismo entre os <strong>do</strong>is –, caracterizan<strong>do</strong> o que o autor<br />
chama de pre<strong>do</strong>minância funcional.<br />
Defenden<strong>do</strong> essa perspectiva de indissociabilidade entre os aspectos afetivos<br />
e cognitivos no <strong>ser</strong> <strong>humano</strong> Wallon conclui que o pensamento racional não é suficiente<br />
para a ação e ainda que as emoções influenciam a atuação <strong>do</strong> indivíduo, levan<strong>do</strong>-o a<br />
agir de uma determinada maneira.
A <strong>partir</strong> <strong>do</strong> estuda<strong>do</strong>, compreendemos então que, segun<strong>do</strong> Wallon, as<br />
emoções e os sentimentos podem variar de intensidade, em função <strong>do</strong>s contextos, mas<br />
estão presentes em to<strong>do</strong>s os momentos da vida, interferin<strong>do</strong> de alguma maneira em<br />
nossas atividades.<br />
A afetividade é o primeiro recurso de ligação entre o orgânico e o social:<br />
estabelece os primeiros laços com o mun<strong>do</strong> <strong>humano</strong> e através deles com o mun<strong>do</strong> físico.<br />
4. Sintetizan<strong>do</strong><br />
Finalizan<strong>do</strong> esse capítulo, podemos dizer que, a <strong>partir</strong> da maioria das teorias<br />
psicológicas conclui-se que a afetividade/emoção são elementos importantes nos<br />
processos de aprendizagem e também no próprio desenvolvimento <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>. O<br />
fator afetivo nos auxilia a tomar decisões.<br />
Os comportamentos não são puramente cognitivos, o que nos leva a<br />
considerar a afetividade como o combustível da educação.<br />
A discussão feita neste capítulo teve como objetivo apresentar algumas<br />
perspectivas que, no campo da Psicologia, abordam a questão da afetividade na<br />
dinâmica <strong>do</strong> funcionamento <strong>humano</strong>. Na análise <strong>do</strong>s diferentes autores, buscamos<br />
argumentar que a <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> deve <strong>ser</strong> tomada como uma <strong>dimensão</strong> extremamente<br />
importante, e que exerce grandes influências inclusive nos processos cognitivos <strong>do</strong><br />
sujeito. A seguir, iremos nos ater mais profundamente nas idéias de Jean Piaget,<br />
compreenden<strong>do</strong> que este autor nos traz uma abordagem psicológica na qual cognição e<br />
afetividade encontram-se intimamente relacionadas.<br />
19
Capitulo 2<br />
Afetividade segun<strong>do</strong> Piaget<br />
O objetivo deste capítulo é apresentar a visão, os estu<strong>do</strong>s e as pesquisas <strong>do</strong><br />
psicólogo Jean Piaget acerca <strong>do</strong> tema afetividade. Ao apresentarmos as idéias <strong>do</strong> autor,<br />
buscaremos discutir e analisar de que forma sua teoria auxilia na compreensão <strong>do</strong> papel<br />
da afetividade no funcionamento cognitivo, no desenvolvimento e aprendizagem <strong>do</strong><br />
sujeito.<br />
1. Vida e Trajetória<br />
Jean Piaget nasceu dia nove de agosto de 1896 em Neuchâtel, Suíça e<br />
morreu dia 16 de setembro de 1980 em Genebra, com 84 anos. Primeiro filho de Arthur,<br />
um professor universitário e Rebecca, <strong>do</strong>méstica, Piaget teve duas irmãs.<br />
Com onze anos Piaget escreve um texto sobre um pardal albino que<br />
ob<strong>ser</strong>vara em um parque público, e esse trabalho é um prenúncio de sua capacidade<br />
descritiva como cientista. Pelo seu talento intelectual precoce e pela sua originalidade e<br />
importância de pesquisas sobre o conhecimento <strong>humano</strong>, Piaget passou a <strong>ser</strong><br />
considera<strong>do</strong> um gênio. Com a idéia de que pensar implica escrever – e sen<strong>do</strong> assim<br />
“não podia pensar sem uma caneta nas mãos” (Mace<strong>do</strong>, 2005) –, publicou<br />
aproximadamente 50 livros e centenas de artigos.<br />
Aos 22 anos Piaget fez seu <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> em ciências naturais na Universidade<br />
de Neuchâtel e <strong>do</strong>is anos depois se mu<strong>do</strong>u para Zurique, onde estu<strong>do</strong>u psicologia e<br />
psicanálise.<br />
Em 1919 mu<strong>do</strong>u-se para a França e ingressou na Universidade de Paris, onde<br />
passou a trabalhar com testes de inteligência infantil – os testes de QI –, junto ao<br />
psicólogo infantil Alfred Binet. Esta experiência foi fundamental para seus estu<strong>do</strong>s<br />
posteriores, pois foi a <strong>partir</strong> de então que se interessou pelas temáticas <strong>do</strong><br />
desenvolvimento mental e da inteligência humana.<br />
Casou-se, em 1923, com Valentine Châtenay, formada em psicologia, o que<br />
foi um grande auxílio em suas primeiras pesquisas sobre o desenvolvimento e a<br />
representação de crianças. O casal teve três filhos: duas meninas, Jacqueline e Lucienne,<br />
e um menino, Laurent.<br />
20
Estu<strong>do</strong>u ao mesmo tempo os fundamentos da lógica e a formação da<br />
inteligência na criança. Ob<strong>ser</strong>vava seus próprios filhos e depois os alunos das escolas<br />
primárias; ob<strong>ser</strong>vava-os jogar, mandava-os falar e propunha pequenos problemas<br />
práticos. Com isso, concluiu que a aquisição de conhecimentos se faz segun<strong>do</strong> <strong>do</strong>is<br />
processos complementares: a acomodação (ajustamento <strong>do</strong> sujeito às condições<br />
exteriores) e a assimilação (incorporação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s da experiência das estruturas inatas<br />
<strong>do</strong> sujeito) 2 .<br />
Em 1928 Piaget encontra o físico Albert Einstein, que sugeriu ao pensa<strong>do</strong>r<br />
suíço que pesquisasse as noções de tempo e simultaneidade na criança.<br />
Nos anos de sua carreira universitária, Piaget foi professor de diversas<br />
disciplinas, como Psicologia (experimental e <strong>do</strong> desenvolvimento), Sociologia e<br />
Filosofia das Ciências, em diferentes universidades, como Neuchâtel, Genebra,<br />
Sorbonne, etc. Vale ressaltar que em Sorbonne, Piaget foi o único professor não francês<br />
indica<strong>do</strong> para a direção de uma cátedra.<br />
Além de professor e pesquisa<strong>do</strong>r, Jean Piaget também exerceu funções<br />
administrativas e político-científicas, assumin<strong>do</strong> assim cargos como o de diretor de<br />
estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Instituto Jean Jacques Rousseau em Genebra (1921), diretor <strong>do</strong> Escritório<br />
Internacional de Educação (que hoje integra a UNESCO) (1929-1967), diretor <strong>do</strong><br />
Instituto de Ciências da Educação da Universidade de Genebra (1933-1971).<br />
Em território brasileiro Jean Piaget também marcou presença, receben<strong>do</strong> em<br />
1949 o título de <strong>do</strong>utor Homoris causa da Universidade <strong>do</strong> Brasil, no Rio de Janeiro.<br />
Em 1955 fun<strong>do</strong>u o Centro Internacional de Epistemologia Genética, que dirigiu até o<br />
fim da vida.<br />
Com tais notas biográficas apresentadas, torna-se fácil o reconhecimento <strong>do</strong><br />
fato de Piaget <strong>ser</strong> considera<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s mais importantes pesquisa<strong>do</strong>res e teóricos <strong>do</strong><br />
século XX.<br />
A originalidade de seu mo<strong>do</strong> de pesquisa fez com que Piaget e seus<br />
colabora<strong>do</strong>res criassem situações concretas em que perguntas e tarefas eram propostas<br />
às crianças. As respostas eram analisadas segun<strong>do</strong> níveis ordena<strong>do</strong>s de compreensão ou<br />
realização das questões. A <strong>partir</strong> disto, o psicólogo suíço pôde apresentar formas de<br />
organização <strong>do</strong> pensamento e da ação.<br />
2 Tais conceitos <strong>ser</strong>ão melhor aborda<strong>do</strong>s no decorrer <strong>do</strong> presente capítulo.<br />
21
Os estu<strong>do</strong>s de Piaget foram fundamenta<strong>do</strong>s no chama<strong>do</strong> “méto<strong>do</strong> clínico”, a<br />
<strong>partir</strong> <strong>do</strong> qual ob<strong>ser</strong>vava o comportamento das crianças, fazen<strong>do</strong>-lhes questões,<br />
solicitan<strong>do</strong>-lhes justificativas para o que faziam e pensavam. Desta forma, buscava<br />
estudar o mo<strong>do</strong> como as crianças vivenciavam e compreendiam o mun<strong>do</strong>, e de que<br />
forma tais vivências e compreensões iam se alteran<strong>do</strong> ao longo da vida, tornan<strong>do</strong>-se<br />
cada vez mais complexas e adaptativas.<br />
Estudar Piaget e transmitir seus conhecimentos não é tarefa simples.<br />
Procuraremos no presente capítulo mostrar as <strong>contribuições</strong> de suas análises críticas<br />
para a compreensão <strong>do</strong> desenvolvimento afetivo da criança.<br />
2. Afetividade na Teoria Piagetiana<br />
Segun<strong>do</strong> Bringuier (1977), Piaget foi venera<strong>do</strong> não por <strong>ser</strong> o psicólogo da<br />
infância, mas o filósofo das ciências que escolheu a criança como instrumento de<br />
conhecimento.<br />
Piaget nos entregou 60 anos de ob<strong>ser</strong>vação, reflexão e pesquisa que nos leva<br />
a uma nova e importante compreensão de desenvolvimento infantil. Basea<strong>do</strong> na<br />
epistemologia genética 3 e nas mudanças ontogenéticas 4 , Piaget desenvolveu uma<br />
técnica clínico-descritiva que se tornou uma marca de seu trabalho. Ela envolvia<br />
essencialmente perguntas individuais às crianças, sobre questões cuida<strong>do</strong>samente<br />
selecionadas e o registro de suas respostas e <strong>do</strong>s raciocínios para as mesmas. Sua<br />
técnica básica foi a ob<strong>ser</strong>vação sistemática, a descrição e a análise <strong>do</strong> comportamento<br />
das crianças. Esta abordagem foi primordialmente planejada para descobrir a natureza e<br />
o nível de desenvolvimento <strong>do</strong>s conceitos que as crianças usam, não para produzir<br />
escalas de inteligência.<br />
Ele pesquisou durante sua vida como uma criança raciocina, como descobre<br />
novos instrumentos através da conversação direta, livre.<br />
A <strong>partir</strong> de agora, atenden<strong>do</strong> aos objetivos <strong>do</strong> presente trabalho, buscaremos,<br />
nos tópicos a seguir, apresentar as <strong>contribuições</strong> de Piaget para a compreensão <strong>do</strong> papel<br />
da afetividade no desenvolvimento, aprendizagem e funcionamento <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>.<br />
3 Ciência que explica como o conhecimento é adquiri<strong>do</strong>.<br />
4 Mudanças que ocorrem no desenvolvimento <strong>do</strong> indivíduo.<br />
22
Para tanto, a bibliografia pesquisada compreendeu obras <strong>do</strong> próprio Piaget<br />
(1964; 1990), assim como outros textos de autores que buscaram sintetizar e analisar<br />
suas idéias, tais como Wadsworth (1996), Bringuier (1977) e Souza (2003),<br />
estruturamos nossa análise traçan<strong>do</strong> o seguinte percurso: apresentaremos inicialmente<br />
de que mo<strong>do</strong> Piaget compreende a construção <strong>do</strong> conhecimento e o funcionamento<br />
cognitivo. Em seguida, nossa intenção <strong>ser</strong>á a de analisar especificamente as relações<br />
estabelecidas por Piaget entre cognição e afetividade, no funcionamento e<br />
desenvolvimento <strong>humano</strong>. Nossa discussão, desta forma, estará centrada na importância<br />
que este autor atribuiu à <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>.<br />
2.1. Construção <strong>do</strong> conhecimento em Piaget<br />
Antes de adentrarmos nos estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> autor que especificamente tratam das<br />
relações entre cognição e afetividade, faz-se importante que apresentemos, inicialmente,<br />
algumas de suas idéias a respeito da construção <strong>do</strong> conhecimento, <strong>do</strong> funcionamento<br />
mental <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>.<br />
Em Piaget, sua abordagem construtivista nos ajuda a pensar o conhecimento<br />
científico na perspectiva da criança ou daquele que aprende. O seu estu<strong>do</strong> é centra<strong>do</strong> em<br />
compreender como a criança passa de um esta<strong>do</strong> de menor conhecimento a outro de<br />
maior conhecimento, bem como o que está intimamente relaciona<strong>do</strong> com o<br />
desenvolvimento pessoal <strong>do</strong> indivíduo.<br />
O construtivismo tem como base uma teoria de aprendizagem e <strong>do</strong><br />
desenvolvimento <strong>humano</strong> com forte prestígio científico. Para Piaget (1964), seu<br />
interesse, ao desenvolver sua teoria, era dar uma fundamentação teórica, baseada em<br />
uma investigação científica, à forma de como se constrói o conhecimento no <strong>ser</strong><br />
<strong>humano</strong>.<br />
Piaget não acredita que to<strong>do</strong> o conhecimento seja, a priori, inerente ao<br />
próprio sujeito (inatismo), nem que o conhecimento provenha totalmente das<br />
ob<strong>ser</strong>vações <strong>do</strong> meio que o cerca (empirismo). De acor<strong>do</strong> com suas teorias, o<br />
conhecimento, em qualquer nível, é gera<strong>do</strong> através de uma interação <strong>do</strong> sujeito com seu<br />
meio, a <strong>partir</strong> de estruturas (estágios) previamente existentes no sujeito. Sen<strong>do</strong> assim, o<br />
conhecimento é uma interação entre sujeito e objeto. O indivíduo constrói seus<br />
conhecimentos, suas estruturas e os modifica, aperfeiçoa, achan<strong>do</strong> coisas novas,<br />
23
novidades adaptadas, relacionadas aos conhecimentos até então limita<strong>do</strong>s que passam a<br />
<strong>ser</strong>vir como ponto de partida.<br />
Piaget (1964) conta que o termo “Construtivismo” foi emprega<strong>do</strong> à sua<br />
teoria, pois explica que novos níveis de conhecimento estão sen<strong>do</strong> indefinidamente<br />
construí<strong>do</strong>s através das interações entre o sujeito e o meio.<br />
Estudan<strong>do</strong> simultaneamente os fundamentos da lógica e a formação da<br />
inteligência na criança, Piaget concluiu que a aquisição <strong>do</strong>s conhecimentos se faz<br />
segun<strong>do</strong> <strong>do</strong>is processos complementares: a acomodação e a assimilação.<br />
Por assimilação entende-se um processo cognitivo por meio <strong>do</strong> qual o sujeito<br />
agrega novos conhecimentos às estruturas cognitivas já existentes (Wadsworth, 1996),<br />
ou seja, é a adaptação de novos estímulos e experiências às estruturas cognitivas que o<br />
sujeito já possui. O próprio Piaget define a assimilação como:<br />
24<br />
(...) uma integração às estruturas prévias, que podem<br />
permanecer invariáveis ou são mais ou menos modificadas por<br />
esta própria integração, mas sem descontinuidade com o esta<strong>do</strong><br />
precedente, isto é, sem <strong>ser</strong>em destruídas, mas simplesmente<br />
acomodan<strong>do</strong>-se à nova situação (PIAGET, 1996, p. 13).<br />
Já a acomodação é o momento em que o sujeito altera suas estruturas<br />
cognitivas para melhor compreender o objeto que o desequilibra, ou seja, é um<br />
ajustamento <strong>do</strong> sujeito a condições exteriores. Wadsworth, ao abordar a teoria de Piaget,<br />
diz que "A acomodação explica o desenvolvimento (uma mudança qualitativa), e a<br />
assimilação explica o crescimento (uma mudança quantitativa); juntos eles explicam a<br />
adaptação intelectual e o desenvolvimento das estruturas cognitivas” (1996, p. 7).<br />
Piaget (1996), quan<strong>do</strong> expõe as idéias da assimilação e da acomodação deixa<br />
claro que da mesma forma como não há assimilação sem acomodações (anteriores ou<br />
atuais), também não existem acomodações sem assimilação. Esta declaração significa<br />
que o meio não provoca simplesmente o registro de impressões ou a formação de<br />
cópias, mas desencadeia ajustamentos ativos por parte <strong>do</strong> sujeito.<br />
Destas sucessivas e permanentes relações entre assimilação e acomodação o<br />
indivíduo vai adaptan<strong>do</strong>-se ao meio externo através de um interminável processo de<br />
desenvolvimento cognitivo, e essa adaptação é a essência <strong>do</strong> funcionamento intelectual,<br />
assim como <strong>do</strong> funcionamento biológico - é uma das tendências básicas inerentes a<br />
todas as espécies.
Assim como a adaptação, a equilibração também pode <strong>ser</strong> considerada<br />
intrínseca ao indivíduo. Wadsworth afirma que, segun<strong>do</strong> Piaget, a teoria da<br />
equilibração, de uma maneira geral, trata de um ponto de equilíbrio entre a assimilação<br />
e a acomodação, e assim, é considerada como um mecanismo auto-regula<strong>do</strong>r, necessária<br />
para assegurar à criança uma interação eficiente dela com o meio-ambiente.<br />
Segun<strong>do</strong> Wadsworth (1996), a teoria de Piaget considera que uma criança,<br />
ao experienciar um novo estímulo (ou um estímulo velho outra vez), tenta assimilar o<br />
estímulo a um esquema existente. Se ela for bem sucedida, o equilíbrio, em relação<br />
àquela situação estimula<strong>do</strong>ra particular, é alcança<strong>do</strong> no momento. Se a criança não<br />
consegue assimilar o estímulo, ela tenta, então, fazer uma acomodação, modifican<strong>do</strong> um<br />
esquema ou crian<strong>do</strong> um esquema novo. Quan<strong>do</strong> isso é feito, ocorre a assimilação <strong>do</strong><br />
estímulo e, nesse momento, o equilíbrio é alcança<strong>do</strong>.<br />
Em meio a tantos estu<strong>do</strong>s, podemos concluir que a criança não se contenta<br />
em receber impressões: ela constrói ativamente seu psiquismo.<br />
2.2. Cognição e afetividade<br />
Ten<strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong> os principais conceitos <strong>do</strong> autor no que diz respeito ao<br />
funcionamento mental, <strong>partir</strong>emos agora para a discussão acerca das relações entre<br />
cognição e afetividade a <strong>partir</strong> <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s de Piaget.<br />
Apesar de não ter centra<strong>do</strong> seus estu<strong>do</strong>s e pesquisas no desenvolvimento<br />
afetivo das crianças e sim na lógica <strong>do</strong> pensamento das mesmas, Piaget não<br />
desconsiderou essa <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> para o estu<strong>do</strong> da inteligência e <strong>do</strong> desenvolvimento<br />
psicológico e colocou em suas obras que é incontestável que o afeto desempenha um<br />
papel essencial no funcionamento da inteligência, nas suas estruturas e formas de<br />
organização.<br />
Segun<strong>do</strong> Bringuier (1977), Piaget afirma que “para que a inteligência<br />
funcione, é preciso um motor que é o afetivo. Jamais se procurará resolver um<br />
problema se ele não lhe interessa. O interesse, a motivação <strong>afetiva</strong> é o móvel de tu<strong>do</strong>”<br />
(Bringuier, 1977, p. 71-72).<br />
De acor<strong>do</strong> com a teoria de Piaget, o desenvolvimento intelectual é<br />
considera<strong>do</strong> com ten<strong>do</strong> <strong>do</strong>is componentes: o cognitivo e o afetivo. Assim, o<br />
desenvolvimento afetivo se dá em paralelo ao cognitivo e tem uma profunda influência<br />
sobre o desenvolvimento intelectual. Segun<strong>do</strong> Piaget o aspecto afetivo por si só não<br />
25
pode modificar as estruturas cognitivas, mas pode influenciar quais estruturas<br />
modificar. O psicólogo nos explica que nos estágios de desenvolvimento da criança o<br />
que há é uma correspondência entre desenvolvimento cognitivo e afetivo, e não uma<br />
sucessão.<br />
2.2.1. Rompen<strong>do</strong> a dicotomia inteligência e afetividade<br />
Maria Theresa Costa Coelho de Souza (2003) nos fala um pouco da teoria<br />
piagetiana e <strong>do</strong> rompimento da dicotomia inteligência/afetividade feito pelo <strong>do</strong>utor de<br />
Genebra, apresentan<strong>do</strong> o desenvolvimento psicológico como uno, em suas dimensões<br />
<strong>afetiva</strong>s e cognitivas. A autora nos mostra que Piaget defende a tese da correspondência<br />
entre construções <strong>afetiva</strong>s e cognitivas e recorre às relações entre afetividade,<br />
inteligência e vida social para explicar a gênese da moral.<br />
Souza nos conta que foi em 1945, com a obra “A formação <strong>do</strong> símbolo da<br />
criança” que Piaget iniciou a apresentação de sua tese sobre as relações entre<br />
afetividade e inteligência, onde diz que ambas são indissociadas e integradas no<br />
desenvolvimento psicológico da criança, não sen<strong>do</strong> possível ter duas psicologias (uma<br />
da afetividade e outra da inteligência) para explicar o comportamento.<br />
Na presente abordagem, Souza mostra que Piaget discute o papel <strong>do</strong>s<br />
sentimentos e das relações interpessoais na formação <strong>do</strong>s esquemas afetivos e no<br />
simbolismo infantil.<br />
Mas afinal e antes de tu<strong>do</strong>: quan<strong>do</strong>, como e por que Piaget começou a dar<br />
importância ao aspecto afetivo da gênese da inteligência?<br />
Souza explica em sua obra que “a ocasião em que Piaget defendeu mais<br />
demoradamente sua tese da correspondência entre o desenvolvimento afetivo e o<br />
desenvolvimento cognitivo foi durante os cursos ministra<strong>do</strong>s na Sorbonne em 1953-54”.<br />
(Souza, 2003, p 56). O curso sobre as “Relações entre afetividade e inteligência no<br />
desenvolvimento mental da criança” permitiu ao autor explicitar suas reflexões sobre<br />
afetividade, socialização, vontade e moral. Mais <strong>do</strong> que apresentar o desenvolvimento<br />
genético da afetividade e da moral em paralelo com o desenvolvimento cognitivo, o<br />
autor apresentou a questão da gênese da moral, ou seja, como a criança constrói sua<br />
escala de valores, ideais e sentimentos morais.<br />
Piaget dividiu em três partes esse curso ministra<strong>do</strong> na Sorbonne. A primeira<br />
parte foi dedicada à localização <strong>do</strong> problema e apresentação das teorias psicológicas<br />
26
mais conhecidas na época. Os pressupostos centrais nessa parte inicial dizem respeito à<br />
diferença na natureza da inteligência e da afetividade, mas reconhecen<strong>do</strong> que estas são<br />
indissociáveis no comportamento das crianças. Assim, o autor aborda a interferência<br />
constante da afetividade no funcionamento da inteligência, seu estímulo ou perturbação,<br />
bem como seu aceleramento ou retardamento e a não modificação das estruturas da<br />
inteligência por parte da afetividade, onde essa se apresenta somente como um elemento<br />
energético das condutas. Nessa primeira etapa, Piaget deixa claro que a afetividade não<br />
se restringe somente a sentimentos e emoções, mas engloba também a motivação, as<br />
tendências e vontades.<br />
Ao falar <strong>do</strong> papel da afetividade nas condutas, o autor retoma a idéia de que<br />
toda conduta visa à adaptação, sen<strong>do</strong> que o desequilíbrio se traduz por uma impressão<br />
<strong>afetiva</strong> particular. A conduta termina quan<strong>do</strong> a vontade é satisfeita e o retorno <strong>do</strong><br />
equilíbrio provoca o sentimento de satisfação. “As condutas e as percepções <strong>do</strong> real se<br />
inscrevem sempre em formas de relações com o mun<strong>do</strong> que estruturam os fenômenos<br />
em conjuntos coerentes” (Souza, 2003, p. 58).<br />
Piaget fala ainda <strong>do</strong>s sentimentos de sucesso e fracasso interferin<strong>do</strong> no<br />
desempenho e na aprendizagem, mas restringe esse efeito ao ritmo e não à estruturação<br />
<strong>do</strong> conhecimento. Inteligência e afetividade são de naturezas diferentes, e podemos<br />
entender então que a enérgica da conduta vem da afetividade enquanto as estruturas da<br />
mesma vêm das funções cognitivas. Ambas são fundamentais para que as condutas e<br />
interações entre sujeito e objeto ocorram.<br />
Na segunda parte de seu curso de Sorbonne, Piaget apresenta o paralelo entre<br />
os desenvolvimentos (afetivo e cognitivo) colocan<strong>do</strong> la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> as construções<br />
cognitivas e <strong>afetiva</strong>s. Em “Seis estu<strong>do</strong>s de Psicologia” Piaget retomará essa<br />
correspondência entre aquisições <strong>afetiva</strong>s e cognitivas; veremos isso mais adiante.<br />
Na terceira parte <strong>do</strong> curso, o autor focaliza a questão <strong>do</strong> jogo e <strong>do</strong> símbolo.<br />
Não iremos, no entanto, nos aprofundar nesta temática, por não <strong>ser</strong> esta objeto de<br />
discussão <strong>do</strong> presente trabalho.<br />
Souza explica que para auxiliar a discussão da relação entre afetividade e<br />
inteligência, Piaget se inspirou em três teóricos: Pierre Janet, E<strong>do</strong>uard Claparède e Kurt<br />
Lewin.<br />
A abordagem de Claparède enfatiza as noções de necessidade e satisfação<br />
para explicar a evolução psicológica de equilíbrio. Claparède desenvolveu sua teoria <strong>do</strong><br />
interesse segun<strong>do</strong> a qual toda conduta possui os elementos de meta ou finalidade,<br />
27
definida pela afetividade, e uma técnica definida pelas funções cognitivas. Piaget critica<br />
tal teoria classifican<strong>do</strong>-a como simplista e dizen<strong>do</strong> que uma meta já supõe uma<br />
interação entre afetividade e inteligência. A afetividade sozinha não sustenta a meta,<br />
sen<strong>do</strong> necessária a interferência das estruturas cognitivas; ao mesmo tempo, a técnica<br />
não é puramente cognitiva, já que necessita de motivações rumo à meta, motivações<br />
essas de cunho afetivo.<br />
A teoria de Janet também é criticada por Piaget. Janet diz que toda conduta<br />
supõe <strong>do</strong>is tipos de ações: a primária, que é organizada cognitivamente e que se refere à<br />
relação sujeito e objeto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior; e a ação secundária, que regula <strong>afetiva</strong>mente<br />
e que diz respeito à relação <strong>do</strong> sujeito com sua própria ação. Para Piaget, em ambas<br />
existem aspectos cognitivos e afetivos, e daí porque sua oposição a tal teoria.<br />
Quan<strong>do</strong> se refere à teoria de Lewin, Piaget enfatiza a aplicação dessa teoria<br />
nos problemas da afetividade e da psicologia social. Em sua teoria de campo total,<br />
Lewin partiu tal campo em <strong>do</strong>is aspectos inseparáveis, mas diferentes: a estrutura<br />
(perceptiva intelectual) e a dinâmica (<strong>afetiva</strong>). Piaget considera que essa teoria auxiliou<br />
sua abordagem em tal tema aqui discuti<strong>do</strong>, mas substitui o termo dinâmica por<br />
energética, já que para ele “afetividade e inteligência são dinâmicas em termos de seu<br />
funcionamento” (Souza, 2003, p. 60).<br />
Novamente, vemos assim que, em sua abordagem, Piaget defende a<br />
indissociablidade entre cognição e afetividade, apontan<strong>do</strong> que o funcionamento mental<br />
é influencia<strong>do</strong> por ambas as dimensões.<br />
2.2.2. Estágios de desenvolvimento cognitivo e afetivo<br />
No estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>humano</strong>, Piaget defendeu a idéia de que a<br />
criança passa por diferentes estágios de desenvolvimento, que correspondem ao<br />
surgimento de diferentes estruturas mentais e diferentes perspectivas a <strong>partir</strong> das quais a<br />
criança compreende o mun<strong>do</strong> e nele atua.<br />
Para abordar os aspectos de inteligência e afetividade nos estágios de<br />
desenvolvimento pesquisa<strong>do</strong>s por Piaget, vale ressaltar que, segun<strong>do</strong> Souza (2003),<br />
apoiada na teoria piagetiana, a inteligência começa com as montagens hereditárias<br />
relativas aos reflexos e aos instintos, e, da mesma forma, os sentimentos possuem<br />
também montagens hereditárias relativas às tendências instintivas e emoções primárias.<br />
Num segun<strong>do</strong> momento <strong>do</strong> desenvolvimento cognitivo essas montagens hereditárias<br />
28
sofrem a interferência da experiência <strong>do</strong> ambiente, de onde surgem os primeiros hábitos<br />
e percepções diferenciadas. Quanto à afetividade, a autora escreve que notamos o<br />
aparecimento de afetos perceptivos que se resumem aos prazeres e às <strong>do</strong>res liga<strong>do</strong>s às<br />
percepções e aos sentimentos de agra<strong>do</strong> ou desagra<strong>do</strong>.<br />
Na elaboração <strong>do</strong> universo físico da criança as conquistas ocorrem tanto no<br />
plano cognitivo como no afetivo. Piaget focaliza a explicação cognitiva consideran<strong>do</strong> os<br />
elementos afetivos como complementares e, ao mesmo tempo, essenciais. Inspira<strong>do</strong> na<br />
teoria de Janet, como vimos, ele enfatiza o papel da afetividade no funcionamento<br />
psicológico.<br />
Em condutas relacionadas aos objetos e às pessoas, Piaget afirma que se<br />
cada conduta possui um aspecto afetivo (energético) e outro estrutural (cognitivo) então,<br />
mais uma vez, devemos perceber claramente a importância da <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> no<br />
desenvolvimento e nas condutas humanas.<br />
Entendemos então que as crianças assimilam as experiências aos esquemas<br />
afetivos <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que assimilam as experiências às estruturas cognitivas.<br />
Para melhor explicar os estágios de desenvolvimento cognitivo e afetivo,<br />
destacan<strong>do</strong> a importância da <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> para o <strong>ser</strong> <strong>humano</strong>, recorremos aos “Seis<br />
estu<strong>do</strong>s de Psicologia” (1964) e ao texto “Epistemologia genética” (1990) de Piaget.<br />
Iremos igualmente nos embasar na obra de Wadsworth, “Inteligência e Afetividade da<br />
criança na teoria de Piaget” (1996), que traz por completo a explicação de como as<br />
crianças constroem e adquirem conhecimento em cada estágio de desenvolvimento<br />
intelectual da criança bem como o desenvolvimento afetivo.<br />
Wadsworth nos explica que as ações das crianças sobre os objetos e as<br />
interações com outras pessoas são de importância fundamental na construção <strong>do</strong><br />
conhecimento. Assim, se há um bloqueio por parte/causa/razão <strong>afetiva</strong>, o conhecimento<br />
encontra obstáculos para se 'efetivar'.<br />
De maneira geral, Piaget aponta quatro estágios de desenvolvimento. São<br />
eles: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal.<br />
Para a compreensão <strong>do</strong> desenvolvimento afetivo nos estágio de<br />
desenvolvimento sensório-motor, pré-operatório, operatório-concreto e formal, é de<br />
importância saber que “o desenvolvimento é concebi<strong>do</strong> como um fluxo contínuo de<br />
mo<strong>do</strong> cumulativo, em que cada nova etapa é construída sobre as etapas anteriores,<br />
integran<strong>do</strong>-se a elas” (Wadsworth, 1996, p. 18); se uma etapa não se concretiza, a<br />
próxima pode também (e é muito provável) não se concretizar.<br />
29
Piaget explica que, no plano cognitivo, toda criança deve passar pelos<br />
estágios de desenvolvimento na mesma ordem, mas a velocidade com que elas passam<br />
por esses estágios pode não <strong>ser</strong> igual em virtude de fatores experienciais ou hereditários.<br />
O afeto é uma unidade <strong>do</strong> funcionamento intelectual; afeto e cognição são<br />
“<strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s de uma mesma moeda” (Cowan, 1981 apud Wadsworth, 1996). Os aspectos<br />
afetivos influenciam o desenvolvimento intelectual poden<strong>do</strong> acelerar ou diminuir o<br />
ritmo <strong>do</strong> desenvolvimento. Eles podem determinar sobre que conteú<strong>do</strong>s a atividade<br />
intelectual se concentrará. Como já vimos, eles não modificam as estruturas, mas<br />
influenciam quais estruturas modificar.<br />
Wadsworth explica que o comportamento é influencia<strong>do</strong> pela afetividade. A<br />
criança que gosta de matemática, por exemplo, faz rápi<strong>do</strong>s progressos; a criança que<br />
tem interesse progride, enquanto a que tem sentimento de inferioridade e ou<br />
incapacidade não progride. Uma irá mais rápi<strong>do</strong> <strong>do</strong> que a outra, mas para ambas 2 + 2 =<br />
4. A estrutura não se modifica.<br />
O desenvolvimento intelectual com seus <strong>do</strong>is componentes, afetivo e<br />
cognitivo, implica o envolvimento de motivação (energização) e seleção (interesse) da<br />
atividade intelectual.<br />
Em tal obra, o autor nos mostra que se o desenvolvimento afetivo se dá<br />
paralelamente 5 ao desenvolvimento cognitivo, as características mentais de cada uma<br />
das fases <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>ser</strong>ão determinantes para a construção da afetividade; ao<br />
mesmo tempo, o desenvolvimento afetivo fundamenta o desenvolvimento cognitivo.<br />
Quan<strong>do</strong> examinamos o raciocínio das crianças sobre questões morais, considerada como<br />
um <strong>do</strong>s aspectos da vida <strong>afetiva</strong>, percebemos que os conceitos morais são construí<strong>do</strong>s<br />
da mesma forma que os conceitos cognitivos. Os mecanismos de construção são os<br />
mesmos.<br />
Explicaremos a seguir os estágios de desenvolvimento <strong>do</strong> indivíduo desde<br />
sua primeira infância (<strong>do</strong> 0 aos 2 anos) até sua a<strong>do</strong>lescência.<br />
• Sensório-motor<br />
5 O termo “paralelamente” é emprega<strong>do</strong> não como <strong>do</strong>is componentes que não se encontram, mas como<br />
<strong>do</strong>is componentes que caminham no mesmo passo, que seguem uma mesma direção em um mesmo<br />
tempo.<br />
30
O perío<strong>do</strong> sensório-motor abrange desde o recém-nasci<strong>do</strong> até por volta de 2<br />
anos de idade. Antecede o surgimento da linguagem, e é o perío<strong>do</strong> durante o qual a<br />
criança constrói as categorias de tempo, espaço, objeto e causalidade. A <strong>partir</strong> da<br />
construção de esquemas de ação, por meio da percepção e <strong>do</strong> movimento, a criança<br />
começa a conquistar o mun<strong>do</strong> exterior: é o estágio da inteligência prática, vinculada ao<br />
mun<strong>do</strong> concreto e na qual a relação com o meio é direta, imediata, sem a existência de<br />
palavras, conceitos ou representação.<br />
Piaget diz que o primeiro mês de vida de um bebê é um perío<strong>do</strong> de atividade<br />
reflexiva indiferenciada, um perío<strong>do</strong> <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> por impulsos reflexos e instintivos com<br />
os quais buscam alimentação e a libertação de desconfortos, “não há sentimentos<br />
verdadeiros” (Wadsworth, 1996, p. 25).<br />
Durante o estágio sensório-motor, os sentimentos se desenvolvem e ao final<br />
<strong>do</strong> estágio os sentimentos afetivos das crianças começam a desempenhar um papel nas<br />
escolhas e ações; o afeto é associa<strong>do</strong> com reflexos. Isso basicamente não muda até o 4 o<br />
mês de vida. O corpo <strong>do</strong> bebê permanece o foco de toda atividade e afeto porque ainda<br />
não diferencia o eu como um objeto distinto <strong>do</strong>s outros objetos.<br />
Após o 4 o mês a criança começa a apresentar um comportamento dirigi<strong>do</strong> a<br />
um fim (intencional), que evolui de um comportamento basea<strong>do</strong> em uma repetição de<br />
eventos – no qual as intenções só se estabelecem durante as repetições <strong>do</strong><br />
comportamento – para uma intencionalidade presente no início da ação.<br />
A evolução em função da ação das crianças sobre o meio resulta em<br />
assimilações e acomodações que, por sua vez, resultam em mudanças qualitativas e<br />
quantitativas <strong>do</strong>s esquemas.<br />
Durante o segun<strong>do</strong> ano de vida os sentimentos começam a ter um papel na<br />
determinação <strong>do</strong>s meios usa<strong>do</strong>s para alcançar os fins. As crianças começam a<br />
experimentar sentimentos de satisfação ou desapontamento liga<strong>do</strong>s à ação. Há também<br />
aqui o surgimento de sentimentos de afeição a outras pessoas, dan<strong>do</strong> início ao<br />
intercâmbio social da criança. A criança de <strong>do</strong>is anos (final <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> sensório-motor)<br />
é <strong>afetiva</strong> e cognitivamente muito diferente <strong>do</strong> recém-nasci<strong>do</strong>.<br />
• Pré-operatório<br />
Com a chegada <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> pré-operatório (2 aos 7 anos) o funcionamento<br />
passa a se dar de mo<strong>do</strong> conceitual e representacional e a criança representa o<br />
31
pensamento e direciona melhor seu comportamento. Este estágio corresponde à<br />
inteligência simbólica e intuitiva e se inicia com o surgimento da linguagem. É marca<strong>do</strong><br />
pelo egocentrismo, que leva a criança a compreender a realidade a <strong>partir</strong> apenas de seu<br />
próprio ponto de vista, apresentan<strong>do</strong> dificuldades para se colocar no lugar <strong>do</strong> outro, e<br />
entender o que as outras pessoas pensam, sentem ou como lidam com o mun<strong>do</strong>. A<br />
criança procura sempre uma lógica, uma causa para os acontecimentos e fenômenos da<br />
realidade (fase <strong>do</strong>s “por quês”). Ao desenvolver a capacidade simbólica, já não depende<br />
unicamente da percepção e das sensações, pois passa a representar mentalmente os<br />
objetos e conceitos, mas é ainda incapaz de operar com a reversibilidade, não relaciona<br />
fatos e acaba sen<strong>do</strong> levada pelas aparências.<br />
Em decorrência da linguagem falada (que acelera o ritmo com que as<br />
experiências podem ocorrer; sen<strong>do</strong> um elemento facilita<strong>do</strong>r para a ocorrência das<br />
operações lógicas) e da representação, surgem os primeiros sentimentos sociais, bem<br />
como novas capacidades, habilidades representacionais e socialização <strong>do</strong><br />
comportamento (Piaget, 1964). A representação permite a criação de imagens das<br />
experiências, incluin<strong>do</strong> as experiências <strong>afetiva</strong>s. Assim, os sentimentos podem <strong>ser</strong><br />
representa<strong>do</strong>s e recorda<strong>do</strong>s, o que não ocorria no estágio sensório-motor.<br />
Embora o pensamento pré-operacional represente um avanço em relação ao<br />
pensamento sensório-motor, ele ainda é restrito em muitos aspectos. Como posto<br />
anteriormente, o comportamento cognitivo ainda é influencia<strong>do</strong> por atividades<br />
perceptivas e a criança é incapaz de reverter as operações e não consegue acompanhar<br />
as transformações, a percepção é centrada e a criança é egocêntrica; ela não assume o<br />
ponto de vista <strong>do</strong> outro, acreditan<strong>do</strong> assim que to<strong>do</strong>s pensam como ela, que os únicos<br />
pensamentos possíveis são os dela.<br />
O estágio pré-operatório é o perío<strong>do</strong> em que os conceitos morais começam a<br />
se desenvolver: regras, acidente, mentira, justiça. A criança começa a tomar consciência<br />
das coisas a <strong>ser</strong>em feitas. Contu<strong>do</strong>, o conceito de intencionalidade ainda não foi<br />
construí<strong>do</strong> e a criança não consegue compreender comportamentos acidentais de outras<br />
crianças.<br />
Sobre a socialização <strong>do</strong> comportamento, Piaget explica que as crianças<br />
tornam-se sociais progressivamente no decorrer <strong>do</strong>s anos. Ele entende que o<br />
desenvolvimento social age sobre o cognitivo e afetivo à medida que a criança<br />
estabelece intercâmbios com o mun<strong>do</strong> social. “Como o desenvolvimento afetivo não é<br />
32
separa<strong>do</strong> <strong>do</strong> cognitivo, o desenvolvimento social não é separa<strong>do</strong> <strong>do</strong> cognitivo e afetivo”<br />
(Wadsworth, 1996, p.60).<br />
No aspecto cognitivo, o desenvolvimento social é a aquisição <strong>do</strong><br />
conhecimento social que é construí<strong>do</strong> pela criança a medida que interage com adultos e<br />
outras crianças. Já no aspecto afetivo, esse desenvolvimento tem um papel no raciocínio<br />
moral, e falan<strong>do</strong> em raciocínio moral, é nesse estágio que surgem também os primeiros<br />
sentimentos morais.<br />
• Operatório concreto<br />
Dos sete aos onze anos a criança entra no estágio operacional concreto, onde<br />
os processos mentais se tornam lógicos e o raciocínio e o pensamento adquirem maior<br />
estabilidade. A capacidade para raciocinar torna-se gradativamente lógica e menos<br />
sujeita às influências das contradições perceptuais aparentes. Assim, no plano cognitivo,<br />
esse estágio é marca<strong>do</strong> pela capacidade de realização das operações lógicas. Operações<br />
lógicas são ações cognitivas internalizadas que permitem à criança chegar a conclusões<br />
que são lógicas, não mais <strong>do</strong>minadas pela percepção. As crianças passam a desenvolver<br />
raciocínios lógicos que podem <strong>ser</strong> aplica<strong>do</strong>s a situações/problemas reais. Neste<br />
contexto, os afetos adquirem uma medida de estabilidade e consistência que não<br />
apresentavam antes.<br />
Piaget (1990) explica que, com a aquisição da reversibilidade das ações<br />
mentais, a criança torna-se capaz de coordenar seus pensamentos afetivos de um evento<br />
para outro. Enfatizan<strong>do</strong> o desenvolvimento afetivo, Piaget mostra que a reversibilidade<br />
de pensamento e a descentração são as marcas desse estágio. Elas ajudam a trazer<br />
consistência e con<strong>ser</strong>vação ao raciocínio operacional concreto da criança – a qualquer<br />
momento o passa<strong>do</strong> afetivo, assim como o presente, passa a <strong>ser</strong> uma parte da avaliação<br />
<strong>afetiva</strong>.<br />
Com essa con<strong>ser</strong>vação de sentimentos, as crianças se tornam aptas a<br />
coordenar seus pensamentos afetivos de uma ocasião a outra. O pensamento afetivo<br />
agora é reversível – assim como o pensamento lógico –, ou seja, o passa<strong>do</strong> pode <strong>ser</strong><br />
transforma<strong>do</strong> em uma parte <strong>do</strong> raciocínio presente através da capacidade de reverter<br />
e/ou con<strong>ser</strong>var.<br />
Em virtude <strong>do</strong>s sentimentos <strong>do</strong> dia-a-dia poderem <strong>ser</strong> representa<strong>do</strong>s e<br />
lembra<strong>do</strong>s, os sentimentos passam a <strong>ser</strong> relaciona<strong>do</strong>s com os sentimentos anteriores.<br />
33
Há ainda a transição de um pensamento pré-lógico para um completamente<br />
lógico. A criança já possui um pensamento menos egocêntrico, descentran<strong>do</strong> suas<br />
percepções e raciocínios para fazer julgamentos mais corretos.<br />
Assim, o pensamento é caracteriza<strong>do</strong> pela descentração que permite<br />
soluções lógicas a problemas concretos. A liberação <strong>do</strong> egocentrismo surge basicamente<br />
através da interação social com os colegas a medida que a criança é obrigada a buscar<br />
verificação de idéias (ocorre uma espécie de choque de pensamentos).<br />
Ainda no plano <strong>do</strong> desenvolvimento afetivo, Piaget destaca <strong>do</strong>is elementos<br />
fundamentais que estão no estágio operacional concreto: a vontade e a autonomia. Ele<br />
considera a vontade como uma escala permanente de valores construída pelo indivíduo<br />
e a qual ele se sente obriga<strong>do</strong> a aderir. A vontade assume papel regula<strong>do</strong>r de afeto e,<br />
portanto, é o mecanismo pelo qual os valores são con<strong>ser</strong>va<strong>do</strong>s. Enquanto na atividade<br />
cognitiva os conflitos entre as experiências perceptivas assim como o raciocínio lógico<br />
são regula<strong>do</strong>s pela con<strong>ser</strong>vação, os conflitos entre impulsos afetivos são regula<strong>do</strong>s pela<br />
vontade, por meio <strong>do</strong>s valores construí<strong>do</strong>s. Contu<strong>do</strong>, vale ressaltar que Piaget explica<br />
que a existência da vontade não quer dizer que o comportamento nunca é impulsivo.<br />
Já a autonomia, em Piaget, significa <strong>ser</strong> governa<strong>do</strong> por si mesmo, não pelos<br />
outros; regular seus comportamentos e ações através da colaboração e reciprocidade<br />
com outrem e ainda participan<strong>do</strong> nas construções de regras, não mais as aceitan<strong>do</strong> essas<br />
como imposições. Em vez de aceitar automaticamente os valores e regras forma<strong>do</strong>s por<br />
outros, o raciocínio da criança nesse estágio os avalia antes. Esse raciocínio autônomo<br />
leva em conta os outros tanto quanto a si próprio, o que acaba por deixar o egocentrismo<br />
da criança de la<strong>do</strong>. Aqui as crianças, como já dito anteriormente, já não aceitam as<br />
regras como provenientes de algumas autoridades e começam a posicionar-se frente a<br />
elas; elas vão se tornan<strong>do</strong> capazes de fazer suas próprias avaliações.<br />
Como forma de buscar o desenvolvimento dessa autonomia nas crianças,<br />
Piaget nos coloca as relações de cooperação como caminho (cf. Araújo, 1996), e define<br />
essas últimas como uma relação entre <strong>do</strong>is ou mais indivíduos uma relação social de<br />
igual para igual, sem autoridades, sem adultos ‘impositores’. Essa cooperação coloca as<br />
crianças em interação umas com as outras, o que faz deixar mais de la<strong>do</strong> seus<br />
egocentrismos e auxilia inclusive a construção.<br />
Para Piaget, a cooperação que ocorre entre crianças mostra-se importante<br />
para a constituição <strong>do</strong> conhecimento, uma vez que <strong>ser</strong>ve de gancho para a criticidade<br />
34
das mesmas, bem como para a troca de pontos de vista, formação <strong>do</strong> pensamento<br />
objetivo e para a descentração <strong>do</strong>s indivíduos.<br />
Pressupon<strong>do</strong> relações de cooperação, aparece então o conceito de respeito<br />
mútuo. Segun<strong>do</strong> Piaget, o respeito mútuo passa a <strong>ser</strong> agente <strong>do</strong> pensamento autônomo –<br />
as crianças não tratam mais os adultos com o respeito unilateral, mas agora como um<br />
respeito entre iguais. As crianças só podem desenvolver esse respeito mútuo depois de<br />
se tornarem aptas a considerar o ponto de vista <strong>do</strong>s outros.<br />
Em suma, nesse estágio das operações concretas, o pensamento da criança<br />
deixa de <strong>ser</strong> <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> pelas percepções e a criança torna-se capaz de resolver<br />
problemas que existem ou existiram em sua experiência.<br />
Não sen<strong>do</strong> mais egocêntrica em pensamento, a criança passa a assumir o<br />
ponto de vista <strong>do</strong>s outros. A reversibilidade <strong>do</strong> pensamento é desenvolvida e o<br />
desenvolvimento da vontade permite a regulação <strong>do</strong> desenvolvimento afetivo. Pode <strong>ser</strong><br />
ob<strong>ser</strong>va<strong>do</strong> o desenvolvimento <strong>do</strong>s conceitos morais infantis bem como a compreensão<br />
de regras.<br />
• Operatório formal<br />
O último estágio de desenvolvimento da criança explica<strong>do</strong> por Piaget é o das<br />
operações formais, <strong>do</strong> pensamento hipotético-dedutivo, onde a criança já atinge a idade<br />
de 12 anos.<br />
Durante o estágio das operações formais uma criança desenvolve o<br />
raciocínio e a lógica necessária a solução de todas as classes de problemas e adquirem a<br />
maturidade.<br />
A criança já possui o equipamento estrutural cognitivo necessário para<br />
passar a pensar como um adulto. Após o desenvolvimento das operações formais, as<br />
mudanças nas capacidades mentais (operações lógicas) passam a <strong>ser</strong> quantitativas e não<br />
mais qualitativas. A qualidade <strong>do</strong> raciocínio que uma pessoa é capaz de realizar não<br />
progride após este estágio, mas o conteú<strong>do</strong> e a função da inteligência podem progredir.<br />
A criança, com as operações formais plenamente desenvolvidas, pode lidar com todas<br />
as classes de problemas; raciocina de forma efetiva sobre presente, o passa<strong>do</strong> e o futuro<br />
e emprega teoria e hipóteses na solução de problemas.<br />
35
O desenvolvimento afetivo dessa idade, já compreendida como<br />
a<strong>do</strong>lescência, é caracteriza<strong>do</strong> por <strong>do</strong>is fatores principais: o desenvolvimento <strong>do</strong>s<br />
sentimentos idealistas e a continuação da formação da personalidade.<br />
A capacidade de raciocinar sobre o futuro e de refletir sobre o próprio<br />
pensamento torna o a<strong>do</strong>lescente invariavelmente idealista e este idealismo pode <strong>ser</strong><br />
visto como um idealismo falso/incompleto. O a<strong>do</strong>lescente faz julgamentos com base no<br />
raciocínio e suas conclusões são lógicas. Parecem idealistas porque não podem levar em<br />
conta a realidade de comportamento <strong>humano</strong> que nem sempre tem a ver com a lógica.<br />
Com relação à formação da personalidade, de acor<strong>do</strong> com Piaget seus<br />
aspectos finais não começam a se desenvolver antes da transição para a vida adulta. À<br />
medida que o a<strong>do</strong>lescente inconscientemente procura se adaptar à sociedade e ao mun<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> trabalho a formação da personalidade vai se consolidan<strong>do</strong>.<br />
Segun<strong>do</strong> Piaget, “A formação da personalidade começa com a organização<br />
autônoma das regras e valores e com a afirmação da vontade quanto à regulação e à<br />
organização hierárquica das tendências morais” (Piaget, 1976, p. 65 apud Wadsworth,<br />
1996, p. 122). Sen<strong>do</strong> assim, entendemos que a personalidade é orientada para o mun<strong>do</strong><br />
social; sua formação é <strong>do</strong>minada pela busca da coerência e da organização de valores<br />
que irão prevenir conflitos internos.<br />
A personalidade é, então, resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s esforços individuais autônomos para<br />
se adaptar ao mun<strong>do</strong> social adulto.<br />
Wadsworth ainda escreve que no início das operações formais, Piaget<br />
explica que a maioria das crianças constrói uma compreensão de regras sofisticada. As<br />
regras passam a <strong>ser</strong> vistas como fixadas a qualquer momento por um acor<strong>do</strong> mútuo. As<br />
regras, nesse estágio, são <strong>do</strong> conhecimento de to<strong>do</strong>s e contam com o acor<strong>do</strong> de to<strong>do</strong>s,<br />
que reconhecem as regras como necessárias à cooperação e participação efetiva nos<br />
jogos.<br />
Por volta <strong>do</strong>s onze ou <strong>do</strong>ze anos, a reciprocidade permanece a base para os<br />
julgamentos sobre punição, mas agora as crianças consideram as intenções e as<br />
circunstâncias atenuantes ao formular julgamentos, o que não ocorria até o estágio<br />
anterior. É o que Piaget chamou de equidade 6 .<br />
Afetivamente, o estágio das operações formais é marca<strong>do</strong> pela construção de<br />
uma escala de valores que permite ao a<strong>do</strong>lescente não só ir além <strong>do</strong> círculo restrito de<br />
6 uma implementação mais efetiva da igualdade.<br />
36
seu meio ambiente, como também constituir o eixo central da sua personalidade. Ele<br />
aprende a assumir os papéis <strong>do</strong>s adultos, o que envolve o desenvolvimento afetivo e<br />
cognitivo necessários a tal adaptação.<br />
O desenvolvimento das operações formais se edifica sobre o<br />
desenvolvimento das operações concretas, as incorpora e as amplia. O desenvolvimento<br />
afetivo não é independente <strong>do</strong> desenvolvimento cognitivo.<br />
• Sintetizan<strong>do</strong><br />
37<br />
Assim como o desenvolvimento cognitivo alcança um limite<br />
máximo com a plena consolidação das operações formais, o<br />
mesmo ocorre com o desenvolvimento afetivo (...). O<br />
desenvolvimento <strong>do</strong>s sentimentos normativos, autonomia e<br />
vontade nos estágio das operações concretas conduzem à<br />
construção <strong>do</strong>s sentimentos idealistas e ao posterior<br />
desenvolvimento da personalidade nas operações formais (...).<br />
Ela (a personalidade) é, em parte, uma submissão <strong>do</strong> “eu” à<br />
disciplina. (Wadsworth, 1996, p. 134).<br />
Para sintetizar e sistematizar o que colocamos anteriormente acerca <strong>do</strong><br />
desenvolvimento cognitivo e afetivo, apresentamos o quadro a seguir:<br />
Estágio de<br />
desenvolvimento<br />
segun<strong>do</strong> Piaget<br />
Principais aspectos <strong>do</strong><br />
desenvolvimento cognitivo<br />
Sensório-motor - A <strong>partir</strong> de reflexos neurológicos<br />
básicos, o bebê começa a construir<br />
esquemas de ação para assimilar<br />
mentalmente o meio.<br />
- A inteligência é prática.<br />
- As noções de espaço, tempo, objeto<br />
e causalidade são construídas pela<br />
ação.<br />
- O contato com o meio é direto e<br />
imediato, sem representação ou<br />
pensamento.<br />
- Trabalho mental: estabelecer<br />
relações entre as ações e as<br />
Principais aspectos <strong>do</strong><br />
desenvolvimento afetivo<br />
- Primeiros sentimentos adquiri<strong>do</strong>s<br />
(alegria, tristeza, prazer, desprazer)<br />
são ob<strong>ser</strong>va<strong>do</strong>s com as primeiras<br />
diferenciações cognitivas.<br />
- Sentimentos de satisfação e<br />
desapontamento liga<strong>do</strong>s à ação.<br />
- Afeto envolvi<strong>do</strong> na ativação ou<br />
retardamento das ações<br />
intencionais.<br />
- Primeiros sentimentos de sucesso<br />
e fracasso.<br />
- Investimento da afeição em outras<br />
pessoas.
modificações que elas provocam no<br />
ambiente físico; manipulação <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> por meio da ação.<br />
Pré-operatório - Caracteriza-se, principalmente, pela<br />
Operatório<br />
concreto<br />
interiorização de esquemas de ação<br />
construí<strong>do</strong>s no estágio anterior<br />
(sensório-motor).<br />
- Desenvolvimento da capacidade<br />
simbólica (símbolos mentais:<br />
imagens e palavras que representam<br />
objetos ausentes); explosão<br />
lingüística;<br />
- Características <strong>do</strong> pensamento:<br />
egocentrismo, intuição, variância;<br />
- Pensamento dependente das ações<br />
externas.<br />
- A criança desenvolve noções de<br />
tempo, espaço, velocidade, ordem,<br />
casualidade, já sen<strong>do</strong> capaz de<br />
relacionar diferentes aspectos e<br />
abstrair da<strong>do</strong>s da realidade. Não se<br />
limita a uma representação imediata,<br />
mas ainda depende <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />
concreto para chegar à abstração.<br />
- Capacidade de ação interna:<br />
operação.<br />
- Características da operação:<br />
reversibilidade/invariância<br />
- Con<strong>ser</strong>vação (quantidade,<br />
constância, peso, volume);<br />
descentração / capacidade de<br />
<strong>ser</strong>iação / capacidade de<br />
classificação.<br />
- Socialização <strong>do</strong> comportamento.<br />
38<br />
-Experiências <strong>afetiva</strong>s são<br />
representadas e recordadas<br />
(reconstrução <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> cognitivo<br />
e afetivo).<br />
- O afeto torna-se menos liga<strong>do</strong> à<br />
experiência imediata e à percepção<br />
<strong>do</strong> que antes, mas ainda se relaciona<br />
a elas.<br />
- Desenvolvimento <strong>do</strong>s primeiros<br />
conceitos morais infantis, bem<br />
como compreensão de regras,<br />
mentiras, acidentes e justiça.<br />
- A criança não é mais egocêntrica.<br />
- Desenvolvimento da vontade<br />
permite a regulação <strong>do</strong> sistema<br />
afetivo.<br />
- A autonomia <strong>do</strong> julgamento e o<br />
afeto continuam a se desenvolver<br />
nas relações sociais que encorajam<br />
o respeito mútuo.<br />
- A criança passa de ‘aceita<strong>do</strong>ra’ de<br />
idéias para ‘avalia<strong>do</strong>ra’ de idéias.<br />
- Comportamento mais estável e<br />
previsível e sentimentos mais<br />
consistentes.<br />
- Compreensão sobre regras, justiça<br />
e outros aspectos <strong>do</strong> raciocínio<br />
moral semi-lógico. Valorização <strong>do</strong><br />
outro e respeito mútuo através da<br />
reciprocidade.<br />
Operatório - A representação agora permite a - Desenvolvimento de sentimentos
formal abstração total.<br />
- As estruturas cognitivas da criança<br />
alcançam seu nível mais eleva<strong>do</strong> de<br />
desenvolvimento e tornam-se aptas a<br />
aplicar o raciocínio lógico a todas as<br />
classes de problemas.<br />
- O raciocínio é hipotético-dedutivo<br />
(levantamento de hipóteses;<br />
realização de deduções).<br />
39<br />
normativos, autonomia e vontade<br />
levam a construção de sentimentos<br />
idealistas.<br />
- Contínuo desenvolvimento da<br />
personalidade que reflete esforços<br />
para se adaptar ao mun<strong>do</strong> social <strong>do</strong><br />
adulto.<br />
O quadro acima foi construí<strong>do</strong> separan<strong>do</strong>-se as dimensões cognitiva e <strong>afetiva</strong>.<br />
Tal separação, contu<strong>do</strong>, dá-se apenas para fins de sistematização, uma vez que<br />
compreendemos que tais aspectos não podem <strong>ser</strong> vistos separadamente no<br />
desenvolvimento <strong>humano</strong>. Ao analisar os diferentes estágios propostos por Piaget, o que<br />
buscamos enfatizar aqui é justamente a indissociabilidade entre os aspectos cognitivos e<br />
afetivos, tanto <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong> funcionamento quanto <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>humano</strong>,<br />
já que ambas as dimensões se desenvolvem simultaneamente e se influenciam<br />
mutuamente, e possuem igual importância.<br />
Em “Seis estu<strong>do</strong>s de Psicologia”, Piaget (1964) coloca que a afetividade que<br />
constitui a mola das ações das quais resulta a ascensão progressiva <strong>do</strong> indivíduo e da<br />
sua intelectualidade. Ela – a afetividade – que atribui valor às atividades e lhes regula a<br />
energia. Ao mesmo tempo, ela não é nada sem a inteligência, que fornece meios e<br />
esclarece fins. As tendências das atividades cognitivas e <strong>afetiva</strong>s humanas marcham<br />
rumo ao equilíbrio.<br />
A <strong>partir</strong> <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da teoria piagetiana sobre afetividade e inteligência,<br />
entendemos que o que o autor quer nos dizer é que sem o afeto não haveria o interesse,<br />
nem necessidade, nem motivação, e consequentemente perguntas ou problemas nunca<br />
<strong>ser</strong>iam coloca<strong>do</strong>s e não haveria inteligência. A afetividade é uma condição necessária à<br />
constituição da inteligência.<br />
(...) as funções superiores da inteligência e da afetividade<br />
tendem a um “equilíbrio móvel”, isto é, quanto mais estáveis,<br />
mais haverá mobilidade, pois, nas almas sadias, o fim <strong>do</strong><br />
crescimento não determina de mo<strong>do</strong> algum o começo da<br />
decadência, mas, sim, autoriza um progresso espiritual que<br />
nada possui de contraditório com o equilíbrio interior. (Piaget,<br />
1964, p.12).
Capítulo 3<br />
Afetividade em Piaget: algumas implicações para o campo da educação<br />
O presente capítulo tem como objetivo discutir algumas das implicações que<br />
as considerações de Piaget sobre a afetividade podem trazer para a educação.<br />
Nos capítulos anteriores, apresentamos uma breve discussão das diferentes<br />
visões de autores importantes da psicologia a respeito da afetividade e cognição.<br />
Ressaltamos também a importância da contribuição das análises de Jean Piaget para a<br />
compreensão que a afetividade está presente em to<strong>do</strong> o desenvolvimento <strong>do</strong> sujeito, de<br />
forma inter-relacionada à cognição.<br />
Neste capítulo, o intuito é resgatar algumas das considerações postas até o<br />
momento, com relação à afetividade em Piaget, bem como algumas <strong>contribuições</strong> de<br />
outros autores que trabalham com Piaget – como La Taille (1992) e Sisto & Martinelli<br />
(2006) - na tentativa de apresentar possíveis implicações para o campo da educação.<br />
Ao buscar referenciais teóricos para o presente trabalho, percebemos que a<br />
compreensão que se tem atualmente sobre a afetividade e cognição é ainda restrita.<br />
Embora algumas razões possam explicar esse fato, duas especialmente são importantes,<br />
segun<strong>do</strong> Wadsworth (1996). A primeira é que os estu<strong>do</strong>s feitos sobre a afetividade<br />
ignoraram questões cognitivas e a segunda é que os estu<strong>do</strong>s sobre a cognição trataram<br />
afeto como fazen<strong>do</strong> parte da socialização <strong>do</strong> indivíduo. O que ocorria era uma<br />
dicotomia entre razão e afetividade, a qual já comentamos ao longo <strong>do</strong> presente<br />
trabalho.<br />
Em toda a formação pedagógica adquirida na graduação e na atuação <strong>do</strong> dia-<br />
a-dia devemos ter em mente que as construções intelectuais são permeadas passo a<br />
passo pelo aspecto afetivo e que ele é muito importante.<br />
A <strong>partir</strong> desta constatação, é possível dizer que o trabalho de Piaget, ao<br />
articular cognição e afetividade, ao considerar o desenvolvimento <strong>do</strong> sujeito como um<br />
to<strong>do</strong>, aproxima-se da idéia colocada no primeiro capítulo, acerca da complexidade <strong>do</strong><br />
sujeito psicológico (PÁTARO, 2006). As idéias de Piaget nos auxiliam na compreensão<br />
<strong>do</strong> desenvolvimento <strong>humano</strong>, da aprendizagem e nos trazem importantes implicações<br />
para pensar a questão da educação.<br />
Segun<strong>do</strong> La Taille (1992), Piaget afirma que<br />
40
41<br />
O desenvolvimento da inteligência permite, sem dúvida, que a<br />
motivação possa <strong>ser</strong> despertada por um número cada vez maior<br />
de objetivos ou situações. Todavia, ao longo desse<br />
desenvolvimento, o princípio básico permanece o mesmo: a<br />
afetividade é a mola propulsora das ações, e a razão está ao seu<br />
<strong>ser</strong>viço (LA TAILLE, 1992, p:65).<br />
O trecho acima vem embasar to<strong>do</strong> este trabalho. A afetividade é uma das<br />
bases <strong>do</strong> funcionamento psicológico e da construção de conhecimentos cognitivos; as<br />
construções intelectuais são permeadas passo a passo pelo aspecto afetivo.<br />
Os estu<strong>do</strong>s de Piaget esclarecem que to<strong>do</strong>s os nossos afetos podem se<br />
manifestar sob a forma de emoções (origem biológica) ou sentimentos (origem<br />
psicológica). No ambiente escolar as emoções e sentimentos mais latentes, ou seja, as<br />
emoções e sentimentos que se encontram ocultas nos protagonistas escolares, aquelas<br />
não ditas a to<strong>do</strong> o momento, mas sentidas em to<strong>do</strong> e qualquer momento, se verificam<br />
nas relações interpessoais que se estabelecem entre alunos e professores, e também<br />
entre alunos. Essas manifestações fazem parte de nossa vida psíquica e sempre nos<br />
acompanham, em todas as situações. Na escola não é diferente e a aprendizagem é em<br />
muito influenciada por essas relações <strong>afetiva</strong>s estabelecidas entre seus personagens.<br />
A <strong>partir</strong> das idéias apresentadas no capítulo anterior, o que fica grava<strong>do</strong> é<br />
que ao pesquisar o comportamento da criança, Piaget levou em consideração suas fases<br />
de desenvolvimento, cuja compreensão é importante para se entender o<br />
desenvolvimento afetivo no processo de aprendizagem.<br />
La Taille (1992) afirma que embora Piaget não tenha elegi<strong>do</strong> afetividade<br />
como tema de suas investigações, pelo fato de não ter encontra<strong>do</strong> indica<strong>do</strong>res empíricos<br />
compatíveis aos rigores científicos que se propunha para a investigação, ele jamais a<br />
desconsiderou, nem tampouco negligenciou sua existência e/ou interferência nas<br />
relações <strong>do</strong>s sujeitos.<br />
Para Piaget, o <strong>ser</strong> <strong>humano</strong> se associa a um processo de interação e essa<br />
interação cria uma atmosfera necessária a aprendizagem e favorável (ou não) à<br />
motivação para aprender, motivação essa que responderá pelas escolhas <strong>do</strong>s indivíduos,<br />
bem como seus esforços e perseverança na ação. No contexto escolar, essa atmosfera<br />
favorável influencia o mo<strong>do</strong> como o indivíduo utiliza suas capacidades, afetan<strong>do</strong> seu<br />
pensamento, comportamentos (social, psicológico e emocional) e também o<br />
desempenho escolar.
Para Piaget, to<strong>do</strong> processo de desenvolvimento <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong> envolve<br />
cognição, afeto e moral, e o grande desafio da educação <strong>ser</strong>ia favorecer o<br />
desenvolvimento intelectual em harmonia com o desenvolvimento afetivo-moral para<br />
que o sujeito, aos poucos, pudesse conquistar sua autonomia intelectual, <strong>afetiva</strong> e moral.<br />
Pensan<strong>do</strong> na escola, este fato nos coloca, por exemplo, a importância de um trabalho<br />
pedagógico que não enfoque apenas os aspectos intelectuais e cognitivos, por meio <strong>do</strong>s<br />
conteú<strong>do</strong>s escolares já tradicionalmente trabalha<strong>do</strong>s, mas também tenham em vista<br />
outros conteú<strong>do</strong>s, aspectos e elementos que contribuam com o desenvolvimento afetivo<br />
e moral.<br />
Piaget coloca que, <strong>do</strong> ponto de vista moral e racional, o professor deve <strong>ser</strong><br />
um colabora<strong>do</strong>r e não um mestre autoritário.<br />
Em Piaget, entendemos que o professor deve estar, antes de tu<strong>do</strong>,<br />
comprometi<strong>do</strong> com a educação, com o conhecimento, de forma a contribuir com a<br />
formação da pessoa, <strong>do</strong> desenvolvimento da sua personalidade.<br />
Desta forma, enfocan<strong>do</strong> os processos educativos que ocorrem na escola, é<br />
indiscutível colocarmos a relação <strong>afetiva</strong> como componente intrínseco à aprendizagem,<br />
uma vez que consideramos que a transmissão <strong>do</strong> conhecimento implica uma interação<br />
entre pessoas, envolven<strong>do</strong> sentimentos e emoções. Sen<strong>do</strong> assim, na relação professor-<br />
aluno, uma relação de pessoa para pessoa, o afeto está sempre presente.<br />
La Taille explica que, para Piaget, há a possibilidade de alcançar o respeito<br />
mútuo, tão necessário para o desenvolvimento das relações pessoais, se houver<br />
afetividade. O respeito mútuo se mostra imprescindível, pois é através dele que a<br />
aprendizagem flui mais facilmente.<br />
O respeito mútuo entre professor e aluno está relaciona<strong>do</strong> ao sentimento de<br />
estima que fará com que as crianças respeitem o (a) professor (a) e assim construam<br />
uma relação não na base <strong>do</strong> me<strong>do</strong>, mas <strong>do</strong> amor, acarretan<strong>do</strong> disciplina para a sala de<br />
aula e resulta<strong>do</strong>s positivos para a aprendizagem.<br />
A <strong>partir</strong> da leitura de Piaget, entendemos que o respeito só é mútuo, ou seja,<br />
bilateral, e dura<strong>do</strong>uro quan<strong>do</strong> as pessoas envolvidas se reconhecem e reconhecem seus<br />
interesses e valores em comum. Na escola, se não houver, entre professor e aluno,<br />
interesses comuns, o processo de aprendizagem poderá <strong>ser</strong> prejudica<strong>do</strong>. É necessário<br />
que o professor tenha a consciência de que ensinan<strong>do</strong> ele também aprende e que<br />
respeitan<strong>do</strong> os valores e a individualidade de cada aluno, a compreensão, a aceitação e<br />
42
por que não dizer o afeto, só irão favorecer o desenvolvimento da aprendizagem <strong>do</strong><br />
aluno. Esse é o objetivo da educação e a meta da escola.<br />
Ressaltan<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong> trabalho com os sentimentos e emoções em<br />
sala de aula, a leitura piagetiana nos auxilia ao considerar que os momentos de afeto<br />
dentro da sala de aula e da escola são fundamentais para a formação de uma<br />
personalidade capaz de aprender, crian<strong>do</strong> oportunidades ao aluno para sua evolução<br />
como <strong>ser</strong> pensante e autônomo.<br />
A <strong>partir</strong> <strong>do</strong> que já foi explica<strong>do</strong> no capítulo anterior sobre respeito,<br />
motivação, compreensão <strong>do</strong>s sentimentos <strong>do</strong> outro, segun<strong>do</strong> Piaget, na importância <strong>do</strong>s<br />
sentimentos e emoções para a construção das relações professor-aluno e aluno-aluno,<br />
consideramos então que o professor tem um importante papel nesse meio, ao buscar<br />
estabelecer um padrão motivacional. Desta forma, a motivação é, juntamente com o<br />
respeito mútuo, elemento-chave no processo de ensino-aprendizagem, pois é o suporte<br />
para seguir com a mesma.<br />
No cotidiano escolar podemos perceber a carga de afetividade que interage<br />
de forma positiva ou negativa na aprendizagem. O aluno constrói seu mun<strong>do</strong> e seu<br />
conhecimento com sua afetividade, com os sentimentos, com suas percepções e suas<br />
expressões.<br />
Piaget afirma que a ação seja ela qual for, necessita de instrumentos<br />
forneci<strong>do</strong>s pela inteligência para alcançar um objetivo, uma meta, mas é necessário o<br />
desejo, ou seja, algo que mobiliza o sujeito em direção a este objetivo e isso<br />
corresponde à afetividade. Assim, to<strong>do</strong> comportamento <strong>humano</strong> envolve a afetividade<br />
tanto quanto a inteligência.<br />
Piaget mostra com seus estu<strong>do</strong>s que é fundamental cuidarmos <strong>do</strong> aspecto<br />
afetivo no processo de ensino-aprendizagem. Precisamos compreender que a criança é<br />
uma criança diferente, cognitiva e <strong>afetiva</strong>mente falan<strong>do</strong>, em cada fase de seu<br />
desenvolvimento. Querer ensinar regras de comportamento sem proporcionar a criança<br />
situações de interação que levem a uma real tomada de consciência pode acabar<br />
dificultan<strong>do</strong> a aquisição <strong>do</strong> pleno desenvolvimento cognitivo e afetivo (Piaget, 1964).<br />
A <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> tem um papel fundamental e merece atenção. Na medida<br />
em que os educa<strong>do</strong>res são interessa<strong>do</strong>s em auxiliar as crianças na aquisição de<br />
conhecimento, eles devem desenvolver méto<strong>do</strong>s que encorajem a motivação, ou, nas<br />
palavras de Piaget, o desequilíbrio, que permitam as crianças realizar o estabelecimento<br />
<strong>do</strong> equilíbrio através de méto<strong>do</strong>s ativos. Exploração crítica, interações sociais,<br />
43
experiências provocativas são exemplos de atitudes a <strong>ser</strong>em tomadas que englobam os<br />
<strong>do</strong>is desenvolvimentos – cognitivo e afetivo.<br />
Por fim, ao evidenciarmos a importância da <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> no<br />
desenvolvimento e no processo de aprendizagem <strong>do</strong>s sujeitos, não poderíamos deixar de<br />
apontar a importância <strong>do</strong> trabalho com a <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> na escola, no senti<strong>do</strong> de<br />
permitir aos alunos e alunas a consciência de seus próprios sentimentos e emoções, em<br />
um processo de autoconhecimento. Desta forma, concordamos com Arantes (2002), que<br />
afirma que:<br />
44<br />
Acreditamos poder avançar as discussões que apontam para a<br />
articulação das relações intrínsecas entre cognição e<br />
afetividade, no campo da educação, se incorporarmos no<br />
cotidiano de nossas escolas o estu<strong>do</strong> sistematiza<strong>do</strong> <strong>do</strong>s afetos e<br />
sentimentos, encara<strong>do</strong>s como objetos de conhecimento.<br />
Defendemos a idéia de que tais conteú<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>s à vida<br />
pessoal e à vida privada das pessoas podem <strong>ser</strong> introduzi<strong>do</strong>s no<br />
trabalho educativo (...). (ARANTES, 2002, p.170-171).<br />
Pensamos que esta discussão, no entanto, merece ainda maior<br />
aprofundamento, por sua relevância e pelas grandes possibilidades que traz ao campo da<br />
educação.
Considerações finais<br />
O presente trabalho teve como objetivo enfocar a <strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> <strong>do</strong> <strong>ser</strong><br />
<strong>humano</strong>, buscan<strong>do</strong> compreender de que forma este aspecto influencia e atua no<br />
funcionamento psíquico, no processo de desenvolvimento e aprendizagem e,<br />
consequentemente, na educação. Partimos <strong>do</strong> principio de que afetividade e cognição<br />
devem <strong>ser</strong> vistos de maneira indissociada, de mo<strong>do</strong> que afetividade e inteligência se<br />
misturam, dependen<strong>do</strong> uma da outra.<br />
Neste senti<strong>do</strong>, buscamos estudar as <strong>contribuições</strong> de Jean Piaget, no intuito<br />
de compreender de que forma este autor encara a afetividade no desenvolvimento e<br />
aprendizagem <strong>do</strong> sujeito. Buscamos discutir também, de forma breve, algumas das<br />
<strong>contribuições</strong> de sua teoria para o campo da educação.<br />
No primeiro capítulo, a <strong>partir</strong> de alguns autores da Psicologia, verificamos<br />
de que forma a afetividade vem sen<strong>do</strong> estudada e qual a importância a ela atribuída no<br />
contexto <strong>do</strong> funcionamento psíquico, <strong>do</strong> desenvolvimento <strong>humano</strong> e <strong>do</strong>s processos de<br />
aprendizagem. Discutimos a idéia de autores como Damásio (1996) e Arantes (2002),<br />
na intenção de compreender e procurar alternativas à dicotomia historicamente posta<br />
entre cognição e afetividade. Especificamente no campo das teorias psicológicas,<br />
apresentamos as idéias de Gagné, Ausubel e Wallon. A <strong>partir</strong> de algumas das idéias<br />
destes autores – principalmente Wallon –, pudemos perceber a importância da emoção<br />
no desenvolvimento <strong>humano</strong>, uma vez que to<strong>do</strong> o contato que a criança estabelece com<br />
as pessoas ao seu re<strong>do</strong>r desde o nascimento é feito também de emoções e não apenas de<br />
cognições. Assim a afetividade possui papel fundamental no desenvolvimento da<br />
pessoa, pois é por meio dela que o <strong>ser</strong> <strong>humano</strong> demonstra seus desejos e vontades.<br />
Já no segun<strong>do</strong> capítulo, abordan<strong>do</strong> o foco deste meu trabalho, tivemos os<br />
estu<strong>do</strong>s de Jean Piaget explican<strong>do</strong> como as crianças constroem e adquirem<br />
conhecimento, deixan<strong>do</strong> claro que mente e corpo não funcionam independentemente. A<br />
<strong>partir</strong> de Piaget, fica explícito que to<strong>do</strong> processo de desenvolvimento <strong>do</strong> <strong>ser</strong> <strong>humano</strong><br />
envolve cognição, afeto e moral. Ao pesquisar o comportamento da criança, Piaget<br />
levou em consideração suas fases de desenvolvimento, cuja compreensão é importante<br />
para se entender o desenvolvimento afetivo, suas interações com a <strong>dimensão</strong> cognitiva e<br />
suas repercussões no processo de aprendizagem.<br />
45
No terceiro e último capítulo, retoman<strong>do</strong> e ten<strong>do</strong> por base os estu<strong>do</strong>s e<br />
análises de Piaget, a intenção foi apresentar uma breve discussão acerca das implicações<br />
que as idéias da teoria piagetiana podem trazer para o campo da educação.<br />
A <strong>partir</strong> da consideração de outras obras, como as de La Taille (1992) e Sisto<br />
& Martinelli (2006), fica evidente que a <strong>partir</strong> de Piaget, um <strong>do</strong>s grandes desafios da<br />
educação <strong>ser</strong>ia favorecer o desenvolvimento intelectual em harmonia com o<br />
desenvolvimento afetivo-moral para que o sujeito, aos poucos, pudesse conquistar sua<br />
autonomia intelectual, <strong>afetiva</strong> e moral ten<strong>do</strong> como base as leis de reciprocidade<br />
construídas em suas interações com o meio físico-social e histórico-cultural. Assim,<br />
afeto e cognição devem <strong>ser</strong> vistos de forma articulada, também no campo da educação.<br />
Especificamente a <strong>partir</strong> <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s, Piaget auxilia nesta<br />
compreensão ao apontar que a afetividade está presente em to<strong>do</strong> o desenvolvimento <strong>do</strong><br />
sujeito, de forma inter-relacionada à cognição.<br />
Com base em sua teoria, finalizamos o trabalho reconhecen<strong>do</strong> a importância<br />
de entender que no decorrer de to<strong>do</strong> processo de desenvolvimento, aprendizagem e<br />
funcionamento <strong>do</strong> sujeito a afetividade é como uma “energia” que impulsiona as ações,<br />
fican<strong>do</strong> claro, no caso da escola, a importância de levarmos em conta também a<br />
<strong>dimensão</strong> <strong>afetiva</strong> – e não só a cognitiva – no trabalho pedagógico desenvolvi<strong>do</strong>, nas<br />
relações estabelecidas, em especial a relação professor-aluno.<br />
A afetividade em sala de aula está sempre presente, mas nem sempre ela é<br />
considerada nos processo de aprendizagem ou nas relações. Considerar a afetividade em<br />
sala de aula é levar em conta que os sujeitos possuem sentimentos (positivos e<br />
negativos) e que isso influencia o processo de ensino e aprendizagem, bem como as<br />
relações interpessoais estabelecidas na escola.<br />
Na perspectiva <strong>do</strong> trabalho realiza<strong>do</strong>, apreendemos que o relacionamento<br />
entre professor e aluno deve <strong>ser</strong> de amizade, de troca de solidariedade, de respeito<br />
mútuo, enfim, pois não se concebe desenvolver qualquer tipo de aprendizagem em um<br />
ambiente hostil, onde haja o me<strong>do</strong> e não o reconhecimento.<br />
Compreendemos que afetividade e inteligência são aspectos indissociáveis,<br />
intimamente liga<strong>do</strong>s e influencia<strong>do</strong>s pela socialização, pelo ‘conviver com o outro’.<br />
Fica assim confirmada nossa hipótese inicial, e os estu<strong>do</strong>s de Piaget nos ajudam a<br />
compreender de forma minuciosa como se dá a influência da afetividade na cognição,<br />
no desenvolvimento, na aprendizagem, na educação. A afetividade é necessária na<br />
formação de pessoas felizes, éticas, seguras e capazes de conviver com o mun<strong>do</strong> que a<br />
46
cerca. No ambiente escolar a afetividade é entendida como além de dar carinho, envolve<br />
também uma aproximação com o aluno, saber ouvi-lo, valorizar suas capacidades e<br />
acreditar nele, dan<strong>do</strong> espaço para seu desenvolvimento e sua expressão.<br />
Enfim, fica evidente a importância que tem para nós, educa<strong>do</strong>res, o<br />
conhecimento da afetividade, seja através das emoções, da força motora das ações ou<br />
<strong>do</strong>s sentimentos que permeiam as relações interpessoais, para uma melhor relação<br />
professor-aluno, um melhor ambiente de vivências escolares e uma melhor<br />
aprendizagem <strong>do</strong>s estudantes. O trabalho na escola, portanto, deve valorizar o<br />
desenvolvimento afetivo, e não apenas o cognitivo, pois ambos devem <strong>ser</strong> reconheci<strong>do</strong>s<br />
como elementos fundamentais no desenvolvimento da criança como um to<strong>do</strong>.<br />
Passamos a saber quem somos por meio <strong>do</strong>s outros e que nesse senti<strong>do</strong>, as<br />
relações interpessoais são fundamentais para a formação e manutenção <strong>do</strong> “eu”.<br />
Na escola, para que haja aprendizagem, é preciso levarmos em conta os <strong>do</strong>is<br />
personagens principais (educa<strong>do</strong>r e educan<strong>do</strong>), assim como o vínculo que se estabelece<br />
entre eles. Não aprendemos de qualquer um, aprendemos daquele a quem respeitamos,<br />
admiramos, confiamos o direito de ensinar. Nesse contexto que a afetividade se mostra<br />
essencial. Assim, afetividade deve deixar de <strong>ser</strong> uma palavra e <strong>ser</strong> uma ação.<br />
47
Referências Bibliográficas<br />
ARANTES, V. A. A afetividade no Cenário da Educação. In: OLIVEIRA, M. K;<br />
SOUZA, D. T; REGO, t. (ORGS) Psicologia, Educação e as temáticas da vida<br />
contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002, p. 159- 174.<br />
___________. Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo:<br />
Summus, 2003.<br />
ARAÚJO, U. F. O ambiente escolar e o desenvolvimento <strong>do</strong> juízo moral infantil. In:<br />
MACEDO, L. (org). Cinco estu<strong>do</strong>s de educação moral. São Paulo: Casa <strong>do</strong> Psicólogo,<br />
1996.<br />
AUSBEL, D. NOVAK, J. HANESIAN, H. Psicologia Educacional. Rio de Janeiro:<br />
Editora Interamericana, 1978.<br />
BECKER, F. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos. In: Educação e<br />
Realidade. Porto Alegre, 19(1): 88-96, jan./jun., 1994.<br />
BRINGUIER, J. C. Conversan<strong>do</strong> com Jean Piaget. Rio de Janeiro – São Paulo, 1977.<br />
DAMÁSIO, A. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro <strong>humano</strong>. São Paulo:<br />
Companhia das Letras, 1996.<br />
DICIONÁRIO de Psicologia, 2º vol. Psicologia Moderna, abril-1978.<br />
FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed.<br />
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 1838<br />
GAGNÉ. R. Como se realiza a aprendizagem. Rio de Janeiro: Livros técnicos e<br />
científicos editora, 1971.<br />
LA TAILLE, Yves de et alii. Piaget, Vigotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em<br />
discussão. 8ª edição, São Paulo: Summus, 1992.<br />
MACEDO, Lino. O ancestral <strong>do</strong> <strong>humano</strong> e o futuro da humanidade. Viver Mente &<br />
Cérebro / Coleção Memória da Pedagogia, São Paulo, v. 1, p. 6 - 15, 31 out. 2005.<br />
PÁTARO, C.S. O. Cultura e sujeito: o papel das crenças na organização <strong>do</strong><br />
pensamento <strong>humano</strong>. Dis<strong>ser</strong>tação de Mestra<strong>do</strong>. Faculdade de Educação: Unicamp.<br />
2006.<br />
PIAGET. J. Seis estu<strong>do</strong>s de psicologia. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1964.<br />
___________. Epistemologia Genética. Martins Fontes São Paulo, 1990.<br />
Ed.<br />
___________. Biologia Biologia e e Conhecimento<br />
Conhecimento. Conhecimento 2ª<br />
Vozes : Petrópolis, 1996.<br />
48
SISTO, F.F. & MARTINELLI, S.C. Afetividade e dificuldades de Aprendizagem –<br />
uma abordagem psicopedagógica. São Paulo: Vetor, 2006;<br />
SOUZA, M. T. C. C. O desenvolvimento afetivo segun<strong>do</strong> Piaget in: ARANTES, V.<br />
(org) Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 53<br />
– 69, 2003.<br />
WADSWORTH, B.J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget. São<br />
Paulo: Pioneira, 1996.<br />
WALLON, H. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70, 1968.<br />
49