Direito educacional e educação no século XXI ... - unesdoc - Unesco

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Entretanto, é necessário ter imaginaçao e criatividade pedagógicas, para que se dé oportunidades divers ricas e variadas, de interacäo com a linguagem oral e escrita. Além disso, permitir que a criança explore capacidade de comunicaçâo oral, em situaçôes do cotidiano, para surgir a necessidade da comunicacäo escr ( e, nesse contexto, perceber os mecanismos de formaçâo, representando e transcriçâo do código escrito)." 5.5.2.2.21. Historia de urna alfabetizaçâo aos cinco anos de idade Somente agora, escrevendo este capítulo, já com mais de meio século de existencia, é que fui raciocinar mais profundamente sobre minha infancia e me lembrar de que fui alfabetizado por meus pais, quando tinha cinco anos de idade, bem antes de ir para a escola. Creio ser ilustrativa e apropriada para este capítulo a historia de minha alfabetizaçâo, que passo a relatar. Os primeiros sonhos de minha infancia, dos quais ainda guardo lembranças, podem ser considerados humildes, mas eu lhes emprestava grande significado para o momento e, só hoje, consigo entender quáo importante foram, para minha formaçâo e minha existencia, os custos que meus pais colocaram para cada um deles. Como meus pais sempre iam à capital do estado, Sao Paulo, eu adorava viajar com eles, que sempre me compravam tudo o que havia de mais moderno em materia de brinquedos. 259 No entanto, apesar de adorar tudo o que tinha, eu nâo me dava por satisfeito, pois via outras chancas na rua brincando de empurrar velhos pneus e eu nao tinha um. Assim, nasceu o primeiro sonho de que me lembro. Eu quería um pneu para rodá-lo. Meus pais sabiam que era urn brinquedo perigoso, pois o movimento de carros e jardineiras (os ônibus da época), na rua em que morávamos, era grande. Nao queriam nem ouvir falar em pneu. No entanto, fui insistente, até que meu pai encontrou urna soluçâo para o problema, isto é, para que eu desistisse de incomodá-lo com meus insistentes pedidos. Disse que me daría o pneu quando eu aprendesse a 1er e a escrever. Pedi-lhe, entáo, que me matriculasse em urna escola, mas ele argumentou que nao era possível pois eu nào tinha ainda idade para ser aceito e que, por isso, ele mesmo me ensinaria. Eu vibrei com a idéia. Nâo discuti o preço do pneu, pois eu o quería mais do que tudo. Corrí para apanhar um lápis e um papel. Eu quería aprender o mais rápidamente possível, pois, da aprendizagem, resultaría o que eu desejava ardentemente: um pneu velho e rodado. Papai pediu-me, entáo, o jornal cujo nome eu sabia, pois o pegava para ele, diariamente, na banca de revistas. Era domingo, dia em que o Estadáo (jornal "O Estado de Sao Paulo) era bem volumoso. Ele deu urna olhada na primei- DIAS, Ana Maria lorio - Conversando sobre... os fundamentos do processo de alfabetizado. Brasilia: UNICES 1996. p. 2. Nasci em uma familia privilegiada para aquela época ( 1943), fim da segunda guerra mundial, e Uve urna infancia maravilhosa, em uma pequeña cidade do interior do Estado de Sao Paulo, Franca, polo industrial que se destaca por sua produçâo de calcados. Meu pai, Elias Motta, foi um dos pioneiros do atual desenvolvimento regional, pois ali fundou, em 1902, o primeiro curtume movido a máquinas da regiáo e o segundo do Brasil, tendo montado, antes, em sociedade, uma selaria e fábrica de calcados em Franca, além de um comercio em Ribeiräo Preto e, depois, lojas em Sao Paulo. -313 -

a página e me perguntou: "Quer aprender a escrever logo o seu notne?" Após meu evidente sim, ele, apontando para o cabeçalho do ¡ornai, iniciou da seguinte forma minha aprendizagem: "Aqui está escrito o nome do ¡ornai. O Estado de Säo Paulo." Ele apontou palavra por palavra do título e leu-as em voz alta varias vezes, fazendo-me repetir o que ele estava fazendo. A seguir, mandou-me pegar urna tesoura e recortar o "E" da palavra Estado, dizendo que cada palavra era dividida em pedacinhos, que eram as letras. Depois, mandou-me recortar o "1", no meio de Paulo. Em seguida,.nos procuramos, ñas manchetes, um "i", um "a" e um "s", e recortamos todas essas letras. Ele, entáo, leu e me fez repetir letra por letra: E, 1, i, a, s, varias vezes e bem alto,- e ordenou que eu pegasse a cola e ¡untasse todas as letras recortadas e as colasse no caderno. Continuando, ele leu comigo, repetidas vezes, apontando para as letras coladas, o meu nome. Concluindo seus ensinamentos, ele escreveu, abaixo da colagem, o meu nome; e mandou que eu desenhasse meu nome varias vezes, até me cansar. Como eu tinha o costume de usar lápis para desenhar, nao me foi difícil desenhar, letra por letra, o meu nome. Assim, provavelmente com letras muito tremidas, escrevi, pela primeira vez, o meu nome e entendí como se formavam as palavras. Em pouco mais de um mes, eu já sabia todo o alfabeto de cor e, graças à paciencia e aos ensinamentos também de minha máe, que assumiu, logo a seguir, a orientacáo de meu processo de aprendizagem, já começava a 1er, diariamente, as manchetes dos jomáis para eles, antes de sair para a rua, todo orgulhoso, com o velho pneu que me deram. 5.5.2.2.22. Alfabetizaçâo como urna licáo de vida: todo sonho tem um preço, mas vale a pena pagá-lo A maioria dos meninos com quem eu brincava tinham, como primeiro sonho, urna bola. Comigo, deve ter sido assim também, mas só me lembro do velho e querido pneu que deu asas à minha imaginaçâo e que durou varios anos. Rodando-o pelas ruas, com um árame grosso e comprido e reproduzindo o som de motores com a boca, eu me sentía um verdadeiro motorista dirigindo, com enorme satisfaçâo, um belíssimo carro ou urna moto. Minha satisfaçâo, no entanto, pelo que me lembro, parecía ser maior do que a dos outros meninos, porque eu havia pago um preço para realizar meu primeiro sonho e, graças a isso, podia fazer o que nenhum outro menino da minha idade podia: eu, antes de ir para o primeiro ano da escola, já lia, com seis anos de idade, todos os meus primeiros livrinhos de historia infantil e até os Almanaques de Saude e revistinhas infantis (como Tico-Tico e diversos gibis). Tudo isso foi muito importante para mim, pois, na busca de um objetivo humilde, um pneu, atingí varios outros, muito mais significativos para minha vida, como minha alfabetizaçâo, o hábito de 1er ¡ornáis e, muito tempo depois, a consciência de que tudo o que queremos da vida tem um preço, e de que vale a pena pagá-lo para se ter o sucesso. 5.5.2.2.23. Toda crianca quer aprender; é fácil ensinar e o resultado é compensador Assim, com base em minha propria experiencia e nos conhecimentos teóricos que depois adquirí, aprendí que: -314-

Entretanto, é necessário ter imaginaçao e criatividade pedagógicas, para que se dé oportunidades divers<br />

ricas e variadas, de interacäo com a linguagem oral e escrita. Além disso, permitir que a criança explore<br />

capacidade de comunicaçâo oral, em situaçôes do cotidia<strong>no</strong>, para surgir a necessidade da comunicacäo escr<br />

( e, nesse contexto, perceber os mecanismos de formaçâo, representando e transcriçâo do código escrito)."<br />

5.5.2.2.21. Historia de urna alfabetizaçâo aos cinco a<strong>no</strong>s de idade<br />

Somente agora, escrevendo este capítulo, já com mais de meio <strong>século</strong> de existencia, é que<br />

fui raciocinar mais profundamente sobre minha infancia e me lembrar de que fui alfabetizado<br />

por meus pais, quando tinha cinco a<strong>no</strong>s de idade, bem antes de ir para a escola. Creio ser<br />

ilustrativa e apropriada para este capítulo a historia de minha alfabetizaçâo, que passo a<br />

relatar.<br />

Os primeiros sonhos de minha infancia, dos quais ainda guardo lembranças, podem ser considerados<br />

humildes, mas eu lhes emprestava grande significado para o momento e, só hoje,<br />

consigo entender quáo importante foram, para minha formaçâo e minha existencia, os custos<br />

que meus pais colocaram para cada um deles.<br />

Como meus pais sempre iam à capital do estado, Sao Paulo, eu adorava viajar com eles, que<br />

sempre me compravam tudo o que havia de mais moder<strong>no</strong> em materia de brinquedos. 259 No<br />

entanto, apesar de adorar tudo o que tinha, eu nâo me dava por satisfeito, pois via outras<br />

chancas na rua brincando de empurrar velhos pneus e eu nao tinha um.<br />

Assim, nasceu o primeiro sonho de que me lembro. Eu quería um pneu para rodá-lo. Meus<br />

pais sabiam que era urn brinquedo perigoso, pois o movimento de carros e jardineiras (os<br />

ônibus da época), na rua em que morávamos, era grande. Nao queriam nem ouvir falar em<br />

pneu. No entanto, fui insistente, até que meu pai encontrou urna soluçâo para o problema,<br />

isto é, para que eu desistisse de incomodá-lo com meus insistentes pedidos. Disse que me<br />

daría o pneu quando eu aprendesse a 1er e a escrever. Pedi-lhe, entáo, que me matriculasse<br />

em urna escola, mas ele argumentou que nao era possível pois eu nào tinha ainda idade para<br />

ser aceito e que, por isso, ele mesmo me ensinaria. Eu vibrei com a idéia. Nâo discuti o preço<br />

do pneu, pois eu o quería mais do que tudo. Corrí para apanhar um lápis e um papel. Eu<br />

quería aprender o mais rápidamente possível, pois, da aprendizagem, resultaría o que eu<br />

desejava ardentemente: um pneu velho e rodado. Papai pediu-me, entáo, o jornal cujo <strong>no</strong>me<br />

eu sabia, pois o pegava para ele, diariamente, na banca de revistas. Era domingo, dia em que<br />

o Estadáo (jornal "O Estado de Sao Paulo) era bem volumoso. Ele deu urna olhada na primei-<br />

DIAS, Ana Maria lorio - Conversando sobre... os fundamentos do processo de alfabetizado. Brasilia: UNICES 1996. p. 2.<br />

Nasci em uma familia privilegiada para aquela época ( 1943), fim da segunda guerra mundial, e Uve urna infancia maravilhosa,<br />

em uma pequeña cidade do interior do Estado de Sao Paulo, Franca, polo industrial que se destaca por sua<br />

produçâo de calcados. Meu pai, Elias Motta, foi um dos pioneiros do atual desenvolvimento regional, pois ali fundou,<br />

em 1902, o primeiro curtume movido a máquinas da regiáo e o segundo do Brasil, tendo montado, antes, em sociedade,<br />

uma selaria e fábrica de calcados em Franca, além de um comercio em Ribeiräo Preto e, depois, lojas em Sao Paulo.<br />

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