CADA CASO É UM CASO - Instituto Fazendo História
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menos abrangente que os adultos a elas referidos. Há uma seleção de informações,<br />
cujos filtros passam por questões de idade, gênero e categoria de discurso.<br />
Assim, das 42 crianças e adolescentes mencionados nos 18 autos judiciais analisados,<br />
apenas 13 (30,9%) tiveram suas falas descritas ou transcritas nos relatórios<br />
psicológicos. Eles representavam apenas 19,7% dos falantes no conjunto dos relatórios<br />
psicológicos, sendo oito crianças e cinco adolescentes, sete mulheres e seis<br />
homens. Do total de 14.228 palavras usadas nos Relatórios Psicológicos referentes<br />
aos sujeitos dos autos, apenas 0,9% transcrevem diretamente a voz das crianças e<br />
dos adolescentes. Os relatórios psicológicos emudeceram 69% das 42 crianças e<br />
adolescentes que mencionaram e deram três vezes mais voz a adultos que às crianças<br />
e aos adolescentes.<br />
Os resultados nos permitem afirmar que os relatórios psicológicos contêm,<br />
sobretudo, a voz dos adultos sobre eventos que dizem respeito ao destino de crianças<br />
e adolescentes.<br />
A pesquisa mostra que os autos de encaminhamento aos abrigos consultados<br />
foram iniciados por adultos em nome das crianças e dos adolescentes. Além<br />
de serem conduzidos às Varas da Infância e Juventude, sendo apresentados pelas<br />
falas dos adultos, profissionais ou familiares, eles quase nunca são ouvidos pelos<br />
psicólogos, permanecendo “ocultos” entre as falas descritas sobre eles. Ou seja,<br />
crianças e adolescentes tiveram suas vidas discutidas e decididas sem participarem<br />
de forma direta das negociações sobre seu destino.<br />
As poucas emissões de fala de crianças e adolescentes descritas e transcritas<br />
pelos relatórios referem-se à esfera cognitiva (59,8%) com predomínio das<br />
categorias de informação sobre pessoas, fatos e situações (28%), seguida de informações<br />
sobre elas próprias (22,4%). O predomínio da categoria cognitiva nos<br />
relatórios pode indicar que as entrevistas psicológicas têm um feitio de investigação<br />
e inquérito, buscando responder à demanda de prova sobre fatos a serem<br />
confirmados, mais do que uma relação de escuta sobre a perspectiva da criança e<br />
do adolescente. As crianças e os adolescentes – suas experiências, afetos, reflexões e<br />
opiniões – são referidos nos relatórios principalmente por adultos, especialmente<br />
psicólogas e mães, que as focalizam em restritos espaços de vida, sob a ótica dos<br />
“problemas” que provocaram a abertura do processo judicial.<br />
Os relatórios psicológicos não mencionaram as condições de produção das<br />
entrevistas e não explicitaram se as crianças e os adolescentes foram entrevistados<br />
em privacidade, muitas vezes denotando que as entrevistas ocorrem com a presença<br />
dos adultos – familiares e profissionais das instituições.<br />
Os relatórios psicológicos deixam de mencionar se as crianças e os adolescentes<br />
são informados sobre as decisões que lhes concernem, mesmo em situações<br />
que foram descritas como sendo de acolhimento institucional imediato. Nesse<br />
sentido, podemos retomar os preceitos éticos da profissão pelos quais as pessoas<br />
têm direito a entrevistas devolutivas e acesso aos resultados de avaliações psicológicas<br />
das quais participaram.<br />
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