CADA CASO É UM CASO - Instituto Fazendo História
CADA CASO É UM CASO - Instituto Fazendo História
CADA CASO É UM CASO - Instituto Fazendo História
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A CRIANÇA OCULTA<br />
Na oficina realizada para elaboração deste Caderno, 34 o tema norteador do debate<br />
foi exatamente o direito de crianças e adolescentes serem ouvidos e informados<br />
sobre as questões que envolvem suas vidas. No debate, os participantes<br />
indicaram que uma das dificuldades é proceder esta escuta qualificada nos espaços<br />
institucionais, mantendo o respeito à individualidade da criança e, ao mesmo<br />
tempo, tratar com ela temas dolorosos como as ações de violação a que foram<br />
submetidas no interior de suas famílias. Foi apontado que esta é uma questão a<br />
ser mais bem trabalhada entre os profissionais que lidam com a infância nestes<br />
contextos de violação de direitos.<br />
Quando falamos no cuidado para a escuta das crianças, existe uma questão<br />
específica que é ouvir a criança numa situação judicial. Assim como falamos<br />
em relação aos relatórios, é muito importante ouvir a criança num lugar que<br />
vai decidir a vida dela, mas muitas vezes elas não conseguem se expressar lá. E<br />
quando não é ouvida, normalmente é porque não estabeleceu um diálogo em<br />
que possa ouvir e ser ouvida (especialista participante da Oficina).<br />
Poucas crianças usam a linguagem discursiva, objetiva e formal para falar de<br />
suas histórias. Muitas crianças nos contam suas histórias de outro jeito, de outra<br />
forma. Sabendo disso, precisamos criar outras formas expressivas para elas,<br />
para que tenham seus desejos respeitados e escutados, mesmo que seja estar<br />
com a mãe que a maltratou. Acho muito importante a criança poder ser ouvida,<br />
mas não tem fórmula para isso, tem que ter respeito e compromisso, pois<br />
cada caso é um caso, cada história uma história. Devem ter direito a opinião e<br />
expressão” (especialista participante da Oficina).<br />
Pesquisa realizada em autos judiciais de acolhimento institucional de crianças e<br />
adolescentes em São Paulo 35 analisou a posição que ocupam as falas das crianças<br />
e adolescentes nos relatórios psicológicos judiciais 36 relativos à medida de abrigo,<br />
como uma estratégia para apreender as concepções de infância que vêm norteando<br />
a prática profissional no contexto judiciário. Os resultados indicaram que nem<br />
todas as pessoas mencionadas nos relatórios psicológicos têm suas falas descritas 37<br />
ou transcritas 38 pelas psicólogas das Varas da Infância e Juventude pesquisadas.<br />
Resumidamente, os resultados da pesquisa indicaram que os relatórios psicológicos<br />
se utilizam predominantemente das falas dos adultos: em primeiro<br />
lugar das próprias psicólogas, seguidas de familiares (especialmente as mães) e de<br />
outros adultos relacionados às instituições (abrigos e conselhos tutelares).<br />
Além da maioria das crianças não terem suas falas mencionadas diretamente,<br />
as que tiveram suas falas registradas nos relatórios psicológicos o foram de forma<br />
55<br />
34 Oficina “Cada caso é um<br />
caso”, Neca, 2008.<br />
35 BERNARDI, Dayse C. F. Pesquisa<br />
realizada como parte<br />
do Mestrado em Psicologia<br />
Social. Concepções de infância<br />
em relatórios psicológicos<br />
judiciais. PUC/SP, 2005.<br />
36 A pesquisa não incluiu os<br />
relatórios de estudos sociais,<br />
embora eles tenham sido<br />
selecionados para posterior<br />
análise.<br />
37 Falas descritas: as que<br />
foram mencionadas pela<br />
psicóloga como sendo ditas<br />
pelas crianças e pelos adolescentes.<br />
38 Falas transcritas: as que<br />
foram reproduzidas de forma<br />
literal (ipsis literis).