CADA CASO É UM CASO - Instituto Fazendo História

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13.04.2013 Views

Capítulo 1 A VOZ DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COMO SUjEITOS DE DIREITOS Dayse Cesar FranCo BernarDi “A maturidade das crianças é um fato biológico, mas a forma como ela é compreendida e lhe atribuem significados é um fato da cultura” (James e Prout, 1997). Dar voz às crianças em situação de abrigamento tem como pressuposto o fato de que elas têm o que dizer e deveriam ser ouvidas por todos aqueles que participam da decisão e dos procedimentos de acolhimento institucional ou familiar. Mas o que significa ouvir crianças, se não são elas que decidem seus destinos? Este Caderno traz para a arena do debate a necessidade de pensarmos quais as concepções de infância que vêm orientando nossos procedimentos. Se, por exemplo, concebemos o sujeito “criança” como tábula rasa, amorfo, determinado ou moldado pelo processo de socialização, 4 possivelmente não teremos práticas no abrigo ou na família que estimulem sua participação. Se, por outro lado, em função da imaturidade biológica, pensarmos a infância como um dado da natureza, isto é, como um componente natural e universal dos grupos humanos, deixamos de perceber o quanto a infância adquire sentidos e significados diversos conforme o contexto social e histórico no qual ela se desenvolve. Da mesma forma que as famílias mudam seus desenhos, sua forma de constituírem laços (monoparentais, reconstituídas, homoafetivas), a infância e a juventude, como etapas da vida, desenvolvem especificidades de acordo com o momento histórico e social em que vivem. Assim, uma criança de 6 anos que more no centro da cidade de São Paulo pode ter um repertório muito diferente de outra, da mesma idade e sexo, que viva no meio rural do mesmo estado. Estudos contemporâneos sobre a infância nos confirmam o quanto esta etapa da vida não pode ser compreendida apenas por seu componente biológico e 13 4 Diz respeito a como a criança é formada e educada, nas relações com as outras pessoas (adultos e crianças), adquirindo valores e normas de seu grupo de referência social, cultural e político.

têm se proposto a “desnaturalizar” o conceito acolhendo um novo paradigma, no qual a categoria infância é vista como uma construção social. EM NOME DO PRESENTE A perspectiva de estudiosos contemporâneos como James e Prout (1997), citados na epígrafe desta introdução, critica as teorias tradicionais de desenvolvimento e nos ajuda a compreender as sociedades contemporâneas como adultocêntricas, isto é, centradas nos adultos. Consequentemente, as práticas sociais atuais tendem a sustentar relações assimétricas entre adultos, adolescentes e crianças, mantendo uma subordinação por idade, de forma semelhante às relações desiguais de classe, gênero e etnia. Desta forma, as diferenças de idade, tamanho e força são tratadas como desigualdades de poder. A lei dispõe que a infância e a adolescência gozam dos mesmos direitos dos adultos – direitos humanos consagrados a todas as pessoas – e, além destes, de direitos especiais, em função de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Os direitos especiais compõem a proteção integral que “assegura, por lei e por outros meios, todas as oportunidades e facilidades às crianças e aos adolescentes, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (ECA artigo 3º). Contudo, estes direitos especiais têm sido escamoteados por ações que fazem da dependência física e psicológica da infância e da adolescência uma forma de inferiorizar. Nesta perspectiva, a criança e o adolescente são conduzidos, encaminhados e guardados em nome do futuro. Suas vidas no presente são, invariavelmente, ignoradas, observadas por lentes técnicas de avaliação, de mensuração e de caracterização de potenciais. São meios utilizados como baluartes de prognósticos, parece que a serviço de responderem “o que poderão vir a ser no futuro?”. Como pensamos de forma totalmente diferente, neste Caderno trabalharemos outro enfoque, voltado ao presente. Nossas perguntas são: 1. Como as crianças e os adolescentes do abrigo estão hoje? 2. Como elas podem participar das decisões e dos programas sociais a que têm direito? 3. O que nós podemos fazer juntos – com elas e para elas? Nesta direção, adotamos a proposta da pesquisadora inglesa Erica Burman (1999) para quem “temos que estudar não apenas ‘a criança’, mas, também, o contexto (isto é, a situação interpessoal, cultural, histórica e política) que a produz”. Para que possamos conhecer e lidar com a realidade determinante da situação de acolhimento institucional, precisamos, antes de tudo, nos despir desta tradição de olhar para crianças e adolescentes como vasos vazios, como seres incompletos. Em vez disso, adotar a perspectiva de que, para conhecer e lidar com pessoas, 14

têm se proposto a “desnaturalizar” o conceito acolhendo um novo paradigma, no<br />

qual a categoria infância é vista como uma construção social.<br />

EM NOME DO PRESENTE<br />

A perspectiva de estudiosos contemporâneos como James e Prout (1997), citados<br />

na epígrafe desta introdução, critica as teorias tradicionais de desenvolvimento e<br />

nos ajuda a compreender as sociedades contemporâneas como adultocêntricas,<br />

isto é, centradas nos adultos. Consequentemente, as práticas sociais atuais tendem<br />

a sustentar relações assimétricas entre adultos, adolescentes e crianças, mantendo<br />

uma subordinação por idade, de forma semelhante às relações desiguais de classe,<br />

gênero e etnia. Desta forma, as diferenças de idade, tamanho e força são tratadas<br />

como desigualdades de poder.<br />

A lei dispõe que a infância e a adolescência gozam dos mesmos direitos dos<br />

adultos – direitos humanos consagrados a todas as pessoas – e, além destes, de<br />

direitos especiais, em função de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.<br />

Os direitos especiais compõem a proteção integral que “assegura, por lei<br />

e por outros meios, todas as oportunidades e facilidades às crianças e aos adolescentes,<br />

a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e<br />

social, em condições de liberdade e dignidade” (ECA artigo 3º).<br />

Contudo, estes direitos especiais têm sido escamoteados por ações que<br />

fazem da dependência física e psicológica da infância e da adolescência uma forma<br />

de inferiorizar. Nesta perspectiva, a criança e o adolescente são conduzidos, encaminhados<br />

e guardados em nome do futuro. Suas vidas no presente são, invariavelmente,<br />

ignoradas, observadas por lentes técnicas de avaliação, de mensuração e de<br />

caracterização de potenciais. São meios utilizados como baluartes de prognósticos,<br />

parece que a serviço de responderem “o que poderão vir a ser no futuro?”.<br />

Como pensamos de forma totalmente diferente, neste Caderno trabalharemos<br />

outro enfoque, voltado ao presente. Nossas perguntas são:<br />

1. Como as crianças e os adolescentes do abrigo estão hoje?<br />

2. Como elas podem participar das decisões e dos programas sociais a que têm<br />

direito?<br />

3. O que nós podemos fazer juntos – com elas e para elas?<br />

Nesta direção, adotamos a proposta da pesquisadora inglesa Erica Burman (1999)<br />

para quem “temos que estudar não apenas ‘a criança’, mas, também, o contexto<br />

(isto é, a situação interpessoal, cultural, histórica e política) que a produz”.<br />

Para que possamos conhecer e lidar com a realidade determinante da situação<br />

de acolhimento institucional, precisamos, antes de tudo, nos despir desta tradição<br />

de olhar para crianças e adolescentes como vasos vazios, como seres incompletos.<br />

Em vez disso, adotar a perspectiva de que, para conhecer e lidar com pessoas,<br />

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