eBook - Antropologia Missionária - Ronaldo Lidorio - Juvep

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unânimes em pensar que a dimensão religiosa é característica de todas as sociedades passadas, presentes e futuras 60”. A tentativa aqui é encontrar um ponto na história, relatada ou mitológica do grupo, quando este crê ter sido sua origem primordial. O momento, fato, pessoa, força, que deu origem à vida humana e universo, associada ao seu grupo ou segmento. Podemos chamar este momento de Ponto Alfa, seja uma pessoa, força ou evento iniciador da criação. O elemento que procuramos aqui é de fato criacionista. Nas culturas aonde este Ponto Alfa não vem associado a um ser (com nome e história) freqüentemente está ligado a uma força, um momento ou uma conseqüência. Entre os Chakalis no norte de Gana o Ponto Alfa é uma força. Eles a chamam de sutra e freqüentemente se diz que “quando sutra se manifestou todos os insetos daquela parte da terra se transformaram em seres pensantes e começaram a se casar 61 ”. A manifestação de sutra foi, aparentemente, única, transformadora e de criação. Sutra não é personificado. É força impessoal, não manipulável e não repetitiva. Um exemplo de como a Persona Alfa pode nos ajudar a elucidar o Ponto Alfa pode ser observado na cultural Konkomba. A Persona Alfa Konkomba chama-se upapajar, que de fato é um termo genérico e não um nome pessoal, que foi o primeiro homem Konkomba na mitologia da tribo. Ele morava em um lugar muito bonito com sua família. Neste ponto citam a força criadora, Uwumbor, de maneira personificada pois possuía vontade e se comunicava. Este Uwumbor criou a família a partir de upapajar e para alimentá-la, criou também o pacham, que é o céu, azul, acima das nossas cabeças. Este pacham era feito de carne e se posicionava bem baixo, tocando as copas das grandes árvores, de sorte que upapajar podia subir em uma árvore e cortar um pedaço do pacham para cozinhar e alimentar sua família. Era delicioso. Todo dia subia e cortava a carne, trazia, cozinhava para sua família e comiam, sempre agradecendo a Uwumbor por ela. Havia, porém, uma exigência. Que não retirassem do pacham mais do que poderiam usar para um dia. Não poderia haver desperdício. Mas upapajar com muita ganância – até hoje um dos piores erros para os Komkombas é a ganância – subiu certo dia e cortou muito do céu, trazendo e cozinhando muito além do que poderiam comer naquele dia. A carne sobrou em abundância e se estragou. Uwumbor, decepcionado com upapajar se entristeceu, foi embora e levou consigo o pacham (por isto o céu, azul, é hoje tão alto e distante...) e ninguém mais o viu. Todo o conceito de erro e relacionamento com o divino entre os 60 Laburthe-Tolra e Warnier, Op.Cit., pg. 265 61 Narrativa Bassari obtida através dos Unambiin, contadores de história em Nabukorá, 1998, Togo, noroeste africano. 64 eBookAntropologia MissionáriaRonaldo A Lidório

Konkombas se fundamenta, inicialmente, nesta narrativa. Observá-la nos dá não somente compreensão da cosmovisão do grupo mas também nos ajudará na construção da avenida para uma boa comunicação do evangelho. O Yunii Bassari, primeiro ser humano existente; a Sutra Chakali, força transformadora que criou o povo; o Uwumbor Konkomba, deus pessoal que se distanciou; dão-nos os elementos iniciais para percebermos o conceito de religiosidade no grupo observado. Enquanto nossa história escrita e ensinada, brasileira, nos indica quem somos e no que devemos crer, de forma semelhante os grupos com os quais trabalharemos tem seu pensamento coletivo de identidade, verdade, religiosidade e sentido de vida definido a partir de seus contos, mitos, lendas e convicções. Entendê-los é o primeiro passo para a comunicação. O Ponto Alfa, portanto, remete-nos à origem e à força motivadora da origem da vida. Devemos entender que diversas culturas possuem apenas fragmentos deste Ponto Alfa ou o vêem de maneira disforme, incompleta. Muito frequentemente é o necessário para algumas conclusões importantes para nossa comunicação e evangelização. É Importante repetir que ao observarmos o Ponto Alfa e Persona Alfa em certo grupo, estes não são necessariamente os elementos a serem utilizados para comunicarmos a criação e o Criador. Poderíamos provocar um prejuízo irreparável oferecendo menos que a Palavra. Muito freqüentemente, a compreensão da cosmovisão do povo em relação a este Ponto Alfa e Persona Alfa contribuem para o contrário: evitarmos tais termos na comunicação do evangelho, explicando de forma clara que não há associação direta entre a narrativa bíblica e a narrativa histórica ou mitológica que conhecem. Na evangelização do povo Bassari seria temerário e desconstrutivo a utilização de sutra para representar ou mesmo explicar Deus. Rapidamente um Bassari passaria a identificar Deus como uma força impessoal, desconhecida, que não se repete, portanto distante, e que não se relaciona. Da mesma forma vemos que a ausência do estudo e observação da Persona e Ponto Alfa tem permitido que muitos processos evangelísticos naufraguem em narrativas sincréticas onde o termo utilizado para Deus refere-se, naquela cultura, a um ser freqüentemente aético, não confiável, de relacionamento duvidoso com o homem. A utilização de um termo equivocado e tentativa de sua definição se equivaleria a mostrarmos para um executivo um notebook tentando, após isto, convencê-lo de que, de fato, se trata de outro objeto. O simbolismo determina boa parte da comunicação e assim precisamos observar, estudar, compreender com que símbolos estamos lidando, antes de lhes apresentar a narrativa bíblica. 65 eBookAntropologia MissionáriaRonaldo A Lidório

Konkombas se fundamenta, inicialmente, nesta narrativa. Observá-la nos dá não<br />

somente compreensão da cosmovisão do grupo mas também nos ajudará na<br />

construção da avenida para uma boa comunicação do evangelho.<br />

O Yunii Bassari, primeiro ser humano existente; a Sutra Chakali, força<br />

transformadora que criou o povo; o Uwumbor Konkomba, deus pessoal que se<br />

distanciou; dão-nos os elementos iniciais para percebermos o conceito de<br />

religiosidade no grupo observado. Enquanto nossa história escrita e ensinada,<br />

brasileira, nos indica quem somos e no que devemos crer, de forma semelhante os<br />

grupos com os quais trabalharemos tem seu pensamento coletivo de identidade,<br />

verdade, religiosidade e sentido de vida definido a partir de seus contos, mitos, lendas<br />

e convicções. Entendê-los é o primeiro passo para a comunicação.<br />

O Ponto Alfa, portanto, remete-nos à origem e à força motivadora da origem da vida.<br />

Devemos entender que diversas culturas possuem apenas fragmentos deste Ponto<br />

Alfa ou o vêem de maneira disforme, incompleta. Muito frequentemente é o<br />

necessário para algumas conclusões importantes para nossa comunicação e<br />

evangelização.<br />

É Importante repetir que ao observarmos o Ponto Alfa e Persona Alfa em certo<br />

grupo, estes não são necessariamente os elementos a serem utilizados para<br />

comunicarmos a criação e o Criador. Poderíamos provocar um prejuízo irreparável<br />

oferecendo menos que a Palavra. Muito freqüentemente, a compreensão da<br />

cosmovisão do povo em relação a este Ponto Alfa e Persona Alfa contribuem para o<br />

contrário: evitarmos tais termos na comunicação do evangelho, explicando de forma<br />

clara que não há associação direta entre a narrativa bíblica e a narrativa histórica ou<br />

mitológica que conhecem. Na evangelização do povo Bassari seria temerário e<br />

desconstrutivo a utilização de sutra para representar ou mesmo explicar Deus.<br />

Rapidamente um Bassari passaria a identificar Deus como uma força impessoal,<br />

desconhecida, que não se repete, portanto distante, e que não se relaciona. Da mesma<br />

forma vemos que a ausência do estudo e observação da Persona e Ponto Alfa tem<br />

permitido que muitos processos evangelísticos naufraguem em narrativas sincréticas<br />

onde o termo utilizado para Deus refere-se, naquela cultura, a um ser freqüentemente<br />

aético, não confiável, de relacionamento duvidoso com o homem. A utilização de um<br />

termo equivocado e tentativa de sua definição se equivaleria a mostrarmos para um<br />

executivo um notebook tentando, após isto, convencê-lo de que, de fato, se trata de<br />

outro objeto. O simbolismo determina boa parte da comunicação e assim precisamos<br />

observar, estudar, compreender com que símbolos estamos lidando, antes de lhes<br />

apresentar a narrativa bíblica.<br />

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