eBook - Antropologia Missionária - Ronaldo Lidorio - Juvep

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13.04.2013 Views

desmistificando a idéia de subetnicidade. Boa parte de sua análise, porém, possuía cores éticas, fruto de uma interpretação a partir do observador, seus valores e idéias. Entre os Konkomba-Bimonkpeln de Gana, África, pudemos observar a presença de uma mulher, membro de uma das igrejas plantadas na região de Koni, que certa vez queixou-se da presença de um libul (espírito causador de problemas domésticos) em sua palhoça durante o preparo do sakolá, uma comida típica feita de inhame. Rapidamente, na tentativa automática de lhe dar uma explicação dos fatos, afirmei que se tratava de uma opressão espiritual e para tal utilizei um verbete Limonkpeln que emprestava perfeitamente a idéia de opressão. Surpresa, aquela mulher Konkomba respondeu que certamente não estava opressa, e que o libul estava apenas observando-a pilar o inhame, nada mais. Em uma cosmovisão ocidental cristã a simples possibilidade de presença demoníaca seria por demais suficiente para gerar um cenário de opressão enquanto, naquela cultura animista milenar, que se relaciona muito mais visivelmente com o mundo do além, uma pessoa poderia ser observada por um libul durante horas sem que isto, necessariamente a incomodasse. A visão ética possui a tremenda fraqueza de observar um fato dentro de uma camada de valores idealistas preconcebidos que, freqüentemente, distorcem a conclusão antropológica do valor do fato social para o que o experimenta. A antropologia busca a verdade sentida, experimentada, pois esta é vital para qualquer processo de relacionamento, comunicação e interação. O padrão ético também impede de respondermos às perguntas do coração do povo, de relevância local, visto que interpretamos seus conflitos a partir de nós, e de nossos conflitos. Talvez seja o padrão mais questionado ao logo da história da antropologia, porém o mais utilizado nas pesquisas culturais, devido à facilidade de observarmos o outro a partir de nós. Padrão Êmico O padrão Êmico se propõe a analisar o fato antropológico, seja étnico, grupal, individual ou fenomenológico, a partir de uma visão propriamente factual. Como o termo êmico significa interno, sugere a procura pela verdade como ela é entendida pelo agente promotor do fato, ou experimentador. Isto é, as pessoas que vivenciam aquela cultura. Quando chegamos entre os Chakali de Gana e Costa do Marfim, África, fomos muito bem recebidos. Rapidamente se destacou aquilo que era diferente. Suas palhoças exóticas (em um ambiente mais parecido com o que pensamos da África numa visão 50 eBookAntropologia MissionáriaRonaldo A Lidório

omantizada) e uma diversificada fauna em região de floresta tropical úmida. A única restrição que fizeram à nossa presença entre eles estava ligada à preservação do segredo dos nomes dos animais da floresta. Desta forma, quando observo entre eles o tabu nominal, (a respeito do ato proibitivo de nomeações na fauna) percebo um ato de organização social e espiritual na cosmovisão do povo. Substituem os nomes específicos dos animais da região por apelidos gerais. Assim crêem evitar a maldição familiar e mantêm o bom relacionamento milenar entre homem e animal, em uma relação estritamente totêmica. Em uma visão ética este costume seria uma ação inconseqüente, enganadora, um temor desnecessário. Em uma visão êmica seria um tabu mantenedor do relacionamento entre homem e animal, necessário para manter o equilíbrio da sociedade no universo e evitar que maldições recaiam sobre as famílias. Uma visão êmica não demanda que creiamos ou aceitemos a interpretação que o povo alvo faz do fato social em destaque, mas sim que analisemos e compreendamos tal fato social pelos óculos de quem o experimenta. A relevância principal de uma análise êmica é a verdade. Ou seja, compreender como um fato social é verdadeiramente interpretado, assimilado e experimentado por uma pessoa ou um grupo. O valor da abordagem êmica é, portanto, enraizado em sua veia analítica, pois, em verdade, o antropólogo ou pesquisador deve se propor a entender o fato de acordo com sua origem e não através de sua cultura receptora sob pena de jamais compreendê-lo, apenas julgá-lo. Este julgamento, ético, se dá a partir de valores da nossa própria experiência cultural e moral. E julgar o que não compreendemos é um ato de imprudência. Entre os Bassari de Gana tivemos a oportunidade de visitar uma aldeia já nos limites do Togo. Eles praticavam um ritual religioso por ocasião de um funeral. O homem morto, dois dias atrás, aparentava ser importante e conhecido, pelo número de pessoas que adentravam a aldeia, vindo de todas as partes. Seu corpo se posicionava sobre alguns troncos, bem colocado no centro da aldeia. Coloquei-me em lugar discreto e fiquei por algumas horas observando aquele fato social. A cada hora e meia saía de sua palhoça um feiticeiro, vinha encurvado e trazendo na mão esquerda uma cabaça com sangue, ao que concluí ser de algum animal sacrificado, como a cabra, muito comum entre os Bassari. Sua mão direita segurava alguns ramos de Itopah, uma árvore de folhas minúsculas, com os quais aspergia o corpo estático sobre o tronco, a começar dos pés até a cabeça. Enquanto praticava este ato o feiticeiro murmurava algumas palavras (aparentemente lafabaah que significa bem ou bom). Em minhas anotações levantei várias hipóteses interpretativas daquele fato social que envolviam adoração aos ancestrais, ritos apotropaicos (de purificação) e invocação espiritual. Era o 51 eBookAntropologia MissionáriaRonaldo A Lidório

omantizada) e uma diversificada fauna em região de floresta tropical úmida. A única<br />

restrição que fizeram à nossa presença entre eles estava ligada à preservação do<br />

segredo dos nomes dos animais da floresta.<br />

Desta forma, quando observo entre eles o tabu nominal, (a respeito do ato proibitivo<br />

de nomeações na fauna) percebo um ato de organização social e espiritual na<br />

cosmovisão do povo. Substituem os nomes específicos dos animais da região por<br />

apelidos gerais. Assim crêem evitar a maldição familiar e mantêm o bom<br />

relacionamento milenar entre homem e animal, em uma relação estritamente<br />

totêmica. Em uma visão ética este costume seria uma ação inconseqüente,<br />

enganadora, um temor desnecessário. Em uma visão êmica seria um tabu<br />

mantenedor do relacionamento entre homem e animal, necessário para manter o<br />

equilíbrio da sociedade no universo e evitar que maldições recaiam sobre as famílias.<br />

Uma visão êmica não demanda que creiamos ou aceitemos a interpretação que o povo<br />

alvo faz do fato social em destaque, mas sim que analisemos e compreendamos tal<br />

fato social pelos óculos de quem o experimenta. A relevância principal de uma análise<br />

êmica é a verdade. Ou seja, compreender como um fato social é verdadeiramente<br />

interpretado, assimilado e experimentado por uma pessoa ou um grupo.<br />

O valor da abordagem êmica é, portanto, enraizado em sua veia analítica, pois, em<br />

verdade, o antropólogo ou pesquisador deve se propor a entender o fato de acordo<br />

com sua origem e não através de sua cultura receptora sob pena de jamais<br />

compreendê-lo, apenas julgá-lo.<br />

Este julgamento, ético, se dá a partir de valores da nossa própria experiência cultural<br />

e moral. E julgar o que não compreendemos é um ato de imprudência. Entre os<br />

Bassari de Gana tivemos a oportunidade de visitar uma aldeia já nos limites do Togo.<br />

Eles praticavam um ritual religioso por ocasião de um funeral. O homem morto, dois<br />

dias atrás, aparentava ser importante e conhecido, pelo número de pessoas que<br />

adentravam a aldeia, vindo de todas as partes. Seu corpo se posicionava sobre alguns<br />

troncos, bem colocado no centro da aldeia. Coloquei-me em lugar discreto e fiquei<br />

por algumas horas observando aquele fato social. A cada hora e meia saía de sua<br />

palhoça um feiticeiro, vinha encurvado e trazendo na mão esquerda uma cabaça com<br />

sangue, ao que concluí ser de algum animal sacrificado, como a cabra, muito comum<br />

entre os Bassari. Sua mão direita segurava alguns ramos de Itopah, uma árvore de<br />

folhas minúsculas, com os quais aspergia o corpo estático sobre o tronco, a começar<br />

dos pés até a cabeça. Enquanto praticava este ato o feiticeiro murmurava algumas<br />

palavras (aparentemente lafabaah que significa bem ou bom). Em minhas anotações<br />

levantei várias hipóteses interpretativas daquele fato social que envolviam adoração<br />

aos ancestrais, ritos apotropaicos (de purificação) e invocação espiritual. Era o<br />

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