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Tese Lidia Nazaré - UFF

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Além da relação entre essas duas personagens há outra muito mais evidente.<br />

Assim como o narrador do conto “A menor mulher do mundo” também o narrador<br />

“Pedro Vermelho” está em busca de palavras que possam registrar com maior precisão a<br />

sua captura. Eu quero dizer que ele está em busca da “palavra-coisa” clariceana, da<br />

palavra original, adâmica, do verbo feito carne. Este aspecto de sua obra faz com que<br />

sua escritura seja aproximada da Halacha, texto sagrado da lei divina, na religião<br />

judaica, palavra originária e fundamental.<br />

Quando afirmo tal aproximação, faço-o como fiz em Clarice Lispector, na<br />

esteira de Walter Benjamim, para quem a palavra adâmica é aquela palavra primeira que<br />

antecede ao discurso para fins de comunicação que genderiza o ser. É sobre este aspecto<br />

da linguagem que “Pedro Vermelho” se manifesta. Não estou pensando que a sua<br />

escritura esteja aberta a uma interpretação tradicionalmente teologizante e sobretudo<br />

judaica. É o próprio Walter Benjamin que se manifesta sobre esta questão numa carta.<br />

A obra de Kafka representa uma doença da tradição. A sabedoria tem sido às vezes<br />

definida como o lado épico da verdade. Com isso a verdade é designada como um<br />

patrimônio da tradição; é a verdade em sua consistência hagádica. É esta consistência da<br />

verdade que se perdeu. Kafka estava longe de ser o primeiro a enfrentar esta situação.<br />

Muitos se acomodaram a ela, aferrando-se à verdade, ou àquilo que eles consideravam<br />

como sendo a verdade; com o coração mais pesado ou então mais leve, renunciaram à<br />

sua transmissibilidade. A verdadeira genialidade de Kafka foi ter experimentado algo<br />

inteiramente novo: ele sacrificou a verdade para apegar-se à sua transmissibilidade, ao<br />

seu elemento hagádico. Os escritos de Kafka são por sua natureza parábolas. Mas sua<br />

miséria e sua beleza é o fato de terem precisado tornar-se mais do que parábolas. Eles<br />

não se colocam singelamente aos pés da doutrina, como a Hagada em relação à Halacha.<br />

Depois de terem se deitado, erguem uma poderosa pata contra ela. (Trad. Manuscrita de<br />

M. Carone com algumas modificações.) (BENJAMIN: apud. GAGNEBIN, 1996, p. 16-<br />

17.).<br />

A relação que Walter Benjamin faz entre a Hagada e a Halacha advém do fato de<br />

que a palavra originária da Halacha é “lembrada e reatualizada nos comentários da<br />

Hagada”. Ora, a idéia do comentário faz-nos pensar que a referida lembrança e<br />

reatualização não reivindicam o poder de representar uma verdade. E de fato podemos<br />

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