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som. O “som animal” utilizado pelos “likoualas” com o intuito de se resguardarem dos<br />
“bantus” aponta o dedo para o sopro a que chega Clarice Lispector na tentativa de<br />
proteger o nome. Este sopro é o ponto do signo lingüístico onde o significado volatiza-<br />
se deixando o significante vazio. Ele se converte em letra literal. Este significante é o<br />
som que não pode mais ser capturado. Contrariamente aos signos que completam a<br />
realidade e a interpretam arbitrariamente, Clarice Lispector acena também, para o seu<br />
limite, alegoricamente.<br />
Voltando ao narrador, vejo que também outro som deve ser protegido.<br />
“Enquanto dançam ao som do tambor, um machado pequeno fica de guarda contra os<br />
“bantus”, que virão não se sabe de onde” (LF, p. 79). Este som aqui é outro, é o “som<br />
do tambor”. É o som que já deu liga, que fala, como fala este, a partir do seu ritmo de<br />
marcha. É o som dos rituais praticados por tribos primitivas, que, nestas condições<br />
podem atrair os inimigos, desde que eles o conheçam. É o som produzido e repetido.<br />
Por analogia é o signo lingüístico que estabelece a comunicação e que, por isso mesmo,<br />
não pode ser descartado. A certeza de que o caçador será atraído pelo som, e a<br />
impossibilidade de não descartá-lo - ele é um som ritual, ninguém vive sem algum rito -<br />
mantém os “likoualas” sempre prontos para se defenderem, como sugerido no<br />
“machado pequeno”, que “fica de guarda”.<br />
A despeito de tudo isso, o narrador já disse que os “bantus” virão. Sendo assim<br />
pergunto retoricamente: o que faz este machado aí? Nada faz. Ele não é funcional. Ele<br />
está à deriva. É preciso que ele seja tocado pelos bordos, de outros sentidos que se<br />
encontram ao longo da escritura. Neste caso ele é um signo-sopro, que alivia deste<br />
significante, seu significado utilitário - o machado serve para cortar lenha e para se<br />
defender dos perigos da floresta - ao torná-lo “pequeno”, inútil. Resta-lhe, entretanto, o<br />
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