Tese Lidia Nazaré - UFF
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instrumentais são manipulados de forma que os seus significados corriqueiros sofrem perda momentânea de sentido, para abrigar outros sentidos que se encontram à deriva no texto. De forma que numa escritura os sentidos estão em constante processo de migração. Como um beija-flor que ao polinizar diferentes flores faz com que traços de umas sejam vistos nas outras, assim também numa escritura podemos ver “os sentidos tocando-se pelos bordos, podemos ver suas fímbrias misturando-se de forma que a extremidade de uma designa o início da outra” (FOUCAUL, 1966, p. 35). Na concepção de Jacques Lacan (1986), a escritura não decalca o significante. Ela só remonta até ele ao tomar um nome, mais exatamente da mesma forma que acontece com outras coisas que a bateria significante vem a denominar após tê-las enumerado. Bem entendido, como não estou certo de que meu discurso seja entendido, apesar de tudo, que eu alinhave uma oposição: a escritura, a letra estão no real, o significante no simbólico. Assim como está, poderá funcionar como estribilho para vocês” (LACAN, 1986, p. 28). Pois bem, esta “palavra-coisa” é capaz de trazer o objeto nomeado à experiência, através de sua própria forma e não de achatá-lo, esmagá-lo, dentro da forma que o designa. Isso é possível porque toda possibilidade de linguagem existente no mundo extra-textual, que o Sistema de representação não converte em simbólico, dada a sua contingência, se manifesta dentro deste novo texto. Clarice Lispector trabalha em busca desta palavra e, encontrando-a utiliza-se dela, a fim de mostrar o que está escondido e esconder o que vem sendo evidenciado. Depois de alcançado este propósito as palavras são caladas, não ficam à disposição para novos usos. Como lembrou Baudelaire em seu artigo seminal “The painter of modern life” publicado em 1863 “A modernidade é o transitório, o fugidio, o contingente; é uma metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável” (BAUDELAIRE: apud. HARVEY, 2006, p. 21). Neste aspecto a fluidez da linguagem clariceana mimetiza, ainda que criticamente a fluidez da modernidade, com sua marcha incessante para o progresso. 77
Progresso este que, numa primeira instância, liquida tudo o que a tradição construiu a duras pena: como a arte autêntica e os valores tradicionais. No primeiro caso, a arte é capaz de oferecer ao contemplador uma via de acesso para o conhecimento de si mesmo e, conseqüentemente para o conhecimento do mundo, pelo fato de ser montada para fazer falar e para fazer calar o pensamento. No segundo caso, estes valores oferecem pertencimento porque, como a arte autêntica são construídos a partir da experiência, no seio da comunidade, para aquela comunidade. Valores que são absorvidos com o tempo e que com o tempo podem permanecer ou não, conforme a evolução da comunidade. E, numa segunda instância, liquida os próprios bens da sociedade de consumo: as mercadorias, as ideologias políticas, científicas, religiosas, sociais, culturais, e recentemente, a própria vida: legalização do aborto, eutanásia, pena de morte. 37 Tudo justificado, porque dizem que tudo o que acontece, acontece em nome do bem estar social. A nós não cabe mais que aceitar porque, na verdade não formamos mais opinião sobre essas coisas. Não pensamos mais o pensamento. Mas uma boa literatura, escrita sob o som dos animais, ainda pode nos devolver a capacidade de pensar, de escolher o que acreditamos ser melhor para todos. De vencer o individualismo que está nos reificando cada vez mais. Toda esta destruição construtiva que subsiste no processo de modernização, encontra-se politicamente mimetizada na engenharia de seu texto, porque linguagem e personagens desequilibram-se e experimentam este processo. Reconhecendo que seus progressos acontecem em sua contramão. O desequilíbrio das personagens advém destes valores de superfície, criados sob a égide da rotação das mercadorias. Walter Benjamin vê o progresso do passado como 37 Retirando esses três últimos itens é possível encontrar de forma detalhada todos os demais em David Harvey (2006). 78
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como estribilho para vocês” (LACAN, 1986, p. 28).<br />
Pois bem, esta “palavra-coisa” é capaz de trazer o objeto nomeado à experiência,<br />
através de sua própria forma e não de achatá-lo, esmagá-lo, dentro da forma que o<br />
designa. Isso é possível porque toda possibilidade de linguagem existente no mundo<br />
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contingência, se manifesta dentro deste novo texto. Clarice Lispector trabalha em busca<br />
desta palavra e, encontrando-a utiliza-se dela, a fim de mostrar o que está escondido e<br />
esconder o que vem sendo evidenciado. Depois de alcançado este propósito as palavras<br />
são caladas, não ficam à disposição para novos usos.<br />
Como lembrou Baudelaire em seu artigo seminal “The painter of modern life”<br />
publicado em 1863 “A modernidade é o transitório, o fugidio, o contingente; é uma<br />
metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável” (BAUDELAIRE: apud. HARVEY,<br />
2006, p. 21). Neste aspecto a fluidez da linguagem clariceana mimetiza, ainda que<br />
criticamente a fluidez da modernidade, com sua marcha incessante para o progresso.<br />
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