Tese Lidia Nazaré - UFF
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encontra. O apartamento aqui é um significante ao qual ela “cola” um significado a partir da arrumação, convertendo-o em texto. Análogo dela, portanto. Vejo que o termo estrangeiro assinala o caráter postiço da língua com que se organiza este Sistema. Preveniu-se para a desorganização que, na certa, encontraria no quarto de Janair. Desorganização passível de ser organizada superficialmente, assim como ocorreu na sala e no ato de ler o jornal que, trazendo as notícias prontas, imobiliza o pensamento para a reflexão. Entretanto imobilizou-se com o inusitado. O quarto, o “oposto” (PSGH, p.46) estava organizado. Um fato que lhe causa desorganização interior, “cólera inexplicável” (PSGH, p.47). O inusitado é o elemento que desencadeia o esvaziamento necessário para a travessia. Vê-se que a arrumação à qual ela se dedicava, na ausência de “Janair”, era forma de ocupar-se mecanicamente a fim de envolver-se e o ato de ler o jornal após a arrumação também. A solidão, a falta de atividades, adverte-me Ana, do conto “Amor” devia ser evitada, porque é um convite à busca de si. Depois desta primeira travessia, a do quarto, vem uma segunda, viabilizada pelo estranhamento que o desenho de Janair lhe impusera. “Depois eu fora imobilizada pela mensagem dura na parede: as figuras de mão espalmada haviam sido um dos sucessivos vigias à entrada do sarcófago” (PSGH, p.53). Escrita cifrada, totalmente diferente da escrita do jornal. Seria esse o segundo mal-estar, nascido do hipotético julgamento que Janair lhe fizera. Por conta desse desenho, “escrita”, “Janair era a primeira realmente exterior de cujo olhar eu tomava consciência” (PSGH, p.44). Noto que não há reciprocidade no gesto de olhar. Olhar aqui é olhar para si mesma. O seu oposto torna-se “rainha africana” (PSGH, p.47). Esse desenho se lhe afigura como linguagem original que ela precisa decifrar, daí começam as conjeturas. Em princípio ela levanta hipóteses sobre o que poderia significar aquela linguagem pictórica para Janair e neste processo de busca 69
a linguagem vai se convertendo numa escritura na qual se inscreve a desordem original do interior de G.H., ela vai adentrando o “sarcófago” de onde renascerá plena. Prevenida por essas pequenas travessias de ordem menor, pode, agora, ficar tête à tête com o inumano que maior asco e terror lhe causava, a barata. Prevenira-se contra ela com a dedetização. Ela se lhe afigurava como o inusitado, o estranho, o outro. Observo que a prevenção contra o outro de si mesma e o outro exterior era uma constante em sua vida e se dava a partir da arrumação superficial e da leitura informativa do jornal. Novamente o mal-estar se apodera de G.H. Diante da barata são variadas as atitudes: primeiro vem a coragem de matá-la, o que lhe causa “extremo gozo” (PSGH, p.56). Segundo, a necessidade de um novo golpe, pois não tivera sucesso no primeiro. Mas, na hora de golpeá-la “vê na cara da barata o seu rosto”, muito semelhante ao de Janair: “olhei a boca, lá estava a boca real” (PSGH, p.59). Vejo como a personagem reage contra o “real” de “boca real”, ou seja contra o outro de si. Sua recusa a si mesma faz ver a eficácia do Sistema de genderização em seu processo de substituir o “eu” original pelo “eu” social. Semelhante ao cego que olhava Ana, assim a barata olhava G.H. “o que eu via era a vida me olhando” (PSGH, p.59). É que ela – a barata – é formada de cascas e cascas pardas, finas como as de uma cebola, como se cada uma pudesse ser levantada pela unha e no entanto sempre aparecer mais uma casca, e mais uma (...) até formar aquele corpo compacto (PSGH, p.60). No que refere à sua vida as camadas finas de que era constituída a barata, se lhe afiguravam, agora, como as camadas finas que ela precisava re-visitar para conhecer-se a si própria e ao mundo abandonado. Esvai-se a fixidez da forma. Dilui-se como água – mas como água-viva - na lenta matéria que escorria da barata. Essa matéria se lhe afigura como um significante vazio, depois vai se convertendo numa escritura, 70
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ela com a dedetização. Ela se lhe afigurava como o inusitado, o estranho, o outro.<br />
Observo que a prevenção contra o outro de si mesma e o outro exterior era uma<br />
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informativa do jornal. Novamente o mal-estar se apodera de G.H. Diante da barata são<br />
variadas as atitudes: primeiro vem a coragem de matá-la, o que lhe causa “extremo<br />
gozo” (PSGH, p.56). Segundo, a necessidade de um novo golpe, pois não tivera sucesso<br />
no primeiro. Mas, na hora de golpeá-la “vê na cara da barata o seu rosto”, muito<br />
semelhante ao de Janair: “olhei a boca, lá estava a boca real” (PSGH, p.59). Vejo como<br />
a personagem reage contra o “real” de “boca real”, ou seja contra o outro de si. Sua<br />
recusa a si mesma faz ver a eficácia do Sistema de genderização em seu processo de<br />
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Semelhante ao cego que olhava Ana, assim a barata olhava G.H. “o que eu via<br />
era a vida me olhando” (PSGH, p.59). É que ela – a barata –<br />
é formada de cascas e cascas pardas, finas como as de uma cebola, como se cada uma<br />
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uma (...) até formar aquele corpo compacto (PSGH, p.60).<br />
No que refere à sua vida as camadas finas de que era constituída a barata, se lhe<br />
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