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1.2. “A Paixão segundo G.H.”<br />
Na escuta de A paixão segundo G.H. (1964) pode-se concluir que “A condição<br />
humana é a paixão de Cristo” e a linguagem o “esforço humano” de buscá-la (PSGH,<br />
p.179). Aqui também acontece a travessia do amor. Do amor para a paixão. “Por destino<br />
tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas – volto com o<br />
indizível” (PSGH, p.180). Esse indizível que só poderá ser dado “através do fracasso de<br />
minha linguagem” (PSGH, p.18). O indizível aqui é o amor de um só, amor total. Mais<br />
intenso e doloroso que o amor dos místicos, dos santos, porque é um amor que sabe<br />
nada esperar do outro, sequer o saber da existência de quem ama, posto que este está em<br />
si próprio. Os místicos, os santos de que tenho notícia, amaram com reciprocidade. É<br />
verdade. O objeto amado lhes corresponde incondicionalmente. Eles crêem nisso.<br />
Vivem desta e nesta crença 29 . O amor de G.H., não. O outro a quem o amor é dirigido<br />
não sabe da existência deste amor, porque este amor acontece em estado de choque, este<br />
outro está contido naquele que executa a tarefa de amar. Trata-se de uma ação<br />
intransitiva. É um amor de gozo que não cabe em si, mas que precisa revelar-se. E os<br />
outros que, por extensão recebem este amor não sabem da existência do elemento que<br />
ama. Não se trata de amor narcísico e sim de um amor arrebatado. Amor sem<br />
reciprocidade que se manifesta no agora e que tomará contornos variados.<br />
G. H., em muitos aspectos acena para a figura de Ana. Seu pertencimento (o<br />
termo significa o fato de pertencer a alguém ou alguma coisa) advém de suas muletas<br />
sociais, que ela chamou “terceira perna”, “era ela que fazia de mim uma coisa<br />
29 Em suas “Confissões” Santo Agostinho diz: “Toda a minha esperança baseia na grandeza da tua<br />
misericórdia. Concede-me o que me ordenas, e ordenas o que quiseres. Tu nos ordenas a continência, e<br />
alguém disse: ‘ Consciente de que ninguém pode possuir a continência, a não ser por dom de Deus, já era<br />
sabedoria o saber de onde vem este dom.` É graças à continência que nos reunimos e nos reconduzimos à<br />
unidade, da qual nos afastamos para nos perdermos na multiplicidade (...) Ó amor, que sempre ardes e<br />
não te extingues jamais! Ó caridade, meu Deus, inflama -me! Tu me ordenas a continência: concede-me o<br />
que me ordenas, e ordena o que quiseres” (AGOSTINHO, 2006, p. 296-7).<br />
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