Tese Lidia Nazaré - UFF
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se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura” (LF, p. 18). Era “ela uma mulher bruta que olhava pela janela” (LF, p. 29). Assim como na tela, nada nesta cena sugere “UM POUCO de cansaço” e sim exaustão inominada, ou por que não dizer trabalho escravo?! Seria Ana negra como o “Lavrador de café”? Não é possível responder, contudo sua cor é diferente o que a transforma na diferença, posto está relacionada à cor da escravidão. Trata, é certo, de uma cor marginalizada, “outra” cor. Ela tem “uma expressão de rosto” (LF, p.20), e um filho que tem um “rosto igual ao seu” (LF, p. 27), mas não sabemos nada sobre tais rostos. O rosto de Ana é pálido, contudo esta palidez é momentânea e resulta de uma “desconfiança” (LF, p. 20), de um encontrar-se “intranqüila” (LF, p. 20) diante do olhar fixo e atento de um homem cego, mas que ela ainda não sabia sê-lo. É que na posição em que ele se encontrava “suas mãos se mantinham avançadas” (LF, p. 20), ele parecia acenar para Ana. Agora, o narrador sugere outro motivo para o susto ao perguntar “o que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranqüila estava sucedendo” (LF, p. 20). Esta interpelação é para o leitor, por isso afirmei anteriormente haver um motivo a mais para sua intranqüilidade. A mais que um simples mascar chicletes. A tentativa de explicação do narrador entrecortada por uma gagueira, faz ver que ele não sabe o motivo ou esconde “[e]ntão ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles” (LF, p. 20). Esta conjunção devia ser explicativa e não conclusiva. Nesta condição, ela mais alivia a desconfiança de Ana, ao ver que o homem era cego, do que explica o motivo pelo qual ela estava desconfiada. De modo que a interpelação continua ecoando. Esta gagueira sugere que Ana pensou que o homem a reconhecera e ficou aliviada diante da constatação de seu engano, só que também sugere 61
que ela não era olhada. Este susto revelado na “palidez” do rosto sugere-me algo referente à sua cor e ao seu passado. As frases têm duplo sentido. Revelam e ocultam ao mesmo tempo. Esta sobreposição faz ver a sobreposição do passado de Ana, com o seu presente iluminado pelo cego. Afinal ela viera a cair num “destino de mulher” (LF, p. 18), na vida atual, familiar “por caminhos tortos” (LF, p. 18). Estes caminhos tortos sugerem-me uma vida marginalizada. Noto que o marido assim como os filhos que Ana “tivera” eram “verdadeiros” (LF, p. 18), o que me sugere que ela teve outros maridos e/ou filhos destes, não verdadeiros, ou seja dela mesma. Sua juventude anterior parecia -lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha – com persistência, continuidade, alegria (LF, p.18). O que seria doença de vida? Sugere doença venéria? Que pessoas eram antes invisíveis? As que têm a vida que ela tem agora - e que antes ela desconhecia -, posto ser ela quem trabalha com persistência, continuamente e com a alegria. Percebo que a moral desta vida antiga, evade-se para a moral do Jardim Botânico. Neste, ela experimenta a morte do que havia de ruim nesta antiga vida: “[q]uando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral da Jardim era outra” (LF, p. 24). Á náusea aqui, está mais próxima do vômito, do aborto, do pôr algo para fora, de recusar algo; náusea que aparece no escoar da vida do ovo. Tudo isso me sugere que Ana foi retirada da antiga vida, pelo atual marido. E mais que isso, sugere-me, ainda que sua cor é difere da cor das demais personagens. 62
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se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura” (LF, p. 18). Era<br />
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nesta cena sugere “UM POUCO de cansaço” e sim exaustão inominada, ou por que não<br />
dizer trabalho escravo?!<br />
Seria Ana negra como o “Lavrador de café”?<br />
Não é possível responder, contudo sua cor é diferente o que a transforma na<br />
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marginalizada, “outra” cor. Ela tem “uma expressão de rosto” (LF, p.20), e um filho que<br />
tem um “rosto igual ao seu” (LF, p. 27), mas não sabemos nada sobre tais rostos. O<br />
rosto de Ana é pálido, contudo esta palidez é momentânea e resulta de uma<br />
“desconfiança” (LF, p. 20), de um encontrar-se “intranqüila” (LF, p. 20) diante do olhar<br />
fixo e atento de um homem cego, mas que ela ainda não sabia sê-lo. É que na posição<br />
em que ele se encontrava “suas mãos se mantinham avançadas” (LF, p. 20), ele parecia<br />
acenar para Ana. Agora, o narrador sugere outro motivo para o susto ao perguntar “o<br />
que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranqüila<br />
estava sucedendo” (LF, p. 20). Esta interpelação é para o leitor, por isso afirmei<br />
anteriormente haver um motivo a mais para sua intranqüilidade. A mais que um simples<br />
mascar chicletes.<br />
A tentativa de explicação do narrador entrecortada por uma gagueira, faz ver que<br />
ele não sabe o motivo ou esconde “[e]ntão ela viu: o cego mascava chicles... Um<br />
homem cego mascava chicles” (LF, p. 20). Esta conjunção devia ser explicativa e não<br />
conclusiva. Nesta condição, ela mais alivia a desconfiança de Ana, ao ver que o homem<br />
era cego, do que explica o motivo pelo qual ela estava desconfiada. De modo que a<br />
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