Tese Lidia Nazaré - UFF

Tese Lidia Nazaré - UFF Tese Lidia Nazaré - UFF

bdtd.ndc.uff.br
from bdtd.ndc.uff.br More from this publisher
13.04.2013 Views

Todas as imagens sugeridas no texto são impressionistas, por isso “quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio” (LF, p. 20). Contudo, ela estava sobressaltada “desprevenida” (LF, p. 20) e não com ódio. Vamos a algumas imagens: “continuava a olhá-lo cada vez mais inclinada”, noto o movimento de Ana em “cada vez mais inclinada”. “O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir” (LF, p. 20). É impossível fixar este movimento. A arte representativa, figurativa, de fácil compreensão eram tão preferidas quanto a linguagem representativa. Aqui nem linguagem nem imagem se deixam fixar. Uma leitura tagarela fetichiza os aspectos que venho realçando. Não observa, por exemplo, o grifo em “UM POUCO”. Eu quero dizer que as mercadorias exigindo serem manifestadas lhe causam desconforto, por isso ela procura “conforto”, donde advém “UM POUCO” e o ato de depositar, ela “depositou” o volume no colo. Agora, nesta locução está um aceno – UM POUCO do significado usual - para o excessivo cansaço que a vida organizada a partir dos critérios do Sistema de representação lhe causava. Tão intenso que não pode ser representado à moda antiga. Por isso digo que na cena original “UM POUCO” não significa cansaço e sim desconforto. Vamos agora a uma cena de cansaço físico. Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador (LF, p. 17). A linguagem que indica o excessivo cansaço é sugestiva: “exigiam”, “enfim”, “calor”, “enxugar a testa” e, por fim “lavrador”. Este “lavrador” é uma forma de “citação autorizada” que materializando o desejo de interação entre diferentes artes, aludido na evocação das imagens, recupera “em um novo texto, a verdade contida na 59

palavra alheia” (SOUSA: apud. BRAIT (ORG.). 1997, p. 335). O quadro de Cândido Portinari (1939) ajuda-me a entender melhor o cansaço de Ana. FIGURA X – O Lavrador de Café (1939) – Cândido Portinari FONTE – http:/www.revistacafeicultura.com.br/índex.php?tipo=ler&mat=14051 Num primeiro momento esta tela me sugere tranqüilidade e conforto. O claro das roupas, o aparente abandono do corpo e o olhar mirando o horizonte. Contudo, quando observo os detalhes da tela, esta idéia evade: os pés, os braços e as mãos, enrijecidos pelo instrumento de trabalho, a enxada e o machado aqui ocultado, somados com a cor do lavrador de café, sugerem-me escravidão. Esta idéia é confirmada na ordem da plantação no fundo, sugerindo um trabalho habitual e disciplinado. Nas árvores cortadas e nos montes de terra em torno é que observo que o lavrador parou para tomar fôlego, não para descansar. Assim também é a vida de Ana que “como um lavrador” (LF, p.17), “plantara as sementes que tinha na mão (...)” (LF, p.17) e “dava a tudo sua mão pequena e forte”, por isso, “sentia-se mais sólida do que nunca”, “seu corpo engrossara um pouco e era de 60

palavra alheia” (SOUSA: apud. BRAIT (ORG.). 1997, p. 335). O quadro de Cândido<br />

Portinari (1939) ajuda-me a entender melhor o cansaço de Ana.<br />

FIGURA X – O Lavrador de Café (1939) – Cândido Portinari<br />

FONTE – http:/www.revistacafeicultura.com.br/índex.php?tipo=ler&mat=14051<br />

Num primeiro momento esta tela me sugere tranqüilidade e conforto. O claro das<br />

roupas, o aparente abandono do corpo e o olhar mirando o horizonte. Contudo, quando<br />

observo os detalhes da tela, esta idéia evade: os pés, os braços e as mãos, enrijecidos<br />

pelo instrumento de trabalho, a enxada e o machado aqui ocultado, somados com a cor<br />

do lavrador de café, sugerem-me escravidão. Esta idéia é confirmada na ordem da<br />

plantação no fundo, sugerindo um trabalho habitual e disciplinado. Nas árvores cortadas<br />

e nos montes de terra em torno é que observo que o lavrador parou para tomar fôlego,<br />

não para descansar.<br />

Assim também é a vida de Ana que “como um lavrador” (LF, p.17), “plantara as<br />

sementes que tinha na mão (...)” (LF, p.17) e “dava a tudo sua mão pequena e forte”,<br />

por isso, “sentia-se mais sólida do que nunca”, “seu corpo engrossara um pouco e era de<br />

60

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!