Tese Lidia Nazaré - UFF
Tese Lidia Nazaré - UFF Tese Lidia Nazaré - UFF
a partir da sua funcionalidade. A função é o mais importante. Ambas funcionam como moeda de troca. São as mercadorias que estão insistindo para serem expostas e isso se torna visível no escoar das gemas amarelas. O ovo é um signo que contém uma vida. Sua finalidade original é esta: gerar a vida. No saco de tricô de Ana ele é uma mercadoria privada desta função essencial. Mas não só, ele está ocultado, assim como a vida anterior de Ana está ocultada dentro de si e também do leitor, que não consegue acessá-la, senão pela sugestão. No Brasil o amarelo da bandeira está ligado ao ouro. Desde Marx (HARVEY, 2006, p.98-101) sabemos sobre a capacidade que a mercadoria tem de encobrir as relações sociais que estão por detrás delas. Uma arte mercadológica, representativa, também esconde esta relação social, uma arte autêntica, clariceana, tende para sua revelação. Pois bem, em sua condição de mercadoria ou seja em sua condição segunda, utilitária, a vida escondida no interior do ovo deseja manifestar-se, fazer-se ver, em sua origem. Ele é um signo prenhe de vida como a palavra poética. Vida que será desperdiçada, comida, como a palavra racionalizada. Esta vida rompe os invólucros que a contém: a casca fina e o novo saco de tricô. Neste escoar, ele toca e fecunda uma vida que jazia inerte. A vida de Ana. É uma vida que se entrega a fim de trazer à tona outra vida que estava semi-adormecida. É esta entrega da vida, gratuita, tocando a vida interior de Ana, que a predispõe para a sua travessia. A partir deste escoamento e diante deste encontro, o mundo volta a ser uma desordem. O novo saco de tricô - por analogia a nova vida de Ana - tecido por Ana, tende a ocultar a sua vida, assim como a linguagem representativa, monológica, consegue esconder o desassossego que lhes causam os seus filhos “malcriados”. Mas o sulco deste novo saco – a flexibilização – oriundo do saco anterior - tecido “de cor”- se nos 57
abre como uma escritura, a partir da qual é possível serem expostos os seus problemas. A preocupação de Ana com a mercadoria pode ser compreendida a partir da sua imagem visual diante das compras, deformando o novo saco. Mas para entender isso é preciso ler a frase da mesma forma que li a palavra “decorativo” neste segundo momento, ou seja: de forma menos usual. A frase vem escrita assim: “[u]M POUCO cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde”. Mas precisamos mudar a entonação se quisermos entender que na explicação entre vírgulas está o motivo do cansaço de Ana, ou seja: as compras deformando o novo saco de tricô, causam UM POUCO de cansaço em Ana. Não se trata de cansaço, aqui, mas de desconforto. Vamos retomar todo o trecho: “[u]M POUCO cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação” (LF, p.17). Essa idéia pode ser explicada nas outras imagens que a linguagem perceptiva produz. Eu disse antes que diante da imagem “tão bonita” em decomposição do Jardim Botânico Ana “teve medo do inferno” (LF, p. 25). O “teve” aqui está relacionado com posse, reciprocidade. Sua vida familiar anterior ao encontro com o cego, estava ancorada no “ter” e não no ser, no possuir e não no sentir. No primeiro caso: “sempre tivera necessidade de sentir a raiz” (LF, p. 18), “antes de ter o lar” (LF, p. 18) e “os filhos que tivera” (LF, p.18) eram bons. A vida de casada ela “[c]riara em troca” (LF, p. 19) da vida anterior ao casamento. Por isso “[q]uando nada mais precisava de sua força, inquietava-se” (LF, p. 18). No segundo caso: “na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura” (LF, p. 19). Assim é possível dizer que o “inferno” esteja relacionado com tudo que diz respeito ao “ter”, ao ser possuída. 58
- Page 5 and 6: aos professores do Departamento de
- Page 7 and 8: Abstract In this search I study the
- Page 9 and 10: SUMÁRIO Introdução - A palavra a
- Page 11 and 12: Introdução - A palavra adâmica e
- Page 13 and 14: mulher. Contudo, quando a notícia
- Page 15 and 16: fato, foi na tentativa de acessar a
- Page 17 and 18: mundo, “nos fins do século XVI o
- Page 19 and 20: Resumindo. Fica evidente para mim q
- Page 21 and 22: Observo que todos os elementos dest
- Page 23 and 24: A partir deste texto de Silviano Sa
- Page 25 and 26: nome recebido e, ao se colocar em b
- Page 27 and 28: hábito que automatiza o pensamento
- Page 29 and 30: 6. Das hipóteses Com esta pesquisa
- Page 31 and 32: [a] atividade do espírito (...) j
- Page 33 and 34: No capítulo III intitulado “Pont
- Page 35 and 36: 1. A Travessia da letra e das perso
- Page 37 and 38: FIGURA 2 - Sky and water I 20 - M.
- Page 39 and 40: encontra razões para escrever em s
- Page 41 and 42: linguagem instrumental, para a letr
- Page 43 and 44: Mas em meio à tensão discursiva,
- Page 45 and 46: filhos que crescem, a do supermerca
- Page 47 and 48: citando Hamk “simboliza a tumba,
- Page 49 and 50: Neste Outro estado atravessa os “
- Page 51 and 52: da representação encontra-se na o
- Page 53 and 54: cansaço fosse exclusivamente físi
- Page 55: que balança, nas roupas que ela co
- Page 59 and 60: palavra alheia” (SOUSA: apud. BRA
- Page 61 and 62: que ela não era olhada. Este susto
- Page 63 and 64: olham para ela - pessoas metaforiza
- Page 65 and 66: “escuridão”, “falta de lei
- Page 67 and 68: encontrável por mim mesma, e sem s
- Page 69 and 70: a linguagem vai se convertendo numa
- Page 71 and 72: aparece no texto. No que se refere
- Page 73 and 74: Capítulo ll - O nascimento e o res
- Page 75 and 76: FIGURA 3 - Moebius band II 35 - M.
- Page 77 and 78: Progresso este que, numa primeira i
- Page 79 and 80: sua obra, no capítulo anterior, e
- Page 81 and 82: “sulco” (LACAN, 1986, p. 28) de
- Page 83 and 84: De onde teria vindo este sopro? Ret
- Page 85 and 86: Além da relação entre essas duas
- Page 87 and 88: Neste caso a sua busca por esta pal
- Page 89 and 90: utilizá-la no sentido “mais rest
- Page 91 and 92: linguagem articulada. Eu estou dize
- Page 93 and 94: se perde na embriaguês dos sentido
- Page 95 and 96: esultou seu amestramento ou seja su
- Page 97 and 98: “Não ensinará nada essencialmen
- Page 99 and 100: “se não estivesse plenamente seg
- Page 101 and 102: É só em seu conjunto que o texto
- Page 103 and 104: 104 A partir do século XVII, todo
- Page 105 and 106: E ainda “a linguagem humana se pe
a partir da sua funcionalidade. A função é o mais importante. Ambas funcionam como<br />
moeda de troca. São as mercadorias que estão insistindo para serem expostas e isso se<br />
torna visível no escoar das gemas amarelas.<br />
O ovo é um signo que contém uma vida. Sua finalidade original é esta: gerar a<br />
vida. No saco de tricô de Ana ele é uma mercadoria privada desta função essencial. Mas<br />
não só, ele está ocultado, assim como a vida anterior de Ana está ocultada dentro de si e<br />
também do leitor, que não consegue acessá-la, senão pela sugestão.<br />
No Brasil o amarelo da bandeira está ligado ao ouro. Desde Marx (HARVEY,<br />
2006, p.98-101) sabemos sobre a capacidade que a mercadoria tem de encobrir as<br />
relações sociais que estão por detrás delas. Uma arte mercadológica, representativa,<br />
também esconde esta relação social, uma arte autêntica, clariceana, tende para sua<br />
revelação.<br />
Pois bem, em sua condição de mercadoria ou seja em sua condição segunda,<br />
utilitária, a vida escondida no interior do ovo deseja manifestar-se, fazer-se ver, em sua<br />
origem. Ele é um signo prenhe de vida como a palavra poética. Vida que será<br />
desperdiçada, comida, como a palavra racionalizada. Esta vida rompe os invólucros que<br />
a contém: a casca fina e o novo saco de tricô. Neste escoar, ele toca e fecunda uma vida<br />
que jazia inerte. A vida de Ana. É uma vida que se entrega a fim de trazer à tona outra<br />
vida que estava semi-adormecida. É esta entrega da vida, gratuita, tocando a vida<br />
interior de Ana, que a predispõe para a sua travessia. A partir deste escoamento e diante<br />
deste encontro, o mundo volta a ser uma desordem.<br />
O novo saco de tricô - por analogia a nova vida de Ana - tecido por Ana, tende a<br />
ocultar a sua vida, assim como a linguagem representativa, monológica, consegue<br />
esconder o desassossego que lhes causam os seus filhos “malcriados”. Mas o sulco<br />
deste novo saco – a flexibilização – oriundo do saco anterior - tecido “de cor”- se nos<br />
57