Tese Lidia Nazaré - UFF

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13.04.2013 Views

a partir da sua funcionalidade. A função é o mais importante. Ambas funcionam como moeda de troca. São as mercadorias que estão insistindo para serem expostas e isso se torna visível no escoar das gemas amarelas. O ovo é um signo que contém uma vida. Sua finalidade original é esta: gerar a vida. No saco de tricô de Ana ele é uma mercadoria privada desta função essencial. Mas não só, ele está ocultado, assim como a vida anterior de Ana está ocultada dentro de si e também do leitor, que não consegue acessá-la, senão pela sugestão. No Brasil o amarelo da bandeira está ligado ao ouro. Desde Marx (HARVEY, 2006, p.98-101) sabemos sobre a capacidade que a mercadoria tem de encobrir as relações sociais que estão por detrás delas. Uma arte mercadológica, representativa, também esconde esta relação social, uma arte autêntica, clariceana, tende para sua revelação. Pois bem, em sua condição de mercadoria ou seja em sua condição segunda, utilitária, a vida escondida no interior do ovo deseja manifestar-se, fazer-se ver, em sua origem. Ele é um signo prenhe de vida como a palavra poética. Vida que será desperdiçada, comida, como a palavra racionalizada. Esta vida rompe os invólucros que a contém: a casca fina e o novo saco de tricô. Neste escoar, ele toca e fecunda uma vida que jazia inerte. A vida de Ana. É uma vida que se entrega a fim de trazer à tona outra vida que estava semi-adormecida. É esta entrega da vida, gratuita, tocando a vida interior de Ana, que a predispõe para a sua travessia. A partir deste escoamento e diante deste encontro, o mundo volta a ser uma desordem. O novo saco de tricô - por analogia a nova vida de Ana - tecido por Ana, tende a ocultar a sua vida, assim como a linguagem representativa, monológica, consegue esconder o desassossego que lhes causam os seus filhos “malcriados”. Mas o sulco deste novo saco – a flexibilização – oriundo do saco anterior - tecido “de cor”- se nos 57

abre como uma escritura, a partir da qual é possível serem expostos os seus problemas. A preocupação de Ana com a mercadoria pode ser compreendida a partir da sua imagem visual diante das compras, deformando o novo saco. Mas para entender isso é preciso ler a frase da mesma forma que li a palavra “decorativo” neste segundo momento, ou seja: de forma menos usual. A frase vem escrita assim: “[u]M POUCO cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde”. Mas precisamos mudar a entonação se quisermos entender que na explicação entre vírgulas está o motivo do cansaço de Ana, ou seja: as compras deformando o novo saco de tricô, causam UM POUCO de cansaço em Ana. Não se trata de cansaço, aqui, mas de desconforto. Vamos retomar todo o trecho: “[u]M POUCO cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação” (LF, p.17). Essa idéia pode ser explicada nas outras imagens que a linguagem perceptiva produz. Eu disse antes que diante da imagem “tão bonita” em decomposição do Jardim Botânico Ana “teve medo do inferno” (LF, p. 25). O “teve” aqui está relacionado com posse, reciprocidade. Sua vida familiar anterior ao encontro com o cego, estava ancorada no “ter” e não no ser, no possuir e não no sentir. No primeiro caso: “sempre tivera necessidade de sentir a raiz” (LF, p. 18), “antes de ter o lar” (LF, p. 18) e “os filhos que tivera” (LF, p.18) eram bons. A vida de casada ela “[c]riara em troca” (LF, p. 19) da vida anterior ao casamento. Por isso “[q]uando nada mais precisava de sua força, inquietava-se” (LF, p. 18). No segundo caso: “na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura” (LF, p. 19). Assim é possível dizer que o “inferno” esteja relacionado com tudo que diz respeito ao “ter”, ao ser possuída. 58

a partir da sua funcionalidade. A função é o mais importante. Ambas funcionam como<br />

moeda de troca. São as mercadorias que estão insistindo para serem expostas e isso se<br />

torna visível no escoar das gemas amarelas.<br />

O ovo é um signo que contém uma vida. Sua finalidade original é esta: gerar a<br />

vida. No saco de tricô de Ana ele é uma mercadoria privada desta função essencial. Mas<br />

não só, ele está ocultado, assim como a vida anterior de Ana está ocultada dentro de si e<br />

também do leitor, que não consegue acessá-la, senão pela sugestão.<br />

No Brasil o amarelo da bandeira está ligado ao ouro. Desde Marx (HARVEY,<br />

2006, p.98-101) sabemos sobre a capacidade que a mercadoria tem de encobrir as<br />

relações sociais que estão por detrás delas. Uma arte mercadológica, representativa,<br />

também esconde esta relação social, uma arte autêntica, clariceana, tende para sua<br />

revelação.<br />

Pois bem, em sua condição de mercadoria ou seja em sua condição segunda,<br />

utilitária, a vida escondida no interior do ovo deseja manifestar-se, fazer-se ver, em sua<br />

origem. Ele é um signo prenhe de vida como a palavra poética. Vida que será<br />

desperdiçada, comida, como a palavra racionalizada. Esta vida rompe os invólucros que<br />

a contém: a casca fina e o novo saco de tricô. Neste escoar, ele toca e fecunda uma vida<br />

que jazia inerte. A vida de Ana. É uma vida que se entrega a fim de trazer à tona outra<br />

vida que estava semi-adormecida. É esta entrega da vida, gratuita, tocando a vida<br />

interior de Ana, que a predispõe para a sua travessia. A partir deste escoamento e diante<br />

deste encontro, o mundo volta a ser uma desordem.<br />

O novo saco de tricô - por analogia a nova vida de Ana - tecido por Ana, tende a<br />

ocultar a sua vida, assim como a linguagem representativa, monológica, consegue<br />

esconder o desassossego que lhes causam os seus filhos “malcriados”. Mas o sulco<br />

deste novo saco – a flexibilização – oriundo do saco anterior - tecido “de cor”- se nos<br />

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