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cansaço fosse exclusivamente físico e sempre que voltei a este texto o fiz com o mesmo<br />
pensamento. Mas se ela está UM POUCO cansada, encontraria descanso não<br />
“conforto”. Neste caso a locução inicial sugere desconforto. Então o motivo do cansaço<br />
não é apenas físico, mas também psicológico.<br />
Agora vejo o motivo pelo qual estancava neste ponto a minha leitura. É que o<br />
ato de “andar” do bonde, induziu-me a pensar que o cansaço inicial de Ana fosse físico.<br />
Só que esta relação é automatizada, impensada. A palavra UM POUCO não é capaz de<br />
representar o cansaço de Ana, que é inominável, pelo menos na forma lingüística<br />
instrumental. Note que a ação humana emprestada ao bonde por falta de outra mais<br />
adequada me confundiu. Todos sabem que o bonde não anda, que isso é um recurso de<br />
linguagem já absorvido pelo senso comum. Mas saber disso não impediu que meu<br />
cérebro não fosse confundido pela aproximação daquele ato da máquina com o ato<br />
humano. A máquina é automática, mas o homem não.<br />
Esta ilusão tendo sido criada por Clarice Lispector faz ver a relação entre a<br />
automatização das ações de Ana com a automatização das ações da máquina. Faz ver<br />
também que deve haver uma intenção nada inocente nesta atribuição de ações humanas<br />
às máquinas. Afinal uma máquina jamais vai humanizar-se, não é verdade?! Contudo,<br />
por um processo de migração de sentidos, o humano pode ser induzido a automatizar-se<br />
ou a acostumar-se com a automatização. Ana assim o comprova e a minha incapacidade<br />
inicial de perceber a manipulação que Clarice Lispector fez com a linguagem também.<br />
Charles Chaplin já nos alertou, desde seus “Tempos modernos”, para este perigo, mas o<br />
alerta de Clarice Lispector é mais contundente, porque faz-nos experimentar a nossa<br />
limitação diante do texto. Assim é impossível não nos convencermos. Parece que o<br />
cansaço de Ana, representado pela locução inicial “UM POUCO” excede em muito ao<br />
físico. Voltemos ao motivo deste cansaço.<br />
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