Tese Lidia Nazaré - UFF

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13.04.2013 Views

notícia sobre Pedro Vermelho devem ser entendidas como mercadorias posto estarem sendo vendidas no jornal. Walter Benjamin vê o progresso do passado como ruína, em virtude dos vencedores subjugarem os vencidos, em virtude sobretudo da História destes ser calada na História daqueles. Lacan (1986) por sua vez, vê a sociedade como “esgoto”, em virtude do “ter” fazer dejeto do nosso ser. Partindo deste pressuposto, creio que as personagens de Clarice Lispector e Franz Kafka encontram-se subjugadas por este processo de modernização que desumaniza o homem, convertendo-o em mercadoria. O status da mercadoria é produzido pela arte persuasiva, a da palavra principalmente. A literatura é arte da palavra. Sendo ela um espaço que viabiliza uma reflexão mais acurada sobre o modo como o mundo é organizado, deve iluminar o processo de modernização com os seus aspectos mais variados, positivos e negativos para o homem. Assim as personagens encontram-se bem e, num instante, desestabilizam-se. No coração da modernidade reencontram-se. Nesta travessia elas vão se decompondo. A linguagem utilizada para compô-las vai se decompondo também. Nas páginas vão se amontoando os restos da linguagem representativa – que vai sendo depurada - de que elas foram construídas. Elas alcançam o sopro de vida. A linguagem alcança a letra pura, literal, que nada diz, mas que está ali, em sua condição primeira. Ambas, personagens e linguagem purificam-se, alcançam a condição adâmica. Tocam o demoníaco e o sagrado ao ressurgirem renovadas. A literatura de Clarice Lispector e Franz Kafka mimetiza a destruição construtiva da história: é um lugar de acomodação dos restos, mas também espaço que se nos abre para a transcendência da linguagem e do “eu”, conforme procurei demonstrar a partir da terceira hipótese. No primeiro caso estamos diante de “o 221

transitório, o fugidio, o contingente”, restos provenientes da depuração da linguagem representativa. No segundo caso estamos diante do eterno e o imutável. Já observei que o narrador desestabiliza a capacidade de representação da palavra racionalizada e da mímesis da representação que a toma por instrumento a partir do seu procedimento, contrário ao de Marcel Pretre quanto à forma de classificar o mundo – mais especificamente aqui o gênero feminino - e quanto ao ato de nomear. Observo também que o texto vem organizado de forma que o leitor desatento, acostumado com o uso automatizado da palavra designativa, autoritária, monológica, não percebe os detalhes que o tornam diferente dos demais textos representativos, como, por exemplo, a presença de várias vozes, conforme vimos até agora. Depois de estabelecidas essas relações (ISER, 1983) verifico que a narrativa é toda montada para esclarecer tal limitação da linguagem que fundamentou e fundamenta a axiologia humanista nascida no berço europeu e que vem organizando as nossas vidas desde o século XVIII. Por isso podemos perceber tais aspectos. O explorador caça a sua presa com redes. Em determinado momento da narrativa o narrador faz o comentário: “[o]s bantus os caçam em redes, como fazem com os macacos. E os comem. Assim: caçam-nos em redes e os comem.” A rede é tecida pela letra que constitui a linguagem. Pela linguagem Marcel Pretre “caçou”, ou seja, patenteou Pequena Flor e transformou-a, pela comparação, em “[e]scura como macaco”, ou seja sua identidade primeira, adâmica foi destruída pela limitação da linguagem que tende para a nomeação e depois para a generalização. Por este mesmo caminho da comparação é que conseguimos entender que Marcel Pretre é do grupo dos bantus, afinal, quem caçou a mulher e reduziu-a a condição de macaco foi ele. 222

notícia sobre Pedro Vermelho devem ser entendidas como mercadorias posto estarem<br />

sendo vendidas no jornal.<br />

Walter Benjamin vê o progresso do passado como ruína, em virtude dos<br />

vencedores subjugarem os vencidos, em virtude sobretudo da História destes ser calada<br />

na História daqueles. Lacan (1986) por sua vez, vê a sociedade como “esgoto”, em<br />

virtude do “ter” fazer dejeto do nosso ser. Partindo deste pressuposto, creio que as<br />

personagens de Clarice Lispector e Franz Kafka encontram-se subjugadas por este<br />

processo de modernização que desumaniza o homem, convertendo-o em mercadoria.<br />

O status da mercadoria é produzido pela arte persuasiva, a da palavra<br />

principalmente. A literatura é arte da palavra. Sendo ela um espaço que viabiliza uma<br />

reflexão mais acurada sobre o modo como o mundo é organizado, deve iluminar o<br />

processo de modernização com os seus aspectos mais variados, positivos e negativos<br />

para o homem. Assim as personagens encontram-se bem e, num instante,<br />

desestabilizam-se. No coração da modernidade reencontram-se. Nesta travessia elas vão<br />

se decompondo. A linguagem utilizada para compô-las vai se decompondo também.<br />

Nas páginas vão se amontoando os restos da linguagem representativa – que vai sendo<br />

depurada - de que elas foram construídas. Elas alcançam o sopro de vida. A linguagem<br />

alcança a letra pura, literal, que nada diz, mas que está ali, em sua condição primeira.<br />

Ambas, personagens e linguagem purificam-se, alcançam a condição adâmica. Tocam o<br />

demoníaco e o sagrado ao ressurgirem renovadas.<br />

A literatura de Clarice Lispector e Franz Kafka mimetiza a destruição<br />

construtiva da história: é um lugar de acomodação dos restos, mas também espaço que<br />

se nos abre para a transcendência da linguagem e do “eu”, conforme procurei<br />

demonstrar a partir da terceira hipótese. No primeiro caso estamos diante de “o<br />

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