Tese Lidia Nazaré - UFF
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termo “parecia um cachorro” está um ponto cego da linguagem. Na verdade é aqui que vem a comparação com o macaco. Conforme disse o narrador “‘[e]scura como macaco`, informaria ele à imprensa, e que vivia no topo de uma árvore com seu pequeno concumbino” (LF, p.77-8). Este ponto cego faz ver que existem inúmeras diferenças entre a mulher e um macaco. A comparação que a ciência elegeu como forma de compreensão da natureza é limitada para tal. Note que no excerto anterior, a palavra concumbino também encena um ponto cego da linguagem. Na verdade, ali está o macaco de quem Pequena Flor está grávida. Sendo este macaco um babuíno, que surge por um processo de semelhança fonemática, ela é um babuíno também. Então, quando o narrador afirma que Marcel Pretre comparou-a com um macaco, na verdade ele disse que ela era um macaco. Se ao compará-la a um macaco, ele conduziu o pensamento humanista para o reconhecimento da semelhança entre ambos, ao induzir uma segunda comparação, só que agora dela com os leitores, ele induz o pensamento humanista para o reconhecimento da diferença. Diferença igualmente construída devido a alteração do real que a fotografia fez acontecer. Nesta atitude dissimulada está a sua perversidade, na perspectiva do focalizador, que se manifesta num discurso engasgado: “E, mesmo, quem já não desejou possuir um ser humano só para si? O que, é verdade, nem sempre seria cômodo, há horas em que não se quer ter sentimentos (...) (LF, p. 82-3). Neste caso, fica sugerido que o nome “Pequena Flor” não foi movido por sentimentos idealistas, já que foi imediatamente trocado por outro. Fato que nos leva e perceber que o nome romântico foi utilizado para patenteá-la, possuí-la, depois houve a necessidade da troca deste nome para um termo próprio das ciências - ele era um cientista “espírito científico” - a comparação. Do modo como ele a utilizou ele conduziu o reconhecimento da diferença reforçando, com isso, a certeza de que a cultura é um 217
estágio mais adiantado que a natureza, premissa que tende a justificar os meios utilizados para que esta passagem ocorra. O narrador/focalizador de “Um relatório para uma academia”, de Um médico rural reforça esta limitação da linguagem na sua tarefa de representação do real e para construir a alteridade, que encontra sua razão de ser, no uso da linguagem discursiva para fins de comunicação. Assim, o conto alegoriza o desequilíbrio da linguagem ao mostrar que o sentido é construído em cima de outro sentido, de forma que o real nomeado vai se distanciando cada vez mais de sua origem. Observe: Sou natural da Costa do Ouro. Sobre como fui capturado tenho de me valer de relato de terceiros. Uma expedição de caça da firma Hagenbeck – aliás, com o chefe dela esvaziei desde então algumas boas garrafas de vinho tinto – estava de tocaia nos arbustos da margem, quando ao anoitecer, eu, no meio de um bando, fui beber água. Atiraram; fui o único atingido; levei dois tiros. Um na maçã do rosto: esse foi leve, mas deixou uma cicatriz vermelha de pêlos raspados, que me valeu o apelido repelente de Pedro Vermelho, absolutamente descabido e que só podia ter sido inventado por um macaco, como se eu me diferenciasse do macaco amestrado Pedro – morto não faz muito tempo e conhecido em outro lugar – somente pela mancha vermelha na maçã da cara. Mas digo isso apenas de passagem (UM R, p. 61). O relato de Pedro Vermelho vem construído a partir do relato de outras pessoas. Isso abala o fundamento de seu discurso, desestabilizando-o. Esta desestabilização vem sugerida no álcool do vinho. Note que o homem que o atingiu estava alcoolizado, do contrário não teria lhe dado dois tiros. A cor do sangue da ferida aberta pelo primeiro tiro vem sugerida pelo “tinto” do vinho. Desta atitude “delinqüente” (UMR, p.62 ) veio o nome que ele não deseja, nome estereotipado, fixado, que anula a sua identidade, porque pertencera a outro macaco que o antecedeu. A impossibilidade do desenvolvimento desta vem reforçada no próprio nome “Pedro” ou seja pedra, no imaginário mítico-cristão. Assim, além do conto alegorizar o desequilíbrio da linguagem, ao mostrar que o sentido é construído em cima de outro sentido, alegoriza o desequilíbrio dos que são constituídos nesta linguagem. Ao referir sobre uma 218
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estágio mais adiantado que a natureza, premissa que tende a justificar os meios<br />
utilizados para que esta passagem ocorra.<br />
O narrador/focalizador de “Um relatório para uma academia”, de Um médico<br />
rural reforça esta limitação da linguagem na sua tarefa de representação do real e para<br />
construir a alteridade, que encontra sua razão de ser, no uso da linguagem discursiva<br />
para fins de comunicação. Assim, o conto alegoriza o desequilíbrio da linguagem ao<br />
mostrar que o sentido é construído em cima de outro sentido, de forma que o real<br />
nomeado vai se distanciando cada vez mais de sua origem. Observe:<br />
Sou natural da Costa do Ouro. Sobre como fui capturado tenho de me valer de relato de<br />
terceiros. Uma expedição de caça da firma Hagenbeck – aliás, com o chefe dela esvaziei<br />
desde então algumas boas garrafas de vinho tinto – estava de tocaia nos arbustos da<br />
margem, quando ao anoitecer, eu, no meio de um bando, fui beber água. Atiraram; fui o<br />
único atingido; levei dois tiros. Um na maçã do rosto: esse foi leve, mas deixou uma<br />
cicatriz vermelha de pêlos raspados, que me valeu o apelido repelente de Pedro<br />
Vermelho, absolutamente descabido e que só podia ter sido inventado por um macaco,<br />
como se eu me diferenciasse do macaco amestrado Pedro – morto não faz muito tempo<br />
e conhecido em outro lugar – somente pela mancha vermelha na maçã da cara. Mas digo<br />
isso apenas de passagem (UM R, p. 61).<br />
O relato de Pedro Vermelho vem construído a partir do relato de outras pessoas.<br />
Isso abala o fundamento de seu discurso, desestabilizando-o. Esta desestabilização vem<br />
sugerida no álcool do vinho. Note que o homem que o atingiu estava alcoolizado, do<br />
contrário não teria lhe dado dois tiros. A cor do sangue da ferida aberta pelo primeiro<br />
tiro vem sugerida pelo “tinto” do vinho. Desta atitude “delinqüente” (UMR, p.62 ) veio<br />
o nome que ele não deseja, nome estereotipado, fixado, que anula a sua identidade,<br />
porque pertencera a outro macaco que o antecedeu. A impossibilidade do<br />
desenvolvimento desta vem reforçada no próprio nome “Pedro” ou seja pedra, no<br />
imaginário mítico-cristão. Assim, além do conto alegorizar o desequilíbrio da<br />
linguagem, ao mostrar que o sentido é construído em cima de outro sentido, alegoriza o<br />
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