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Tese Lidia Nazaré - UFF

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Durante o momento em que “Pequena Flor” e “Marcel Pretre” estavam um<br />

diante do outro, o narrador/focalizador continuou com o seu propósito de colocar o<br />

leitor a par dos fatos. Estando “Marcel Pretre” sob o efeito da hipnose, “Pequena Flor” é<br />

focalizada de forma bastante sui generis dando-nos o entender que também o<br />

narrador/focalizador está sob este efeito. Vejamos se isso se comprova. Segundo ele<br />

a própria coisa rara sentia o peito morno do que se pode chamar de Amor. Ela amava<br />

aquele explorador amarelo. Se soubesse falar e dissesse que o amava, ele inflaria de<br />

vaidade. Vaidade que diminuiria quando ela acrescentasse que também amava muito o<br />

anel do explorador amarelo e que amava muito a bota do explorador. E quando este<br />

desinchasse desapontado, Pequena Flor não compreenderia por quê. Pois, nem de<br />

longe, seu amor pelo explorador – pode-se mesmo dizer seu “profundo amor”, porque<br />

não tendo outros recursos, ela estava reduzida à profundeza -, pois nem de longe seu<br />

profundo amor pelo explorador ficaria desvalorizado pelo fato de ela amar também sua<br />

bota. Há um velho equívoco sobre a palavra amor, e, se muitos filhos nascem desse<br />

equívoco, tantos outros perderam o único instante de nascer apenas por causa de uma<br />

suscetibilidade que exige que seja de mim, de mim! Que se goste, e não do meu<br />

dinheiro. Mas na umidade da floresta não há desses refinamentos cruéis, e amor é não<br />

ser comido, amor é achar bonita uma bota, amor é gostar da cor rara de um homem que<br />

não é negro, amor é rir de amor de um anel que brilha. Pequena Flor piscava de amor, e<br />

riu quente, pequena, grávida, quente (LF, p. 85).<br />

Os sentidos continuam à deriva. O narrador/focalizador deixa-se conduzir pela<br />

linguagem do pensamento. As idéias vêm e vão tocando-se pelas bordas, misturando-se<br />

em suas fímbrias sem o menor compromisso com uma seqüência semântica lógica. Os<br />

significantes são utilizados como suporte, ponto de apoio da linguagem do pensamento.<br />

Neste estágio o focalizador mostra o que vê.<br />

Sua impossibilidade de não revelar a contingência do simbólico para representar<br />

o real, quase o faz cair em desgraça, nesse uso propositalmente impensado que ele faz<br />

do sentimento amor. Noto que ele começa a rumorejar sobre o amor sem o perceber,<br />

assim como fez com o termo “coisa rara”. Ele é acometido pela linguagem. Ele estava<br />

dizendo que “[e]m segundo lugar” ela estava agindo daquela forma por conta de seu<br />

filho. Desta fala saiu o sentimento a partir do qual a cena acima foi desenvolvida.<br />

Imediatamente recupera o sentido e explica a respeito do equívoco da palavra amor.<br />

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