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linguagem diz respeito ao homem. Se o homem for capaz desta dissimulação, isto será<br />
encenado no texto. Neste caso ele será capaz de entender, se for provocado, esta<br />
linguagem. A gesticulação do cego, a mancha, o desenho e a barata provocaram Ana e<br />
G.H. a ponto de elas se sentirem insultadas e viram o outro de si, que não pode ser<br />
simbolizado. Elas viram o real manifesto “no vazio da significação fálica, vazio que<br />
marca o lugar da Coisa, espaço insuportável do gozo” (MILLOT, 1993, p.149) que a<br />
escritura clariceana tentará bordear. Será que procedimento parecido pode acontecer<br />
com “Marcel Pretre”?<br />
1.3. O rumorejar da linguagem<br />
A linguagem aqui está entregue ao seu estado de natureza selvagem. O ponto de<br />
apoio do focalizador é “o segredo do próprio segredo: um filho mínimo” (LF, 1960, p.<br />
83). Estamos diante de uma linguagem que rumoreja. Vou ter que seguir a “linha de<br />
orientação” de “Pedro Vermelho”, ou seja, o significante com um resíduo de significado<br />
e o nome – os likoualas usam poucos nomes -, para alcançar a sua forma de<br />
comunicação “os gestos e os sons animais” – eles “usam poucos nomes, chamam as<br />
coisas por gestos e sons animais” (LF, p. 79).<br />
Preciso citar um trecho a fim de conseguir explicar o meu pensamento.<br />
É que a menor mulher do mundo estava rindo. Estava rindo, quente,quente. Pequena<br />
Flor estava gozando a vida. A própria coisa rara estava tendo a inefável sensação de<br />
ainda não ter sido comida. Não ter sido comida era algo que, em outras horas, lhe dava o<br />
ágil impulso de pular de galho em galho. Mas, neste momento de tranqüilidade, entre as<br />
espessas folhas do Congo Central, ela não estava aplicando esse impulso numa ação – e<br />
o impulso se concentrara todo na própria pequenez da própria coisa rara. E então ela<br />
estava rindo. Era um riso como somente quem não fala ri, Esse riso, o explorador<br />
constrangido não conseguiu classificar. E ela continuou fruindo o próprio riso macio,<br />
ela que não estava sendo devorada. Não ser devorada é o sentimento mais perfeito. Não<br />
ser devorado é o objetivo secreto de toda uma vida. Enquanto ela não estava sendo<br />
comida, seu riso bestial era delicado como é delicada a alegria. O explorador estava<br />
atrapalhado.<br />
Em segundo lugar (...) (LF, 1960, p.84).<br />
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