Tese Lidia Nazaré - UFF

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13.04.2013 Views

porque seus textos são abertos, como são abertos os projetos da modernidade. Diante do texto de Clarice Lispector, conforme o demonstrei 90 , posso experimentar travessia semelhante à das personagens: da impossibilidade de ver para à impossibilidade de não ver. Nesta travessia, toda a trama simbólica que cimenta o Sistema de representação vem à tona. Neste espaço, igualmente simbólico, nos conscientizamos de que existe uma realidade construída sobre outra natural. Neste caso podemos repensar sobre o modo como somos constituídos como sujeitos da história. É por isso que seu texto modernista se me apresenta eternamente político e sua palavra eternamente redentora. A primeira palavra que li a respeito da escrita de Clarice Lispector foi em 2002, época em que realizei o Mestrado, na UFMG. Esta me veio pela obra de Lúcia Helena, intitulada “Nem musa nem medusa” (1997). Como era o primeiro contato com uma escrita sobre o texto de Clarice Lispector, custou-me entender o título. Mas encarei esta dificuldade como um teste, do tipo daquele de que nos fala Umberto Eco (1985), para ver se conseguindos superar as primeiras cem páginas alcançamos as demais. Adentrei a leitura de Lúcia Helena e deparei-me com o que hoje chamo, na esteira de Barthes, escrita atópica, porque fala de um texto atópico. Como falar de um texto de fruição repetindo obsessivamente a letra do prazer? Lúcia Helena não o faz repetindo. Conforme me esclarece, hoje, Barthes, ela o faz na trilha da fruição “não se pode falar ‘sobre` um texto assim, só se pode falar ´em` ele, à sua maneira, só se pode entrar num plágio desvairado, afirmar histericamente o vazio da fruição (e não mais repetir obsessivamente a letra do prazer)” (BARTHES, 2004, p.28). Suas reflexões sobre o fazer literário de Clarice Lispector são instigantes e dentre elas a que melhor me coloca em simbiose com o texto da escritora é a leitura do conto “A imitação da rosa”. 90 Cf. Cap. I 185

Não consegui fazer sua leitura naquela época. Voltei ao texto da crítica incontáveis vezes porque, ao que parecia, ele me desejava. À luz de Roland Barthes e Lacan experimento a leitura da penúltima cena do conto clariceano. Antes disso, uma nota sobre o conto de Franz Kafka. A perda do sentido da linguagem verbal e gestual do narrador “Pedro Vermelho” resulta da sua impossibilidade de manifestar-se numa “palavra franca”, tanto na perspectiva dos “senhores” da Academia, quanto na sua própria. Neste segundo caso, ele não pode fazê-lo, porque não seria compreendido, já que seus gestos não tinham sido codificados ainda e, na perspectiva dele, aqueles “senhores” não estavam aptos a entender algo adâmico, original. No primeiro caso, ele não podia fazê-lo, porque a linguagem instrumental utilizada por aqueles “senhores”, se lhe apresentava alterada, sem sentido, como a “aguardente” – palavra composta, alterada - que ele bebeu, como condição única para encontrar uma “saída” da situação em que se encontrava. Refiro-me ao livrar-se dos maus-tratos do caixote, prisão a que o subjugaram os homens. O que o fêz saltar “com um brado”, um som, para dentro da comunidade humana. Estas contingências resultam numa escritura verbal e gestual complexa: ele consegue manifestar-se em sua “palavra franca” e em seu “sentido mais comum e pleno” é verdade, mas o texto não pode ser compreendido quando lido de forma linear, equilibrada, à luz da sintaxe. Seu sentido só pode ser vislumbrado se buscado a partir do “sem sentido” 91 , que está na base da identidade do signo - que aprisiona um significado dentro de um significante - construído arbitrariamente pelos homens. Neste “sem sentido” a linguagem se realiza plenamente, porque se manifesta sobre a imagem de um significante que conserva em si um “sulco do significado” 91 Grifo meu. 186

Não consegui fazer sua leitura naquela época. Voltei ao texto da crítica<br />

incontáveis vezes porque, ao que parecia, ele me desejava. À luz de Roland Barthes e<br />

Lacan experimento a leitura da penúltima cena do conto clariceano. Antes disso, uma<br />

nota sobre o conto de Franz Kafka.<br />

A perda do sentido da linguagem verbal e gestual do narrador “Pedro Vermelho”<br />

resulta da sua impossibilidade de manifestar-se numa “palavra franca”, tanto na<br />

perspectiva dos “senhores” da Academia, quanto na sua própria. Neste segundo caso,<br />

ele não pode fazê-lo, porque não seria compreendido, já que seus gestos não tinham sido<br />

codificados ainda e, na perspectiva dele, aqueles “senhores” não estavam aptos a<br />

entender algo adâmico, original.<br />

No primeiro caso, ele não podia fazê-lo, porque a linguagem instrumental<br />

utilizada por aqueles “senhores”, se lhe apresentava alterada, sem sentido, como a<br />

“aguardente” – palavra composta, alterada - que ele bebeu, como condição única para<br />

encontrar uma “saída” da situação em que se encontrava. Refiro-me ao livrar-se dos<br />

maus-tratos do caixote, prisão a que o subjugaram os homens. O que o fêz saltar “com<br />

um brado”, um som, para dentro da comunidade humana.<br />

Estas contingências resultam numa escritura verbal e gestual complexa: ele<br />

consegue manifestar-se em sua “palavra franca” e em seu “sentido mais comum e<br />

pleno” é verdade, mas o texto não pode ser compreendido quando lido de forma linear,<br />

equilibrada, à luz da sintaxe. Seu sentido só pode ser vislumbrado se buscado a partir do<br />

“sem sentido” 91 , que está na base da identidade do signo - que aprisiona um significado<br />

dentro de um significante - construído arbitrariamente pelos homens.<br />

Neste “sem sentido” a linguagem se realiza plenamente, porque se manifesta<br />

sobre a imagem de um significante que conserva em si um “sulco do significado”<br />

91 Grifo meu.<br />

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