Tese Lidia Nazaré - UFF
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nome ao que existe” (LF, p.78), conforme disse o narrador, ele elege/repete um arbitrariamente. Eleição que o narrador vê com desconfiança, porque desestoriciza o ser. A distância entre ele, “Marcel Pretre” e o objeto, a coisa humana menor que existe, é flagrante, como se pode notar no fragmento acima citado. Até este ponto da narrativa ele apenas olha para ela que se encontra “em pé e aos seus pés” (LF, p. 79) não a examina, não se abaixa para vê-la, é frio e racional. Afinal “seu coração bateu porque nenhuma esmeralda é tão rara” (LF, p. 79), o que nos leva a entender que o coração dele “não batia”. Esta frase também contribui para que entendamos sua ação como delicada. Uma leitura apressada e acostumada com a linguagem romântica assim o entenderia. Todavia, não há nenhum tom de delicadeza. Pelo contrário. Foi neste distanciamento que ele nomeou-a, por isso sua esposa não o julgaria capaz de tal ato, que a partir da focalização do narrador, é violento. A necessidade da aproximação entre o sujeito e o objeto é sugerida no conto. Depois que a descoberta circula pela mídia o narrador diz, numa linguagem confusa, que “Marcel Pretre” “examinou com o olhar a barriguinha do menor ser humano maduro” (LF, p. 83-4). Embora possamos abrir aqui uma cena de ironia, afinal ele não examinou com a mão e sim com o olhar, o ato fica assinalado como ato necessário. Comumente não nos damos conta de que nomear é um ato de violência, porque já estamos acostumados com este procedimento cultural. Contudo, precisamos nos lembrar de que o nome próprio, nome de família, não dá pra ser manipulado e sim, como vimos no capítulo anterior, descoberto. Isso porque ele é original. O narrador precisou de muita habilidade para conseguir “abrir” o nome de “Marcel Pretre”. A violência aqui está em um ato de nomear que não resguarda a identidade do ser nomeado. Por isso o narrador focaliza a mulher tentando relacioná-la à cena original. O nome de família é único, individualiza o ser, ligando-o a sua história. Ele traz o ser à 161
experiência, não o submetendo ao referido nome. O problema do ato de nomear para Adorno e Horkheimer (2006) encontra-se no risco da submissão do ser ao nome e também no uso deste ato para fins de manipulação deste mesmo ser. O nome ao qual a magia se prende de preferência, está passando atualmente por uma transformação química. Ele está se transformando em designações arbitrárias e manejáveis, cuja eficácia se pode agora, é verdade, calcular, mas que por isso mesmo se tornou tão despótica como em sua forma arcaica (HORKHEIMER & ADORNO, 2006, p.136). No conto, entretanto, tal violência fica clara, porque segundo o narrador “[o]s likoualas – “Pequena Flor” é uma deles - usam poucos nomes, chamam as coisas por gestos e sons animais” (LF, p. 79) e “Pequena Flor” não sabe falar a linguagem de “Marcel Pretre”, como nos indica a expressão: “se soubesse falar” (LF, p. 84-5). É neste caso que nomear é uma violência contra ela, já que este procedimento não é natural naquele grupo e tende a retirá-la do anonimato, condição única para que o seu povo continue existindo. Nomeando-a ele a expõe e como o nome em questão já virou um estereótipo, ela será massacrada, “a palavra, que não deve significar mais nada e agora só pode designar, fica tão fixada na coisa que ela se torna uma fórmula petrificada” (HORKHEIMER & ADORNO, 2006, p.136). Caso ela não consiga preencher as expectativas que as gerações românticas traçaram para o nome em questão, se converterá no Outro. Tanto é assim que ao nomeá-la “Pequena Flor”, o leitor que já interiorizou este conceito a partir do idealismo romântico e não a partir da “flor da moita” do realismo machadiano - que não chegou à condição de estereótipo - acha delicada a atitude de “Marcel Pretre”, como, ironicamente, o narrador diz que sua esposa acharia. Acha 162
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nome ao que existe” (LF, p.78), conforme disse o narrador, ele elege/repete um<br />
arbitrariamente. Eleição que o narrador vê com desconfiança, porque desestoriciza o ser.<br />
A distância entre ele, “Marcel Pretre” e o objeto, a coisa humana menor que<br />
existe, é flagrante, como se pode notar no fragmento acima citado. Até este ponto da<br />
narrativa ele apenas olha para ela que se encontra “em pé e aos seus pés” (LF, p. 79) não<br />
a examina, não se abaixa para vê-la, é frio e racional. Afinal “seu coração bateu porque<br />
nenhuma esmeralda é tão rara” (LF, p. 79), o que nos leva a entender que o coração dele<br />
“não batia”. Esta frase também contribui para que entendamos sua ação como delicada.<br />
Uma leitura apressada e acostumada com a linguagem romântica assim o entenderia.<br />
Todavia, não há nenhum tom de delicadeza. Pelo contrário. Foi neste distanciamento<br />
que ele nomeou-a, por isso sua esposa não o julgaria capaz de tal ato, que a partir da<br />
focalização do narrador, é violento.<br />
A necessidade da aproximação entre o sujeito e o objeto é sugerida no conto.<br />
Depois que a descoberta circula pela mídia o narrador diz, numa linguagem confusa,<br />
que “Marcel Pretre” “examinou com o olhar a barriguinha do menor ser humano<br />
maduro” (LF, p. 83-4). Embora possamos abrir aqui uma cena de ironia, afinal ele não<br />
examinou com a mão e sim com o olhar, o ato fica assinalado como ato necessário.<br />
Comumente não nos damos conta de que nomear é um ato de violência, porque<br />
já estamos acostumados com este procedimento cultural. Contudo, precisamos nos<br />
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como vimos no capítulo anterior, descoberto. Isso porque ele é original. O narrador<br />
precisou de muita habilidade para conseguir “abrir” o nome de “Marcel Pretre”.<br />
A violência aqui está em um ato de nomear que não resguarda a identidade do<br />
ser nomeado. Por isso o narrador focaliza a mulher tentando relacioná-la à cena original.<br />
O nome de família é único, individualiza o ser, ligando-o a sua história. Ele traz o ser à<br />
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