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palavras, que extrai delas luz pelo fato de<br />
que se extinguem, a claridade através da<br />
escuridão.<br />
Maurice Blanchot 74<br />
Clarice Lispector oferece ao leitor uma linha de orientação sobre o modo como o<br />
texto foi construído. Há alguns capítulos vimos que o corpus apresenta duas orientações<br />
de caráter intertextuais 75 : a referência ao narrador e à História. Há, além dessas duas,<br />
uma orientação intratextual muito útil para o entendimento do processo de construção<br />
do texto e, conseqüentemente, para o processo de sua decomposição. Clarice Lispector<br />
(re) estrutura o mundo e, dialogando sobre o modo como o formatou, oferece-me as<br />
ferramentas para acessá-lo. As duas histórias que o conto encena são distintas, mas<br />
montadas assim: “E – como uma caixa dentro de uma caixa, dentro de uma caixa – entre<br />
(...)” (LF, p.77). A imagem da caixa é nítida. Há o limite da primeira caixa desenhado<br />
nos travessões e as outras caixas vão desaparecendo dentro dele até chegar a um ponto<br />
de fuga de quarenta e cinco centímetros.<br />
Aqui está “‘a vocação para o abismo` o modo singular como o recurso da auto-<br />
referencialidade é utilizado para se refletir sobre o limite, considerado um problema<br />
narrativo” (HELENA, 2006, p.117). Como esta mulher poderia ser representada pela<br />
mímesis da representação se ela está entre “o menor dos menores pigmeus do mundo,<br />
obedecendo talvez à necessidade que às vezes a Natureza tem de exceder a si própria” ?<br />
Afinal a Ciência e a Estética que a ela se afilia podem dar conta (?) da física e não da<br />
metafísica. Esta mulher excede. Daí a importância da mímesis da produção, que abre<br />
espaço para os impossíveis, para aquilo que é da ordem do inominável. 76<br />
74 O espaço literário, 1987, p. 37<br />
75 Cf. Cap. III.<br />
76 David Harvey (2006) lembra que para Nietzsche “o único caminho para a afirmação do eu era agir,<br />
manifestar a vontade, no turbilhão da criação destrutiva e da destruição criativa, mesmo que o desfecho<br />
esteja fadado à tragédia” (HARVEY, 2006, p.25). Neste caso, Nietzsche reivindica para a estética o lugar<br />
onde as verdades eternas e imutáveis poderiam ser alcançadas, contrariando assim a crença iluminista de<br />
que poderia fazê -lo a partir da razão.