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A humanidade só terá voz quando todos puderem se manifestar, quando<br />
nenhuma voz se sobrepuser a outra. Para isso o homem precisa abrir mão da posse da<br />
palavra, reconhecendo nela uma marca original que preexiste a sua função instrumental<br />
para fins de comunicação. Não se trata aqui de encontrar um sentido último da palavra,<br />
que isso é impossível. Se Clarice Lispector e Franz Kafka desejassem, suas escritas<br />
seriam intermináveis. Mas eles calam a palavra no ponto em que alcançam a<br />
impossibilidade da representação, no momento em que a Coisa aparece no traço que<br />
resta do significado. É esta a “palavra-coisa” de Clarice Lispector, a “palavra adâmica”<br />
de Walter Benjamin – neste caso seria uma palavra que contém um traço da História dos<br />
vencidos, traço a partir do qual esta História pode vir à tona - e a palavra que eu venho<br />
chamando a partir de Joyce “verbo encarnado” 71 . Tudo está neste lugar “na ostentação<br />
de uma presença pura, sem além” (MILLOT, 1993, p. 149).<br />
Esta escavação que Clarice Lispector realiza na linguagem faz ver que o homem<br />
é um ser de linguagem, mas que não pode se arrogar o direito de apossar-se dela e<br />
mostra também que a linguagem humana não pode ser reduzida à condição<br />
instrumental. Esta busca da “palavra-coisa” ou da “palavra adâmica” de Clarice<br />
Lispector e de Walter Benjamim acena para a necessidade de uma nova concepção da<br />
linguagem e também de um novo encaminhamento desta, na organização do Sistema de<br />
representação de qualquer sociedade civilizada.<br />
Todavia o texto não termina no nome próprio e sim no sopro existente numa<br />
cena alusiva ao filho mínimo - do nome comum - “Pequena Flor”. Este sopro sugere um<br />
corte no continuun da História. Uma parada para reflexão. Um aceno para o fim das<br />
coisas e do seu recomeço.<br />
71 Segundo Millot “No Carnet de Trieste, Joyce retoma os termos de Shelley: “O instante de inspiração é<br />
uma centelha tão breve a ponto de ser invisível (...). É o instante em que o verbo se faz carne” (JOYCE:<br />
apud. MILLOT, 1993, p. 149).<br />
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