Tese Lidia Nazaré - UFF

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13.04.2013 Views

2. Valorização do nome próprio, que identifica o ser. “Pequena Flor” não seria manipulada se tivesse um nome próprio assim como “Marcel Pretre”. 3. Reivindicação de uma linguagem mimética para a literatura. O nome “Marcel Pretre” já foi sugado pelo adjetivo “explorador”. Neste caso precisamos entender que tal lugar que ele ocupa no final do texto também marca um vazio a ser preenchido pelo imaginário do leitor. De fato “a linguagem aqui não quer ser confundida com a ciência, o texto desfaz a nomeação e é esta defecção que o aproxima da fruição” (BARTHES, 2004a, p. 55). Diante da nomeação desfeita resta-nos buscar melhor entendimento para a palavra “explorador”. Esta forma designativa e fixa que aparece dezenove vezes persiste do começo ao fim da narrativa, como já disse. Ela já sugou tudo o que há no texto e que se refere ao francês. A ele estão ligados os nomes “Marcel Pretre”, com sua ação de descobrir e a coisa descoberta “Pequena Flor”. Elementos que constituem as cenas do texto. Sendo este texto um espaço de fruição, podemos entender que ao repetir o nome tantas vezes, ele acabou sendo estereotipado na mente do leitor. Cristalizou-se. Mas é contra esta idéia que o narrador luta. Por isso ao repetir tantas vezes o referido, há aí o seu desgaste, a rasura, um escoamento de sentido, na medida em que é acompanhado pelo comentário. Neste caso o espaço do “explorador” também pode ser entendido como um espaço vazio a ser preenchido. O narrador sugere que o verbo “descobrir” está intimamente ligado à cultura. Os primeiros pigmeus com o qual ele “topou” falavam sua língua já que lá ele “foi informado” da existência de outro povo. Mas ao deparar-se num local onde sua cultura ainda não havia chegado – os pigmeus não apresentavam linguagem comum à dele – o narrador optou pelo verbo “descobrir”. Todavia, o advérbio “realmente”, referindo-se aos termos anteriores “topou” e “foi informado” que se lhe segue, desloca este verbo, o 149

que nos leva a compreender que o narrador não concorda com este pensamento. Assim, precisamos entender que na perspectiva do narrador/focalizador o explorador/ descobridor deve ser pulverizado da História. Os espaços vazios que se nos abrem no texto precisam ser obturados por uma nova História. Esta, a partir de um ponto de apoio, de um grão de voz, que podemos encontrar na palavra “Pretre”, antecipa o parágrafo final, convertido em sopro. Este “Pretre”, “Padre”, recolhido à sua condição primeira, pelo processo de evacuação de sentido, pode fazer alusão à primeira palavra utilizada por Simão-Pedra, o pescador, ancorada na leveza do comentário das parábolas e não na rigidez da palavra instrumental, utilizada pela arte teatral representativa, escrita para o autóctone na linguagem do colonizador, com a finalidade de impor-lhe uma língua já estigmatizada pela “queda”. Pode fazer alusão também ao “Pai”, pedra angular, verbo feito carne, “palavra- coisa” com a qual a verdade, o real, pode ser revelado. Estamos observando que esta palavra é encontrada no sem-fundo da forma, no vazio aberto pela linguagem instrumental. Neste caso trata-se de palavra indomada, inominável. Se o nome de Deus não podia ser tomado em vão, era com esta palavra impossível de ser apreendida que ele devia ser apresentado aos povos, não com a palavra racionalizada. Assim como a mulher não pode ser nomeada, dada a sua singularidade, assim também Deus não pode. Se a identidade da mulher foi apagada pelo peso da linguagem significativa, a identidade de Deus também foi. Rasurar a linguagem que, na tentativa de revelar a identidade da mulher e de Deus, acabou ocultando suas faces, é uma tentativa de devolver-lhes as verdadeiras faces. Como é a face desta mulher? Como é a face de Deus? No fundamento sem fundo do verbo feito carne, o narrador sorri e cala. 150

que nos leva a compreender que o narrador não concorda com este pensamento. Assim,<br />

precisamos entender que na perspectiva do narrador/focalizador o explorador/<br />

descobridor deve ser pulverizado da História.<br />

Os espaços vazios que se nos abrem no texto precisam ser obturados por uma<br />

nova História. Esta, a partir de um ponto de apoio, de um grão de voz, que podemos<br />

encontrar na palavra “Pretre”, antecipa o parágrafo final, convertido em sopro. Este<br />

“Pretre”, “Padre”, recolhido à sua condição primeira, pelo processo de evacuação de<br />

sentido, pode fazer alusão à primeira palavra utilizada por Simão-Pedra, o pescador,<br />

ancorada na leveza do comentário das parábolas e não na rigidez da palavra<br />

instrumental, utilizada pela arte teatral representativa, escrita para o autóctone na<br />

linguagem do colonizador, com a finalidade de impor-lhe uma língua já estigmatizada<br />

pela “queda”.<br />

Pode fazer alusão também ao “Pai”, pedra angular, verbo feito carne, “palavra-<br />

coisa” com a qual a verdade, o real, pode ser revelado. Estamos observando que esta<br />

palavra é encontrada no sem-fundo da forma, no vazio aberto pela linguagem<br />

instrumental. Neste caso trata-se de palavra indomada, inominável. Se o nome de Deus<br />

não podia ser tomado em vão, era com esta palavra impossível de ser apreendida que ele<br />

devia ser apresentado aos povos, não com a palavra racionalizada.<br />

Assim como a mulher não pode ser nomeada, dada a sua singularidade, assim<br />

também Deus não pode. Se a identidade da mulher foi apagada pelo peso da linguagem<br />

significativa, a identidade de Deus também foi. Rasurar a linguagem que, na tentativa de<br />

revelar a identidade da mulher e de Deus, acabou ocultando suas faces, é uma tentativa<br />

de devolver-lhes as verdadeiras faces. Como é a face desta mulher? Como é a face de<br />

Deus? No fundamento sem fundo do verbo feito carne, o narrador sorri e cala.<br />

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